Necessidade estética do formol, por Charlles Campos

Era notório que tinha duas das qualidades mais requeridas para a boa absorção social quando olhava seu reflexo nos espelhos e percebia-se passando incólume ao abrutalhamento das ocupações da sobrevivência diária. Tinha beleza distribuída em seus 1,75m de estatura perfeita, e sorte. Essa última também uma herança da inerente capacidade cavaleiresca de não se preocupar e a adstringência corporal que permitia a seu pai posicionar-se no limiar da porta do cartório de ofícios Hudberg & Sanders, no horário de expediente, diante a constatação muda de todos de que era uma espécie de tributário da perfeição natural para não exigir-se dele a necessidade da inteligência e da eficiência burocrática. Seu avô, Sólemon Hudberg, repudiara a decisão da filha de se casar com um tipo de homem tão inútil, mas seu amor paterno, mais que a corrente versão de manter as aparências, por final aceitara, trazendo o casal com o bebê para uma das propriedades da família, empregando o marido como escrevente de nível um no cartório. Mas sua condescendência não abarcava o neto, direcionado à Faculdade de Medicina; a pequena réplica excessivamente bela daquele intruso aceito com resignação, mostrando que a intervenção do avô o livrava da inutilidade, destinando-lhe às melhores escolas católicas, enfiando-lhe na cabeça o melhor do pensamento de todos os tempos, à medida que se tornava um rapaz brilhante e circunspecto. Seu avô, em toda ocasião, lhe colocava no colo e dizia sem preocupação para quem ouvisse: “Mas como saiu escarrado ao pai, como minha participação nisso não vingou nem no feitio das orelhas.”E contudo, o marido da filha não passava de um lindo animal doméstico; antes da velhice liberá-lo para admitir isso com o alívio do anúncio da tragédia não cumprida, o Sr. Sólemon Hudberg observava apreensivo como seu genro não possuía a menor fimbra de libido, a menor manifestação de lubricidade, como era imune ao erro e à tentação. Era uma beleza desperdiçada. Sua filha parecia saber disso, mantendo-se à altura daquele merecimento, dispensando-lhe um amor tão íntimo, que avizinhava-se em sua proteção à maternidade. Enquanto estava na faculdade de medicina, observava os corpos infundidos no formol, marmorizados numa inacessível salinidade mortuária; retirava-lhes de pesados baldes de ferro do meio de caldos químicos que transfundiam para fora os líquidos que lhes restavam dos tecidos, e os depositavam nas mesas de dissecação. O mestre ria da violência como o odor batia contra as narinas dos alunos, e dizia que iriam se acostumar rapidamente. A ele nunca lhe afligira. O formol retirava a autenticidade dos corpos, aquela representação adulterada da morte. Nas férias de verão soube que seu pai estava internado no Hospital para tratamento. Vê-lo magro,as faces encovadas, os lustrosos cabelos loiros estranhamente ressecados, deitado no leito, além do choque trouxe uma resposta que buscava desde que na infância descobriu se mover numa velocidade menor que a de todo mundo. Ao longo dos próximos meses foi sendo informado da degradação do pai, a forma do detalhe dos relatórios reportado com distanciamento impregnava um certo determinismo sistemático que o isentava da dor. Quando o prognóstico se cumpriu, o diretor honorário lhe dispensou por uma semana com o rosto da mais heráldica condolência, e pode ver a morte em toda sua frescura legítima na inexpugnável condição de matéria do pai, embrulhado em seda branca no hexágono estendido do caixão, com um terno negro de listas de giz que remetia àquele outro que um dia havia sido quase insuportavelmente belo. Teve que se retirar antes do sepultamento, pois incomodava-o enormemente a assimilação que os olhares lhe faziam da figura do pai. Beijou a mãe e o avô, este sinceramente resguardando uma dor que lhe fazia um amálgama por dentro, e saiu. Nunca mais voltou, tampouco para a faculdade de medicina. Pesava-lhe na cabeça a mão do conhecimento de como as providências diárias artificialmente construídas para mostrar segurança subsumiam sobre o fluxo daquilo que meramente determinava a falta absoluta de controle das coisas, sem punição ou glória, sem merecimento ou perda, sem juízos e valores. Sua função era somente existir.

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Quem acompanha este blog, sabe: ontem à tarde, nosso comentarista Charlles Campos foi acometido de um severo surto criativo e brindou-nos com a peça literária acima, a qual foi devidamente avaliada por nossa equipe de críticos residentes. Dentro da mais rigorosa sacrofobia, Marcos Nunes sugeriu ao autor experimentar uma prosa com mais alegria erótica, ao menos no padrão Thomas Mann.

Adepto de uma literatura concentrada, que nos leve após tênue resistência (detalhe importantíssimo), ao rico mundo pessoal do autor (parece sexo, né?), Charlles Campos escreveu em resposta duas pecinhas mais relaxadas às quais nomeio com simplicidade:

Zwei Variationen über ein Thema von Charlles Felder

Variatio 1 im Stil von Harold Robbins (dedicada a Victor Hugo Lisboa). A estranha pontuação do autor deve ser resultado da forte influência que Laurence Sterne preserva no interior de Goiás:

1._Filho, venha ligeiro. Teu pai morreu!

2.O aprendiz de médico atravessa em um dia e duas noites as estradas sinuosas entre os alpes suíços, com seu porsche negro, o vento secando as lágrimas de seu belo rosto, tão parecido ao do falecido pai.

3.Diante o cadáver do pai, arrumado com aprumo pelos caros especialistas funerários da Morgue`s Berna Foundation, o jovem médico percebe a grande gratuidade da vida, onde planos de controle de nada valem.

4.Ele pensa com seus botões:

5._Em vez de ser um playboy oportunista, vou me dedicar a apenas viver.

6.Mas, no fundo, nosso herói esperava ao menos encontrar o grande amor de sua vida, sincero e imortal.

7.Diz adeus a seu velho avô, o sábio patriarca da família, beija sua mãe e se manda.”

Final alternativo para o Marcos da alegria erótica:

“_Antes, porém, já que ser abençoado pela abstenção em prol da melhora da humanidade e cagar se reduz à mesma coisa, sendo que a última pelo menos tem a vantagem de poder-se ler a parte cultural da Veja e se deleitar animalescamente com o cheiro da própria bosta, vem cá coroa!

_Mas júnior, isto é um pecado mortal. Teu pai está na sala ao lado, pronto para receber Nosso Senhor. E, além do mais (uh!), eu SOU SUA MÃE!

_ Não seja cínica mulher. Por acaso está acima das máximas deterministas do velho Freud, onde já tá provado que tudo não pas…

_Cala a boca, fedelho, e come essa buceta logo.

A penetração é profunda e selvagem, em que os dois amantes tem que ajustar seus corpos para aproveitarem melhor o gozo proporcionado pelo apoio da pia batismal em que ele a colocara sentada. No momento em que o esperma sai caudaloso, com um grito reprimido para que o padre não fosse ali averiguar, a mãe segura um crucifixo que estava pendurado acima, na parede.

Meu Deuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuus!

O jovem a deixa semi-desmaiada no chão e sai, para se lamentar do grande vazio que é o mundo.

Variatio 2, mit Moral (dedicada a Ramiro Conceição):

O mulato João Tenório, faixa amarela do Clube da Capoeira, bonito que só com sua fileira de dentes geneticamente perfeitos, estava tendo aula de aperfeiçoamento do perigoso passo Salto do Macaco à beira mar de Porto Seguro, ao lado de uma tenda armada pela Rede Globo onde se apresentava o grupo Chiclete com Banana (que na hora cantava o lema incentivador da leitura “lê-lê, lê-lêlê lê lê-ô, lê-lê_lê-lê-ô-ô).

Súbito, Sebastião Remanso, dono da barraquinha de água de côco ali perto, lhe chama a atender o orelhão.

João Tenório cancela o sorriso ao ouvir do outro lado da linha a voz de sua mãe:

_Ô Nego, Ô Tê! Oxum acaba de levar teu pai!

Entre làgrimas, Tê pergunta a causa da desgraça á sua mãe que morava no Rio.

_ Bala perdida, igual a seu irmão ano passado. Vem ligeiro que o IML tá pra liberar teu pai.

João Tenório despede-se de sua mulher e seus treze filhos e embarca no trans-estadual para o Rio.

Diante o cadáver do pai, Tenório não vê sentido continuar na capoeira. Dá um beijo na mãe; beija o avô, aspirando a fumaça de arruda misturada a fumo de corda que sai do cachimbo do velho pai de santo, e se manda.

Anos depois reaparece acompanhado com a nova mulher dançarina, que lhe acolheu à porta na época de fome, famoso como guitarrista principal de uma banda de axé. No último dia dos pais interpretou uma versão de arrepiar no Programa do Gugu, de uma canção do Fábio Júnior.

Moral: tá pra se criar desgraça suficiente pra tornar um brasileiro filósofo.

51 comments / Add your comment below

  1. Discuuurso! Discuuurso!

    De cima deste tamborete, aviso ao Ramiro, ao Marcos, ao Victor, ao Farinati, aos portugueses ensandecidos, aos masturbadores de plantão que caem enganados aos sábados achando se tratar de um blog pornô, e demais incautos, que:

    se virem por seus céus uma esfera passando hoje, não é o padre dos balões, nem o menino americano que supostamente colocaram naquele chapéu de cozinheiro flutuante, mas apenas eu, com o ego inflado.

    Adorei a tirada do Sterne, Milton. Obrigado!

    1. porra, charlles.
      vim aqui só para elogiar tua necessidade estética do formol e pego, com o canto do olho, um “o arbo (que aliás era uma mulher coreana lindíssima, pena que lésbica, chamada, depois de ganho o processo: Antônio Ramires Borba Onfredo)”.
      maldito dia de ontem, poderia ter encomendado uma versão do teu textinho tbm.
      aliás, não sei se fui só eu (os comentários indicam q sim), mas não gostei muito daquele texto do milton. tarde para dizer/argumentar? [dizer somente q ele poderia muito mais seria incompleto e prepotente talvez]

  2. Você tem sorte. Se meu ego inflar explodo que nem o glutão d’O Sentido da Vida, do Monty Python. Se bem que… ego? Que bosta é essa?

    P.S.: Sobre o erotismo de Thomas Mann, veja Felix Krull. É tão engraçado e desconcertante que não parece ele.

  3. VATICÍNIO

    Começo a desconfiar que estamos a criar uma nova linguagem e, como sempre, não ganharemos um “puto”! Mas, para comprovar a nossa histórica incompetência, gugus com neurônios mancos – porém espertos! – enricarão sobre os nossos cangotes. É, parece ser este o destino dos criadores. QUE MERDA!

    1. Não sei a que catzo de linguagem tu te referes, mas desde já começo a praticar meu dialeto blogomiltonês, atento para não mergulhar numa teia lisboeta e terminar charlletando prum universo oculto de infinito palovrês literopernostiquês.

      1. É Marcos, mas se fosse pra ganhar uns trocos ou comer a Scarllet (substitua o nome pela de sua preferência), até que valeria a pena, não?

        1. Não, de jeito nenhum! Mesmo porque, enquanto “feminista”, eu não “como” mulher, e como bom blogomiltonês, “faço amor” com elas, e não as fodo, palavra evidentemente grosseira e que deverá ser excluída do nosso dicionário – foder, só com a paciência dos outros, porque contra os chatos não há argumentos!

      2. “atento para não…terminar charlletando prum universo oculto de infinito palovrês literopernostiquês.”

        Tá bom, Marcos. Tenho uma sobrinha que mostra os mesmos sintomas que você: quando não lhe dão atenção irrestrita em relação às outras crianças, ela chuta canelas, amua, vai para um canto com os olhos cheios de rancor. A diferença é que ela tem 4 anos, e isso pode ser contornado.Nessa compulsão para ser o certo em perpétuo contraste com todos, pode ser que acabe virando um senhor de avançada idade, com terninho brechó, um girassol no bolso, detrás da bancada dos jurados de calouros. Acidentes acontecem!

        1. – Diga “a”.
          – Não digo.
          – Então diga “não”.
          – Talvez.
          – Diga o que quiser.
          – (…)
          – Fique quieto.
          Pronto, consegui. O esbirro mantém um sorrisinho sarcástico na boca, mas quem se importa com ele além dele mesmo. Peço à secretaria que chame pelo dono para levá-lo, e me surge um tipo esquisito: um senhor de avançada idade, com terninho brechó, um girassol no bolso, bigode de bandoleiro mexicano ou mariachi, a gritar comigo a meio metro de distãncia, enchendo meu rosto de cusparadas. Bem que minha mãe disse pra mim tão logo que optei pelo doutorado em Psicologia de Botequim: só te sobrarão os reclamões incorrigíveis, insanos e pederastas da pior espécie, além de seus filhinhos rabugentos e mimados. Ela estava certa… por que não a amei como mandava a cartilha?

  4. 2015

    Os amigos chegaram juntos ao velório logo depois que o caixão vazio fora colocado fechado sobre o suporte de aço. As duas viúvas negaram-lhes um olhar, deixando claro que os aceitavam por ter sido determinação expressa dos falecidos, caso contrário recorreriam até a meios policiais para os porem dali para a rua, sem medo de vexame ou berreiro.

    Os cinco amigos se posicionaram num canto, silenciosos. Simulavam culpa, em respeito às mulheres, mas já haviam combinado que, caso a coisa saísse dos trilhos ali dentro, tirariam a grande coroa de flores do porta-malas, reservada para o final, a deixaria ao pé do morto, e iriam embora. Silêncio contrito, era o lema chave. Tragédia a morte de dois amigos, e ainda desta forma tão surrealista. O Ramiro, para piorar as coisas, desde as últimas vinte quatro horas não conseguia parar de falar em versos, como um soluço. Versos tristíssimos, que faziam o Milton, o Victor, o Farinati, o arbo (que aliás era uma mulher coreana lindíssima, pena que lésbica, chamada, depois de ganho o processo: Antônio Ramires Borba Onfredo) chorarem compulsivamente. Na madrugada anterior, o Milton não resistiu diante tantas estrofes livres, haikais, redondilhas elizabetanas, dodecaédros florentinos, rispistrofes siberianos, que Ramiro, com a voz por um fio deitado no sofá, não conseguia parar de evocar, com o olhar arregalado em franco desespero; e o Milton, de um pulo, pegou seu notebook e o arremessou na parede. Antes que os destroços do aparelho caíssem no chão, Milton se ajoelhou gritando: “Tudo culpa minha, por que eu insisti nesse desafio idiota, por que eu não fui lá e impedi aos dois de cometerem essa estupidez, por que, poooor queeee?”

    O fato é que quando os antagonistas irredutíveis, Marcos e Charlles, começaram a se engalfinhar para valer, os outros que participavam do blog, mesmo com sorrisos às vezes nervosos, não levaram tão a sério. Eram brigas ferozes sobre questões literárias que, quanto mais obscuras, mais a solução delas dava aos adversários a compensação de resolverem o enigma. Setembrini ou Settembrini? A baleia branca era da espécie das balanideas ou das balaenterídeas? Joseph K. se transformou numa barata ou num inseto indefinido (esta conseguiu enfurecer o opositor quando o outro, sarcástico, revelou a baixaria de que era o G-R-E-G-O-R S-A-M-S-A, era o G-R-E-G-O-R S-A-M-S-A, iu iu, iu iu!).

    Daí, quando o Milton não conseguia nem mais postar algo decente que os dois adversários já apareciam, insones, remoendo questões mal resolvidas de outros posts, Milton recorreu a um último desafio, na esperança declarada de quem o ganhasse, anunciaria o fim decisivo da interminável disputa.

    Estava em São Paulo (tinha que ser em um estado neutro!) uma amostra dos filmes da série Jornada nas Estrelas. Milton anunciou: qual dos dois lhe trouxesse a tradução da frase krigiliana gravada ao lado da porta da máquina de teletransporte da Interprise, seria o vencedor.( A frase, reservadíssima, logo depois da tragédia se tornou famosa por descobrir-se que era a única que não constava no google!)

    Achando que seria dado por ridículo uma questão tão pop e nada a ver com literatura, Milton apostava que cairía por terra tanto o desafio quanto a disposição dos adversários em continuarem com aquilo.

    Mas que surpresa quando, no dia estipulado para a refrega, Milton depara-se, com um frio de terror percorrendo-lhe a espinha (um terror bastante cliche, mas terror, ora bolas!), com uma edição especial de um noticiário televisivo em que,de uma cena aérea, vê-se uma multidão em torno do prédio onde estava a exposição do Jornada nas Estrelas, louca para entrar. Quando o repórter no interior começa a falar por sobre a gritaria, na tela aparece as duas figuras muito conhecidas por Milton:Marcos Nunes e Charlles Campos. Ambos estavam diante a máquina de teletransporte, flashes jorrando-lhes na cara, cada um com um bloco de anotações na mão.(Afinal, pensa Milton, não era apenas 7 leitores!).

    Uma mão interrompe a gritaria, pedindo a fala. Era o Nunes (mesmo de tão longe de onde a cãmara estava, o implante da placa de metal, herança do combate das Malvinas, rebrilhava, chamativa, em sua cabeça)que, todo sarcástico, anunciou: “para todos os casos, deixei um testamento com minhas exigências finais com a Raquel, caso eu seja teletrasnportado, hehe!”. Charlles, despeitado pela gargalhada que tomou a platéia, não teve tempo de impedir de repetir a piada:”eu também,com minha esposa!”. Heee, heee!, zombaram os expectadores.

    Então, o que acontece? Quando ambos colocam as mãos na máquina, para lerem a inscrição…zasp! Desaparecem! Nem sombra de fumaça no ar.

    Milton sentou-se no sofá lentamente, com a boca renhida não querendo se fechar, os olhos grudados naquela cena absurda. A multidão, primeiro confiante em truques arranjados de pirotecnia, simula um aplauso sem graça, mas diante as caras de espanto dos administradores de apostas de que aquilo não estava programado, começa a entrar em pânico. Do pisoteamento geral na procura pelas portas de saída, ouve-se alguém gritar, não se sabendo se por mera conservação do humor no desespero:”Ajude-nos, Capitão Kirk!”

    A guarda nacional é acionada; o presidente faz um pronunciamento em escala nacional, dizendo que, apesar dos pesares, era belo que dois inimigos tenham, enfim, se aproximado definitivamente no momento final, como judas e jesus. A nasa, o serviço de detecção radioativa internacional e um sem número de especialistas tentam explicar o fenômeno, procurando o paradeiro dos dois. Tudo em vão!

    Volta para o funeral particular.No momento de abrirem os envelopes com os últimos pedidos dos mortos, a viúva do Nunes diz:”meu marido deixou claro o desejo de que seu envelope fosse aberto por último.”

    Depois que a viúva de Charlles lê uma parte do eclesiastes, que afinal era o que vinha no envelope do marido abduzido, a viúva do Nunes abre, contendo a emoção, o envelope do marido e, lendo em silêncio a inscrição ali com um ar de incompreensão que logo decai para um choro convulsivo descontrolado, rele em voz alta e sincopada as últimas palavras do Nunes:

    “Seja o que esteja no outro envelope: não gostei!”

    1. o q eu mais gostei foi da leveza do texto. a referência pop à Jornada nas Estrelas, o descompromisso de jogar Milton em SP por qualquer desculpa, a brincadeira do sumiço (q quebra com nossas pretensões bobalhonas de querer fazer literatura), sem querer ser primoroso, mas só tirar o sarro com os elementos que lhe deram na veneta durante a criação da história: relaxado, sem pretensões, realmente foi muito agradável de ler. mandou bem a mensagem.

      1. Nosso pecado, Victor, talvez seja o contrário: a ausência de pretensão. Nesse aspecto, dou mais valor a um Paulo Coelho, que se acha melhor do que o Joyce, do que um desses autores nacionais que de antemão já se desculpam por serem “periféricos”, “baratos”, “suburbanos”, pertencentes moles a uma literatura autonomeada de segunda classe. Se algum dia me lançar a escrever, o farei cheio da mais intransigência certeza de excelência, que não contradiz com uma visão quanto à análise de meus defeitos. O excerto que o Milton colocou do Bolaño no post de hoje poderia ser perfeitamente escrito por qualquer um de nós; e para ser sincero, o achei fraco, escrito às pressas, o Yeltsin da alucinação sem consistência com aquela garrafa de vodka. Como Bellow disse: não devemos nos descrençar diante as palavras, muitos os fizeram e sucumbiram, enquanto o jovem Marx escrevia suas matérias jornalísticas com fé e paixão.

        1. O que houve por aqui?

          Charlles em chamas. E, puxa, concordo com ele.

          Eu não acho que o Marcos seja assim do contra, noto coerência nele. OK, às vezes ele é obscuro, mas vejo um conceito que o apoia. Uma linha tênue e risonha, se é que me entendem.

          Minha filha quase teve um colapso ao saber que A Metamorfose talvez envolvesse um baratão. Ela queria besouro, beetle, beatle. Adorou o livro, mas não consegue suportar a ideia de ter lido com interesse uma história de barata. O irmão dela dá risada: barata, barata, barata. Ela odeia.

          A tradução de Marcelo Backes para A Metamorfose é melhor do que a de Modesto Carone. Tudo bem, sou amigo de Backes, mas ele ao menos dfez questão de mostrar no original que Kafka tinha clara vontade de tornar sua história sexuada. A tradução de Carone é assexuada.

          Por outro lado, estou nas nuvens. Mas sei lá quando poderei contar o motivo. Muito trabalho pela frente, bá.

        2. só p quebrar c a obrigação de escrever parágrafos longos e tals (obrigação? sei lá de onde eu tirei essa):

          charlles, concordo contigo e sei do q tu fala, mas tu é um filhadaputa de qualquer forma pq não respondeu meu email. 😉

          quando ao motivo do milton ir às nuvens, só espero que a novidade não seja um blog conjunto dele e do marcos. aí é dose.

    2. “Seja o que esteja no outro envelope: não gostei!”

      E a cortina caiu..
      O teatro apagou…
      E a Poesia chegou…

      Tocando batacuda tocando batucada
      Tocando num batuque duma linda madrugada
      Tocando batucada tocando batucada
      Tocando num batuque da poética palavra
      Tocando batucada tocando batacada……………
      ……………………………………………………………….
      ………………………………………………………………

      1. é isso né Ramiro? se há algo brasileiro, é a necessidade de transcender a palavra, nem que seja pelo uso dela própria, com a linguagem do ritmo. não é estereótipo de estrangeiro que quer ver mulata e praia, não: a gente é assim. e prefiro o batuque à infelicidade do intelectual.

  5. Milton, não nos mate de curiosidade! Novembro prometendo novidades, e agora essa coisa de moça que tá doida para fazer a maior fofoca mas se contendo pudicamente?

    Conta logo vai?

    Essa teoria sua das traduções é polêmica. Até então eu via o Carone como unanimidade.

    Sobre o Marcos, me contenho para não elogiá-lo. Já tomei um supetão ao fazê-lo.

    1. É que hoje foi um dia maluco. E bom.

      Tem um sujeito que está começando uma editora e me convidou para publicar um livro lá. Eu já tinha ouvido “indícios”, mas hoje falei com o cara mesmo. É um paulista. Assim, sem o menor esforço meu. Não fiz nada. O cara simplesmente juntou os capítulos do Monólogo e pediu para que eu o terminasse o quanto antes. Isso foi no início da tarde. Minha mulher prefere O Violista, o qual é bem mais longo em meu micro.

      Depois, no final da tarde, me convidaram para um projeto muito, digamos, engenhoso. Um livro coletivo com assunto bem definido e bastante original. Esse me pediram sigilo. A ideia é perfeitamente roubável.

      Outra coisa ligada ao blog que soube hoje, é que as pessoas que entram aqui ficam em média 8 min. Não é o Grupo dos 5 mais a Caminhante. São as 21.000 que visitam o blog mensalmente (se tu entrares aqui dez vezes num dia, conta um, OK?). Sem falar nas 32.000 page views. Na verdade, nunca olho as estatísticas. Meio que cago pra elas. Chamaram minha atenção para isso. 8 minutos de média é muito para o Império da Desatenção, também conhecido por Internet.

      Estou abobado.

      Fim.

      1. Cara, que ótima notícia: as duas, mas sobretudo a primeira. Já estou na lista para o autógrafo!

        Se o formato permitir, não esqueça da crônica sobre o toque retal (um dos escritos mais engraçado que já li, sem sombra de dúvidas. Aliás, no escritório onde trabalho, esse texto é célebre).

        P.S.: Esses dias li um puta texto seu que aconselha um jovem leitor, de tempos antigos.

        1. Charlles, é sério. Eu esqueço o que escrevo. Jovem leitor? Ele tinha me escrito um e-mail, algo assim, não?

          Bom, do toque retal eu não esqueço NUNCA.

        2. eu sei de qual post se trata. é particularmente inesquecível pq já pensei em escrever mail com mesmo teor. ainda considero fortemente a hipótese. e ainda me considero jovem. e, aliás, por esse motivo, penso em pedir o e-mail do charlles campos. pronto, falei.

          não li nada do Monólogo Amoroso. essa é uma falta.
          mas agora o farei, é claro.
          abraço a todos.

    2. O Marcos impossibilita que se aproxime mais intimamente dele, dizendo o quanto seus textos são bons, ou médios, ou nem tão bons (como a variação de todos os textos por aqui), pelo motivo de que ninguém gosta de ser tratado com rudeza. Para falar a verdade, aconteceu algo pessoal hoje que me deixou pra lá de puto, e de certa forma isso vazou no comentário que fiz CONTRA ele das 3:52. O contito acima foi uma forma (espontânea, sem que de imediato me desse conta disso) de me reaproximar da minha sempre equidistância que tenho dele. Quando as criticas partem de seu lado equilibrado, não existe coisa melhor, mas em outras vezes, por mais que pense “isto aqui é um blog” e nem o conheço, a coisa de certa forma magoa.

      1. a posição dele enseja isso. a gente lê algumas coisas, ri, curte, tolera na boa o que ele escreve – isso quando se lê, claro. mas se um dia tu tá puto por algum motivo no mundo 3D, algo pode cair atravessado e resposta acaba exagerada. se gosta de comprar briga às vezes, a escolha é dele, mas pra quem não curte embates verborrágicos, às vezes é um baita chute nas bolas recebido por alguém que tu nem mesmo conhece, e só.

        Milton, sem qualquer reserva mental (como dizem os juristas): do caralho essa notícia.

  6. Eu pensei na Caminhante, juro! Mas a sua sempre presença delicada e educada (e o fato de ter sangue oriental), me fez não ousar colocá-la num quarto cheio de homens chorosos.

    1. Hahahahahahaha! Obrigada pela lembrança!
      (mas, peraí, onde é que eu entro nessa história?)

      Lembram de uma crônica antiga do LFV chamada O Popular? Aquele que estava sempre de longe, atento à tudo sem interferir, com um pacote nas mãos? Soy yo.

  7. Hahahahaha! Victor, os e-mails por aqui demoram alguns dias para chegar. Tem gente que prefere mandar as novidades sobre falecimentos e casamentos pelo rádio ou no lombo do burro (pena não ter aquele velho menestrel cego que cobrava pelos recados os transformando em música vallenata, do Garcia Marquez). Deve estar sobrevoando o Mato Grosso do Sul, agora.

    Você escreveu o faulkner direito? Colocou selo?

  8. que selo que nada, da próxima vai rolar uns sinais de fumaça

    faulkner? falconer? fucker? faker? fool? fall? fagner? finnegan? faulkner? fudeu.

    (bateu uma saudade da época em que as pessoas escreviam cartas, sério)

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