Paris, 23 de fevereiro: Notre Dame, a sopa Pho da nossa desesperança, Os Jardins de Luxemburgo (I)

Paris, 23 de fevereiro: Notre Dame, a sopa Pho da nossa desesperança, Os Jardins de Luxemburgo (I)

Quando descrevi rapidamente o dia 22, esqueci de dizer que Liana Bozzetto e Alexandre Constantino entraram em contato conosco através do Facebook para nos dizer que estavam na cidade. Combinamos de nos encontrar ao final desta tarde (23), quando eles estivessem saindo da Ópera Nacional de Paris (o Palais Garnier da Rua Scribe). Iniciamos nosso dia fazendo uma caminhada até Notre Dame em pleno domingo pela manhã, dia de missa.

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O fotógrafo Milton Ribeiro insiste em não fotografar a torre por inteiro. Abaixo, os cadeados com juras de amor eterno. Acho uma baixaria este símbolo. Não quero ninguém preso a meu lado, quero alguém que queira estar comigo por sua e por minha vontade.

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A fachada principal, …

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detalhes da mesma, …

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e, pronto, entramos!

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Algo de mágico ocorreu lá dentro da Catedral de Notre Dame. Estávamos caminhando dentro dela (ia começar a missa e o silêncio era completo, a não ser pelos passos e as máquinas fotográficas dos turistas que caminhavam pelas laterais da nave enquanto uma fila de padres com seus turíbulos preparava-se para ir até o altar), quando subitamente o órgão atacou acordes dissonantes e apocalípticos, nada harmônicos.

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Era uma peça de Messiaen que dava início à missa e que mais parecia uma acusação aos homens. Foi lindo e assustador. Estávamos ouvindo música moderna num edifício que fora construído entre os anos de 1163 e 1345. A cultura francesa nos proporcionava aquele momento arrepiante, aquela poderosa e inesperada união entre passado e presente.

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Eu e Elena Romanov ficamos dando voltas até o final da peça. Aliás, ficamos ainda depois por ali. Afinal, a coisa podia voltar. Não voltou, mas que maravilha ouvir uma obra daquelas — com aquele poder — em seu habitat. Ah, querem saber o que ouvimos? Soava mais ou menos assim.

Bem, já que o dia lá fora era belíssimo, resolvemos sair de Notre Dame…

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em direção aos Jardins de Luxemburgo. No meio da caminhada pela cidade, além de vermos alguns cartões postais naturais, …

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nos deu uma fome do cão. E foi então que cometemos o maior erro de nossa viagem. Na cidade de melhor culinária do mundo e após passarmos batido ao longo da Rue Mouffetard, veio-nos uma fome urgente, desesperadora. Passamos a procurar alguma porta de restaurante que nos abrigasse, mas os mesmos, na segunda magia do dia, simplesmente insistiam em não aparecer. Passamos ao lado do Pantheon se nem olhar para ele e acabamos entrando num restaurante vietnamita. Sim, vagando no pleno mar da culinária francesa, atracamos numa porra duma ilha vietnamita. E, ali dentro, completamos a tragédia. Pedimos a terrível, implacável, horrorosa e intragável Sopa Pho.

Sopa phoO gosto que a porcaria acima tem é complicado. Sentimo-nos deglutindo comida de astronauta em pleno paraíso. Todas as pessoas são felizes em Paris, à exceção de quem comeu sopa Pho no almoço. Uma água quente é jogada sobre finas fatias de carne. A fantasia é a de que, deste modo, a carne cozinhará. Na verdade, a água fervendo lava a carne, deixando-a clarinha. Em seguida, acrescenta-se manjericão, coentro, broto de feijão e pedaços de limão. Uma iguaria que só pode ser fruída adequadamente se estivermos entre napalms e bombardeios aéreos norte-americanos. Eu olhava para a Elena e ela olhava para mim. Difícil saber a quem culpar. Gosto dela, ela gosta de mim, se não somos jovens, somos um casal jovem, que não vai discutir idiotices. A Elena jogava temperos para todos os lados, tentando melhorar a coisa. Vendo que eu estava derrotado, ela falou que era nutritivo. Rimos sem graça.

Afinal, era uma atitude dantesca aquele negócio de atravessar o mar para comer uma merda daquelas. Saímos de lá loucos por comida de verdade, mas impossibilitados de qualquer coisa, pois estávamos enjoados, com receio de rever a sopa Pho a qualquer momento. Vou parar de escrever porque acho que ainda sobrou um pouco de Pho no meu estômago. Volto a sentir o gosto daquela nojeira.

Mas os Jardins de Luxemburgo estavam ali ao lado.

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De Londres para Paris, 22 de fevereiro: Eurostar, Tim Hotel e primeira ida aos vinhos

De Londres para Paris, 22 de fevereiro: Eurostar, Tim Hotel e primeira ida aos vinhos

De manhã, ainda em Londres, pegamos o Eurostar até Paris. Saímos de táxi de nosso querido EasyHotel até a enorme St Pancras Station. No caminho, só para nos atrapalhar, passamos bem na frente da Wallace Collection… Na St Pancras, era nossa última chance de comprar a History Today que a Nikelen nos pedira. Perguntamos por todo lado e nada. A revista simplesmente não existia. Já fizéramos o mesmo no dia anterior, com o mesmo resultado.

A viagem de trem é tranquila e confortável. Pontualíssima, dura aproximadamente 3 horas e tem o preço de pouco menos que 90 libras. Passamos pelo chamado eurotúnel. Ele foi construído no subsolo, 50 metros abaixo do leito do mar do Norte. Inaugurado em maio de 1994, o túnel do Canal da Mancha liga a França e a Inglaterra e tem 51 quilômetros de extensão. Custou seis bilhões de dólares, e é a obra mais cara do mundo paga inteiramente com dinheiro privado. Em Paris, a estação onde o trem chega é a Gare du Nord. De lá, pegamos o terceiro táxi da viagem até o hotel, que ficava bem perto. Tudo calculadinho.

Ficamos no TimHotel da Rue Linné, 5, bem na frente do Jardin des Plantes, onde está localizado o Museu Nacional de História Natural. Num raio de uns 4 Km, andando a pé, tínhamos a Notre Dame, a Shakespeare & Company, o Pantheon, a Rue Mouffetard, os Jardins de Luxemburgo, o Louvre, o Musée d`Orsay, etc. Enfim, se fôssemos alérgicos a metrô, poderíamos ficar sem ele, tal era a perfeita a localização (ver no centro do mapa) do hotel reservado pela Casamundi. Quando chegamos, abri a janela de nosso quarto, peguei o tablet e tirei uma foto digna do filme Amélie Poulain. A luz sobrenatural que saía da fruteira da esquina era de cinema.

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Não consegui repetir o fenômeno quando peguei a máquina fotográfica.

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Virando o corpo para o lado direito, dava para ver o portão do Jardin des Plantes. Sim, estava anoitecendo.

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Fomos explorar a Rue Linné. A primeira coisa que vimos foi que o grande Georges Perec tinha morado por 8 anos na vizinhança.

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Depois de um longo passeio, entramos num Carrefour a fim de comprarmos nosso jantar. Este, o jantar, foi maravilhoso, mesmo com a cruel alergia à proteína de leite da Elena em pleno país dos queijos.

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Em nosso quarto — desta vez de bom tamanho — abrimos um daqueles vinhos premiados que o Farinatti nos indicou.

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Paris: Shakespeare and Company ou Morre George Whitman

Foto: Milton Ribeiro

Publicado com os devidos cortes — feitos por mim mesmo — no Sul21 na última segunda-feira. Copio aqui só para acrescentar algumas fotos mesmo.

Num fim de semana onde os obituários estiveram cheios de celebridades — Christopher Hitchens, Cesária Évora, Sérgio Britto, o Santos, Joãosinho Trinta, Václav Havel, Kim Jong-il — a morte de George Whitman passou quase em branco. Whitman, dono da mítica livraria Shakespeare & Company, localizada na margem esquerda do Sena, em Paris, morreu aos 98 anos em seu apartamento. Ele sofrera um derrame em outubro, mas recusou-se a ficar no hospital, exigindo ser levado para casa, que fica no andar de cima da livraria.

Fazer uma referência a uma livraria de Paris que só vende romances e ensaios literários em inglês pode parecer produto do mais puro elitismo, mas não pensamos ser o caso.

A livraria foi aberta em 1951 e — além de ser um extraordinário sebo e livraria — serve de abrigo a escritores em início de carreira para que tenham teto e/ou trabalho até que terminem seus livros. Lá também ocorrem chás literários e encontros com autores, quaisquer autores.

Whitman nasceu nos Estados Unidos em 1913, Viveu parte da infância na China. Mudou-se para Paris em 1948. Segundo ele, na época, uma bicicleta e um gato eram suas únicas posses. Em 1951, abriu a livraria Le Mistral, rebatizando-a como Shakespeare & Company em 1964, em homenagem a Sylvia Beach, proprietária da Shakespeare & Company original, responsável, por exemplo, pela primeira edição de Ulisses, de James Joyce. Quando falecera, em 1962, Sylvia Beach deixara para Whitman os direitos de uso do nome e livros.

James_Joyce com Sylvia Beach na Shakespeare & Co original (Paris, 1920)
Uma das estantes da livraria que fazem referência a Sylvia Beach | Foto: Milton Ribeiro

Imediatamente famosa no meio literário, a loja virou ponto de encontro de escritores como Arthur Miller, James Baldwin, Samuel Beckett, Anaïs Nin, Lawrence Durrel, William Burroughs, Gregory Corso, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e rota turística para os apaixonados pela literatura. No andar de cima da livraria vivia não apenas Whitman e família, mas diversos candidatos a escritores. Reza a lenda que, desde 1964, lá dormiram mais de 40 mil pessoas diferentes entre os livros. O pagamento pela hospedagem era escrever, ler e varrer a livraria. Alguns também atendiam no balcão e na cozinha. Outra lenda diz que Whitman aconselhava a saída de autores que estavam lá há mais de ano…

Whitman viva de acordo com o lema retirado de um poema de W. B. Yeats e que está pintado numa das paredes internas –“Não seja inóspito para estranhos pois eles são anjos disfarçados.”” (tradução de Débora Birck). Durante o final de semana, velas, flores e romances foram depositados na porta da Shakespeare, fechada pelo luto. Bilhetes de homenagens foram colados com agradecimentos e elogios.

Hoje, há prateleiras em torno da citação | Foto: Blog Hipsters & Company

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A Shakespeare and Company é o sonho do bibliófilo. Os livros — normalmente revelantes ou raros — podem ser vistos em toda parte: nas paredes, no meio da loja, nas escadas, em todo canto, sobrando pouco espaço para a circulação. Para completar, no espaço atulhado ainda há alguns locais com cadeiras e bancos para leitura. Também há um piano, sobre o qual pode ser lido um cartaz sugerindo que se toque apenas música erudita ou jazz. Os outros cartazes pedem para que os leitores nunca, jamais sejam perturbados, fato que faz com que o som da livraria seja um complicado contraponto de passos e sussurros. Na escada para o andar de cima, só uma pessoa passa de cada vez. Na verdade, a mais famosa livraria do mundo é apenas um pequeno caos onde se vende livros bem escolhidos, onde há cadeiras confortáveis e onde há a promessa de solidariedade. Nada de mega-ultra-hiper. O teto não é pintado há anos e é difícil imaginar como poderia sê-lo sem a retirada dos volumes. A atmosfera é tão acolhedora que o visitante tem a fantasia de que o conhecimento que está nos livros, sob alguma forma misteriosa, entra-lhe pelos poros quando está na livraria.

A livraria, que já era administrada pela filha de George, Sylvia Beach Whitman, seguirá ativa.

O que há bem na frente da Shakespeare? Ora, a Catedral de Notre Dame, mas, para alguns, há dúvidas sobre quem é mais catedral. Abaixo, mais fotos da livraria de Whitman:

A entrada principal
A porta auxiliar da livraria
O grande homenageado | Foto: Milton Ribeiro
Uma das vitrines que dá para a Catedral de Notre Dame
O caos interno | Foto: Blog Hipsters & Company
Sylvia Beach Whitman e seu pai, George
Do lado direito, vê-se uma nesguinha de porta. É onde morava George Whitman no segundo andar da Shakespeare and Co.
Eu estou fotografando a epígrafe de Daniel Martin, do grande John Fowles
A epígrafe de Gramsci | Foto: Milton Ribeiro
O Dario diz que os livros têm o poder de me deixar quieto. Sei lá, eu SOU quieto!
A localização da Shakespeare em relação à capelinha medieval de Notre Dame
Comparar Notre Dame com a Shakespeare… Piada, né?
Sylvia, a filha. 30 anos. Bonita, não?

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