Gremista por um dia: sim, me aconteceu

Gremista por um dia: sim, me aconteceu
O vô Manuel
O vô Manuel

Eu era muito pequeno, tinha uns 4 anos. Meu avô faleceu quando eu tinha cinco. Eu adorava o velho Manuel que, hoje sei, não podia ser mais típico. Era chamado Manuel, dono de uma padaria chamada Lisboa, na Av. Azenha. Ele só seria mais típico se tivesse ficado no Rio de Janeiro. Chegara da região de Aveiro, fora primeiro estivador no porto, era brincalhão, tinha inesgotável paciência comigo e habitava um lugar cheio daquelas maravilhas às quais meus pais dificultavam o acesso — balas, refrigerantes, doces, sonhos e pães, os pães que amo até hoje.

Hoje sei o que significa a palavra que minha mãe dizia a respeito dele, a palavra terrível. Ele era mulherengo. Com enorme sucesso, fazia graça para as moças atrás do balcão. A mãe dizia que minha vó Maria era uma santa para aguentar tudo aquilo do marido.

Um dia cheguei com meu pai à padaria e ele pediu para que eu contasse a última novidade para meu avô.

— Vô, sou gremista!

Ele ficou imediatamente sério e tudo o que eu não queria era deixá-lo assim. Devia ter uns 4 anos de idade e era assustador decepcionar o velho. Logo pensei: toda nossa família é colorada, será que é muito errado ser gremista?

— Milton Luiz — eu era Milton Luiz e meu pai, Milton –, sinto-me no dever de fazer-te ver a verdade.

E, cada vez mais sério, seguiu:

— Ser do Inter em Porto Alegre e do Benfica em Lisboa é estar perto da verdade, do absoluto. O Grêmio é uma mentira.

— Mas meus amigos são gremistas fanáticos e o Grêmio ganha tudo!

Estávamos nos anos 60 e, realmente, a superioridade do Grêmio era o que nunca foi depois.

— Saltar do Inter para o Grêmio é como ir de Eça de Queiróz para Cardoso Filho.

Cardoso Filho era um parente nosso que era escritor no Rio de Janeiro. Escrevia uns livros melodramáticos, xaroposos mesmo. Meu pai saiu da padaria, rindo. Não entendi. Como meu avô parecesse cada vez mais contrafeito, eu estava em pânico, confuso, louco para correr atrás do pai, mas não ousava.

— Mas eu gosto…

— OLHA LÁ RAPAZINHO, TU NÃO SABES TER UMA CONVERSA SEM PÔR A PATA NA POÇA? Além do mais, associado ao nome Internacional, há coisas sagradas, coisas da vida, da política! O vermelho é o povo, o vermelho é a cor de quem está do nosso lado!

Era grave mesmo. Melhor recuar. Comecei a chorar. Onde estava o pai? Acontece que no dia anterior, a família do meu melhor amigo, João Batista, tinha me convencido a aderir ao Grêmio. Eram vencedores, triunfantes. Mas não podia viver como um proscrito, detestado pela própria família. E virei a casaca pela segunda vez em dois dias.

***

Com este tipo de pressão, acabei herdando do velho Manuel o amor pelo Inter e pelo Benfica. Alguns dias depois, ele me disse que havia uma coisa que unia os clubes de forma umbilical:

— A tendência à tragicomédia.

Como aquele assunto o deixava brabo e ele parava de brincar, achei melhor fingir que tinha entendido. Repetia para mim mesmo suas últimas expressões: “Somos radicalmente tragicômicos”.

Por favor, que não o sejamos hoje!

Coisas que não ocorrem no nosso futebol e o Grêmio

1. Ontem, tivemos Chelsea 2 x 4 Manchester City. Um zebrão no jogo em que o capitão John Terry enfrentaria Wayne Bridge após ser revelado que aquele tivera um caso com a esposa deste. O caso foi um escândalo na Inglaterra, com direito a Terry perder a braçadeira de capitão da seleção inglesa e Bridge desistir de participar da mesma — alegadamente para não dividir o grupo. Em campo, Tevez deu a vitória ao time do traído Bridge e ainda peitou Terry em pleno estádio do Chelsea. Um jogaço. Abaixo, a cena de Bridge negando o cumprimento a Terry.

2. Na rodada de domingo passado, o FC Porto deu a liderança ao SL Benfica ao vencer escandalosamente (5 x 1) ao Braga. Explico: o Braga estava com 48 pontos e arquiinimigo do Porto, o Benfica, com 49. Mas o Porto foi lá e fez o papel. Jogou tudo e deixou o Benfica líder.

3. Na rodada de hoje, era esperada nova vitória do Porto a fim de se aproximar dos líderes. Só que o Porto levou 3 x 0 do Sporting, enquanto que o Benfica e o Braga ganharam, disparando na liderança. Situação atual: Benfica, 52 pts; Braga, 51; Porto, 43. Fim de linha para o Porto. Agora, volto a perguntar: não seria melhor ao Porto ter dado uma de gaúcho e entregado o jogo ao Braga?

4. Os holofotes sobre Robinho tornaram Neymar um craque e teve o condão de retirar o “apito amigo” do Corinthians. Mano Meneses deve estar sentindo falta daquela vida fácil.

5. No Olímpico, em Porto Alegre, o Grêmio penou para vencer o Noia. A atuação do Grêmio faz-nos sonhar com os anos de 1991 e 2004. Se venderem Mário Fernandes — um grande jogador — podem tranquilamente repetir estes anos dourados. O resto está pronto.