"Não adianta ir da Classe D para a C apenas para comprar uma geladeira", diz diretora de Economia da Cultura

Obs.: Essa entrevista foi feita por mim para o Sul21, mas como o assunto é cultura — um dos assuntos mais frequentes neste eclético blog — , deixo-a também aqui para meu 7 fiéis leitores.

Foto de Ramiro Furquim / Sul21

Denise Viana Pereira é a Diretora de Economia da Cultura da Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul. Trabalha, pois, com o Secretário Luiz Antônio de Assis Brasil numa das secretarias mais pobres e de maior visibilidade do governo, vendo apenas 0,07% do orçamento estadual e sendo visitada por boa parte dos artistas e produtores do Rio Grande do Sul. Denise é formada em Comunicação Social pela Ufrgs, é especialista em Teoria de Jornalismo e em Economia da Cultura. De 1999 a 2001, integrou a equipe do Instituto Estadual de Música da Secretaria de Estado da Cultura do RS. Nos anos de 2003 e 2004, foi Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre e integrou a Representação Regional Sul do Ministério da Cultura entre 2006 e dezembro de 2010.

Em sua entrevista ao Sul21, Denise Viana Pereira fala sobre a nova lei que substitui a antiga LIC e sobre os planos nada modestos da Cultura do estado.

Sul21: Nos últimos dias, foram aprovados R$ 3,6 milhões em autorizações para captação de patrocínios via LIC. Associada a esta notícia, há a nova legislação de apoio e fomento à cultura, aprovada em dezembro de 2011.

Denise Viana Pereira: Sim, a LIC – Lei de Incentivo à Cultura – foi sancionada em 1996 e começou a funcionar em 1997, indo até agosto de 2010. Após esta data, ela foi suspensa até 7 de dezembro quando foi regulamentada a nova lei de fomento e apoio à Cultura, que se chama Pró-Cultura.

Sul21: A LIC não existe mais?

DVP: Não existe mais. Ela só permanece para os projetos que ainda estão em tramitação. Os novos processos não ingressam mais via LIC, mas sob o Pró-Cultura. O Pró-Cultura tem no seu bojo dois mecanismos: um mecanismo é o Fundo de Apoio à Cultura, grande conquista que nós aprovamos em 2001 na Assembleia Legislativa e que nunca tinha sido regulamentada, e um mecanismo de compensação fiscal semelhante à antiga LIC. O Pró-Cultura, então, engloba o fomento direto – pelo Fundo – e a compensação fiscal.

Sul21: Como funciona?

DVP: Na lei antiga, a empresa poderia se compensar de 75% do total do projeto descontando o valor de seu ICMS. Na nova lei, o desconto é de 100%. Porém, regra geral, para todo o projeto, o patrocinador fica obrigado a um depósito de 10% no Fundo de Apoio à Cultura, à exceção de projetos para Patrimônio Cultural e Construção de equipamentos culturais, para os quais o depósito é de 5%. Então, há a compensação, a isenção, mas há o incentivo propriamente dito, o qual é depositado no Fundo.

Sul21: Há um teto de isenção fiscal determinado pelo estado?

DVP: Sim, e este é muito baixo. O teto de isenção fiscal é de 28 milhões. Então, 10% são 2,8 milhões. É pouco para o Fundo. No ano passado, foi enviado um projeto de lei que prevê um aumento deste valor para R$ 35 milhões. A lei permite que este teto possa chegar ao máximo de 0,5% da receita líquida do estado. Trata-se de um valor variável, que hoje deve bater nos R$ 70 milhões.

Sul21: Resumidamente, poderia descrever o processo de aprovação do Pró-Cultura com a compensação fiscal?

DVP: O processo é (1) o proponente cadastra-se no site, (2) validação por parte da SEDAC, o que hoje demora 7 dias; (3) então, o proponente tem 15 dias para trazer documentos; (4) de posse dos documentos, fazemos a análise técnica detalhada onde normalmente questionamos coisas que não ficaram claras e então (5) o projeto é enviado para o Conselho Estadual de Cultura, que tem 60 dias para analisar. Após a aprovação, esta é publicada no Diário Oficial do Estado e o autor do projeto recebe uma carta que autoriza a captação, ou seja, o patrocínio por parte das empresas. O prazo mínimo total para a aprovação de um projeto é de 90 dias, por lei. Na prática, sabemos que este tempo não ocorre antes de 4 meses. O que desejamos é chegar cada vez mais próximos dos 90 dias. Estamos em contato com o Conselho para que eles analisem a possibilidade de diminuição de seus prazos. Tudo é muito moroso e há uma comparação inevitável: a Lei Federal é muito mais ágil. Não faz sentido. Temos que nos apropriar do sistema federal.

Sul21: Como é que o novo governo encontrou a SEDAC?

DVP: O secretário Assis Brasil sempre diz que não adianta a gente ficar olhando para o passado. O que a gente quer é que nossa marca seja o diálogo. Queremos manter as portas abertas e até retiramos algumas divisórias que haviam em nossa estrutura física… Queremos receber todos, ouvir todos os que nos procuram. Todos são atendidos. Acabamos inteiramente com certo tom policialesco da SEDAC. Nós éramos vistos pelos produtores culturais, de antemão, como oponentes, quando na verdade ambos são proponentes. Claramente, havia grande distância entre os produtores e o sistema de fomento e financiamento da cultura no estado. Nós queremos o oposto.

Sul21: Quais são objetivos factíveis dos quatro anos da gestão?

DVP: O primeiro objetivo é o de fazer a Casa de Cultura Mario Quintana funcionar a pleno. Resolvendo desde a obra de fixação da fachada até recheá-la de programação. O segundo é o de construir o Teatro da OSPA. Os outros estão associados ao plano de recuperação do orçamento da cultura do estado, que nos tirará deste “quase nada” de recursos que temos hoje. Hoje, temos 0,07% do orçamento do estado. Nossa intenção é a de chegar, ao final dos quatro anos do governo Tarso, a 1,5%. Queremos 0,5% no segundo ano de gestão, 0,75% no terceiro, 1% no quarto e 1,5% para a próxima gestão.

Sul21: Há outros?

DVP: Temos também projetos ligados à utilização do Fundo de Apoio à Cultura. Pretendemos criar editais a fim de selecionar projetos de Casas de Cultura, teatros, cinemas ou bibliotecas para o interior do estado. Queremos equipamentos culturais para o interior. Nós selecionaremos os projetos; desta forma, não seriam equipamentos de propriedade do estado. Nós apoiaremos projetos que permitam aos municípios se equiparem. Imaginamos valores de até R$ 500 mil. Muitas vezes há prédios que poderiam se transformar num teatro ou numa biblioteca. Nossa intenção é participar da reutilização destes espaços para fins culturais.

Sul21: Não há quase mais cinemas no interior.

DVP: Bem, neste sentido nós trabalhamos com a ideia dos cineclubes. Nosso plano de governo inclui a criação de 100 Cines mais Cultura ao longo dos quatro anos de gestão e envolve a criação de 500 Pontos de Cultura lato sensu. Nos Pontos de Cultura, o governo aporta recursos para iniciativas que já existem, dando apoio aos chamados Pontos de Cinema (cineclubes), aos Pontos de Brincar (brinquedotecas), aos Pontos de Leitura (pequenas bibliotecas) e aos Pontos de Memória (museus comunitários ou ações de memória). Estas são ações que o MinC desenvolve. Este ano, deveremos receber R$ 10 milhões para começarmos.

Sul21: E a OSPA? Sem sede, ensaiando no cais do porto, convivendo com falta de músicos, concursos… E o novo Teatro que não sai do papel?

DVP: Hoje temos boas perspectivas. O secretário Assis Brasil é um ex-membro da orquestra e está bastante compromissado com a OSPA. Foi elaborada uma emenda parlamentar de R$ 20 milhões para a construção – o custo do teatro é de R$ 32 milhões. Em um de seus primeiros pronunciamentos, a presidente Dilma Rousseff falou em necessidades de contenção e suspendeu todas as emendas. Algumas destas foram extintas, mas a da OSPA não. O governador Tarso já enviou correspondência para a Ministra da Cultura e para a Comissão de Educação e Cultura do Congresso. Há toda uma mobilização estadual pela manutenção da emenda parlamentar de R$ 20 milhões. Isto garantiria 2/3 da obra. De outra parte, o MinC, em reunião aqui conosco, com a presença do secretário Assis Brasil, comprometeu-se em colocar mais R$ 7,5 milhões ou R$ 10 milhões – dependendo da emenda deste ano – , à razão de 2,5 milhões por ano. Se a emenda de R$ 20 milhões entrar este ano, eles não repassariam a primeira parcela de R$ 2,5 milhões, ficando o primeiro pagamento para 2012. Em resumo, repito, temos boas perspectivas.

Sul21: Houve uma discussão sobre possíveis mudanças no projeto do Teatro a fim de que ele pudesse receber óperas. Propôs-se a criação de um fosso para a orquestra…

DVP: Falando de uma forma rasa, o secretário compreende as críticas – o IAB igualmente não está de acordo com a parte externa do projeto e há esta discussão sobre óperas – , mas sua ideia é a de que o Teatro da OSPA é uma sala sinfônica e não outra coisa. E mesmo que haja discussões — penso que sempre haverá — não podemos atrasar mais 20 anos uma construção que nos faz falta há décadas. Então, temos um projeto pronto, pago, e achamos que ele não deve mais ser alterado. Estamos em outra fase e, se retrocedermos a uma anterior, quando teremos o Teatro?

Sul21: Fomento é política cultural? E a distribuição, divulgação e venda?

DVP: De modo algum fomento é política cultural. O mecanismo de financiamento e fomento não pode ser nossa única atividade; isto é apenas um instrumento. É muito insuficiente e concentra a pouca verba disponível nas capitais e nos artistas conhecidos. Para isso é que agora temos o Fundo de Apoio à Cultura, temos que fortalecê-lo para poder diversificar o tipo de projeto a ser apoiado. Por outro lado, temos que nos preocupar não apenas com os projetos, mas com a criação de hábitos de consumo de toda produção cultural. Temos que apoiar a distribuição, o consumo e a formação de plateias. É um problema igual ou maior do que o de produção, que é o que a LIC fazia exclusivamente. As leis de incentivo fomentam a produção, mas não fomentam a distribuição, elas concorrem muito pouco para a absorção daquilo que criam. Veja o caso do blog da Maria Bethânia: Jorge Furtado foi brilhante ao dizer que se tivessem pedido três vezes o mesmo valor para um filme que ninguém fosse assistir, não iam reclamar de nada, mas como é um blog e há um preconceito com o meio virtual – criado pela grande mídia – ninguém diz que Bethânia estará divulgando uma porção de poetas que ficariam de outro modo inacessíveis. Sou totalmente favorável ao blog dela. Grande parte desta discussão é sufocada pelo desconhecimento que as pessoas têm do contexto da produção e das necessidades culturais.

Sul21: Teu cargo é o de Diretora de Economia da Cultura. O que significa exatamente?

DVP: Como tu disseste, não adianta a gente apenas fomentar a produção. O olhar da economia sobre a cultura nos dá uma noção de que existe uma cadeia produtiva inteira, que vai até o público.

Sul21: Normalmente os artistas não pensam na parte comercial…

DVP: Sim, há que pensar na divulgação, nas vendas, na infraestrutura. Mas o pensamento não pode também ser apenas mercantilista, pois há dois valores envolvidos: o valor econômico do produto cultural e o valor simbólico, que vai transformar a pessoa que assistirá uma orquestra pela primeira vez, que vai fazê-la pensar em coisas sobre as quais jamais tinha antes refletido. É preciso pensar na sustentabilidade da produção.

Sul21: Sim, o espectador sai melhor, mais rico de um filme, peça ou espetáculo, mas como medir a importância desta experiência, deste conhecimento?

DVP: Nós estamos num momento maravilhoso, porque o governador é sensível à cultura. Ele é completamente consciente deste valor simbólico e da importância de termos cidadãos capazes de serem reflexivos e críticos, em contraposição a cidadãos que vêm da classe D para a C apenas para comprar uma geladeira ou uma batedeira e continuar se matando na esquina ou atropelando ciclistas. Se a gente quer mexer na sociedade, temos que necessariamente passar por sua culturalização. E temos a nossa favor a tecnologia, que dá acesso a bens culturais com maior facilidade do que no passado. Antigamente, a montagem de um cineclube era coisa para heróis, hoje tu colocas um DVD debaixo do braço e sai mostrando os filmes. Hoje já temos óperas sendo apresentadas ao vivo em cinemas. O mundo é outro, temos que utilizá-lo.

Sul21: É difícil convencer alguém disso ou a arte ainda funciona do modo como Louis Armstrong definia o jazz: “If you gotta ask, you`ll never know”?

DVP: Sim, é difícil. Mas nós não devemos nos conformar com este corolário do “eu sei a importância que tem e se tu não sabes, nunca vais saber”. Desta forma, tu não convences o outro, tu não dás acesso à cultura. Imagina um professor dizendo ao aluno: “Tu nunca vais entender, meu filho!”. O ser humano muda, avança. Essa é a nossa missão fundamental.

Sul21: Pois é, estamos chegando à educação, não?

DVP: E chegamos… Por exemplo, o trabalhador da área da cultura ganha três vezes mais do que a média da indústria. Há um dado estarrecedor: na Bahia, 54% dos empregados ou são analfabetos ou tem primeiro grau incompleto. No setor cultural, este índice de analfabetismo cai para 34%. Não há estatística análoga para o RS, mas tenho certeza de que no RS o índice de 34% deve ser de gente que tem o terceiro grau incompleto e no entanto… O Acre, a Bahia e Pernambuco estão muito à frente do RS na área cultural. Há muito tempo eles trabalham com conceitos modernos e estão inseridos naquilo que o MinC criou em 2007: o Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultura, que trabalha com todos esses conceitos de cadeia produtiva que expus.

Sul21:Para terminar, para que serve a SEDAC e a que veio?

DVP: A pergunta deve ser respondida fugindo das respostas que passam perto de expressões como “alimento da alma”, etc. A cultura deve ter as três dimensões que o MinC defende: o valor simbólico, o valor econômico e o valor de cidadania, de promotor de direitos. Esse é o nosso norte.

Sul21: Desejamos boa sorte.

DVP: Muito obrigado.

Dez falsos motivos para não votar na Dilma

Por Jorge Furtado

Tenho alguns amigos que não pretendem votar na Dilma, um ou outro até diz que vai votar no Serra. Espero que sigam sendo meus amigos. Política, como ensina André Comte-Sponville, supõe conflitos: “A política nos reúne nos opondo: ela nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir”.

Leio diariamente o noticiário político e ainda não encontrei bons argumentos para votar no Serra, uma candidatura que cada vez mais assume seu caráter conservador. Serra representa o grupo político que governou o Brasil antes do Lula, com desempenho, sob qualquer critério, muito inferior ao do governo petista, a comparação chega a ser enfadonha, vai lá para o pé da página, quem quiser que leia. (1)

Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir a sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi ministra do Lula por sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma batalhadora das causas ambientalistas. Tem, no entanto (na minha opinião) o inconveniente de fazer parte de uma igreja bastante rígida, o que me faz temer sobre a capacidade que teria um eventual governo comandado por ela de avançar em questões fundamentais como os direitos dos homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas envolvendo as células tronco.

Ouço e leio alguns argumentos para não votar em Dilma, argumentos que me parecem inconsistentes, distorcidos, precários ou simplesmente falsos. Passo a analisar os dez mais freqüentes.

1. “Alternância no poder é bom”.

Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição.

2. “Não há mais diferença entre direita e esquerda”.

Falso. Esquerda e direita são posições relativas, não absolutas. A esquerda é, desde a sua origem, a posição política que tem por objetivo a diminuição das desigualdades sociais, a distribuição da riqueza, a inserção social dos desfavorecidos. As conquistas necessárias para se atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de esquerda significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena liberdade de expressão e ampla defesa das minorias. O complexo (e confuso) sistema político brasileiro exige que os vários partidos se reúnam em coligações que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o país se torna ingovernável. A candidatura de Dilma tem o apoio de políticos que jamais poderiam ser chamados de “esquerdistas”, como Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais que se abrigam principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito amplo. José Serra tem o apoio majoritário da direita e da extrema-direita reunida no DEM (2), da “direita” do PMDB, além do PTB, PPS e outros pequenos partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge Borhausen, ACM Netto, Orestes Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire, Demóstenes Torres, Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim Roriz, Marconi Pirilo, Ronaldo Caiado, Katia Abreu, André Pucinelli, são todos de direita e todos serristas, isso para não falar no folclórico Índio da Costa, vice de Serra. Comparado com Agripino Maia ou Jorge Borhausen, José Sarney é Che Guevara.

3. “Dilma não é simpática”.

Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a simpatia não é, ou não deveria ser, um atributo fundamental para o bom governante. Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do gosto do freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar alguém na vida pública que seja mais antipático que José Serra, embora ele talvez tenha sido um bom governante de seu estado. Sua arrogância com quem lhe faz críticas, seu destempero e prepotência com jornalistas, especialmente com as mulheres, chega a ser revoltante.

4. “Dilma não tem experiência”.

Argumento inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras, gerenciou com eficiência os gigantescos investimentos do PAC, dos programas de habitação popular e eletrificação rural. Dilma tem muito mais experiência administrativa, por exemplo, do que tinha o Lula, que só tinha sido parlamentar, nunca tinha administrado um orçamento, e está fazendo um bom governo.

5. “Dilma foi terrorista”.

Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso, porque não há qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”. Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também fez parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis, ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de orgulho, não de vergonha.

6. “As coisas boas do governo petista começaram no governo tucano”.

Falso. Todo governo herda políticas e programas do governo anterior, políticas que pode manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O governo FHC herdou do governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o FAT, o programa de combate a AIDS. Teve o mérito de manter e aperfeiçoá-los, desenvolvê-los, ampliá-los. O governo Lula herdou do governo FHC, por exemplo, vários programas de assistência social. Teve o mérito de unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De qualquer maneira, os resultados do governo Lula são tão superiores aos do governo FHC que o debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.

7. “Serra vai moralizar a política”.

Argumento inconsistente. Nos oito anos de governo tucano-pefelista – no qual José Serra ocupou papel de destaque, sendo escolhido para suceder FHC – foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no próprio Ministério da Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de ambulâncias investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o volume de dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos fiscais nas privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o governo tucano talvez tenha sido o mais corrupto da história do país. Ao contrário do que aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC não foi investigada por nenhuma CPI, todas sepultadas pela maioria parlamentar da coligação PSDB-PFL. O procurador da república ficou conhecido com “engavetador da república”, tal a quantidade de investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em processo criminal. O governador José Roberto Arruda, do DEM, era o principal candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Serra, até ser preso por corrupção no “mensalão do DEM”. Roberto Jefferson, réu confesso do mensalão petista, hoje apóia José Serra. Todos estes fatos, incontestáveis, não indicam que um eventual governo Serra poderia ser mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo Dilma, ao contrário.

8. “O PT apóia as FARC”.

Argumento falso. É fato que, no passado, as FARC ensaiaram uma tentativa de institucionalização e buscaram aproximação com o PT, então na oposição, e também com o governo brasileiro, através de contatos com o líder do governo tucano, Arthur Virgílio. Estes contatos foram rompidos com a radicalização da guerrilha na Colômbia e nunca foram retomados, a não ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A relação entre o governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países deve estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por exemplo, de capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das relações com a China, um dos nossos maiores parceiros comerciais, por se tratar de uma ditadura. Ou alguém acha que a China é um país democrático?

9. “O PT censura a imprensa”.

Argumento falso. Em seus oito anos de governo o presidente Lula enfrentou a oposição feroz e constante dos principais veículos da antiga imprensa. Esta oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de censura à imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é a queixa dos órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do governo, a exemplo do que acontece em todos os países democráticos do mundo, de regulamentar a atividade da mídia.

10. “Os jornais, a televisão e as revistas falam muito mal da Dilma e muito bem do Serra”.

Isso é verdade. E mais um bom motivo para votar nela e não nele.

x

(1) Alguns dados comparativos dos governos FHC e Lula.

Geração de empregos:
FHC/Serra = 780 mil x Lula/Dilma = 12 milhões

Salário mínimo:
FHC/Serra = 64 dólares x Lula/Dilma = 290 dólares

Mobilidade social (brasileiros que deixaram a linha da pobreza):
FHC/Serra = 2 milhões x Lula/Dilma = 27 milhões

Risco Brasil:
FHC/Serra = 2.700 pontos x Lula/Dilma = 200 pontos

Dólar:
FHC/Serra = R$ 3,00 x Lula/Dilma = R$ 1,78

Reservas cambiais:
FHC/Serra = 185 bilhões de dólares negativos x Lula/Dilma = 239 bilhões de dólares positivos.

Relação crédito/PIB:
FHC/Serra = 14% x Lula/Dilma = 34%

Produção de automóveis:
FHC/Serra = queda de 20% x Lula/Dilma = aumento de 30%

Taxa de juros:
FHC/Serra = 27% x Lula/Dilma = 10,75%

(2) Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo de 25.07.10:

José Serra começou sua campanha dizendo: “Não aceito o raciocínio do nós contra eles”, e em apenas dois meses viu-se lançado pelo seu colega de chapa numa discussão em torno das ligações do PT com as Farc e o narcotráfico. Caso típico de rabo que abanou o cachorro. O destempero de Indio da Costa tem método. Se Tupã ajudar Serra a vencer a eleição, o DEM volta ao poder. Se prejudicar, ajudando Dilma Rousseff, o PSDB sairá da campanha com a identidade estilhaçada. Já o DEM, que entrou na disputa com o cocar do seu mensalão, sairá brandindo o tacape do conservadorismo feroz que renasceu em diversos países, sobretudo nos Estados Unidos.

A antiga imprensa, enfim, assume partido

Por Jorge Furtado

Quem estava prestando atenção já percebeu faz tempo: a antiga imprensa brasileira virou um partido político, incorporando as sessões paulistas do PSDB (Serra) e do PMDB (Quércia), e o DEM (ex-PFL, ex-Arena).

A boa novidade é que finalmente eles admitiram ser o que são, através das palavras sinceras de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais e executiva do jornal Folha de S. Paulo, em declaração ao jornal O Globo:

“Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada.”

A presidente da Associação Nacional dos Jornais constata, como ela mesma assinala, o óbvio: seus associados “estão fazendo de fato a posição oposicionista (sic) deste país”. Por que agem assim? Porque “a oposição está profundamente fragilizada”.

A presidente da associação/partido não esclarece porque a oposição “deste país” estaria “profundamente fragilizada”, apesar de ter, como ela mesma reconhece, o irrestrito apoio dos seus associados (os jornais).

A presidente da associação/partido não questiona a moralidade de seus filiados assumirem a “posição oposicionista deste país” enquanto, aos seus leitores, alegam praticar jornalismo. Também não questiona o fato de serem a oposição ao governo “deste país” mas não aos governos do seu estado (São Paulo).

Propriedades privadas, gozando de muitas isenções de impostos para que possam melhor prestar um serviço público fundamental, o de informar a sociedade com a liberdade e o equilíbrio que o bom jornalismo exige, os jornais proclamam-se um partido, isto é, uma “organização social que se fundamenta numa concepção política ou em interesses políticos e sociais comuns e que se propõe alcançar o poder”.

O partido da imprensa se propõe a alcançar o poder com o seu candidato, José Serra. Trata-se, na verdade, de uma retomada: Serra, FHC e seu partido, a imprensa, estiveram no poder por oito anos. Deixaram o governo com desemprego, juros, dívida pública, inflação e carga tributária em alta, crescimento econômico pífio e índices muito baixos de aprovação popular. No governo do partido da imprensa, a criminosa desigualdade social brasileira permaneceu inalterada e os índices de criminalidade (homicídios) tiveram forte crescimento, como mostra o gráfico abaixo:

O partido da imprensa assumiu a “posição oposicionista” a um governo que hoje conta com enorme aprovação popular. A comparação de desempenho entre os governos do Partido dos Trabalhadores (Lula, Dilma)  e do partido da imprensa (FHC, Serra), é extraordinariamente favorável ao primeiro: não há um único índice social ou econômico em que o governo Lula (Dilma) não seja muito superior ao governo FHC (Serra), a lista desta comparação chega a ser enfadonha. Abaixo, o gráfico com número de empregos formais criados:

Serra é, portanto, o candidato do partido da imprensa, que reúne os interesses da direita brasileira e faz oposição ao governo Lula. Dilma é a candidata da situação, da esquerda, representando vários partidos, defendendo a continuidade do governo Lula.

Agora que tudo ficou bem claro, você pode continuar (ou não) lendo seu jornal, sabendo que ele trabalha explicitamente a favor de uma candidatura e de um partido que, como todo partido, almeja o poder.

-=-=-=-=-

Annita Dunn, diretora de Comunicações da Casa Branca, à rede de televisão CNN e aos repórteres do The New York Times:

“A rede Fox News opera, praticamente, ou como o setor de pesquisas ou como o setor de comunicações do Partido Republicano” (…) “não precisamos fingir que [a Fox] seria empresa comercial de comunicações do mesmo tipo que a CNN. A rede Fox está em guerra contra Barack Obama e a Casa Branca, [e] não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha seria o modo que dá legitimidade ao trabalho jornalístico. Quando o presidente [Barack Obama] fala à Fox, já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita. O presidente já sabe que estará como num debate com o partido da oposição.”