Dançar tango em Porto Alegre, de Sergio Faraco

Dançar tango em Porto Alegre, de Sergio Faraco

dancar-tango-em-porto-alegre_sergio-faracoEu estava relendo Dançar tango em Porto Alegre quando cruzei com Sergio Faraco numa livraria. Não sou exatamente um amigo seu, mas, certa vez, participamos de um jantar e nos colocaram juntos. Ele me reconheceu e pareceu que recomeçamos a conversa do ponto onde a tínhamos parado há dez anos. Eu disse logo que estava lendo novamente o Dançar tango e voltei a elogiar uma das obras-primas do pequeno volume de dezoito contos: Guapear com frangos. Disse a ele que era o maior conto já escrito por um escritor gaúcho. Estava sendo sincero. Ele me agradeceu e respondeu: “Sabe que eu gosto mais do conto seguinte, O Voo da Garça-Pequena?”. Na verdade, os dois são perfeitos e muito diferentes.

Faraco me disse que se esforça muito e que, quando publica, publica o melhor que pode. “deve dar para melhorar, mas além daquilo eu não consigo”. Depois, enveredamos por outras conversas mais seculares e ele arriscou até umas frases em russo para a Elena.

Em Guapear, alguns homens, gente das fazendas próximas à fronteira com a Argentina, procuram o corpo de um companheiro que se aventurou  a uma travessia do Rio Ibicuí e morreu afogado. Depois de dois dias de busca, ele é encontrado. Os homens decidem se o enterram ali mesmo ou se o carregam até a cidade para uma cerimônia formal. Decidem que têm a “obrigação de não deixarem corpo do amigo sem velório”. Cabe a López levar o corpo já em decomposição. O conto é a luta para carregar o corpo. Contra a intenção de López vai toda a natureza. O corpo fede e é continuamente atacado por animais.

O Voo é delicadamente feminista. Maria Rita largou o marido que lhe batia para prostituir-se. Mas não é uma qualquer, tem ideias e encomenda um rádio a um contrabandista. Ele se sente atraído por aquela mulherinha minga, delgada, figurinha que a natureza regateara em tamanho mas caprichara no desenho. Ela lhe conta que há mulheres doutoras trabalhando em hospitais e até dando discursos. Quer o rádio para ouvir as notícias do mundo. E o homem vai mudando lentamente seu interesse do sexo para a pessoa dela. É uma história realmente belíssima e uma grande realização de Faraco — canção e cantor no mais alto nível.

Os contos estão divididos em três partes. A primeira é a das histórias que acontecem na paisagem rural fronteiriça do Rio Grande do Sul. Creio que tais histórias estejam localizadas temporalmente na primeira metade do século XX, quando a modernização começa invadir os hábitos da região. A segunda fala do final da infância, colocando o foco nas experiências emocionais da adolescência e da iniciação sexual. Por último, há os contos sobre o indivíduo que, melancólico, pobre e solitário, não se adapta ao espaço urbano.

Penso que os clássicos estejam na primeira e terceira partes. Além dos contos citados — ambos da primeira parte –, temos A Dama do Bar Nevada e Aceno na Garoa, histórias de bondade mal compreendida, e Dançar tango em Porto Alegre. Mas nenhum dos outros contos são esquecíveis.

É brasileiro? Então tem que ler. Faraco foi tocado por Erico e Cyro, mas recebeu uma curiosa pitada de Rosa. Em resumo, resulta que Faraco é Faraco mesmo.

sergio faraco

Três comentários despretensiosos de ± 15 linhas

Três comentários despretensiosos de ± 15 linhas

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Então você liga a TV e fica procurando um filme nestes cardápios que as emissoras à cabo oferecem atualmente. Quer um filme leve e divertido, mas fica meio perdido entre tantas comédias românticas. Acho que há várias muito boas, algumas excelentes. Hoje, vou dar a vocês duas dicas que penso serem irresistíveis. A primeira é O amor não tira férias. Duas mulheres, Cameron Diaz e Kate Winslet, vêm de grandes desilusões amorosas e acertam pela internet uma troca temporária de residências. Cameron vai para a fria Inglaterra e Kate para a ensolarada Califórnia. Tiram férias dizendo uma a outra que querem apenas calma e solidão para superarem suas crises. Mas dá tudo errado e quem aparece é o amor, claro. Afinal, trata-se de uma comédia romântica. A segunda é Hitch — Conselheiro Amoroso. No filme, Will Smith é um lendário, tecnicamente perfeito e anônimo cupido. Em troca de determinada taxa financeira, ele faz com que seus contratantes homens conquistem as mulheres de seus sonhos. Enquanto trabalha para o hilário Kevin James, um contador que se apaixonou pela socialite vivida por Amber Valetta, Hitch conhece a mulher que acredita ser a de sua vida, Sara (Eva Mendes). Apaixonado, Hitch decide conquistá-la, mas ele é muito melhor dando conselhos do que agindo em causa própria. Recomendamos.

amor não tira férias

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Então seu filho vai fazer vestibular na UFRGS e aquele livro aparece na sua frente. O nome é esquisito: Dançar Tango em Porto Alegre. Provavelmente isto aconteceu porque este livro de Sérgio Faraco é uma das leituras obrigatórias para o Vestibular da UFRGS de 2016. Quando seu filho ou filha deixar ele de lado, pegue porque é muito bom. São dezoito contos escritos por um autor que preza, antes de tudo, a palavra exata, a melhor expressão. A exigência artística de Faraco é muito alta, imaginem que ele produz uma média de apenas dois contos por ano, trabalhando e retrabalhando seus textos. Mas a leitura desses contos é fluente e o resultado é bom demais. São três os temas principais dos contos de Dançar Tango em Porto Alegre. Primeiro, o das histórias que acontecem na paisagem rural fronteiriça do Rio Grande do Sul, onde os protagonistas ficam no dilema entre manter os valores de um passado que se esvai e a aceitação da modernização. O segundo é o grupo de histórias sobre o final da infância, através das fortes experiências emocionais da adolescência e da iniciação sexual. Por último, há os contos sobre o indivíduo que, melancólico e solitário, não se adapta ao espaço urbano. Tudo isso contado por um escritor de primeiríssima linha que, ouso dizer, ocupa o posto informal de melhor escritor do sul do país. A edição da L&PM sai por R$ 21,90.

sergio faraco

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Com cabelos brancos e alguma dificuldade com os agudos, Caetano Veloso e Gilberto Gil fizeram um tremendo show no Araújo Vianna. Para os dois artistas é simples, basta pinçar as canções mais representativas de seus vastíssimos repertórios. Somados, os dois artistas gravaram mais de 50 discos e CDs só de músicas inéditas. Com a dupla, o público pode recordar grandes sucessos que datam desde os anos 60. Mas houve um importante porém. Antes do show, muitos protestaram contra o valor das entradas. E com razão, pois os valores dos ingressos variaram entre R$ 150 — para quem aceitasse ficar em pé — e R$ 750. São preços talvez condizentes com a Europa, não com o Brasil. Para efeito de comparação, o concerto da dupla em Madri, no dia 21 de julho, tinha opções entre 130 e 215 euros, equivalentes a R$ 449 e R$ 742. Agora, depois do show, ninguém reclamou porque o que viu foi magnífico. Foram 26 canções de primeiríssima linha, quase todas de autoria dos dois amigos. Gil e Caetano mostraram-se imbatíveis nas artes do bem compor, bem cantar e melhor ainda em seduzir, mesmo que mal tenham dado boa noite ao público. E também mostraram-se, sem dúvida, imbatíveis na arte de bem envelhecer (*). A qualidade técnica do espetáculo acompanhou soberbamente os dois baianos. Quem viu, viu. Quem não viu, fica pra próxima. Se der pra ir.

caetano-veloso-e-gilberto-gil

(*) Frase mais ou menos roubada do publico.pt