Paris, 24 de fevereiro: a visita aos amigos (II)

Se há uma coisa ruim em Paris é o metrô. Afirmo-lhes que, além de sujo, trata-se de um insulto aos daltônicos. Não sou nenhum macho-alfa, apenas acho que me oriento um pouco melhor que a Elena, mas lá tinha que deixar tudo para ela, tudo o que conseguia fazer era tatear cegamente no esquema padrão das linhas. Um dia, quando fomos para o Museu d`Orsay, por culpa minha acabamos numa cidadezinha da periferia chamada Juvisy-sur-Orge, a 19 Km de Paris. O esquema do metrô tem cor-de-rosa, violeta, vários tons de verde, lilás, púrpura e outras cores sabidamente inexistentes. Ou seja, era tudo com a Elena. Problema nenhum, mas e se eu estivesse sozinho? Em Londres, Roma, Rio e São Paulo há respeito conosco. Em Paris, não. São 14 linhas em estilo impressionista. Vão se fuder!

Clique na imagem para ver melhor o absurdo
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Então foi a Elena quem me levou até o hotel onde estavam hospedados a Liana e o Alexandre. Levou com competência, porém, quando chegamos na portaria do hotel não havia nenhum Alexandre Constantino nem nenhuma Liana Bozzetto na lista. O porteiro do Hotel Saint-Germain nos olhou com cara de quem estava vendo um casal de comediantes. (Numa cidade daquelas, eles não pensam num casal de assaltantes de hotéis, pensam em babaquice mesmo). Devíamos ser ainda mais engraçados por estarmos sem celular, desconectados do mundo. Perguntamos pelos brasileiros hospedados e o cara deu uma risada deliciosamente inconclusiva, respondendo que o hotel estava cheio de nossos conterrâneos, que a cidade e o mundo estava cheio deles. Olhei a lista de cima a baixo e nada. Vi quem tinha feito check-out naquele dia. Nada de Constantino, nada de Bozzetto. Mas eles tinham que estar ali. No dia anterior eles tinham sumido ali dentro. Foi quando vimos o Alexandre descendo calmamente as escadas. Porra, era ele mesmo. Com a tranquilidade habitual, ele me disse que devia estar registrado com algum de seus inúmeros nomes, pois, como um verdadeiro membro de nossa família imperial, nascera Alexandre Nogueira de Castro Constantino! Ah, voilá, c`est Monsieur Nogueirrá! E subimos com o Nogueirrá.

Nosso objetivo era o bebermos um dos vinhos franceses que compráramos, acompanhado da comida que eles tinham acumulado. (Em verdade vos digo, somos exagerados e gordos, levamos comida também…). E, como eles voltariam para o Brasil no dia seguinte, a ordem era vandalizar. Abaixo, nossa mesa antes de virem as coisas da geladeira.

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E comemos e bebemos e conversamos por horas. Era salmão pra cá, pão pra lá, pasta acolá, camarões alhures, vinho sob a cadeira e água aquecendo na mesa para o chá, tudo ao mesmo tempo. Primeiro falamos de coisas tristes, mas depois, sob a influência de baco…

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… ficamos mais alegres. Contamos sem maldade cada uma das últimas sacanagens que sofrêramos e sobre algumas iniquidades, também falamos sobre assuntos muito sérios e irreversíveis. Mas o vinho… A Elena contou que a escolha do vinho fora por ter sido produzido no mesmo ano em que seu filho nascera (hã?) e eu lembro que contei algumas de minhas histórias loucas. Mas nada pode comparar-se ao cartaz que vimos na estação de metrô onde pegamos o trem de volta. Pô, 20 cm de prazer? Mesmo sendo uns 20 placide, tô fora.

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  1. “Devíamos ser ainda mais engraçados por estarmos sem celular, desconectados do mundo. Perguntamos pelos brasileiros hospedados e o cara deu uma risada deliciosamente inconclusiva, respondendo que o hotel estava cheio de nossos conterrâneos, que a cidade e o mundo estava cheio deles.”
    *
    FAROL
    by ramiro conceição
    *
    *
    O rever de amigos antigos
    é semelhante aos barcos
    à noite, no entorno de um farol:
    não se sabe ao certo o porquê daquilo ter chegado
    a isso, após o mar bravio; nessa hora, não importa
    se ruim ou boa, acender as luzes de popa a proa
    pra que se enfeite o tempo com uma beleza à toa.

  2. Milton, tenho acompanhado seus relatos de viagem, que são ótimos. Mas vou discordar de você em relação ao metrô de Paris em um quesito: “navegabilidade” – acho-o um dos mais fáceis que já usei. Adaptei-me rapidamente a ele, bem como ao de Londres. Tudo bem que não sou daltônico, mas não costumo me guiar por cores, mesmo – os números das linhas, bem como a indicação dos destinos finais, ajudam mais. Mesmo na estação mais confusa, Chatelet/Les Halles, dá para se localizar com facilidade.
    Mas concordo que é sujo (e, em alguns horários, principalmente nos de rush, exala ligeiro odor desagradável de perfumes fortes misturado ao de secreções corporais…).
    No mais, Paris é uma festa para os olhos e para o paladar. Você chegou a ir ao restaurante/casa de chá da Mesquita de Paris? Ou comeu o sanduíche de falafel da Rue des Rosiers? E experimentou o éclair de chocolate da histórica Stoher, na Rue Montorgueil, segundo a própria loja, o melhor de Paris? Ah, essas memórias me fazem querer voltar lá o mais breve possível…
    Abraços!

    1. Eu realmente me confundi MUITO com o metrô de Paris. Tive que deixar tudo para a Elena. Meu estômago e glândulas sofrem de imensas saudades da cidade. Só de pensar, começo a salivar. Fui à Mesquita em viagem anterior e bebi seu chá. Desta vez, ficamos mais no hotel, boulangeries e bistrôs e te garanto que fomos muito felizes.

      Grande abraço.

      1. Pois é. Acho que sempre dá para ser feliz em Paris, mesmo que seja “só” em boulangeries e bistrôs. Mas, se me permite o abuso, posso sugerir, também, para sua próxima visita, os restaurantes de gallete bretã próximo à estação de Montparnasse? São ótimos e, se não houver tempo para ir à Bretanha para saborear essa maravilha na origem, já dão uma ótima amostra do que se pode encontrar lá. E, se voltar à Mesquita, experimente o restaurante – o tagine de cordeiro, em qualquer de suas variações, é inesquecível. Há opções com frango ou só com legumes, para quem não gosta de cordeiro.
        Em tempo: seu relato da viagem anterior, em que Praga estava no roteiro, aguçou minha vontade de visitá-la. Quase fiz isso em janeiro último, mas acabei ficando mais tempo em Londres.
        Abraços e obrigado por textos deliciosos – apesar de não ser fã de futebol, gosto demais quando você “conversa” com Abel Braga, são extremamente divertidos (desculpe, porque sei que você leva futebol muito a sério, mas rio muito com suas críticas).

        1. Praga vale muito a pena. Linda cidade, parece um cenário cheio de detalhes inesperados. Minha namorada não conhece, apesar de conhecer os arredores e a cidade-irmã, Dresden. Sobre o Abel, nosso papos são muito bons. Um dia ele responde…

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