Albert Uderzo era daltônico como Van Gogh. Por isso, usava tanto amarelo e azul, nossas cores seguras. Como não desconhecia o fato, Uderzo escrevia em seus potinhos de tinta o que continham. Tudo para não se atrapalhar. Hoje, o Clube dos Daltônicos lamenta a perda de um de seus mais célebres membros.
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As verdadeiras cores de Van Gogh
Publicado em 27 de julho de 2014 no Sul21
Milton Ribeiro, daltônico (*), como Van Gogh
No dia 27 de julho de 1890, depois de meses de intensa atividade criativa — nesta época pintava, em média, um quadro por dia –, Vincent Van Gogh (1853-1890) saiu para uma caminhada durante a qual disparou um tiro em seu próprio peito. Arrastou-se de volta à pensão onde estava instalado e morreu dois dias depois, nos braços de seu irmão Theo. Suas últimas palavras teriam sido: “La tristesse durera toujours” (em francês, “A tristeza durará para sempre”). Onze anos depois, em 1901, era inaugurada a hoje célebre exposição Van Gogh em Paris. Era uma mostra de um artista absolutamente obscuro. Nela, havia 71 quadros do pintor que vendera uma única tela em vida — A Vinha Encarnada — , por cerca de R$ 800,00, em valores de hoje.
Cem anos após sua morte, em 1990, um de seus trabalhos, O Retrato do Dr. Gachet, foi vendido por US$ 82,5 milhões. Van Gogh não é um caso único. Por exemplo, Johann Sebastian Bach era considerado apenas um bom músico e um compositor antiquado no século XVIII; Franz Kafka era tímido e problemático demais para apresentar seus trabalhos – tendo pouco publicado em vida e feito seu amigo Max Brod prometer que destruiria o restante, promessa não cumprida. Porém, talvez Van Gogh seja o caso de maior contraste entre uma vida secreta e uma unânime consagração póstuma.
Vincent Van Gogh nasceu em 1853, na localidade de Groot Zundert, no interior da Holanda. Seu pai era um pastor calvinista que deu aos filhos a mais severa das educações. Van Gogh teve dois irmãos – Theodorus, apelidado de Theo, e Cornelius — e três irmãs — Elisabeth, Anna e Willemina. Os biógrafos descrevem a casa onde cresceram como fria, úmida e escura. A infância dos irmãos não pode ser descrita como feliz.
Aos 16 anos, Vincent mudou-se para Haia a fim de trabalhar como representante comercial de livros de arte com um tio. Conheceu boa parte do país, mais Bruxelas e Londres, porém seu sonho era conhecer Paris, na época o grande centro cultural da Europa e do mundo. Em 1875, aos 22 anos, conseguiu uma transferência para a cidade. Foi feliz por lá, conheceu artistas, visitou galerias, fruiu da vida cultural da cidade – e acabou demitido por não trabalhar.
Deprimido e sem perspectivas, Van Gogh voltou à casa dos pais, onde sofreu sucessivas crises nervosas. Místico, passou a dedicar-se à religião, conseguindo uma posição como pastor, assim como o pai. E foi pregar numa mina de carvão na Bélgica. Porém, como pouco pregava, preferindo ocupar seu tempo em conversas com os mineiros miseráveis, acabou afastado da missão religiosa em 1879. Tinha 26 anos e o senso comum dizia que era um fracasso completo. Não constituíra família, não se sustentava sozinho e não parecia vocacionado a nada. Consideremos que tinha 26 anos, nenhuma obra e que teria pouco mais de dez anos de vida, internações e produção artística.
Naquele ano, seu irmão Theo já morava na cobiçada Paris, exercendo um alto cargo na galeria de arte do tio. Ele o incentivou a pintar. Passou a lhe enviar dinheiro para a compra de tintas e pincéis. Vincent dedicou-se, então, ao estudo da perspectiva e da anatomia. E pintou várias telas sombrias, nas quais retratava mineiros, camponeses, trigais e campos.
Mas então as crises recrudesceram. Seu diagnóstico apontava perturbações epiléticas, ainda que o médico, Dr. Peyron, não fosse neurologista nem psiquiatra. Elas duravam de duas a quatro semanas, período no qual Van Gogh não conseguia realizar nenhum gênero de trabalho, revelando-se propenso a atitudes violentas, resultado de alucinações e da impressão de que todos o perseguiam com a finalidade de prejudicá-lo.
Havia alta incidência de doenças mentais na família Van Gogh. Theo sofria com a depressão e faleceu de uma certa “demência paralítica”, complicação rara da sífilis. Sua irmã Willemina era esquizofrênica, tendo vivido 40 anos no mesmo asilo onde Van Gogh foi depois internado e o outro irmão, Cornelius, cometeu suicídio aos 33 anos de idade.
Van Gogh foi internado várias vezes em sanatórios. Nos intervalos, criava as obras que vemos hoje e procurava levar sua vida. Durante algum tempo, dividiu seu ateliê com Gauguin em Arles, mas também se desentendeu com ele. Gauguin e Van Gogh partilhavam de mútua admiração, mas a relação entre ambos estava longe de ser pacífica e as discussões eram frequentes. Para representar as relações abaladas entre os dois, Van Gogh pintou a A Cadeira de Van Gogh e a A Cadeira de Gauguin, ambas em dezembro de 1888. As duas estão vazias, com objetos que representam as diferenças entre os dois pintores. A cadeira de Van Gogh é sem braços, simples, com assento de palha; a de Gauguin possui assento estofado e braços.
“Vincent e eu não podemos simplesmente viver juntos em paz devido à incompatibilidade de temperamentos”, queixou-se Gauguin a Theo. Sentia-se incomodado com as variações de humor de Vincent e não era para menos. Em 23 de dezembro de 1888, após Gauguin sair para uma caminhada, Van Gogh o seguiu e o ameaçou com uma navalha. Gauguin decidiu não voltar ao atelier, pernoitando em uma pensão. A fim de demonstrar seu arrependimento, Vincent cortou um pedaço de sua orelha direita, que embrulhou em um lenço e o levou, como presente, a uma prostituta sua amiga. Depois, Vincent retornou à sua casa, indo dormir como se nada tivesse acontecido. A polícia foi avisada e o encontrou desmaiado, totalmente ensanguentado. Gauguin então enviou um telegrama para Theo e viajou imediatamente a Paris, julgando melhor não visitar Vincent no hospital.
Van Gogh passou 14 dias internado, ao final dos quais voltou à casa. Em seu retorno, pintou o Auto-Retrato com a Orelha Cortada. Porém, quatro semanas depois, apresentou novos sintomas de paranoia, imaginando que seria envenenado a qualquer momento. Os cidadãos de Arles, apreensivos, solicitaram seu internamento definitivo. Sendo assim, Van Gogh tornou-se paciente e preso no hospital de Arles. As crises repetiam-se, sempre precedidas de sonolência e seguidas por apatia.
Rejeitado pelo amigo Gauguin e pela cidade, descartados todos os seus planos artísticos, a depressão voltou a agravar-se, ele que agora tinha como único amigo seu irmão Theo. Para completar, o casamento de Theo constituiu-se em fonte de nova temor para Vincent, que temia o afastamento.
Em maio de 1890, Vincent deixou a clínica, passando a residir na periferia de Paris (em Auvers-sur-Oise), onde estaria mais próximo do irmão e consultaria o Dr. Paul Gachet. Gachet — aquele mesmo cujo retrato seria vendido por 82,5 milhões de dólares — não foi bem sucedido. Mas, em Auvers, Van Gogh produziu rapidamente cerca de oitenta pinturas, em média uma por dia.
Repentinamente, seu estado piorou e, em 27 de Julho de 1890. Van Gogh saiu da cidade para disparar o tiro contra o próprio peito. Dias depois, no sótão da galeria de arte do tio, mais de 700 originais de Van Gogh aguardavam compradores.
Vincent Van Gogh revolucionou a história da pintura. Embora tenha sido influenciado pelos pintores impressionistas, sua obra é muito pessoal e solitária. Usava cores opostas, como o azul e o amarelo, para aumentar a vibração de suas imagens. Também se utilizava de formas distorcidas e exagerava na perspectiva para aumentar a expressividade de suas composições. Outra característica era o uso de camadas espessas de tinta. Críticos de arte costumam dizer que não é a cor em si que chama a atenção, mas o movimento, a inquietude de formas e cores em conjunto, porém…
A questão do daltonismo
Embora a vasta bibliografia a respeito de Van Gogh, são raros os estudos sobre a cor em seus trabalhos. Na verdade, a questão das cores chamou a atenção não tanto dos historiadores da arte, mas de neurologistas e oftalmologistas que encontraram nelas sinais claros de discromatopsias, as dificuldades na percepção de cores de que sofrem os popularmente conhecidos como daltônicos. Assim, se alguns biógrafos tratam rapidamente da expressividade de Van Gogh — raramente referindo-se a ele como um “revolucionário da cor” — como algo característico seu, os oftalmologistas o tratam como francamente daltônico.
Hoje, cresce a corrente daqueles que afirmam que o uso original da cor não se devia a nenhuma consequência da epilepsia ou de qualquer outra doença, mas de um reles daltonismo. Van Gogh aparece habitualmente nas listas dos portadores da doença. Portanto, apenas as pessoas daltônicas – doença chamada atualmente nos EUA de color blindness ou cegueira de cores – poderiam ver seus quadros da forma como ele os imaginou.
O oftalmologista e biotecnólogo japonês Kazunori Asada desenvolveu um programa (há versões para iPhone, iPad, iPod e Android), que simula a visão dos três tipos conhecidos de daltonismo. Van Gogh sofreria do tipo mais comum de daltonismo, a protanopia, que resulta na impossibilidade de discriminar cores no segmento verde-vermelho do espectro. O professor Asada também acredita que Van Gogh sofria deste tipo de daltonismo e, abaixo, temos a aplicação de seus programas de filtragem de cores às pinturas do holandês. Assim, podemos comparar as pinturas como elas são (sempre as primeiras) e como Van Gogh as via (abaixo). Com isto, o cientista pretende mostrar às “pessoas normais” como o autor via seus quadros. Alguns autores apenas citam a forma como Van Gogh evitava o verde, o verde vivo, o vermelho, o rosa e o bege. As cores que mais usa são o amarelo e o azul, que são vistas da mesma forma por quem é ou não daltônico. Os pares de imagens, assim como as observações abaixo delas são do artigo Mirando las obras de Van Gogh con sus propios ojos.
“A Colheita”. No original, o que deveria ser um campo de trigo, é de cor laranja, e acima temos linhas verdes em que mesclam à luz solar. Para os daltônicos, a sombra no trigal dá profundidade à cena. O sol poente tem um ar mais outonal. “
Em “A Noite Estrelada” a força está no contraste da obscuridade e das estrelas. As nuvens e a paisagem são iluminadas pela luz branca da lua. “
Cada uma das pedras da calçada parece mais sólidas. O terraço da cafeteria emerge com mais profundidade na noite sem lua.
A cena do jardim adquire uma realidade fotográfica. Ganha profundidade, dá a impressão de estarmos num mirante.
Aos nossos olhos na pintura da dama com sombrinha cruzando a ponte, esta se reflete no rio de forma surrealista. No entanto, na simulação, tudo se torna mais realista. A superfície da água brilha nas pequenas ondulações. “
Auto-retrato. Dá a impressão de um homem pouco sociável. É uma figura sofrida, distante e orgulhosa.
Nota: O simulador pode ser baixado gratuitamente aqui. É possível utilizá-lo em quaisquer fotos ou imagens em “.jpg”.
(*) Nota final do autor: Sou daltônico — sofro também de protanopia — e posso garantir que percebo quase nenhuma diferença entre as imagens. Dá para dizer que são pares de cópias perfeitas. Desde pequeno, pintava noites com o céu roxo e minhas professoras me advertiam que não era bem assim. Eu ficava muito contrariado. Então, as observações a cada dupla de fotos foram resultado de tradução de artigo Prof. Asada e de discussões em casa e na redação do Sul21. Não opinei, claro. Como o faria?
Paris, 24 de fevereiro: a visita aos amigos (II)
Se há uma coisa ruim em Paris é o metrô. Afirmo-lhes que, além de sujo, trata-se de um insulto aos daltônicos. Não sou nenhum macho-alfa, apenas acho que me oriento um pouco melhor que a Elena, mas lá tinha que deixar tudo para ela, tudo o que conseguia fazer era tatear cegamente no esquema padrão das linhas. Um dia, quando fomos para o Museu d`Orsay, por culpa minha acabamos numa cidadezinha da periferia chamada Juvisy-sur-Orge, a 19 Km de Paris. O esquema do metrô tem cor-de-rosa, violeta, vários tons de verde, lilás, púrpura e outras cores sabidamente inexistentes. Ou seja, era tudo com a Elena. Problema nenhum, mas e se eu estivesse sozinho? Em Londres, Roma, Rio e São Paulo há respeito conosco. Em Paris, não. São 14 linhas em estilo impressionista. Vão se fuder!
Então foi a Elena quem me levou até o hotel onde estavam hospedados a Liana e o Alexandre. Levou com competência, porém, quando chegamos na portaria do hotel não havia nenhum Alexandre Constantino nem nenhuma Liana Bozzetto na lista. O porteiro do Hotel Saint-Germain nos olhou com cara de quem estava vendo um casal de comediantes. (Numa cidade daquelas, eles não pensam num casal de assaltantes de hotéis, pensam em babaquice mesmo). Devíamos ser ainda mais engraçados por estarmos sem celular, desconectados do mundo. Perguntamos pelos brasileiros hospedados e o cara deu uma risada deliciosamente inconclusiva, respondendo que o hotel estava cheio de nossos conterrâneos, que a cidade e o mundo estava cheio deles. Olhei a lista de cima a baixo e nada. Vi quem tinha feito check-out naquele dia. Nada de Constantino, nada de Bozzetto. Mas eles tinham que estar ali. No dia anterior eles tinham sumido ali dentro. Foi quando vimos o Alexandre descendo calmamente as escadas. Porra, era ele mesmo. Com a tranquilidade habitual, ele me disse que devia estar registrado com algum de seus inúmeros nomes, pois, como um verdadeiro membro de nossa família imperial, nascera Alexandre Nogueira de Castro Constantino! Ah, voilá, c`est Monsieur Nogueirrá! E subimos com o Nogueirrá.
Nosso objetivo era o bebermos um dos vinhos franceses que compráramos, acompanhado da comida que eles tinham acumulado. (Em verdade vos digo, somos exagerados e gordos, levamos comida também…). E, como eles voltariam para o Brasil no dia seguinte, a ordem era vandalizar. Abaixo, nossa mesa antes de virem as coisas da geladeira.
E comemos e bebemos e conversamos por horas. Era salmão pra cá, pão pra lá, pasta acolá, camarões alhures, vinho sob a cadeira e água aquecendo na mesa para o chá, tudo ao mesmo tempo. Primeiro falamos de coisas tristes, mas depois, sob a influência de baco…
… ficamos mais alegres. Contamos sem maldade cada uma das últimas sacanagens que sofrêramos e sobre algumas iniquidades, também falamos sobre assuntos muito sérios e irreversíveis. Mas o vinho… A Elena contou que a escolha do vinho fora por ter sido produzido no mesmo ano em que seu filho nascera (hã?) e eu lembro que contei algumas de minhas histórias loucas. Mas nada pode comparar-se ao cartaz que vimos na estação de metrô onde pegamos o trem de volta. Pô, 20 cm de prazer? Mesmo sendo uns 20 placide, tô fora.
O que vê e como se sente um daltônico?
O termo daltonismo deriva de John Dalton, um cientista inglês que estudou teoria atômica, autor da lei de Dalton (algo sobre pressão, se não me engano) e que foi o primeiro a estudar a anomalia de que sofria. Atualmente, o termo mais utilizado não é mais daltonismo e sim Color Blindness ou Cegueira para Cores. Uma vez que esse problema está geneticamente ligado ao cromossomo X, ocorre mais frequentemente entre homens pois, no caso das mulheres, seria necessário que os dois cromossomos X contivessem “gens daltônicos”.
Curiosamente, os daltônicos muitas vezes apresentam genitália avantajada. Seus filhos, não.
Você reconhece um daltônico quando ele, ainda adolescente, morando na casa da mãe, sai de casa bem arrumado para alguma ocasião especial trajando estranhas combinações, como calça verde e camisa vermelha. No meu caso, a Dra. Maria Luiza Cunha Ribeiro dizia para mim:
– Pelo amor de Deus, muda de roupa, Miltinho. Tu mais pareces um periquito – não estranhem, minha mãe sempre falou um português perfeito, com todos os verbos bem conjugadinhos…
E o periquito voltava para seu quarto, acompanhado de sua mãe, dentista e consultora cromática, a fim de trocar de roupa. Mas nunca o fazia na frente dela, pois tinha vergonha de mostrar a característica secundária que os daltônicos carregam consigo.
Outra forma de identificar um daltônico é quando pedem a ele um objeto mais ou menos assim:
— Vai lá no quarto e pega a caixinha lilás.
Para nós, uma caixinha lilás ou marinho ou azul ou cor-de-burro-quando-foge é exatamente o mesmo. Ou, melhor dizendo, são diferentes, bem diferentes, o que não significa que eu saiba qual é especificamente a lilás (cor especialmente complicada). Quando eu não sabia que era daltônico, pensava que era apenas idiota, impressão que até hoje não se desfez inteiramente. Concluí que era incapaz de aprender as cores e ficava mal-humorado quando via algum mapa cheio de legendas coloridas no livro de geografia. Enchia os livros de flechinhas e anotações…
Porém, meu colega de daltonismo, fique sabendo que a culpada é sua mãe e desta forma ela não pode ficar irritada quando você não pega as meias nem as toalhas certas ou ameaça explodir a casa se errar aquela ligação elétrica identificada por fiozinhos coloridos. Neste momento, você deve mandá-la examinar seu cromossomo X — que você herdou exatamente dela — ou a puta que a pariu. Tudo depende do contexto.
Mas depois você casa e sua mulher lhe grita do banheiro para pegar no quarto a calcinha rosa e você lhe traz uma igual só que verde azulada, na opinião dela. E ela vai lhe dizer mui compreensivamente:
— Que má vontade, hein? Pegaste a primeira que te apareceu na frente! Isso demonstra teu desinteresse por mim — sem imaginar que você quase morreu dentro daquela gaveta colorida e que, de tão angustiado, esqueceu de mergulhar o nariz nela (no meu caso, um nariz igualmente avantajado).
Mas observem a imagem acima. À esquerda, está a imagem normal; à direita, as pessoas que não são daltônicas verão a imagem que nós, daltônicos avantajados, vemos. Pois é, dizem que para nós o mundo é mais feio, mas você só diz isso porque você não revisou em detalhes nossa anatomia.
A mesma mágica acima. A do lado esquerdo é a sua; a do direito, a nossa. Minha mulher tirou esta foto de minha filha para mostrar que eu não vejo o vermelho, cor do Sport Club Internacional, minha maior paixão. Diz ela que, à esquerda, o sofá é vermelho e, à direita, é outra coisa que esqueci. Talvez não esteja mentindo; afinal, aprendi a distinguir os gremistas por seu comportamento. Eles nem sempre estão fantasiados com seus pijamas.
Acima, foto de meu filho com sua ex-namorada Carol. Bernardo e Carol, aos 16 anos (isso em 2007), são certamente virgens – nem imagino outra hipótese! Acontece que dizem que o verde dos daltônicos (lado direito) é uma coisa desmaiada e seca, fato que nos torna mais concentrados, desligados do mundo exterior, das coisas materiais, mais reflexivos e inteligentes. Além, claro, de termos aquilo que vocês, pessoas espertas, já sabem.
Voltamos ao infeliz tema do vermelho. Agora, em nova e elegante referência subliminar ao casalzinho anteriormente citado, vemos uma maçã ainda intacta, claro. Ao lado direito está a maçã normal… Não brincadeirinha, a do lado direito é a nossa, a do esquerdo é a de vocês.
Eu adoro quindim. A simples visão de um, mesmo num bar de beira de estrada, mesmo que este seja imundo e pouco freqüentado, com milhares de quindins esperando uma meia dúzia de clientes diários, mesmo que haja mofo no doce vizinho, eu como com enorme prazer. Simplesmente amo e você não vai dizer que o quindim que vejo (foto à direita) não é bem amarelo.
Em pé, da esquerda para a direita: Filipe (sobrinho), Iracema (irmã) e Bárbara (filha). Agachados: George Clonney e Bernardo (filho).
Esta foto lamentável de colorados foi tirada por uma gremista. Vejam como ficamos feios e fora de foco. E iríamos mandá-la para um amigo português que encontrou a certidão de nascimento de meu avô em Lisboa, o que nos permitirá a dupla cidadania. Pois mesmo nesta foto de agradecimento por parte dos beneficiários da gentileza de um bom amigo, manifestou-se o ruindade gremista. Ela tremeu, desconfigurou a câmera e deixou-nos horrorosos, com caras de néscios sifilíticos. Resultado: ainda não mandei a foto, nem os mimos para o amigo. Não conte com gremistas para nada.
Vemos perfeitamente o azul. É importante reconhecer claramente…
… o inimigo.
Abaixo, o teste de Ishihara para identificar homens de genit… vocês sabem.
Obs: o software que transforma as fotos foi tirado daqui. E o teste do japa daqui.
As verdadeiras cores de Van Gogh
Por Milton Ribeiro
Daltônico
Em 17 de março de 1901, era inaugurada a hoje famosa exposição de Van Gogh (1853-1890) em Paris. A mostra ocorria onze anos após a morte de um artista absolutamente obscuro. Nela, havia 71 quadros de alguém que vendera uma única tela em vida – A Vinha Encarnada – , por 400 francos (atualmente cerca de R$ 800,00). Cem anos após sua morte, em 1990, um de seus trabalhos, O Retrato do Dr. Gachet, foi vendido por US$ 82,5 milhões. Van Gogh não é um caso único. Por exemplo, Johann Sebastian Bach era considerado apenas um bom músico e um compositor antiquado no século XVIII; Franz Kafka era tímido e problemático demais para apresentar seus trabalhos – tendo pouco publicado em vida e feito seu amigo Max Brod prometer que destruiria o restante, promessa não cumprida – ; porém talvez Van Gogh seja o caso de maior contraste entre uma vida secreta e uma unânime consagração póstuma.
Vincent Van Gogh nasceu em 1853 na localidade de Groot Zundert, no interior da Holanda. Seu pai era um pastor calvinista que deu aos filhos a mais severa das educações. Van Gogh teve dois irmãos – Theodorus, apelidado de Theo, e Cornelius — e três irmãs — Elisabeth, Anna e Willemina. Seus biógrafos descrevem a casa onde cresceram como fria, úmida e escura e a infância, triste.
Aos 16 anos, Vincent mudou-se para Haia a fim de trabalhar como representante comercial de livros de arte com um tio. Conheceu boa parte do país, mais Bruxelas e Londres, porém seu sonho era conhecer Paris, na época o grande centro cultural da Europa e do mundo. Em 1875, aos 22 anos, conseguiu uma transferência para a cidade. Foi feliz por lá, conheceu artistas, visitou galerias, fruiu da vida cultural da cidade – e acabou demitido por não trabalhar.
Deprimido e sem perspectivas, Van Gogh voltou à casa dos pais, onde sofreu sucessivas crises nervosas. Místico, passou a dedicar-se à religião, conseguindo uma posição como pastor, assim como o pai. E foi pregar numa mina de carvão na Bélgica. Porém, como pouco pregava, preferindo ocupar seu tempo em conversas com os mineiros miseráveis, acabou afastado da missão religiosa em 1879. Tinha 26 anos e era um fracasso completo de acordo com o senso comum. Não constituíra família, não se sustentava sozinho e não parecia vocacionado a nada. Consideremos que tinha 26 anos, nenhuma obra e apenas pouco mais de dez anos de vida, internações e produção artística.
Naquele ano, seu irmão Theo já morava na cobiçada Paris, exercendo um alto cargo na galeria de arte do tio. Ele o incentivou a pintar. Passou a lhe enviar dinheiro para a compra de tintas e pincéis. Vincent dedicou-se, então, ao estudo da perspectiva e da anatomia. E pintou várias telas sombrias, nas quais retratava mineiros, camponeses, trigais e campos.
Porém, as crises se repetiam. Duravam de duas a quatro semanas, período no qual Van Gogh não conseguia realizar nenhum gênero de trabalho, revelando-se propenso a atitudes violentas, resultado de alucinações e da impressão de que todos os perseguiam a fim de prejudicá-lo. Havia alta incidência de doenças mentais na família Van Gogh. Theo sofria com a depressão e faleceu de uma certa “demência paralítica”, uma complicação rara da sífilis. Sua irmã Willemina era esquizofrênica, tendo vivido 40 anos no mesmo asilo onde Van Gogh foi depois internado e o outro irmão, Cornelius, cometeu suicídio aos 33 anos de idade.
Neste ínterim, Van Gogh foi internado várias vezes em sanatórios. Nos intervalos, criava as obras que vemos hoje e procurava levar sua vida. Durante algum tempo, dividiu seu ateliê com Gauguin em Arles, mas também se desentendeu com ele. Gauguin e Van Gogh partilhavam de mútua admiração, mas a relação entre ambos estava longe de ser pacífica e as discussões eram frequentes. Para representar as relações abaladas entre os dois, Van Gogh pintou a A Cadeira de Van Gogh e a A Cadeira de Gauguin, ambas em dezembro de 1888. As duas estão vazias, com objetos que representam as diferenças entre os dois pintores. A cadeira de Van Gogh é sem braços, simples, com assento de palha; a de Gauguin possui assento estofado e braços.
“Vincent e eu não podemos simplesmente viver juntos em paz devido à incompatibilidade de temperamentos”, queixou-se Gauguin a Theo. Sentia-se incomodado com as variações de humor de Vincent e não era para menos. Em 23 de dezembro de 1888, após Gauguin sair para uma caminhada, Van Gogh o seguiu e o ameaçou com uma navalha. Gauguin decidiu não voltar ao atelier, pernoitando em uma pensão. A fim de demonstrar seu arrependimento, Vincent cortou um pedaço de sua orelha direita, que embrulhou em um lenço e o levou, como presente, a uma prostituta sua amiga. Depois, Vincent retornou à sua casa, indo dormiu como se nada tivesse acontecido. A polícia foi avisada e o encontrou desmaiado, totalmente ensanguentado. Gauguin então enviou um telegrama para Theo e viajou imediatamente a Paris, julgando melhor não visitar Vincent no hospital.
Van Gogh passou 14 dias internado, ao final dos quais voltou à casa. Em seu retorno, pintou o Auto-Retrato com a Orelha Cortada. Porém, quatro semanas depois, apresentou novos sintomas de paranoia, imaginando que seria envenenado a qualquer momento. Os cidadãos de Arles, apreensivos, solicitaram seu internamento definitivo. Sendo assim, van Gogh tornou-se paciente e preso no hospital de Arles. Os especialistas que o trataram diagnosticavam uma epilepsia, ainda que o diretor do asilo, Dr. Peyron, fosse inteiramente despreparado para diagnosticar qualquer doença que fugisse ao óbvio. As crises repetiam-se, sempre precedidas de sonolência e seguidas por apatia.
Rejeitado pelo amigo Gauguin e pela cidade, descartados todos os seus planos artísticos, sua depressão voltou a agravar-se, ele que agora tinha como único amigo seu irmão Theo. O casamento de Theo constitui-se em fonte de nova inquietação para Vincent, que temia o afastamento.
Em maio de 1890, Vincent deixou a clínica, passando a residir na periferia de Paris (em Auvers-sur-Oise), onde estaria mais próximo do irmão e consultaria o Dr. Paul Gachet. Gachet — aquele mesmo cujo retrato seria vendido por 82,5 milhões de dólares — não foi bem sucedido. Mas, em Auvers, Van Gogh produz rapidamente cerca de oitenta pinturas, em média uma por dia.
Repentinamente, seu estado piorou e, em 27 de Julho de 1890. Van Gogh saiu da cidade para disparar um tiro contra o próprio peito. Arrastou-se de volta à pensão onde se instalara e onde morreu dois dias depois, ao lado de Theo. As suas últimas palavras, dirigidas ao irmão, teriam sido: “La tristesse durera toujours” (em francês, “A tristeza durará para sempre”).
Dias depois, no sótão da galeria de arte do tio, mais de 700 pinturas aguardavam compradores.
Vincent Van Gogh revolucionou a história da pintura. Embora tenha sido influenciado pelos pintores impressionistas, sua obra é muito pessoal e solitária. Usava cores opostas, como o azul e o amarelo, para aumentar a vibração de suas imagens. Também se utilizava de formas distorcidas e exagerava na perspectiva para aumentar a expressividade de suas composições. Outra característica era o uso de camadas espessas de tinta. Críticos de arte costumam dizer que não é a cor em si que me chama a atenção, mas o movimento, a inquietude de formas e cores em conjunto, porém…
A questão do daltonismo
Embora a vasta bibliografia a respeito de Van Gogh, são raros os estudos sobre a cor em seus trabalhos. Na verdade, a questão das cores chamou a atenção não tanto dos historiadores da arte, mas de neurologistas e oftalmologistas que encontram nele sinais claros de discromatopsias, as dificuldades na percepção de cores de que sofrem os popularmente conhecidos como daltônicos. Assim, se alguns biógrafos tratam rapidamente da expressividade de van Gogh — raramente referindo-se a ele como um “revolucionário da cor” — como algo característico seu, os oftalmologistas o tratam como franca e claramente daltônico.
Hoje, cresce a corrente daqueles que afirmam que o uso original da cor não se devia a nenhuma consequência da epilepsia ou de qualquer outra doença, mas de um reles daltonismo e van Gogh aparece habitualmente nas listas dos portadores da doença. Portanto, apenas as pessoas daltônicas – doença chamada atualmente nos EUA de color blindness ou cegueira de cores – poderiam ver seus quadros da forma como ele os imaginou.
O oftalmologista e biotecnólogo japonês Kazunori Asada desenvolveu um programa (há versões para iPhone, iPad, iPod e Android), que simula a visão dos três tipos conhecidos de daltonismo. Van Gogh sofreria do tipo mais comum de daltonismo, a protanopia, que resulta na impossibilidade de discriminar cores no segmento verde-vermelho do espectro. O professor Asada também acredita que Van Gogh sofria deste tipo de daltonismo e, abaixo, temos a aplicação de seus programas de filtragem de cores às pinturas do holandês. Assim, podemos comparar as pinturas como elas são (sempre as primeiras) e como Van Gogh as via (abaixo). Com isto, o cientista pretende mostrar às “pessoas normais” como o autor via seus quadros. Alguns autores apenas citam a forma como Van Gogh evitava o verde, o verde vivo, o vermelho, o rosa e o bege. As cores que mais usa são o amarelo e o azul, que são vistas da mesma forma por quem é ou não daltônico. Os pares de imagens, assim como as observações abaixo delas são do artigo Mirando las obras de Van Gogh con sus propios ojos.
“A Colheita”. No original, o que deveria ser um campo de trigo, é de cor laranja, e acima temos linhas verdes em que mesclam à luz solar. Para os daltônicos, a sombra no trigal dá profundidade à cena. O sol poente tem um ar mais outonal. “
Em “A Noite Estrelada” a força está no contraste da obscuridade e das estrelas. As nuvens e a paisagem são iluminadas pela luz branca da lua. “
Cada uma das pedras da calçada parece mais sólidas. O terraço da cafeteria emerge com mais profundidade na noite sem lua.
A cena do jardim adquire uma realidade fotográfica. Ganha profundidade, dá a impressão de estarmos num mirante.
Aos nossos olhos na pintura da dama com sombrinha cruzando a ponte, esta se reflete no rio de forma surrealista. No entanto, na simulação, tudo se torna mais realista. A superfície da água brilha nas pequenas ondulações. “
Auto-retrato. Dá a impressão de um homem pouco sociável. É uma figura sofrida, distante e orgulhosa.
Nota: O simulador pode ser baixado gratuitamente aqui. É possível utilizá-lo em quaisquer fotos ou imagens em “.jpg”.
Nota final do autor: Sou daltônico — sofro também de protanopia — e posso garantir que percebo quase nenhuma diferença entre as imagens. Dá para dizer que são pares de cópias perfeitas. Desde pequeno, pintava noites com o céu roxo e minhas professoras me advertiam que não era bem assim… Eu ficava muito contrariado. Então, as observações a cada dupla de fotos foram resultado de tradução de artigo Prof. Asada e de discussões em casa e na redação do Sul21. Não opinei, claro. Como o faria?
Een gelukkige verjaardag, Vincent Van Gogh
Hoje é o aniversário do maior dos nossos. Hoje faz 158 anos que nasceu o DALTÔNICO Van Gogh. Como disse alguém aí: “Van Gogh era daltónico. Entonces los enfermos somos los que no lo somos, eso está claro”.
Agradeço ao Igor Natusch pela lembrança e pelo holandês.
Sempre recebendo piadas de daltônicos
Os daltônicos contra-atacam
Além da farta característica já ampla e doutamente discutida em nosso blog, você pode identificar os daltônicos por sua, bem, genialidade. Ao menos a de alguns deles.
Esse quadro foi pintado por um daltônico:
E esta figura também:
É só pesquisar. Van Gogh e Uderzo são dois de nossos representantes. Bem dotados, não?
Bienal do Mercosul 2009 – Artes Plásticas é (ou são) assunto perigoso…
Fiz o passeio pela Bienal 2009 e… bem, o que dizer? Poderia me defender explicando que sou daltônico, porém Van Gogh também era e digamos que ele entendia da coisa. Outra consideração é que o que vi nada tem a ver com cor. E que há muitos, mas muitos filmes circulares e sem graça passando em salas jeitosinhas. Já me irritei muito com alguns artistas, e desta vez tomei a postura profilática de ir preparado para não me preocupar e amar a bomba. Pois não posso falar demais; afinal, acompanho de longe, muito longe, a produção de artes plásticas, sou um sujeito que lê menos do que gostaria e que passa 6 horas por dia ouvindo música erudita — agora ouço as Sonatas para Violino Solo , Op. 27 de Eugene Ysaÿe, fato que faço questão de ressaltar porque é música erudita razoavelmente moderna e da mais alta qualidade, o que provaria que ao menos meus ouvidos são contemporâneos pra caralho.
Chegando à Bienal, fiquei um tanto temeroso ao ver as pessoas que saíam dos armazens do cais do porto. Estavam apressadas e um tanto arregaladas, o que me fez pensar no que significaria aquele pasmo. Ou viram maravilhas ou tinham sofrido um esmagamento estético.
Então, iniciei minha racionalização. Tenho 52 anos, mas vou olhar para tudo com olhos inexperientes. Tinha que me desarmar a fim de não me tornar afirmativamente idiota (ver segunda réplica). Quando entrei, já tinha 16. É um fato indiscutível, apesar de surpreendente: eu já tive 16 anos.
(Sim, em 1973, havia muita novidade para ser julgada, talvez mais do que hoje. Pensem que o Pink Floyd estava lançando Dark Side e que eu era roqueiro, Picasso morrera em abril – estou em novembro de daquele ano -, Pinochet matara Allende há dois meses, a guerra do Vietname recém acabara, o grupo que mais vendia discos – LPs! – era o Led Zeppelin, a ditadura estava no ar, líamos Quarup de Antônio Callado (ainda acho que é excelente livro), Dali fazia declarações de amor a Franco, JL Borges estava alive and kicking (mais alive do que kicking), havia um jornalzinho chamado O Pasquim, etc. Não pense que cito isto para dizer que minha juventude foi melhor que a de hoje. É que os mortos ou finalizados têm uma aura meio fabulosa. Se Maurizio Pollini já tivesse morrido talvez já fosse o maior dos pianistas, como não morreu ainda, temos que aguentar as discussões).
Outra surpresa: viram?, eu lembro muito bem como era.
E outra: por um mecanismo que não conseguiria explicar, mas do qual tenho convicção epitelial, digo que a maioria de nós é mais preconceituosa nesta idade do que depois. Naquela época, eu andava de lá para cá com meus adesivos, tentando colar rótulos em coisas e pessoas. Depois, a gente desiste pois cada rótulo está associado a um contexto e o quem é revolucionário aqui é bombeiro ali e vice-versa.
Feliz ou infelizmente, a arte, mesmo a literatura, está virando coisa de especialista. Precisa de manual de instruções, como Stanley Kubrick defendeu uma vez. Ele achava que ficar pensando cinco anos sobre um filme para depois as pessoas darem-se conta de apenas 10% do que estava sendo mostrado era desmotivador. E ele nem conheceu Chico Fireman.
Hummm… Vamos direto às conclusões: achei fraquíssima a Bienal. Não entendi as charadas? Certamente não!
Edward Said escreveu que não existe mais a possibilidade de um discurso comum porque, em primeiro lugar, nossa formação é extremamente especializada e, depois, porque todo o aparato financeiro está voltado para a fragmentação do conhecimento. È vero. Então, a cultura parece que começa a dialogar apenas com seu meio de uma forma tão esquizofrênica que nenhum Led Zeppelin atual cheio de novidades poderá superar as vendas da Shakira bonitinha, chatinha e sem maiores novidades do que um bom traseiro. Este hipotético Led formará apenas um consideráravel círculo de iniciados assim como o Radiohead ou David Lynch possuem. E este será seu máximo. O mundo todo parece desejar fazer de Roberto Bolaño um cânone (inclusive eu) , mas acho que será um cânone de pouquíssimos leitores compreensivos.
Agora, reduza os parâmetros até a pequena literatura brasileira ou às pequenas artes plásticas que chegam à pequena e provinciana Porto Alegre.
É horrível de dizer mas o público comum ou o “povo” — ainda mais o nosso — está cada vez mais longe de entender algo um pouco mais complexo ou especializado. Os romances mais lidos têm a mesma estrutura dos de Balzac. A música mais ouvida é mais simples que a dos Beatles. A música erudita moderna é ainda um desafio para a maioria dos apaixonados por música erudita – e veja bem que neste caso já estamos na fatia mínima da fatia mínima. Então, para alguém ser tocado significativamente por uma obra de arte, há que ter conhecimento de uma rede cada vez mais intrincada de referências às quais poucos têm acesso.
Em resumo, creio que daqui há poucos anos, cada vez menos pessoas saberão que os méritos do primeiro movimento da Sonata Nº 2 de Ysaÿe estão no fato do autor ter realizado uma brilhante “desconstrução” de uma Sonata de Bach para o mesmo instrumento solo. Se o ouvinte não tiver isto em mente, babaus, pois apenas alguém com um referencial rico poderá entender e fruir. Quem não tiver, ou ficará quieto ou ficará feito um bobo criticando a estupidez daquilo que lhe é e sempre será irremediavelmente alheio.
É algo de nosso tempo, acho.