José Serra e Lya Luft, Lya Luft e José Serra — Cruzes!

Hoje, em evento realizado em Porto Alegre, o candidato José Serra recebeu o importante apoio da escritora de autoajuda Lya Luft. Ela brindou os espectadores com um texto de sua lavra. Todos notaram nele o estilo da arguta articulista de Veja.

O candidato não parecia estar bem lembrado de quem deveria homenagear. Então, tinha fichinhas de papel com o nome de todas as mais importantes personalidades presentes. Só que, mesmo tendo em mãos a ficha que revelamos a seguir com total exclusividade, …

… José Serra cometeu o maior dos atos falhos, chamando Yeda Crusius de …

… Yeda Cruzes, para logo depois corrigir-se. A plateia — e a desgovernadora — quedaram-se lívidos, pasmos, abismados, enquanto controlávamos educadamente nosso riso.

Minha arbitragem no CGL (Campeonato Gaúcho de Literatura)

Retirado daqui.

JUIZ
Milton Ribeiro
– Prefere apresentar-se apenas como um voraz literato, melômano e cinéfilo. Por insistência de sete leitores, mantém um blogue e outras coisas por aí. É sócio do Sport Clube Internacional e sósia de Mahmoud Ahmadinejad, além de ser daltônico, cambota e de ter os pés chatos. Tem curriculum vitae completo em seu blogue, o que torna desnecessário dar mais informações.

OS TIMES

TIME 1: Cris, a fera, de David Coimbra

UNIFORME: A camiseta de Cris, a fera é retrô, o distintivo é uma mulher parecida com Rita Hayworth descendo uma escadaria. Na mão, um cigarro. Destaque para a coxa, que fica de fora, aproveitando uma fenda do robe de chambre – para utilizar um termo antiquado como a capa do volume. Não chega a chamar atenção pela beleza ou originalidade, mas é adequado.

ESQUEMA DE JOGO: Sete histórias entre o conto e a novela. Há unidade temática sim, e como! O assunto é sexo do princípio ao fim. O estilo do autor é bem-humorado, mais para a pornografia leve, sem conseguir alçar-se ao erotismo.

GOL DE PLACA: Bandeira 2, a história de abertura, é a melhor do livro. Um conflito bem montado, com boa solução.

BOLA FORA: Cris, a fera, o conto, é previsível e de psicologia pouco profunda.

TIME 2: O girassol na ventania, de Marco De Curtis

UNIFORME: Decididamente, o uniforme não chama atenção. É mais um time listrado como tantos. É o velho e bom pôr-do-sol, neste caso sem sol, porém com o colorido das nuvens. Pode-se dizer que são histórias de Porto Alegre e que o céu de nossos entardeceres é o mais belo de todos, mas… Não, o uniforme é mesmo muito comum.

ESQUEMA DE JOGO: Por incrível que pareça, trata-se igualmente de sete histórias, sendo cinco contos e duas novelas. As histórias tratam de conflitos humanos e amores urbanos, classificação vaga que demonstra que não há estrita unidade temática.

GOL DE PLACA: Amor por um triz é uma bela e muito bem narrada história. Porém, o autor estraga o final através de uma solução simples que imita Brokeback Mountain. Explico: quando o casal – em nosso caso, heterossexual – parte para uma decisão, o roteirista mata um dos dois e finaliza a obra. Tsc, tsc, tsc.

BOLA FORA: Não há exatamente uma bola fora, mas acredito que o final de Beijos de Borboleta seja de difícil deglutição. Marco De Curtis usa de certa indulgência ao finalizar seus textos.

O JOGO

INICIADO O ESPETÁCULO, o time comandado por David Coimbra tomou logo a iniciativa e foi para cima dos intimidados atletas de Marco De Curtis. Logo, demonstrou algumas qualidades, tais como o bom humor e uma tremenda vontade de seduzir. A vontade era tanta que o treinador se esquecia das primícias. Os leitores – seres sensíveis, delicados e BALDOSOS – têm de ser tratados com jeito. Nem todos estão prontos para entrar em ação após cinco segundos e David pretendia deixá-los excitados sem emitir sinais prévios de suas reais intenções. Logo de cara, colocou em campo um vistoso plantel de mulheres. A plateia ficou interessada e vibrou com este GOL, mas, fato curioso, todas eram iguais. Notou-se que, ao longo das páginas, sua TOTALIDADE tinha 1,70 m, pernas intermináveis e fortes, abdomens malhados, seios rijos, postura sedutora e salto alto. Só variavam no cabelo. Apesar da boa e longilínea forma, as Feras não pareciam levar a sério o esporte bretão. Também se notou que por todos os lados havia referências ao emprego do autor ou a seus colegas, numa incrível sucessão de homenagens que passavam por diversos departamentos da RBS. Tomados de forte NÁUSEA CELETISTA, os leitores se retraíram e passaram a vaiar as Feras, que choraram em campo. Meu coração oprime-se ao narrar tais fatos, mas, como repórter, tenho de me comportar como se fosse o espelho do mundo, refletindo os fatos de forma a que você, querido leitor, confie e acredite. E podeis acreditar, asseguro-vos.

O técnico Marco De Curtis sentiu o gol tomado logo nos primeiros minutos da PELEJA. Foi um golpe que o deixou assustado e sem saber como finalizar o primeiro conto. Porém, o DEMIURGO ao lado do campo reorganizou sua equipe, fazendo-a adquirir o indisfarçável charme de Celso Roth, entocando-se na defesa. Como não tinha saída rápida para o ataque, perdendo-se em digressões e VERBOSIDADES dispensáveis, deixou as Feras fazendo graça pelo campo. Apesar da faceirice e da vontade de pressão do adversário, a postura de De Curtis impedia as penetrações de lado a lado. Porém, Celso Roth é Celso Roth e às vezes faz das suas, tornando-se Sexy Hot. Foi o que ocorreu com o time de De Curtis. Em três INSIDIOSAS estocadas, os Girassóis lograram marcar três gols no segundo tempo. Foram momentos de real grandiosidade e variação de jogadas proporcionadas pela equipe HELIOTROPISTA. Uma surpresa para as Feras! Afinal, o que há em comum entre cães mortos, contos surrupiados e descompassos afetivos? Foram três estranhos gols – o segundo bastante vingativo, demonstrando abissal ressentimento contra o salto alto das Feras – , feitos em sequência naquele futebol de passes curtos, mas que resolveram a partida com facilidade.

Parabéns aos Girassóis!

Entrevistados após a partida, os técnicos demonstraram visões diversas. David Coimbra, em entrevista à nossa reportagem, declarou que o placar foi injusto, pois o árbitro o prejudicou, demonstrando preconceito contra sua condição de conhecido jornalista e fauno do IAPI. Prometeu ir ao tapetão até se esgotarem todas as instâncias da Justiça Desportiva. Já Marco De Curtis irritou-se com os repórteres que insistiam em falar em futebol de resultados.

— Nossa vitória foi justa. Demos um chocolate, um banho tático, tanto que fizemos três belos gols. O que importa são os três pontos, o resto são filigranas, coisas que vocês inventam para vender jornal — garantiu.

PLACAR
Feras 1  x 3 Girassóis

Falta de humor

Uma das coisas mais interessantes de ter um blog ou ser um autor é notar que as pessoas leem o que querem, principalmente se deixarmos piadinhas e coisinhas inexplicadas aqui e ali. Meu post sobre a OSPA foi um lido por muita gente, foram tantos e tamanha a vontade de não entender que vou tratar de fazer uma limpeza nele. Nada metáforas, analogias ou imagens. Vamos ver se consigo.

O que retiro:

1. Tudo o que diz respeito à numeração da sinfonia interpretada. OK, foi um engano providencial a quem não gostou do restante. Não peço que esqueçam, peço apenas que prestem atenção na reclamação que há por trás ou, na minha opinião, ao lado do erro.

2. Faço questão de limpar dele todo o humor e, mesmo que ele insista em retornar nas próximas linhas, desconsiderem-no. Pode ser? Pois quando chamo Quadros de uma Exposição de Mussorgsky de obrinha para piano, todos os não envolvidos no problema entendem. É claro que, se compararmos o original com a versão de Ravel ou a de Ashkenazy, ela parecerá pequena, simples e desnuda. Não me parece complicado entender que não me referi maldosamente a Mussorgsky nem a uma música que amo e da qual possuo dezenas de gravações, até uma de Emerson, Lake & Palmer…

O que mantenho:

3. Não creio que se deva encarar a arte com absoluta reverência. Sou contra isso. A arte é uma manifestação da criatividade, parente muito próxima da alegria e dos jogos. Eu tenho que falar sobre Bach olhando para o Firmamento, rezando ou analisando tecnicamente cada fuga? Se preciso, não o conheço. Tenho que refletir sobre um filme de Bergman pensando do destino inexorável ou no quê? Porque vejo O Sétimo Selo e ouço a Chacona e fico feliz pela realização, mesmo sabendo o que há num de filosofia e pessimismo e noutro de estruturas complexas. A grandiosidade é feita de cada partícula de criatividade que esses gênios puderam juntar. No fundo, é algo a se comemorar, mesmo que expressem desespero ou solidão ou a falta de sentido ou propósito. Acho ridículas as pessoas que não chegam à compreensão de que talvez não devam levar tão à sério suas (sempre) pobres realizações. Nem Bach tinha tão alta opinião de si.

4. Para finalizar, digo agora com todas as letras o que quis dizer:

4.1. A OSPA tem um repertório curto e em grande parte irrelevante. A OSPA não apenas se repete como evita as obras mais complexas. Foge delas. Ah, eu sei que alguém vai me dizer que haverá uma 9ª de Mahler na semana que vem, mas já respondo de antemão que isto é ABSOLUTAMENTE CASUAL, ABSOLUTAMENTE ANORMAL.

4.2. O OSPA não sabe educar nem se divertir. Seus concertos populares com Túlio Belardi são o paroxismo do kitsch, com dancinhas, palminhas e cantorias a la André Rieu. Pensam que para atingir o público há que baixar o nível? Pois estão enganados. Que tal tocar isto na próxima (ouvir até o final). Viram como pode ser divertido? Jogo cem paus como qualquer plateia enlouqueceria. É só procurar — repertório novo, brilhante e original há.

4.3. Àqueles que escreveram que estas críticas partiam de alguém pouco qualificado, tenho algo muito importante a dizer: têm toda a razão. Sou um mero ouvinte, sou como um leitor, sou um sujeito que passa horas e horas ouvindo música diariamente e tenho parcos conhecimentos técnicos. Mas sei como ela pode soar e a extensão do repertório que é ignorado.

4.4. Tenho vontade de escrever mais algumas coisas, mas talvez perdesse a objetividade que espero ter tido. Então era isso.

O Porque hoje é sábado foi adiado…

… porque fiquei até tarde com amigos e cheguei em casa com sono.

livro

Fiquem com esta imagem roubada ao incansável Eduardo Lunardelli e que nos dá a ideia clara de que o ser humano é dotado não apenas de exterioridade e de interioridade como também de profundidade. É óbvio que me refiro à profundidade no sentido mais amplo e alto do termo, desprezando as noções de leitores mais simples e chãos. Assim, tudo é símbolo e metáfora de outras realidades, muito mais importantes. Pois uma montanha não é apenas montanha. Em sendo montanha, traduz majestade. O mar evoca grandiosidade; o céu estrelado, o infinito; os olhos de uma criança, a alegria da única imortalidade possível a nós; a camiseta do Grêmio, a mediocridade; a nossa, o absoluto. E se colar, colou.

Vejo/sinto a obra acima como uma Obra Aberta, conceito de Umberto Eco divulgado em obra homônima que vocês devem, evidentemente, conhecer de cabo a rabo.

Enquanto isso, em obra que também evoca outras camadas de compreensão, nossa amiga Sandra Pontes, — que mora em São Paulo — , fez questão de referir realidades superiores em seu ambiente de trabalho. Sua atitude, prenhe de filosofia e espiritualidade, foi construir a seguinte e provocadora instalação.

Trata-se de um belo trabalho artístico que merece o prestígio do seleto público sabatino deste blog. Parabéns à Sandra.

Tudo sobre ontem à noite

Publicado pela manhã no Sul21.

Check-up realizado, ainda algo ressentidos com os testes a que os submeteram Renan e Tinga, os colorados puderam sair às ruas comemorando a sobrevivência na Libertadores e a continuidade do sonho. Foi um tremendo jogo de futebol: além de bem jogado, teve ingredientes dramáticos que não se viam desde O Exorcista e O Iluminado. Afinal, apesar do roteiro batido, baseado na decisão contra o Estudiantes, ontem tudo foi cuidadosamente preparado para iludir o espectador.

O frango de Renan num cruzamento meio besta do extraordinário Hernanes (que jogador!) foi tão surpreendente e apavorante quanto Jack Nicholson escrevendo repetidamente a frase All work and no play makes Jack a dull boy por laudas e laudas naquele hotel. Que coisa, você demite o zelador anterior para evitar surpresas e o novo começa a agir estranhamente… Há algum alucinógeno no gol colorado? Logo após a maracujina do intervalo, o Inter fez o mais esquisito dos gols. D`Alesssandro deu o chute de sempre e o desligado Alecsandro fez o gol de costas, mais ou menos como Linda Blair fazia ao descer as escadas em O Exorcista. Depois, livre do demo, declarou que todos os seus movimentos foram friamente calculados. Aqui, ó!

Dois minutos após o empate, outro chute bisonho – desta vez do São Paulo – encontrou Ricardo Oliveira na frente do gol acompanhado de Nei, que lhe dava condições caminhando em direção ao campo do São Paulo em ritmo e espírito de morto-vivo. Nova vantagem paulista. Ao estoque de mágicas foi acrescentado o déjà vu da expulsão de Tinga. No final do jogo, Rogério Ceni protagonizou a última grande cena: agarrou-se apaixonadamente a Renan como se não houvesse amanhã, impedindo um escanteio que poderia ser a tábua de salvação de seu time.

Os destaques do Inter ficaram por conta de Bolívar – que decididamente evoluiu de sua condição de ex-lateral manhoso – , Sandro, Tinga e Giuliano, o qual entrou em campo como se não tivesse ocorrido nada de anormal. Do lado são-paulino, Hernanes demonstrou que deixará imensas saudades no Morumbi. Considerando-se que o Inter demonstrou mais apetite fora de casa, a classificação foi justa, apesar de estranha.

O Inter enfrenta o Chivas Guadalajara na final. O primeiro jogo da decisão será na próxima quarta-feira, no México. A CBF adiou sine die a partida do próximo domingo contra o Santos.

São Paulo 2 x 1 Internacional

São Paulo: Rogério Ceni; Jean, Alex Silva, Miranda e Junior Cesar; Rodrigo Souto (Marcelinho Paraíba); Hernanes e Cléber Santana (Marlos); Ricardo Oliveira, Fernandão e Dagoberto (Fernandinho). Treinador: Ricardo Gomes

Internacional: Renan; Nei, Bolívar, Índio e Kléber; Sandro e Guiñazu; D’Alessandro (Giuliano), Tinga e Taison (Wilson Mathias); Alecsandro. Treinador: Celso Roth

Cartões amarelos
São Paulo: Fernandão
Internacional: Tinga, Kléber

Cartão vermelho
Internacional: Tinga

Gols: São Paulo: Alex Silva, aos 30 min do 1º tempo, Ricardo Oliveira, aos 8min do 2º tempo. Internacional: Alecsandro, aos 6min do 2º tempo

Sayad diz que a TV Cultura perdeu qualidade, e tornou-se cara e ineficiente

O estranho é a falta de inteligência do pessoal do PSDB. Então, após 8 anos de adminstração do estado de São Paulo — leia-se José Serra — , o presidente da TV Cultura João Sayad vem à público e, numa nota oficial que é uma confissão de incompetência, avisa que a Cultura é altamente deficitária — sempre foi, não? — e que vai demitir 1400 funcionarios para ficar com 400, número que considera “mais do que suficiente”. Juro que não entendo esta atitude ao apagar das luzes, principalmente se considerarmos que a lei, por causa das eleições de outubro, o impede de demitir antes dezembro.

Além da ineficiência, há o grave problema de ordem social, pois são 1400 funcionários que serão colocados no olho da rua. Eu também admito que, provavelmente, 1800 seja um número alto de profissionais, mas pensemos: Sayad, em sua nota, fala em “perda de audiência e qualidade”. Meu caro Sayad, aí tem segunda e terceira intenção. Em primeiro lugar, a TV Cultura nunca competiu com as TVs comerciais, em segundo lugar, se a Cultura é hoje uma porcaria — e é — é por culpa do abandono de projetos que, um dia já foram muito bem-sucedidos. Não preciso dizer que meus filhos adoravam o Castelo Rá-tim-bum e o notável e educativo O Mundo de Beakman.

Meu caro (e ineficiente) Sayad, com 1800 funcionários, com estúdios, alguma inteligência e pouco dinheiro, qualquer um monta dezenas de programas como o americano Beakman, algo baratíssimo que divulga ciência às crianças de forma divertida. Mais: com boa negociação, um dos seus 1800 funcionários poderia fechar contrato com a OSESP (também estatal) a fim de registrar, divulgar e até vender DVDs de concertos. Com outro grupo, o Sr. poderia refazer o Cartão Verde dos domingos, não?

Se houvesse um mínimo de boa vontade, o Sr. proporia o que propõe em sua nota …

uma “revitalização dos programas admirados, a modernização dos processos administrativos, bem como dos equipamentos, e contando com os talentos que a emissora possui e com a contratação de novos apresentadores e jornalistas.”

… ANTES das demissões e não depois.

Há toda uma cultura de descarte em nossa sociedade, mormente nas pessoas de direita. Eles não veem que reconstruir coisas pode ser ecológico para a alma e para os seres humanos. E… Nossa, Sr. João Sayad, o Sr. detesta o Serra, hein? Eu também! Que fanfarronice!

O brilhante João Sayad preparando o enterro da TV Cultura

Porque vou, mas não gosto de ver a OSPA

Ontem, a OSPA esteve em grande dia. Tocaram muito, o solista e o regente eram ótimos e tudo estava bem ensaiado, mas …

Bem, o programa era o seguinte:

Obras:
W.A.Mozart: Sinfonia nº 25, KV 183, em sol menor
R.Schumann – Concerto para Violoncelo, op.129, em Lá menor
M.Mussorgsky: Quadros de uma exposiçao

Solista: Rodrigo Andrade – Violoncelo
Regente: Karl Martin
Local: Salão de Atos da UFRGS

Há nas escolhas da orquestra um problema de repertório, não? A OSPA repete seus programas de forma muito frequente. OK, sei que Quadros de uma Exposição e que o Concerto de Schumann fazem parte do repertório tradicional das orquestras, mas parece que o da OSPA é mais curto. Por exemplo, apenas uma Sinfonia de Shostakovich é repetida, a 5ª. Já ouvi a 8ª (foi maravilhoso), mas apenas uma vez, há uns dez anos. Haja 5ª! Nunca ouvi a OSPA tocar um Bruckner que não fosse a 4ª Sinfonia e, no ano em que Mahler completa 150 anos de nascimento, dá-se importância aos 200 anos de Schumann, um compositor bem mais fácil e, digamos, menor. Era o ano de se programar uns 3 ou 4 Mahler, certo?

Mais: se quiserem realmente nos fazer chafurdar num repertório repetitivo, há a surpreendente versão de Vladimir Ashkenazy para Quadros de Exposição, a qual apresenta outro colorido, tão fascinante quanto a versão orquestral de Ravel para a obrinha pianística de Mussorgsky. Acho que está mais do que na hora da OSPA decidir seus programas anuais com representantes de seu público, pois o que há hoje é um certo desconhecimento dele por parte da orquestra. (Não, não sou candidato. MESMO! Minha mulher me mataria se eu arranjasse mais um compromisso não remunerado!)

O público da OSPA é formado por eventuais, velhos viciados que gostam da música ao vivo (eu) e jovens. Os eventuais são eventuais. Os velhos viciados ou não conhecem música ou a conhecem. Os que não conhecem engolem qualquer coisa, os que conhecem acabam rindo das mancadas e reclamam e ironizam tudo. Os jovens são jovens e estão numa idade em que as lembranças nos impregnam e permanecem> talvez este seja o momento de formar o público do futuro, sabe-se lá. Mas o grave que ocorre com eles é que a pobreza do repertório acaba forçando com que terminem suas “formações” como ouvintes com gravações, deixando a Orquestra na mão. Quando eles envelhecem, referem-se à OSPA com indulgência e certa pena. Faço esta pequena digressão porque acompanho a Orquestra há 40 anos e sei que seu público diminui, enquanto o interesse pelos eruditos aumenta no Brasil — tenho dados que comprovam o fato.

Dostoiévski, de novo

Um pedido do Pedro, através de comentário:

Caro Milton, Conhecedor de Dostoiévski como és, dê essa dica para nós, pequenos mortais, que ainda não o leram por inteiro: há algum tradutor melhor que o outro, alguma edição mais nobre, ou tudo dá no mesmo? Gracias!

Pedro, farei de tudo para manter, nas próximas linhas, este falso conhecimento que me atribuis. Na verdade, li todas as obras de Dostô quando era jovem. Nasci em 1957 e devo tê-las lido nos anos 70. Na época, não havia edições saindo e até era complicado encontrar os livros do autor russo. Tanto que, após ler Os Irmãos Karamazov numa edição da Abril Cultural (Imortais da Literatura, Vol. 1) bati muita perna pelos sebos a fim de encontrar os outros livros. Um dia, recebi um telefonena de um sebo, mais exatamente da Livraria Aurora, avisando que tinham recebido a coleção completa das obras de Dostoiévski da José Olympio. Hoje sei que não era NADA COMPLETA, porém era vendida como se fosse e eu acreditei. Supliquei à minha mãe por uma grana, fui lá e arrematei a coisa. Como busquei de ônibus, fiz duas doloridas viagens para buscá-los. Era bonitos, vermelhos, de capa dura, um show.

E eram o que havia de melhor. Imagine: os tradutores eram Rachel de Queiróz, Ledo Ivo, Brito Broca, etc. Todos os livros vnham com esplêndidos prefácios de gente como Otto Maria Carpeaux e Wilson Martins. Posso te dizer que comi e amei aqueles livros, comi-os como se fossem o melhor Dostô possível, mas não eram. O que tinha de bom eram os prefácios…

Lá pelos anos 80, começaram a aparacer novas traduções, totalmente diferentes. A explicação era incrível. As traduções antigas, aquelas da José Olympio, eram feitas a partir de outras traduções, francesas, feitas no início do século XX. Soube que os tradutores franceses da época não eram nada respeitosos e que açucaravam expressões e até criavam algumas frases facilitadoras. Ou seja, eles adaptavam Dostô para o gosto do leitor francês, aparavam as arestas, retiravam espinhos, deixavam-no … beletrista! Caraglio! Comecei a ler exclusivamente as traduções de Boris Schnaiderman para Tchékhov e Dostô (logo vi que eram muito superiores às segunda mão) e, nos anos 90, a abençoada Editora 34 resolveu montar um time de tradutores para retraduzir todo o Dostoiévski. Antes, aqui e ali, já aparecera o verdadeiro Dostô: nos anos 80, Moacir Werneck traduziu O Jogador e O Eterno Marido direto do russo. O resultado foi um autor muito mais direto e sem firulas. Muito melhor, limpo e impactante, certamente. Fiquei desconfiado… Mas acho que a revelação do verdadeiro Dostô veio com Paulo Bezerra na Editora 34. Digo com a maior tranquilidade que quem leu O Idiota e Crime e Castigo nas traduções antigas, leu outros livros. Dizem meus olhos e minha mente que estes romanções só foram verdadeiramente traduzidos há pouco. As novas versões são Dostô, por mais que Brito Broca tenha feito milagres com sua versão francesa.

Então, meu caro Pedro, a solução é comprar a Coleção da 34 ou outras traduções diretas. Acho que posso pôr minha mão no fogo por Moacir Werneck e Paulo Bezerra. Se não faço outras indicações de tradutores é por não ser o especialista que pensas que sou. Mais: creio que a Coleção Dostoiévski da Editora 34 foi realizada com tanto interesse,  respeito e amor por Dostô que eu a colocaria em primeiro lugar.

Completando este texto meio desorganizado, te afirmo que O Idiota só se tornou a obra-prima quase insuperável que é hoje para mim após a leitura da tradução de Bezerra. A tradução da José Olympio tem todos os méritos associados ao pioneirismo e às parcas possibilidades dos anos 50, mas vão me desculpar, os dois Idiotas não têm nada a ver um com outro. Toda a transcedência e o valor altamente filosófico da obra perdeu-se na passagem para o francês ou para o português. Tanto assim, que li O Idiota da 34 como se fosse totalmente inédito.

Dostoiévski não é nada romântico, nada. É um escritor bem mais duro do que fazem crer as antigas traduções. Porém — e agora falo a todos — , se não houver grana e você encontrar uma das antigas traduções que têm reaparecido ainda hoje a preços módicos, compre do mesmo jeito. Um mau Dostô é superior a quase tudo que haverá em torno.