Uruguai no século XXI: Nada nos é estranho

O sociólogo uruguaio Julio Calzada descreve neste artigo para o esquerda.net a ascensão e queda do ciclo político progressista no seu país. E tira algumas lições da derrota do candidato da esquerda nas eleições do mês passado.

Do esquerda.net

A frase de Públio Terêncio Afro, “nada do que é humano me é estranho” que percorre vários séculos da história do ocidente, faz-nos refletir sobre o Uruguai de hoje, em que sentimos que “já nada do que acontece na região e no mundo nos é estranho”.

 

Quem somos

O Uruguai é um país pequeno de 3.3 milhões de habitantes, dos quais 2.7 milhões estão recenseados para votar e votaram 2.43 milhões. O voto no Uruguai é obrigatório para todos os recenseados e não está disponível o voto para os residentes além-fronteiras. Isso explica em parte a diferença entre os recenseados e os que foram efetivamente às urnas.

Até há poucos anos havia uma narrativa nacional que circulava nos meios académicos e de esquerda, segundo a qual as coisas no Uruguai aconteciam 30 anos depois de acontecerem no resto do mundo. Isso resultou num ditado que dizia que a vantagem de viver neste país, aqui no sul do mundo, é que quando o mundo acabar o Uruguai vai existir mais 30 anos.

Isto já não é assim há mais de uma década. O Uruguai foi um ator destacado da “DÉCADA PROGRESSISTA” que viveu a “AMÉRICA LATINA” no início do século e pelo menos até 2015.

Saído da crise econômica e social mais profunda da sua história no ano 2002, com o colapso do sistema financeiro, produziram-se no País a partir de 2005 um conjunto de transformações sociais, culturais, políticas e econômicas importantes que levaram a esquerda a ganhar o governo por três vezes consecutivas: 2005, 2010 e 2015.

Neste período foi reduzida a pobreza de 36% para 8%, a indigência de 3% a 0.5%, o salário aumentou 65% em termos reais e o índice de Gini melhorou substancialmente, tornando o Uruguai na economia mais equitativa na América Latina, o continente mais desigual do mundo.

A estes dados há que acrescentar uma transformação profunda da Matriz Energética que levou o Uruguai a cobrir mais de 50% do seu consumo de energia através de fontes renováveis e até, em certas alturas, que todo o consumo diário venha dessas fontes.

Concomitantemente às melhorias econômicas e sociais, ao desenvolvimento, foi promovido um conjunto de políticas que colocaram o Uruguai na ribalta das sociedades com melhores níveis de desenvolvimento humano da região.

A lei das 8 horas para os trabalhadores rurais — uma lei que tinha já 100 anos de atraso —, a regularização, regulação e sindicalização do trabalho doméstico, a lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, o Casamento Igualitário, a Regulação da Canábis, ou a Lei da responsabilidade penal empresarial para a prevenção dos acidentes no trabalho, a par de  outras iniciativas, marcaram esta posição única do Uruguai na região.

Milhares de pessoas passaram da economia da subsistência a ser parte da sociedade de consumo.

A década progressista não só não nos foi estranha, como até tivemos nela um importante protagonismo e destaque.

A insegurança, um fantasma percorre a América Latina

A partir do ano 2008, algumas formas de criminalidade começam a mudar e outras, nunca antes vistas, chegam de forma relevante, como o sicariato, uma prática criminosa praticamente desconhecida no País.

O tráfico de drogas, que já era uma realidade com décadas no País e na região, muda de forma significativa e passa a ser uma organização empresarial, não necessariamente cartelizada mas empresarial que se integra nas “cadeias de valor” do mercado internacional.

Alguns fenômenos geopolíticos, em especial  o Plano Colômbia, levaram, a partir dos primeiros anos deste século, a que certas ligações da cadeia mundial de produção, tráfico e consumo de drogas, em particular da cocaína, se transferissem do norte para o sul do continente.

As cocaínas fumáveis na forma de CrackPaco ou Pasta Base entraram no dia-a-dia das cidades e vilas do sul do continente. São os desperdícios do processo de produção da cocaína destinada aos grandes consumidores mundiais dessa droga — os Estados Unidos, os Países Europeus e os países ricos em geral — que “se valorizam” ao monetizarem-se no consumo dos setores mais vulneráveis das nossas sociedades.

Este fenômeno provocou profundas transformações econômicas, sociais e culturais nas nossas sociedades. Apareceram as ollas, as mulas, os centros de recolha e distribuição, as bocas.[1]

O surgimento desta nova realidade provocou inicialmente, no âmbito da grande crise económica dos anos 1999, 2000, 2001 e 2002, mudanças profundas nas dimensões sociais, sanitárias e culturais em toda a região, em particular no Sul do continente. Nos anos posteriores, este impacto incluirá a quebra das estruturas econômicas clássicas da vida quotidiana de sobrevivência dos setores mais vulnerabilizados da sociedade, e à boleia do microtráfico viriam a surgir novas formas de emprego e de relacionamento social. Nada nos é estranho.

Estas novas configurações sociais, econômicas e culturais chegaram repletas de novas formas de violência simbólica e fática.

Por um lado, ajustes de contas, assassinatos, extorsões, controlo dos territórios por famílias que impõem regras do jogo violentas para entrar, sair ou andar em zonas de onde o estado se retira progressivamente.

Por outro lado emergem as políticas de mão pesada, o populismo punitivo, das quais não ficaram isentos amplos setores da esquerda, que levaram as prisões a situações extremas e o Uruguai a ter hoje uma das maiores taxas de encarceramento da região, com 12 mil presos para uma população de 3.3 milhões de habitantes.

Mas a direita é insaciável em matéria de coerção estatal e punição, sempre quis mais e conseguiu instalar ao longo dos anos a ideia de que o País vivia numa situação extrema de emergência em matéria de segurança.

Desde a chegada do presidente Mujica ao governo em março de 2010, a investida em matéria de segurança chegou ao ponto de se falar em mexicanização da sociedade uruguaia.

Em junho de 2012, Mujica responde com a Estratégia pela Vida e a Convivência e com 15 medidas políticas para reverter a situação, houve a tentativa de mudar o eixo político da segurança para a convivência, das drogas ao relacionamento e aos projetos de vida das pessoas numa sociedade aberta, plural e em transformação permanente pelo impacto das mudanças tecnológicas e de novas formas de vida. Uma destas 15 medidas será a Regulação do Mercado da Canábis.

A direita não parou, chamou cortina de fumo às medidas e os seus setores mais recalcitrantes, ligados política, cultural e mesmo familiarmente à ditadura que ocupou militarmente o País entre 1973 e 1985, iniciou uma campanha pela reforma constitucional para baixar a imputabilidade penal para os 14 anos, colocando como o centro do problema as drogas e a inimputabilidade penal das crianças e adolescentes. Nesses anos, os e as adolescentes com problemas com a lei e privados de liberdade ascendiam a 600 em todo o país.

Os Jovens, imersos num amplo movimento social, cultural e político que tinha promovido o que apelidou de agenda de direitos, que incluiu o casamento igualitário, a Lei de segurança sexual e reprodutiva que legalizou o aborto, a regulação da canábis entre outras leis de claro recorte progressista como as que referi, responderam à direita e ao populismo penal com uma enorme campanha de recusa à descida da imputabilidade penal, que tomou o nome NO A LA BAJA e fez dele o seu slogan identitário, ao ponto de hoje se falar na geração NO A LA BAJA.

A descida da idade de imputabilidade penal foi a referendo e não foi aprovada. Nessa eleição, toda a campanha do NO A LA BAJA trouxe, mesmo sem o propor especificamente, água ao moinho da esquerda, que na segunda volta venceu com grande avanço.

Não obstante o resultado do referendo, positivo para o arco progressista, e da própria eleição, também favorável ao progressismo, a questão da insegurança continuava latente.

Embora a questão da insegurança não nos fosse alheia, e embora o populismo penal avançasse passo a passo no pensar e no sentir da sociedade, ainda se mantinha alheia ao recrudescimento das penas, a guerra às drogas e ao gatilho fácil.

2015-2019: Implosão da POLÍTICA na esquerda

Após cinco anos de uma forma frenética de fazer política a nível local e mundial por parte do presidente Mujica, o ano de 2015 traz uma aterragem abrupta do clima político, o novo presidente da República pela segunda vez, Tabaré Vázquez, desaparece do debate público e a esquerda política e parlamentar retrai-se para a custódia do governo e perde iniciativa, inovação e capacidade de proposta política.

A Frente Ampla, partido/movimento/coligação de governo, apresenta-se como ator de terceira categoria no palco social e político do país, limitando-se a dar o seu aval e apoio a toda a política avançada pelo Poder Executivo.

O grupo parlamentar da Frente Ampla, tanto em deputados como no Senado, fecha-se no acompanhamento do governo, perde iniciativa política e carece de uma agenda de novas iniciativas que aprofundem as mudanças e as conquistas do primeiro governo de Vásquez e do governo de Mujica. A narrativa da esquerda e a sua capacidade de sedução desvanecem-se até quase desaparecer, absorvida pela gestão, o bom governo e a correção política.

Os movimentos sociais, em particular o Feminismo e em alguma medida o Movimento Sindical são os que mantêm uma ação política permanente e sistemática de reivindicação e aprofundamento dos direitos adquiridos, da inclusão de novas perspetivas inclusivas em assuntos ambientais, de género, das deficiências, dos afrodescendentes e os migrantes, com especial ênfase naquilo que tenha a ver com violência de gênero.

A direita mobiliza toda a sua artilharia ideológica, política e mediática, questionando o que chama de “ideologia de gênero” e fazendo finca-pé nos problemas de segurança pública, promovendo denúncias de corrupção e judicializando as responsabilidades políticas e de gestão dos membros do governo de Mujica e do primeiro governo de Vázquez.

Há um episódio muito doloroso na gestão da empresa pública petroquímica que apresentou em 2015 um importante défice na gestão financeira, o que levará em 2017 o vice-presidente da República Raúl Sendic [2], que no período 2009-2015 tinha sido por duas vezes presidente da dita empresa, a renunciar ao cargo.

Alguns traços relevantes da segunda presidência de Tabaré Vázquez

O segundo governo de Tabaré Vázquez teve logo a partir do dia seguinte à eleição um viés conservador, até mesmo com nuances autoritárias em certas áreas.

Vázquez anunciou o seu elenco governativo imediatamente a seguir à eleição sem ter em conta a realidade eleitoral nem as sensibilidades da sociedade nesse momento, nem a do partido que o levou ao governo. O seu executivo foi formado com os incondicionais da sua velha guarda, aquelas pessoas que o acompanharam e com quem tinha governado Montevideo de 1990 a 1995 e que tinha sido a sua equipa de confiança no primeiro governo nacional entre 2005 e 2010.

O mandato teve início com a descontinuação de uma série de iniciativas que tinham avançado durante o governo de Mujica, algumas delas saídas da Estratégia pela Vida e a Convivência promovidas em 2012, que tentavam enfrentar o problema da insegurança de forma integral, com intervenções urbanas de envergadura para recuperar territórios pauperizados.

Os temas da Insegurança e das Políticas Sociais “ficam presos”, respetivamente, nos ministérios do Interior e do Desenvolvimento Social, que não dialogam entre si nem com o resto dos organismos do estado que têm intervenção na matéria, como os da Habitação, Trabalho e Segurança Social, Saúde, e o segundo e terceiro nível de governo, Departamentos e Municípios.

Apenas em 2018 foi ensaiado um plano para retomar formas de dar uma resposta integral em alguns territórios críticos de Montevideo e noutros departamentos do País, com a participação de diversos organismos do estado central, os Departamentos e os Municípios e o envolvimento dos moradores na construção de uma sociedade mais segura.

Aos olhos da direita dura foi uma resposta tardia e tímida e aos olhos de amplos setores de esquerda foi também uma resposta tardia e focada nos aspetos repressivos, sem sublinhar o facto de que se tratava de territórios abandonados pelo Estado, aos seus diversos níveis, desde há décadas.

Tudo parece indicar que já era tarde e insuficiente.

A bandeira emblemática da esquerda na sua chegada ao governo em 2015 eram as políticas sociais, a redução da pobreza, a quase eliminação da indigência. Foram implementados planos de transferências de rendimento, programas de proteção no emprego, uma bateria de ferramentas para corrigir as desigualdades de um sistema que as cria de forma sistemática.

Para além das inevitáveis falhas na implementação dos diversos programas de apoio aos setores mais vulneráveis da sociedade, eles contribuíram de forma significativa para a melhoria da qualidade de vida e a dignidade das pessoas.

A direita fustigou sistematicamente estas políticas, acusando-as de serem clientelares e de contribuírem para que as pessoas que recebiam as ajudas deixassem de procurar trabalho, de cuidarem de si próprios e de se superarem como seres humanos. Instalou a aporofobia[3].

As pessoas são pobres porque não se esforçam, porque são preguiçosas, porque gostam de viver às custas do estado. Uma narrativa cruel e impiedosa, que nega as histórias de vida de amplos setores sociais historicamente submergidos e postos de lado ao longo de gerações, à qual foram aderindo as classes médias, depois médias baixas e finalmente até as próprias classes baixas da sociedade.

15 anos após o nascimento do Programa de Atenção Nacional à Emergência Social — PANES, bandeira da esquerda que ganhou o goberno com 51% dos votos à primeira volta em 2005, sem alterações significativas nos elencos que implementaram essas políticas nem na reformulação das mesmas por parte da esquerda, a direita impôs a sua narrativa aporofóbica.

No que diz respeito às relações no seio do campo popular, em setembro de 2015 aconteceu algo que iria marcar não apenas toda a gestão da segunda presidência Vázquez, mas também o estilhaçar da sensibilidade, do pensar, da razão de ser da esquerda. No meio de um profundo enfrentamento com os sindicatos docentes e os estudantes, Vázquez decreta a requisição civil na educação. Uma medida impopular, que juntou milhares de pessoas nas ruas e que nem se podia aplicar por ser inconstitucional. Vázquez partiu a loiça sem ganhar nada com isso.

Por outro lado, no marco de uma estratégia com várias tenazes com que tentavam isolar a esquerda da sociedade, cujos eixos são A INSEGURANÇA, a ineficiência das POLÍTICAS SOCIAIS, MÁ GESTÃO e as acusações de CORRUPÇÃO, é a direita que marca a agenda de praticamente todo o período do mandato do governo.

Ao longo de dez anos e independentemente de não existirem indicadores no País que confirmassem a gravidade das suas afirmações, a direita convenceu a sociedade que o País estava perante uma crise generalizada de valores, de insegurança, de corrupção e que a mudança de caras na condução do país era imprescindível para que o Uruguai não se Venezuelizasse. O País ouviu e convenceu-se disso.

Duas eleições e muitas lições

Outubro

A 27 de outubro de 2019 a Frente Ampla foi o partido mais votado pelos cidadãos. Os 39.02% deram à Frente Ampla a possibilidade de ser a maior minoria, o partido político mais importante do país. O resto dos partidos de tom liberal ou ambientalistas e da direita conservadora, junto com outros pequenos grupos que não alcançaram representação parlamentar, somam 56.64% dos votos. O resto foi completado pelos  votos brancos e nulos.

A maioria da sociedade votou contra a esquerda e os três principais partidos da direita tiveram no seu conjunto 52% do eleitorado, dos quais 28.02% para o partido nacional, representante histórico do conservadorismo em matéria de direitos e liberdades e neoliberal nas suas conceções económicas; 12.34% dos cidadãos optaram pelo partido colorado, um partido liberal em matéria de direitos e liberdades; e depois a extrema-direita, com um partido liderado por um ex-chefe do exército que em oito meses alcançou 11.04% do eleitorado e que hoje é a chave do futuro governo.

Novembro

O Uruguai tem um regime eleitoral a duas voltas, o que implica que para um partido ganhar a eleição à primeira volta tenha de superar 50% do eleitorado mais 1 voto. Por isso, apesar de a esquerda no seu conjunto ter obtido 39.02% dos votos válidos e o segundo partido ter ficado a 11 pontos de diferença com 28.02%, a lei eleitoral estabelece a necessidade de uma segunda volta.

Logo a seguir à eleição de outubro, os três principais partidos da direita, incluindo a extrema-direita, coligaram-se numa aliança a que se juntaram os pequenos partidos. Tudo somado, esta coligação tinha juntado 54.05% da vontade cidadã.

A esquerda cometeu inúmeros erros ao longo da campanha de outubro e também na campanha da segunda volta em novembro. Tudo fazia crer que esta eleição seria um passeio sem sobressaltos para a direita.

Ao longo de todo o mês, as sondagens davam a coligação de direita vencedora da contenda com 8 a 9 pontos percentuais de avanço. A direita não conseguia captar todo o eleitorado que nela tinha votado em outubro, mas mantinha larga vantagem sobre a esquerda.

Mas às 20h30, ao fecharem as urnas, o País parou ao ver que a diferença entre ambos os candidatos era tal que as principais empresas de sondagens davam “empate técnico” e não apontavam um vencedor. Três horas mais tarde, às 23h30, o candidato da esquerda Daniel Martínez saúda a sua militância e diz que a eleição ainda não está definida e será necessário aguardar pela contagem dos votos observados [4], dada a diferença tão pequena. Por isso haverá que esperar várias horas, ou mesmo vários dias para saber quem será o próximo Presidente da República.

Na quinta-feira, 28 de novembro ao meio dia, a recontagem dos votos confirmou o triunfo da coligação de direita com 48.8% do eleitorado contra 47.3% da esquerda, uma curta margem de 27.042 votos separou a esquerda do que teria sido o seu quarto mandato consecutivo no governo.

Lições aprendidas

A primeira reflexão importante a destacar é que no Uruguai uma eleição não se ganha nem se perde numa campanha.

A segunda é que os candidatos são importantes, mas não são necessariamente determinantes.

A terceira é que a ação política do governo, da força política e dos deputados, bem como dos movimentos sociais e do conjunto da sociedade civil, ao longo de todo o período do ciclo progressista e em particular do período 2015-2019, assumem um papel central na construção da narrativa histórica que dá sentido ao voto no dia da eleição.

A quarta é a constatação de que havia 47.3% do eleitorado disposto a votar Martínez e que em outubro não votou nele. O voto fragmentado em vários partidos de direita não lhe teria dado a maioria parlamentar, mas sim à esquerda e assim pelo menos 8 deputados e 3 senadores agora nas bancadas da direita teriam ficado nas bancadas da esquerda.

A quinta e muito importante é que conservadores e liberais não duvidaram por um instante em abraçar a extrema-direita com o objetivo de tirar o progressismo do governo.

A eleição de outubro foi para a esquerda um triunfo com sabor a derrota, foi o partido mais votado mas perdeu 3 senadores e 8 deputados e a maioria parlamentar passou para as mãos da direita.

A eleição de novembro foi para a esquerda uma derrota com sabor a triunfo, com a direita a ir governar o país sem ter superado a fasquia dos 50% do eleitorado. Desde a reforma eleitoral de 1996, nenhum presidente foi eleito à segunda volta com menos de 50% dos votos. Ainda por cima, mais de 5% do eleitorado que votou na direita em outubro não votou em novembro no candidato único das direitas e escolheu antes apoiar o candidato do progressismo.

Se o resultado de novembro não evitará que a direita promova um programa de conteúdo fortemente neoliberal, como sugere a formação do executivo que está em marcha e as medidas que está a anunciar, pode contribuir para que não o faça de forma selvagem como acontece no Brasil de Bolsonaro e aconteceu na Argentina de Macri.

Terminado o processo eleitoral, é necessário constatar que a esquerda não soube interpretar o incómodo, o descontentamento, a vontade de mudança na sociedade e sofreu um revés histórico.

Finalmente, uma reflexão muito importante para o futuro da esquerda: as políticas dos 15 anos de progressismo que conseguiram retirar da pobreza mais de 25% da população não conseguiram uma mudança cultural por entre esta população e o conjunto da sociedade que tornasse estes cidadãos ativos, críticos e não meros consumidores de um mercado que antes lhes fugia.

Nada nos é estranho.


Julio Calzada é sociólogo, ex-Secretário Geral da Junta Nacional de Drogas do Uruguai e atual Diretor da Divisão de Políticas Sociais da Intendência de Montevideo.

Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.

Notas:

[1] Olla, lugar onde os “cozinheiros” cozem a pasta de cocaína e extraem o cloridrato que em seguida pode ser consumido na forma de cocaína snifada ou injetada.

Boca, lugar de abastecimento de drogas e no caso das cocaínas fumáveis, “lugar de abastecimento e consumo de pasta base”.

[2] Filho de Raúl “Bebe” Sendic, líder histórico do movimento de trabalhadores rurais de Artigas UTAA e fundador com o presidente Mujica do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros no início dos anos 1960, responsável pela guerrilha urbana mais mediática das décadas de 60 e 70 do século XX.

[3] Aporofobia: rejeição, hostilidade e aversão às pessoas pobres.

[4] “Votos observados” são votos registados separadamente nas mesas eleitorais, em casos de eleitores que votam numa zona eleitoral diferente do recenseamento ou cujo nome não é encontrado na lista eleitoral. Os dados desses eleitores são analisados posteriormente à eleição para confirmação de identidade e só após essa confirmação são validados.

Vera Rodrigues desenha pra nós:

Vera Rodrigues desenha pra nós:

Onze partidos declararam “neutralidade” no segundo turno. Preciso dessa lista para nunca mais votar em nenhum deles. Não existe neutralidade em política. Não dá pra aceitar “neutralidade”, quando um lado da disputa faz apologia à tortura, tem como referência teórica um dos maiores torturadores do regime, afirma que o erro da ditadura foi ter torturado e não matado, pretende condecorar a PM e o Exército pelo extermínio de parte da população. Não dá. Paradoxalmente, para fazer oposição ao PT, será preciso votar nele, buscando garantir a permanência da democracia que, mesmo fragilizada, é melhor do que um regime totalitário. Nem se trata do PT, mas da sobrevivência do país. Essa não é uma eleição Aécio x Dilma.

Fotos Públicas

Lembram daquela exposição de mediocridade quando do impeachment de Dilma?

Lembram daquela exposição de mediocridade quando do impeachment de Dilma?

Gente, as eleições mais importantes são as para Deputado Federal e Senador. Nestes cargos é que fundamental influenciar, votando em quem não será depois Centrão. A palavra Centrão significa o grupo de deputados que apoia a quadrilha que ora ocupa o Planalto e que deverá estar com Alckmin e Ana Amélia.

Importante: o título deste post não defende Dilma, uma de nossas piores presidentes da história. Usei o episódio apenas como exemplo, pois foi ali que todos viram em quem votamos, quem é nosso Congresso. O que sei é que ignoramos o parlamento no período eleitoral e depois nos surpreendemos com sua ruindade, tolice e corrupção. Há que examinar o voto com lupa.

Foto: Portal da Câmara dos Deputados
Foto: Portal da Câmara dos Deputados

Senhores Conselheiros: não soneguem aos sócios a oportunidade da manifestação democrática

Por Bruno Zortea
Advogado e sócio colorado Nº 545.022, matrícula 087125.00

Estamos nos aproximando de uma decisão importantíssima para o Sport Club Internacional. Contudo, esta não passa pelo gramado, nem pelas hoje quase ausentes arquibancadas. Amanhã, quinta-feira (8), os rumos do clube serão decididos nas entranhas do Conselho Deliberativo, onde se dará a disputa entre as três chapas postulantes ao comando do clube no próximo biênio.

O evento de amanhã deveria ser apenas o prólogo da eleição real, aquela em que os associados do clube do povo decidem quem serão os merecedores de conduzirem sua paixão pelos dois anos seguintes. Porém, e há sempre um porém em tudo, corremos o seríssimo risco de vermos este inalienável e sagrado direito de escolha retirado de nós por questão burocrática. Com efeito, a previsão da chamada cláusula de barreira — a qual só dá acesso ao segundo turno a dois candidatos com mais de 25% dos votos no Conselho — visa evitar a participação no pleito final de algum “aventureiro” ou “cabeça-de-bagre” que pretenda apenas aparecer, tumultuar e dificultar a escolha do associado. Por falar em “cabeça-de-bagre”, lembramos que dirigente ruim é como jogador ruim, uma hora acabará jogando e comprometendo.

Entretanto, a meu juízo, não é o que se verifica entre os três postulantes ao cargo máximo do Colorado, vez que são pessoas sabidamente comprometidas com seus projetos para com o Internacional há muitos anos e que representam correntes consolidadas dentro do clube.

A grande questão é a possibilidade de apenas um dos candidatos romper a tal barreira e redundar numa patética eleição indireta, totalmente à revelia das bases democráticas de uma instituição que conta com mais de 100 mil sócios. Ou devemos considerar que o associado é tão somente uma massa de manobra que deve apenas pagar a mensalidade, torcer para que o conselho acerte na escolha e ser posteriormente convocado a apoiar o time de forma incondicional, até quando é derrotado por “rebaixatários” dentro do Beira-Rio?

Contra isso eu me ergo, como devem se insurgir todos os associados, sem procurar desafetos. Não podemos admitir que os escolhidos para o comando do glorioso Internacional não passem pelo crivo do voto direto. Essa eleição precisa ser decidida no pátio. Vivemos uma fase de transição e a próxima direção não pode iniciar a necessária reformulação no elenco sem o respaldo da torcida.

É inegável que muitíssimos erros foram cometidos, que este foi um ano perdido, mas se os dois próximos também o forem, só teremos outra oportunidade de mudar o presidente após a Copa de 2014! O grande problema que viceja no Internacional hoje parece ser uma deletéria mistura de ressaca, continuísmo e conformismo, na expectativa de que alguma solução mágica nos recoloque na senda de vitórias.

Não acredito que o atual modelo de gestão se encontre ultrapassado ou esgotado — pelo contrário, estratégias semelhantes se mostram altamente eficazes em outros clubes — , a questão é que os atuais mandatários não souberam ou não puderam traduzir seus atos e investimentos em um time. Alguém se aventura a lembrar a ultima atuação convincente do Internacional? Estamos tão saturados com o conformismo que já sabemos de antemão as desculpas para os constantes reveses. Ninguém mais aguenta o “pensar jogo a jogo”, as lesões, as convocações, a defesa dos atletas “com biografia”, etc.

As últimas notícias, por exemplo, confirmam a total falta de rumo no comando do futebol: um atleta que há pouco tempo foi nosso capitão (vai entender), hoje se especula que será dispensado; outro que também foi nosso capitão e que estava totalmente fora dos planos — talvez por decisão própria — deve jogar no próximo domingo. Cadê a convicção, onde está a política de futebol? Daqui a pouco deverão começar a falar em grupos dentro do vestiário. Da mesma forma, o modo como foi tratada a questão com a Andrade Gutierrez traduziu-se em meses de angústia da torcida, corneta e exposição negativa de nossa imagem.

Resumindo, a torcida colorada merece, após este ano medíocre, o direito de ir às urnas e indicar por quem pretende torcer, vaiar ou cornetear nos próximos dois anos. O momento é sim de união, mas não entre os diversos movimentos políticos do clube e sim entre este e a sua apaixonada torcida. É preciso que a próxima gestão possua legitimidade, e esta, convenhamos, não advém dos salões acarpetados do conselho, e sim do primitivo cimento do pátio, irmão da arquibancada, onde a torcida tantas vezes se somou ao time em suas conquistas.

Senhores Conselheiros, da mesma forma que não vamos a campo pelos jogadores e sim pela camisa, não iremos às urnas pelos senhores, mas sim pelo glorioso Sport Club Internacional.

Por favor, não nos soneguem a oportunidade desta importante manifestação democrática. Não aprontem mais essa. Segundo turno já!

General Câmera: sorria, você está sendo filmado

A pressa com que a prefeitura faz nascer placas nesta época pré-eleitoral está prejudicando não somente a paisagem porto-alegrense, como também a correção do nome de suas ruas. Se todo mundo já chama a rua do Sul21 de Rua da Ladeira, agora corremos o risco de acentuar a confusão, pois foi criada uma nova forma de referir-se ao logradouro. Este envolve um ato falho, pois, se utilizarmos uma câmera, veremos que não há nada por trás da placa, nem um buraquinho…

A placa apareceu bem depois do dia 18 de julho, segundo o vigilante porteiro do prédio do Sul21

Hollande, Sarkozy, mas principalmente o fascismo de Le Pen

Le Pen: fascismo em alta na França.

Estive na França durante o ano passado. Foi apena uma semana, uma maravilhosa semana em novembro, mas vocês sabem, viajar a um outro país é estar com a sensibilidade à flor da pele. Recém saído da tranquila Inglaterra, a situação na França me pareceu tão pesada quanto a medonha Igreja de la Madeleine. Havia visível tensão social. Imigrantes eram procurados nos metrôs e mesmo o pessoal da esquerda reclamava da presença de árabes e africanos por todo lado. Muitos franceses diziam que “os negros não gostam de nós e os árabes são muito diferentes”. Quando aparecia alguém estuprando e matando — fatos que ainda causam surpresa na França — , os franceses conjeturavam se o culpado seria um negro indignado ou árabe fundamentalista. Era um ambiente propício à direita, obviamente, e, quando diziam que Mélenchon subia nas pesquisas encostando em Le Pen, eu pensava que tudo tinha mudado rapidamente em poucas semanas. Só que não tinha mudado.

O socialista Holande ganhou por 1,4%, aproximadamente. Sarkozy saiu-se melhor do é com 27,18%. Mélenchon sumiu com seus 11,1%. E Marine Le Pen, da extrema-direita, obteve 17,9% dos votos. Pois é. Aí está o fato principal destas eleições. Quando a extrema-direita xenófoba consegue mobilizar quase vinte por cento do eleitorado de um país como a França, algo vai mal. De 2007 e 2012, Le Pen quase duplicou a votação. A abstenção foi de 19%, superior à de 2007.

Se, no segundo turno, em 6 de Maio, Hollande acrescentar a seu percentual todos os votos da esquerda e extrema-esquerda (Mélenchon, Joly, Poutou e Arthaud), obterá 43,76% dos votos. Por seu turno, se os votos de Le Pen forem todos para Sarkozy, o atual presidente ficará com 45,08%.

Portanto, quem vai decidir a eleição é o eleitorado da centro-direita de François Bayrou (9,13%) e dos nanicos Dupont-Aignan (gaulista, 1,79%) e Cheminade (um católico que obteve 0,25%). Estes três candidatos somam 11,17%. O desfecho dependerá da percentagem que se deslocar para Hollande ou Sarkozy. Segundo pesquisa do instituto Ifop, 83% dos eleitores de Mélenchon votarão em Hollande, os de Bayrou iriam 38% para Hollande e 32% para Sarkozy e os de Le Pen, 48% para Sarkozy, 31 para Hollande e 21 não votariam ou votariam em branco.

Ou seja, tudo está em aberto e mesmo Sarkozy pode seguir no cargo.  Afinal, Hollande é um baita chato e tudo conta numa final apertada.

O ano de 2010 será uma coisa

O ano de 2010 será prenhe de absurdos. Já estou me preparando, ao menos do ponto de vista psicológico. Ontem, por exemplo, recebi um comentário épico, bastante educado, de alguém que discorda politicamente de mim e que mostra-se tão preocupado em desenterrar fatos dos últimos anos (anos Lula, bem entendido), tão conscio em tentar balançar cada convicção minha, que talvez sirva de prévia do que será 2010. Eu poderia fazer uma pesquisa sobre os anos FHC — não pensem que eu lembro — e entraríamos numa discussão infindável e inútil para ambos, pois permaneceríamos com as mesmas opiniões anteriores. Informo que não estou nem estarei preparado para bate-bocas. Acompanho a política de longe, aproveito-me do que me afeta para, desde meu bunker, fazer uso de minha pistola d`água lotada de comentários ácidos. Espero não ser processado, pois tenho especial talento para ofender na jugular. Mas será isso mesmo: darei uns tirinhos e ficarei rindo sem discutir. Só discuto literatura, música — assuntos onde me sinto mais seguro — e coisas pessoais.

Porém, ah, porém… 2010 será um ano político e de Copa do Mundo. Sei que iniciará com uma questão gaúcha: a incrível tentativa da desgovernadora Yeda Crusius de extinguir a TVE e a FM Cultura através do simples fato de não comprar o prédio alugado onde hoje as emissoras estão instaladas. Mônica Leal está envolvida, ora se não! Como isto tem o poder de prejudicar qualquer pretensão reeleitoral do Yedão, devo entrar com tudo. Aliás, já deveria ter entrado há alguns meses. E, mais: já adianto a meus sete leitores que votarei ou nos candidatos do PT ou mais à esquerda — considerando-se que este partido ainda jogue menos à esquerda que Ronaldinho e mais do que Messi. E informo que este blog não é um jornal destes que fingem imparcialidade. O blog é descaradamente parcial, tanto quanto a Veja, só que pelo outro lado. Talvez esteja na hora de desenterrar algumas histórias de Reinaldo de Azevedo na Bravo! Coisa divertida pacas… Ou não? Não, né? Nunca leio o Rei nem vou a seu blog. Deixa pra lá.

O que acho é que esta eleição será uma tentativa de desesperada da imprensa em desqualificar o bom governo federal — que acabará reeleito — e uma nova tentativa de vencer os políticos e a ignorância do interior, tão temerosa que o um governo estadual de esquerda venha comer suas mulheres e filhas.

Já disse mil vezes que no Brasil temos o sério problema do voto obrigatório. Limpem a maioria silenciosa e veremos no que dá. Tirem esse pessoal que ouve dupla sertaneja, Roberto Carlos, que vê só Record e SBT e a coisa ficaria muito melhor. Tenho um amigo radical de esquerda que, um pouco (só um pouco) jocosamente, defende a tese de manter o voto obrigatório, mas fazendo antes três perguntas-surpresa ao eleitor antes de votar. Se o cara não acertasse duas, voltaria direto para casa.

Exemplos de perguntas:

1. Lula sucedeu a qual presidente?
a. Getúlio Vargas
b. Fernando Henrique Cardoso
c. William Bonner

2. A queda do muro faz-lhe lembrar o quê?
a. De seu vizinho
b. Do Pink Floyd
c. Do fim do bloco comunista

3. A expressão “pra variar, acabou em pizza” é utilizada para significar:
a. Que não deu em nada
b. Que os políticos se empanturram de carboidratos em Brasília
c. O amor que o brasileiro tem pelos rodízios

4. Fernando Henrique Cardoso nunca…
a. engravidou repórteres e outras mulheres durante seu casamento
b. gostou de titulos acadêmicos
c. gostou de ser contestado, ainda mais por estrelas

5. José Serra é parecido…
a. com Tarcísio Meira
b. com José Mayer
c. com uma tartaruguinha

Não seria uma boa? Resolveria dois baitas problemas — o do voto dos analfabetos funcionais e dos viajantes em maionese — e seria educativo.

O Novo Papa – A Opinião do L`Osservatore Ateo

Eu publiquei o texto abaixo em meu ex-blog. Era o dia 7 de abril de 2005 e o mundo só falava na complicada eleição do novo Papa. Foi uma época insuportável, só se falava em santidades, mudanças, etc. Não sei por quê, fui atacado por um bando de católicos furiosos que reclamavam que… Bem, melhor reproduzir parte do mais tranquilo comentário da época, feito por um sujeito habitualmente fascista:

Caro Milton, o que me tem fascinado ultimamente é a enorme preocupação dos não-católicos com o que se passa na Igreja Católica. Infelizmente o que acontece é que o Vaticano é considerado simplesmente como uma super-estrutura política, o que é, mas sem levar em conta a sua dimensão espiritual e moral, quando é essa dimensão lhe dá a relevância única que ela tem no mundo crente e não-crente. Se lhe interessar o que filosoficamente penso do assunto, passe no meu blogue…

E lá no “blogue” dele o que havia era uma louvação sem fim ao Wojtila. Ele devia saber, pois veio o Ratzinger e tudo seguiu exatamente igual. Mas achei divertido reler sobre as esperanças de mudanças que até os católicos tinham na época. Tolinhos… Foram mais de 100 comentários, a metade me ofendendo. Hoje, passados 4 anos e fora do período de campanha eleitoral às claras, não vejo nada de extraordinário no post.

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Há algo estranho em minha conformação cerebral que impede a instalação de noções como Deus, milagres, religiões, etc. Porém, reconheço a importância que tais fés têm para a humanidade e sei ser impossível um mundo formado por pessoas sem Deus, apesar de pensar que é assim que sempre estivemos. É com este espírito cético (louco para tirar em sarro) e respeitoso (sabendo que, infelizmente a religião é inerradicável) que escrevo o post abaixo.

Minha formação religiosa é inexistente. Nunca frequentei igrejas, nunca me senti tentado a recorrer a algo superior quando as coisas foram mal ou bem, não li a Bíblia e não conheço nem aqueles movimentos que devemos fazer com a mão direita quando entramos numa igreja. Minha proximidade com o Espírito Santo limitou-se aos torneios de pingue-pongue que jogava, ainda criança, na Igreja Metodista Central de Porto Alegre.

Para mim, é desconfortável ver e ouvir a mídia nestes dias. Além da nauseante super-oferta de Vaticano, penso que a ignorância dos comentaristas esteja muito próxima à minha. As descrições incompletas dos rituais que cercam a morte do Papa e a futura eleição causam-me frouxos de riso. A simbologia parece impermeável a eles e os abandonaria se não soubesse da importância política que tem a escolha do chefe da Igreja Católica.

Ouço e leio todas as notícias que me passam por perto e não posso evitar mal estar e irritação com as longas digressões acerca da santidade de Wojtyla. Quando começam tais delírios, desligo o rádio ou mudo de artigo. Os vaticanólogos reais, os entendidos nestas questões políticas, dão-me clara impressão de que João Paulo II teve um prelado mais longo do que desejaria o Colégio de Cardeais. Ele era o Papa que deveria empurrar pela linha de fundo o comunismo polonês e, se possível, fazer o mesmo com os vizinhos. Ajudou a fazer o serviço, mas viveu demais. Neste ínterim, revelou-se um marqueteiro de primeira e um conservador que impediu avanços que estavam maduros até mesmo em seu meio. Dizem os especialistas que a maioria dos Cardeais desejariam finalmente “dar continuidade aos milimétricos passos em direção ao mundo” – expressão minha – e que, para tanto, seria melhor haver papados de aproximadamente dez anos, ao invés de um super-papado conservador de 26. Além disto, dizem eles que a tendência histórica é da alternâcia entre papas conservadores e “liberais”.

Se estes caras têm razão, o novo Papa será um septuagenário bom de conversa e que saiba jogar no ataque. Não seria eleito novamente um volante brucutu de 58 anos. Mais: seria alguém que, finalmente, daria os tais passinhos em perseguição ao mundo. Abro o jornal e leio Dom Claudio Hummes, arcebispo de São Paulo, dizer vagamente: “O próximo Papa será diferente”. Esperamos que sim, Dom Claudio.

Os passinhos seriam (1) a permissão para os padres casarem. Cá para nós, isto é uma maldade prima-irmã da autoflagelação. A igreja está atrasadíssima na liberação destes seres humanos para que eles possam ter prazer sexual, filhos e — grandes problemas — futuras viúvas, pensões e herdeiros que não sejam a oniparente Santa Madre. Na mesma linha está (2) a liberação da pílula para as mulheres e (3) dos preservativos para os homens. Somos os únicos seres vivos que mantêm relações sexuais por puro prazer — por que é tão difícil reconhecer isto? — e sabemos quão positivo para um casal é ter uma vida sexual saudável e prazerosa. A igreja poderia dar uma forcinha a seus fiéis, não? Outro item necessário seria a eliminação de um machismo que nem os CTGs (Centros de Tradições Gaúchas) mantêm mais, ou seja, (4) o da exclusão feminina nos postos de importância do clero. Hoje, se não há uma impossibilidade de direito, é factualmente impossível a ascensão de uma Papisa. Não é um absurdo?

Aborto, eutanásia e tudo aquilo que acompanha o progresso científico (pesquisas com células-tronco, etc.) ficariam para depois. Calma, a atualização far-se-á passo a passo, bem devagarinho.

Espero que um dia, provavelmente quando este blogueiro já estiver morto, a igreja torne-se a verdadeira reserva moral da humanidade. Neste dia, ela aceitará que muçulmanos, judeus, budistas e gente como eu (ético até a medula quando não se trata de roubar livros, não-cristão, bom e mansinho) mereçam viver tranquilamente no Céu, talvez em local privé, convivendo com um monte de ateus e cristãos legais.

Contra o voto obrigatório

A maioria dos eleitores brasileiros — e de qualquer país — não possui opinião política relevante ou, melhor dizendo, são passivos. Não se informam sobre o motivo da recessão ou em acompanhar o político ou o partido no qual votou. Votam por impulso de última hora, escolhendo principalmente candidatos capazes de maior marketing ou pessoas oriundas do rádio ou da televisão. Só que no Brasil a participação de todos é compulsória, chegando a haver multas por forfait. Tal fato acaba por diluir a influência daqueles que valorizam e refletem sobre seus votos. Em minha opinião, seria fundamental que o Executivo e o Legislativo fossem uma representação do cenário político do país, que refletissem a opinião da maioria preocupada com seus rumos e que representassem, em suas formações, um somatório de convicções e não de vagas impressões. Originário do voto de cabresto, o obrigatoriedade acentua a enorme intrusão de pessoas que escolhem seus candidatos por motivos rarefeitos ou tolos. Este voto que não haveria — não fosse a necessidade de todos votarem — é deletério para a nossa representação em todos os níveis.

Outro ponto interessante a favor do voto facultativo é o do contra-senso jurídico. Sendo o voto um direito do cidadão, como pode ser também um dever? Sei que podem aparecer advogados com suas filigranas e brilhaturas, mas gostaria de dizer que é indiscutível que as palavras “direito” e “dever” não são sinônimas nem miscíveis. Direito é a faculdade legal de praticar ou não um ato (votar é um direito), enquanto que o dever implica em imposição. Dizer que o voto é um direito e um dever era um dos poemas do governo militar. Porém, na risível, confusa, lenta e interminável colcha de retalhos jurídicos que controla nosso país, este é apenas mais um problema.

Finale 1 (scherzando): Há muitos anos meu voto vale por seis ou sete. Culpa minha se fico amigo do zelador, da senhora do cafezinho, das faxineiras e das empregadas? Bem, só sei que confiam em mim, sei lá por quê. Esta multiplicação de Miltons Ribeiros, cada um deles preenchendo bilhetes com números de candidatos, não aconteceria se tais pessoas pudessem escolher entre votar ou não. Elas, simplesmente, são desinformadíssimas e não se sentem motivadas sequer a pensar no assunto. Se eu, o modesto Milton, controlo votos da maioria silenciosa, o que outros, com maiores interesses, não farão?

Atualização feita às 9h45: quero colocar como parte do post o excelente comentário de Eugênio Neves. Ele foi ainda mais claro do que eu:

Sempre achei que o voto obrigatório é mais uma dessas excrescências produzidas pelos donos do poder. Concordo com as tuas ponderações e sem nenhum receio de ser pedante, ou elitista, me recuso a aceitar a idéia de que o uso que a maioria faz do voto, tenha a mesma qualidade do meu voto, independentemente, do meu campo ideológico ser favorecido ou não. Eu voto com convicção ideológica. Não é um bandeiraço, frases de efeito num debate ou a cor da gravata do candidato que definirão meu voto. Tenho plena consciência política e, quando escolho, sei o que estou fazendo. Como também tenho a certeza que esse não é o caso da maioria.

Certa vez, tive um rápido debate com o Tarso e ele entendia o voto obrigatório como um fator de formação de cidadania. Até poderia ser, se vivêssemos num ambiente político realmente democrático, onde a circulação da informação fosse plena. Como não é essa a realidade, penso que a não obrigatoriedade do voto proporcionaria um avanço real na democracia, na medida em que só os que têm consciência votariam. No mais, o dia da eleição seria um feriadão, em que os alienados iriam para a praia e nos poupariam desse espetáculo grotesco que é a reeleição do Fogaça.

A não ser que alguém entenda que essa escolha foi um avanço político…

Sarah Palin, vice de John McCain pelo Partido Republicano

Não é uma montagem, OK? Encontrei no Sergio Leo. E ele buscou aqui.

A governadora do Alaska gosta de caçar tudo o que se mexe, é a favor da abstinência sexual, contra a educação sexual e tem uma filha de 17 anos grávida. Uma flor de pessoa.