Ospa com programa jazzístico, poético e zombeteiro

Ospa com programa jazzístico, poético e zombeteiro
Cristina Capparelli mandou bem e sobreviveu
Cristina Capparelli mandou bem e sobreviveu ao concerto que “matou” Gershwin

Com o tempo, a gente vai aprendendo. Os concertos regidos por Manfredo Schmiedt obedecem à seguinte lei de formação: são bem trabalhados, minuciosos, seguros, além de ousados e equilibrados. Não foi diferente ontem. A Ospa rendeu muito frente a boa parte da comunidade musical de Porto Alegre, lá presente para saudar a pianista Cristina Capparelli, solista do Concerto em Fá, de George Gershwin.

O programa começou com Evocação de Augusto Meyer, peça do crasso porto-alegrense Armando Albuquerque, amigo de Meyer, o bom poeta e melhor ensaísta que colocou o mulato Machado de Assis no lugar onde está merecidamente até hoje, ou seja, no Olimpo das letras nacionais. Albuquerque é grande compositor. Tenho seus discos Mosso e Uma ideia de café — títulos sujeitos às flutuações de uma memória vagabunda — e afirmo que são boníssimos. Evocação é um peça curta e muito interessante, com a surpresa de vermos o pianista André Carrara arranhando bastante bem um acordeon durante um solo com a percussão. O diálogo poético entre Meyer e Albuquerque foi um início promissor de concerto.

Não tem problema, ele sabia disso. O norte-americano George Gershwin tinha uma cultura musical limitada, mas era um imenso melodista. Escreveu centenas de canções, sendo uma espécie de Schubert com seus mais de 500 lieder negros. Certo preconceito dos representantes da alta cultura de sua época hesitava em considerá-lo “erudito”. Não foi o caso do grande Maurice Ravel, admirador da música e da fortuna de Gershwin. Há muitas piadas a respeito. Ora, o Concerto em Fá é bem conhecido. Foi uma encomenda da Filarmônica de Nova Iorque, estreada pelo próprio compositor ao piano em 3 de dezembro de 1925 no Carnegie Hall em Nova Iorque. O curioso é que, em fevereiro de 1937, Gershwin tocava o Concerto Em Fá com a Filarmônica de Los Angeles quando sofreu um desmaio. Levado ao hospital, recebeu o diagnóstico de tumor cerebral. Morreu cinco meses depois, aos 39 anos, no auge.

Porém, Cristina Capparelli saiu caminhando após o concerto — não foi necessária a intervenção dos maqueiros — e espero que esteja tão bem quanto esteve como solista. Excelente interpretação do concerto de Gershwin. Gostei muito de todos na interpretação do segundo movimento (Adagio — Andante com moto). Os sopros soaram tristes, dignos de uma big band de Duke Ellington, com destaque para o trompetista Tiago Linck, secundados pelo trio de clarinete, flauta e trompa, pilotados por Augusto Maurer, Klaus Volkmann e Israel Oliveira.

A diversão da noite veio por conta de Jacques Ibert e seu Divertissement. Raros “Divertimentos” são tão alegres e zombeteiros quanto este. Para orquestra reduzida, tem início agitado e atlético ao estilo do melhor Hindemith, boa escrita para sopros — e os atuais sopros da Ospa sempre respondem bem às demandas mais complicadas –, citações da Marcha Nupcial, a tangos e tem no coração uma incrível valsinha, bem burlesca, além de um solo anárquico, talvez inspirado no Bloco de Lutas, a cargo de André Carrara. Mais um show dos sopros numa música tão boa e feliz que nem parece francesa.

A Sinfonietta Prima de Ernani Aguiar, finalizou com dignidade o belíssimo programa. Depois de um severo primeiro movimento, temos um lastimoso Lento assai, seguido de uma magoada Marcha-rancho que vai desembocar num Finale daqueles que parecem formar uma mola nas cadeiras de parte da plateia, o que leva algumas pessoas a imediatamente erguerem-se e aplaudirem. E foi feito para isso mesmo.

Então, quem foi à Reitoria da Ufrgs não se arrependeu.

O célebre gaiteiro André Carrara -- pão de queijo e carne de sol.
O célebre gaiteiro André Carrara — pão de queijo e carne de sol | Foto: Augusto Maurer

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Ospa em grande noite e vagas felicidades deste que vos escreve

Ospa em grande noite e vagas felicidades deste que vos escreve
O excelente maestro  Nakata e o voiolinista Adrian Pinzaru durante os ensaios | Foto: Augusto Maurer
O excelente maestro Nobuaki Nakata e o violinista Adrian Pinzaru durante os ensaios | Foto: Augusto Maurer

O jornalismo gonzo é um estilo onde o autor abandona a objetividade ou o distanciamento, misturando-se à ação, argumentação ou enredo. Então você dirá que tudo o que escrevo no blog é gonzo e eu vou concordar, mas hoje serei ainda mais gonzo que o normal.

E, ainda por cima, vou escrever sobre o concerto de ontem a partir do Concerto Duplo de Brahms, desconhecendo a ordem de apresentação das obras. Bem, sou filho de uma família onde não faltava nada e tampouco sobrava. Meus pais garantiam que eu tivesse acesso a tudo o que fosse necessário a uma boa formação, porém, até os 20 anos de idade, eu dormia num sofá de uma sala que se transformava em quarto à noite. Não, não começarei uma narrativa dickensiana de tormentos infantis — não seria sincero, tive uma infância nojenta de tão feliz –, mas direi que na sala estava o toca-discos e meu pai costumava ouvir música até 2, 3 ou 4 horas da madrugada, enquanto eu dormia. Minha formação musical tem a mão dele. Antes de eu dormir, ele me mostrava coisas de que gostava ou detestava. Tal fato rendeu alguns subprodutos: tenho sono pesado, difícil de perturbar e conheço muitas músicas absolutamente de cor, sem saber de onde vieram. Então, quando começou a execução do Concerto Duplo para Violino e Violoncelo de Brahms, eu logo constatei: esta é uma daquelas músicas que vieram pré-instaladas no meu cérebro desde os tempos imemoriais. Ou seja, meu pai devia ouvi-la muito.

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Kammermusik, de Paul Hindemith

A série Kammermusik, de Paul Hindemith (1895-1963), tem estrutura semelhante aos 6 Concertos de Brandenburgo de Bach. Só que aqui são 7 Concertos de Câmara para os mais variados instrumentos. A Kammermusik Nº 1, Op.24 n.1 para 12 instrumentos solo (1921) é o cartão de apresentação do que virá em termos de inventividade. Notem, estamos em 1921. Hindemith já é parodístico como grande parte da música do século XX, mas sua sintaxe é barroca, contrapontística.

A seguir, a Kammermusik Nº 1 completa:

1º mvto: Sehr Schnell und Wild
2º mvto: Maessig Schnell Halbe
3º mvto: Quartett: Sehr Langsam und mit Ausdruck

Royal Concertgebouw Orchestra
Riccardo Chailly.

Os filmes apresentados são os seguintes:

“Le Retour a la Raison” di Man Ray (1923)
“Emak-Batik” di Man Ray (1926)
“Anemic-Cinema” Di Marcel Duchamp (1926)
“La Tour” di Rene Clair (1927)

4º movimento da Kammermusik Nº 1.

Obrigado, Wellesz!

Muito mais nervosa é a Kammermusik Nº 5, um vertiginoso Concerto para Viola, cujo primeiro movimento coloco abaixo…

San Francisco Conservatory of Music Orchestra

Jodi Levitz, viola
Andrew Mogrelia, conductor

e, para terminar, o segundo movimento acompanhado de imagens que não sei se agradariam ao autor:

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