Um local da cidade: Bamboletras — a pequena aldeia gaulesa do Nova Olaria

Um local da cidade: Bamboletras — a pequena aldeia gaulesa do Nova Olaria
Sem auto-ajuda, vampiros e tons | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Publicado em 30 de março de 2013 no Sul21

Cercada por megalivrarias e sem nenhuma poção mágica a que possa recorrer, a irredutível Bamboletras resiste. Alheia ao modelo triunfante de livrarias onde os livros são procurados em terminais de computador — Vou ver se tem, poderia soletrar para mim?, diz o atendente, dirigindo-se a um terminal livre — , na pequena Bamboletras a resposta vem imediata e a caminhada é até a estante. Com um dedo, o livro é puxado e mostrado e, se o usuário perguntar, poderá ouvir uma opinião a respeito. Os livros do acervo não são quaisquer. Tudo é escolhido e conhecido pela dona e seus funcionários. Pois quem entra na Bamboletras sente que ali a literatura não está pressionada (ou demolida) sob pesadas cargas de auto-ajuda, vampiros e tons.

A dona e responsável pela pequena e acolhedora Bamboletras (R. Gen. Lima E Silva, 776, Centro, Porto Alegre, tel 51 3221-8764) é Lu Vilella, a jornalista com pós-graduação em literatura que a criou há 18 anos. “Quando eu estava na pós, enquanto meu gosto ia ficando mais requintado, notei que todos os títulos que eu queria ou precisava ler não estavam nas livrarias. Então eu pensei que Porto Alegre precisava de um local especializado em literatura”.

“Se a comunidade não demonstrasse interesse numa pequena livraria de qualidade, nós simplesmente fecharíamos” | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

No começo, o foco era a literatura infantil como o nome denuncia: Bamboletras, bambolê de letras. “E comecei a vender livros infantis. A Bamboletras era a única onde as pessoas podiam escolher entre um Ou isto ou aquilo de Cecília Meirelles, ou um Drummond, um Quintana, um Guimarães Rosa ou um Erico para seus filhos”. A livraria foi fundada na Rua da República, 95, onde permaneceu apenas um ano. Depois mudou-se para onde está hoje, no Nova Olaria. “O lugar da Bamboletras é aqui. Recebi convites para abrir filiais em todos os shoppings que abriram, mas meu lugar é aqui”, conta Lu. Logo ampliou seu acervo para abarcar a literatura nacional e estrangeira, o ensaio, a poesia e o que se vê hoje é uma espécie de crescente acervo básico, onde os bons livros são substituídos assim que vendidos. “Quem é apaixonado ou viciado em literatura, aqui na cidade, já foi levado a visitar a Bamboletras por um motivo ou outro, tenho certeza”, completa com simplicidade.

E as megalivrarias? “Quando a Livraria Cultura apareceu em Porto Alegre, a Bamboletras sentiu o impacto”. Naquela época, Lu reuniu sua equipe e disse que teriam que melhorar em tudo: na organização do espaço, no acervo, no atendimento e na atenção para as boas novidades. “Porém, se a comunidade não demonstrasse interesse numa pequena livraria de qualidade, nós simplesmente fecharíamos, pois, se é para vender qualquer coisa, prefiro fechar. Eu só vendo o que conheço e gosto”.

Os banquinhos culturais da Bamboletras | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

O primeiro ano de convivência com as megalivrarias foi complicado. Houve um mês de dezembro – mês de colheita para os livreiros – em que as vendas caíram muito. “Eu me desesperei, porém, lentamente, os clientes retornaram em função das sugestões, da orientação, da conversa, do antigo vínculo, da amizade. Nosso público é o da literatura. Aqui não tem 50 tons de nada. Às vezes, entram umas pessoas aqui atrás de best sellers. Neste caso, ou o cara se adapta — e há muitos que se apaixonam por nós — ou vai embora. É que aqui nosso banquinho é da Frida ou da Tarsila, os marcadores são do Dali, os imãs de geladeira são de Tchékhov, Kafka ou Klimt, os livros são diferentes do comum. Às vezes, boto em destaque livros de poesias da Sophia de Mello Breyner Andresen, por exemplo. Então o cara que entra se pergunta que porra é essa, optando por ficar ou não. Já o cara da área, o que já curte cultura, se sente em casa”.

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