Entrevista (Literatura de Mercado)

Abordagem Nº 2 ao fracasso da literatura.

Na próxima sexta-feira, se até lá não descobrirem que sou um embusteiro, uma turma do curso de Letras da PUC-RS fará uma entrevista comigo. Enviaram-me uma série de perguntas para me servir de roteiro e, acho, para que soubesse onde pisaria. Espero que sejam bonzinhos e não me retalhem. O assunto é a chamada “literatura de mercado” versus a “literatura artística”.

1) Qual a sua opinião sobre a literatura de mercado? Ela é literatura?

Antes de responder, acho que devo tentar definir o que é literatura. Na minha opinião, literatura é tudo que é lido como literatura por determinado grupo de pessoas. É aquilo que desperta a imaginação do leitor e lhe provoca emoções de índole literária, sentimental, matemática, lógica, de curiosidade, etc.

Eu, que adoro matemática e até fiz faculdade na área, acho alguns teoremas modelos de concisão e elegância. Para mim, são como poemas. Sei que o tipo de emoção causada por eles é semelhante à poética. Seria literatura? Sim, se forem lidos como tal.

Porém, de forma geral, literatura é a arte que usa a palavra como matéria-prima. Então, considero válida a literatura oral – afinal, foi início de tudo! – mas, para ser literatura, o texto tem que ser escrito com a intenção de provocar efeito estético. Talvez Paulo Coelho provoque efeito estético em seus leitores, certamente pessoas cujos modelos e exigências são muito limitados. Eu preferia dizer que não é literatura, mas, infelizmente, penso que seja, ao menos para aqueles a quem se destina. Mesmo Sidney Sheldon, que talvez escrevesse seus livros sob determinadas fórmulas comerciais, não preocupando-se com nenhum refinamento de forma ou conteúdo, talvez provoque emoção literária em gente idiotizada. A Bíblia também pode ser considerada literatura porque, para quem acredita ou vai acreditar, causa efeito estético, emoção… O que fazer? Tudo aqui, como aliás em qualquer campo do conhecimento, é complexo e depende da interação com o outro, com o receptor.

Mais: a literatura, em minha opinião, engloba tudo, de crônicas do dia-a-dia até a poesia mais diáfana, passando por obras de não-ficção cuja construção textual ultrapasse a simples função informativa. O raso ou o profundo dependem da qualidade do leitor.

2) Quais as razões do sucesso desse tipo de literatura?

Ora, o marketing estuda como chegar à boa vendagem e ao lucro. Eu não entendo de marketing, mas creio que o livro – capa, conteúdo, lançamento e divulgação – obedeça a um cuidadoso esquema pré-estabelecido. O marketing cria a ilusão de necessidade no consumidor. Confunde e funciona.

3) Por que Paulo Coelho é o escritor mais bem sucedido do país? Qual é o valor literário de sua obra? O que falta aos seus romances?

Eu não li Paul Rabbit, só trechos. O mundo me contra-indicou e sou um bom menino. Certa vez, vi o Prof. Cláudio Moreno lendo e indicando erros num trecho de um romance dele. Era uma prosa miserável, não preciso daquilo. Ah, enquanto cortava o cabelo, li numa Playboy que ele sabia como não sair numa fotografia, mesmo que tenha sido clicado. Ou seja, talvez o caso de Rabbit não seja literário, mas médico.

4) Acredita que a literatura de mercado tem como mérito a formação de novos leitores?

Apenas de forma casual. Eu e meus dois filhos, por exemplo, desde pequenos, sempre rejeitamos intuitivamente a literatura de má qualidade. As crianças logo identificaram o que não era bom. Então, não passamos por essa fase. Ao menos a nós, a literatura de mercado não formou.

5) A literatura menor pode ser uma forma de introduzir a população arredia à leitura a obras maiores?

Os livros conversam entre si. Um cita o outro. Talvez alguém chegue a algo maior através de Paulo Coelho, por exemplo, mas depende da sorte ou de si mesmo. Acho que nós temos a tendência a pensar que mandamos nos leitores, que ele tem que ser orientado, mas não é assim. É só mostrar ao leitores potenciais que existem coisas de todo tipo. Ele escolhe o que desejará ler e se desejará.

6) “A cada ano, morrem setenta leitores e apenas dois são substituídos. Eis um modo bem fácil de visualizar a questão”, Roth disse. Por “leitores” ele entende pessoas que lêem livros sérios regular e seriamente. A prova de que “a era literária chegou a seu final está por toda parte”, ele afirmou. “A prova é a cultura, a prova é a sociedade, a prova é a tela, a passagem da tela do cinema para a tela da televisão e para a do computador. Não temos muito tempo, nem muito espaço, e poucos hábitos mentais determinam o modo como as pessoas usam seu tempo livre. A literatura exige um hábito mental que desapareceu. Exige silêncio, algum tipo de isolamento e a concentração continuada na presença de um fator enigmático. É difícil apreender um romance maduro, inteligente, adulto. É difícil saber o que fazer da literatura. Por isso digo que dizem coisas estúpidas sobre ela, pois, a não ser que as pessoas sejam suficientemente educadas, elas não sabem o que fazer dela.”

REMNICK, David. Dentro da floresta: perfis e outros escritos da revista The New Yorker.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Muito apocalíptico este Sr. Remnick. Discordo dele. A boa literatura irá sim recuar, recuar, e virará coisa de especialistas e de gente inteligente, que se diverte com coisas mais complexas e que pode ouvir a música de um texto misturada a múltiplos significados, nem sempre claros. A sensibilidade não irá morrer, mesmo que a educação seja uma porcaria. E, quem conseguir se destacar como autor desta rarefeira confraria, até ganhará dinheiro, penso. Cresci ouvindo falar na morte do romance e do rock n`roll. Mas eles vivem de suas crises e estão aí. O mesmo, penso, ocorrerá com a literatura de arte.

7) Qual é a sua opinião sobre o público leitor sério existente no Brasil: ele está crescendo ou diminuindo? A criação de literatura de qualidade está fadada ao desaparecimento?

Não sei se cresce ou não, mas não desaparecerá. Só se pessoas como nós desaparecerem. E a gente se reproduz…

8. Existe literatura de mercado direcionada a grupos especiais, como indivíduos de um determinado sexo ou nível cultural?

Não sei.

9) Você gostaria de apresentar outra discussão sobre o tema literatura artística versus literatura de mercado?

Sim. A decadência é geral. O cinema é menos do que uma sombra do que foi no passado e nesta área é ainda mais complicado, pois há a intervenção direta de muita grana, de investimento pesado. Pensem que nos anos 70 tínhamos Bergman, Buñuel, Fellini, Visconti, Antonioni, Kurosawa, todos ativos; quem são seus análogos atuais? O cinema foi infantilizado a fim de buscar mais espectadores. Grandes investimentos, grandes lucros – é do capitalismo. O cinema hoje, principalmente o americano, não significa nada em termos de arte. Outra crise? A música brasileira tinha Tom, Chico, Milton, Gil, Edu Lobo, Caetano em pleno auge, no mesmo período. Olhe a cena de hoje: Guinga é um compositor quase secreto, Mônica Salmaso é uma cantora desconhecida. Voltando ao cinema, onde estão Hal Hartley e Kusturica? Estes mal conseguem fazer filmes e, quando conseguem, talvez não tenham distribuição… Ou seja, não adianta a literatura achar que é a única desgraçada, pois o marasmo e a vulgaridade grassam.

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  1. Concordando com a tua resposta à questão 9: creio que vemos um gigantesco crescimento do entretenimento. As expressões e técnicas artísticas foram (e seguem sendo) apropriadas para (re)produzir uma estética rasteira, de rápida assimilação. O Valor de Uso Decrescente das Coisas (ou Lei da Obsolência) vale também para o entretenimento. É necessário produzir coisas de curta durabilidade/relevância, pois assim o indivíduo logo terá a necessidade de adquirir um novo produto. É a indústria cultural que a turma de Frankfurt já tinha percibido existir. Essa é uma das novidades mais relevantes do século XX.

    PS sobre marketing e o sr. Rabbit: trabalhei durante alguns anos na Câmara do Livro, a entidade que realiza a Feira do Livro de Porto Alegre. Lá me foi contada a seguinte história: por ocasião da participação do sr. Rabbit numa edição da Feira, levaram-no para conhecer o salão do Clube do Comércio onde aconteceria sua palestra. O sr. Rabbit teve o desplante de pedir que a mesma fosse transferida para um salão menor. Por quê? Porque, segundo ele, assim se produziria uma notícia de impacto para a imprensa. Quando o salão pequeno lotasse, a atividade obviamente seria transferida para o salão grande e daí os jornais diriam “estrondosa procura pela palestra de Paulo Coelho — o comparecimento do público superou as expectativas e a palestra teve de ser transferida para o maior auditório do evento”. Marketing é isso aí.

  2. Hômi, hômi, cuidado com essa vala comum de “o cinema hoje se infantilizou porque o capitalismo yadda yadda yadda”. A década que você citou como sendo a dos luminares inatacáveis do cinema europeu foi pródiga também em centenas de películas imbecilizantes. Qualquer década foi. O negócio é que o tal malfazejo cinema americano, queira ou não, é indústria – e isso é contingência endêmica da produção cultural americana: o grosso dela precisa recuperar os investimentos para poder dar prosseguimento ao processo produtivo. Se alguma coisa parece ter recrudescido de lá para cá, foi a concorrência do vídeo, nos anos 80, do DVD, nos 90, e dos downloads de agora. Mas dessa névoa industrializada (e em sua opinião um tanto poluída), e só para ficarmos nos Euá, se sobressaem hoje os Irmãos Coen, o P.T. Anderson, o Alexander Payne, o Charlie Kaufman, o Spike Jonze e mais uma grosa de gente que não depende do tilintar argentário para continuar fazendo filme bom. Reitero: coisa infantil vem sendo feita há muito tempo, assim como luminares sempre haverão de existir. Mas isso de creditar ao “capitalismo sem alma” a culpa por conspurcar a virginal inatacabilidade da arte , c’mon: sob a égide socialista já foi perpetrada uma volumosa cinematografia – e a maioria dela, quando não perniciosa, é chata até a morte.

    Beijos de alto-mar.

    😉

  3. Nérso, o problema pode até ser matemático, mas mesmo assim eu lembro de haver muitos filmes bons num só ano nas décadas passadas. Hoje, se acho um filme de que realmente goste é quase um milagre. No cinema americano, apenas Hartley, Lynch e Eastwood me satisfazem rotineiramente.

    Jonze, Payne… futuros clássicos? Dentre os mais novos, talvez apenas Coen, PT Anderson e Lynch. O resto é bastante fraco e será que mesmo os três que destaco poderiam ser comparados a Scorcese, Coppola, Eastwood e Nichols, por exemplo?

    Procure os melhores filmes de qualquer ano entre as décadas de 50 a 70 e os compare com qualquer ano da última década. Vai lá!

    Abraço.

    P.S.- É óbvio que sempre houve infantilidade. Mas nunca houve blockbusters como Matrix, filmes baseados em vídeogames e quadrinhos como hoje. O problema é que os shoppings, por exemplo, têm mais de 50% de sua programação tomada por coisas infantilóides.

  4. Tenho ido pouquíssimo ao cinema, nos últimos anos. Falo: Só tem filme ruim.. Mas quando ouço falar que tal filme é excelente, também não vou. Então minha estatística não vale, mas tenho a impressão de que, realmente, os filmes, de maneira geral, estão piores.
    Quanto à literatura ou Literatura (letra maiúscula?), confesso igualmente minha dedicação pauperizada. Mas os clássicos me deixaram lembranças indeléveis e fizeram parte dos anos de formação.
    Milton, estou adorando suas reflexões sobre literatura, cinema, cultura e seus contos. Isso, pra mim, é Literatura das boas.
    Ah, veja esta notícia:<a href=”http://www.sandrofortunato.com.br/salgo/2008/04/22/literatura-de-merda/”title=”Literatura na Merda”

  5. Então vamos tentar…
    Um pouco como o cláudio: não sou uma cinéfila, nem uma leitora atualizada. Mas, com o perdão da ignorância de causa assumida, meu comentário parte mais de um, digamos, pressuposto teórico (ui: que coisa pretensiosa!). Nada muito convicto, podemos “dar voltas junto” a respeito. Já sabes com é para mim o conversar.
    É que eu fico pensando… Esse papo sobre litertura de mercado ( que se opõe à “verdadeira literatura” ) , por mais que seja necessário (claro: separar o joio do trigo, concordo, também não li e não gostei do “mago”) e sobre o bom cinema que já não temos mais, e o cinema -entretenimento, me lembra aquela velha discussão do Eco sobre televisão em que ela classificava as posições como apocalípticas e integradas. por profissão, eu tendo a ser integrada, pensar o produto a partir das leituras de que ele é passivel, é principalmente o que me interessa (a diversidade e a criatividade das leituras – tudo exercício de inteligência humana!). Claro, sua discussão (e a dos estudantes que te interpelaram) é outra. O desconforto que eu tenho em relação à tua posição é que , para além de me parecer um tanto apocalíptica, sempre me parece meio elitista demais! Um pouco na linha do que já te falei a respeito daquele outro post seu sobre “ formas de ouvir música”. (e que já comentei tb no ildeber sobre umusica “popular”)
    Vc chama o tal Remnick de apocalíptico mas vc tb não é exatamente “integrado” : “A decadência é geral”. )Apesar de: “literatura é tudo que é lido como literatura por determinado grupo de pessoas”.)
    Será que o melhor caminho para pensar a qualidade do cinema contemporâneo é procurar os análogos de Begman a Kurosawa?
    Aí eu te conto o que eu ouvi do Nelson Pereira dos Santos (que está aqui em Fpolis fazendo um filme sobre Tom Jobim). Alguém perguntou sobre filmes brasileiros como Tropa de elite (que não vi porque não quis até agora!) etc, e ele disse que não era a praia dele, mas que acha importante essa diversidade e as reflexões que esses filmes “outros” suscitam etc (sim pode ser só diplomacia de palestrante)… e elogiou muito, por exemplo o cinema pernambucano – que eu nem sabia que existia! (eu disse que era ignorante)…
    Enfim:
    sei lá…
    enfim: gostei do post, além de me fazer ri, vc me faz pensar (besteira, ok!). obrigada!
    bj, f

  6. Ah cara, eu adoro “literatura de mercado” tanto que estou lendo a saga inteira do Harry Potter neste exato momento.

    Por falar nisso, o q é de “mercado”? É aquele livro feito para vender? Mas o sonho de todo escritor não é viver (bem) do seu trabalho?

    Que bobagem isso.

    OBS: me recuso a ler o sr. Pablo Conejo com todas as forças.

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