O Nobel de Doris Lessing

O Prêmio Nobel de Literatura é uma láurea às vezes geopolítica, às vezes literária. Foi geopolítica, por exemplo, a premiação de Nadine Gordimer em 1991 — lembrem que o apartheid foi abolido em 1990 por Frederik de Klerk e a Academia Sueca entendeu ser interessante mostrar ao mundo que havia escritores por lá — ; foi novamente geopolítico quando deu seu polpudo cheque à ridícula Toni Morrison em 1993 — presumiram que seria a hora de premiar uma mulher negra? — ; chegou a níveis rasantes quando chamou Alexander Soljenítsin em 1970, logo após ter concedido um prêmio verdadeiramente literário a Samuel Beckett em 1969. Aliás, a premiação a Soljenítsin parece ter causado tal espanto aos próprios acadêmicos – o único e duvidoso mérito literário do escritor era o de ser um notório dissidente soviético — que, no ano seguinte, resolveram dar o prêmio ao comunista Pablo Neruda durante o governo de Salvador Allende.

Pode acontecer também de um prêmio geopolítico alcançar grandes escritores. Em 1976, a Academia quis dar TODOS os prêmios a norte-americanos em razão do bicentenário de sua independência e o Nobel de Literatura acabou com o grandíssimo Saul Bellow — na verdade um canadense naturalizado. No ano passado, outro gol: quiseram dar uma demonstração de como oriente e ocidente poderiam conviver pacificamente e deram a grana ao extraordinário Orham Pamuk, autor nascido e naquela época morador de Istambul, a cidade que em que se pode ir da Europa para a Ásia e vice-versa atravessando-se uma ponte. No retrasado, a Academia quis ser apenas literária e deu a Harold Pinter um belo Nobel.

Já o de Lessing é mais complicado de interpretar. Dona de um sobrenome que encontra melhor eco na literatura alemã, ela é uma escritora que foi lidíssima entre os anos 60 e 80 e que curtia uma dourada quase-aposentaria na Inglaterra. Era feminista e comunista, tornando-se apenas o primeiro nos anos 90. Aos 87 anos, ainda publica livros cada vez menos lidos e elogiados. É, de fato, uma escritora que deveria parar ao invés de seguir publicando novelinhas secundárias.

Eu li mais de vinte livros dela e considero The Golden Notebook (1962; no Brasil O Carnê Dourado), Memoirs of a Survivor (1974; no Brasil Memórias de um Sobrevivente) e The Summer Before the Dark (1973; no Brasil, O Verão Antes da Queda) livros autenticamente grandiosos e importantes. Ela também escreveu duas famosas pentalogias: a muito esquerdista série Filhos da Violência, que é bastante boa e onde aparecem dois notáveis personagens: Martha Quest e Anton Hesse; e a chatíssima Canopus em Argos: Arquivos, que ficou famosa no Rio Grande do Sul por ser amada e idolatrada por Caio Fernando Abreu. Coisas de nosso Rio Grande…

Doris Lessing não é uma escritora de linguagem sutil. Sua frase é direta, rápida e não podemos falar numa prosa elegante. Tem notável habilidade para construir personagens e a polifonia de seus livros é bastante original, pois não é formada por apenas por vozes de personagens, mas estes recebem o auxílio de situações e ações, que muitas vezes os contradizem. Não é pouco, porém…

Thomas Pynchon, Philip Roth e Antonio Tabucchi mereceriam muito mais o prêmio. Permanecem, contudo, na excelente companhia de Tolstói, Proust, Joyce e Borges.

O Brasil só poderia ganhar um prêmio geopolítico, só que andamos muito pouco dramáticos. Não punimos torturadores, não nos preocupamos com o papel da Amazônia no aquecimento global e achamos Ariano Suassuna um gênio… Nosso estilozinho deslumbrado low-profile não está com nada.

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A visita de Cláudio Costa foi o esperado, isto é, perfeita. Convenceu-nos a uma retribuição em Minas. Vamos, é claro. Ninguém nos convida impunemente… Não nos surpreendeu o fato de ele ser casado com uma pessoa tão querida e agradável quanto a Amélia, a gente sempre fica maravilhado ao ganhar mais uma amiga. Incrível seu entendimento com a Claudia.

Publicado em 15 de outubro de 2007

5 comments / Add your comment below

  1. Olha que não vejo, felizmente, o assunto do dia por aqui…que alívio!

    Não li Doris Lessing, AINDA, mas há muito o pretendo fazer desde que li essa epígrafe de autoria dela: “Lá vão aqueles que um dia foram crianças calorosas.”

    Há muitos escritores que completam a minha ignorância. Há algumas semanas, p. ex., conheci o para mim nunca falado Javier Marías (graças a um comentário do Bolaño que o considerava o maio escritor vivo a usar o espanhol). Li dele Coração Tão Branco e fiquei embasbacado, com o corpo remoendo a adrenalina recém assimilada. Uma obra quase perfeita, calibrada com precisão, uma história sofisticada e entremeada de belas percepções do narrador em digressões que lembram os romances ensaios do Mann e do Maulraux. De imediato já adquiri o primeiro volume da trilogia Seus Olhos Amanhã, e o entusiasmo continua. Você deve lê-lo, se já não o fez _ tem muito do próprio Bolaño.

    Li o Solar, o novo do Ian Mcewan, e ensaiei umas três ou quatro resenhas para publicar lá no meu blog…mas, cara, tô literalmente trancado. Não sei se é a Júlia _ pra que me enganar: é a Júlia! Noites insones e pouquíssima concentração para produzir. O que digo é que McEwan perdeu a bola. Seu único romance, vamos dizer, canônico, é o Reparação. Li quase tudo dele. Um outro muito divertido e com partes soberbas é Amsterdã. Mas esse novo tenta ser Philip Roth, especificamente O Teatro de Sabbath, mas como perde feio e fica para trás. O personagem principal, o degenerado nobel de física Michael Beard, é um muito mal nutrido Mikey Sabbath. O livro mostra a falta de controle de McEwan, que põe à mão uma série de situações sem propósito para aumentar o número de páginas e levar tudo ao volume honroso de trezentas páginas. Não chega a ser lamentável, principalmente por, de uma vez por todas, situar McEwan em seu devido lugar, junto a Paul Auster (que é melhor que ele, no nível mediano), e Martin Amis (que já foi mais acido e provocante, principalmente em Grana e A Informação).

    Sobre Nobel, o mais estranho dos ganhadores, para mim, foi o tal do Dário Fo. Não se acha nada do que ele escreveu, e parece que, na verdade, ELE NÃO ESCREVEU NADA! Já procurei alguma coisa dele, mas só achei manuais destinados a atores, ensinando como interpretar. Sobre o Fo, aliás, tem uma historinha bonita, narrada no Cadernos de Lanzerote, do Saramago, (não sei se no vol I ou II). Fo, compadecido de que tenha tomado frente ao Saramago, lhe envia um sincero pedido de desculpas, que provoca na Pilar o comentário: “ainda existem pessoas educadas”. No ano seguinte, com o galardão dado por mérito ao português, Fo lhe envia uma outra missiva, dizendo que, então, a academia realmente acertara.

    Bom, agora vou calçar os sapatos e, de pé firme, tentar escrever algo lá no blog que, contudo, nunca sai tão fluido e despretensioso como aqui.

    Abraços.

    1. Rapaz, vou ter de conhecer este Marías.

      Sobre Fo: há muitos anos, assisti uma peça dele no RJ. É boa coisa e tal, mas não me apaixonei. Pareceu-me um Woody Allen à esquerda e até o final do gênero “que merda, sou feliz” remeteu ao americano. Só isso que sei dele.

      Tô doido para ler Solar. É uma bosta? Uma pena MESMO. Li que era cômico, mas bom. Capricha aí nas tuas resenhas porque tenho planos para elas.

      Abraços.

      1. Compensa muito ler “Solar”, é sofisticado e tal. Tá longe de ser uma bosta, mas…bom, leia.

        Do Marías, te recomendo o que li (olha só que coinscidencia), Coração Tão Puro. Acho que agradaria muito o Marcos Nunes, também, e até dar novos horizontes a escrita dele.

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