120 anos depois, a Cavalleria Rusticana retornou ao Theatro São Pedro em grande estilo

Santuzza (Claudia Riccitelli) e Turiddu (Richard Bauer), em cena da Cavalleria

Em 17 de maio de 1890 estreava a Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni no Teatro Costanzi de Roma. Na mesma data nascia o Verismo musical italiano e, assim como na literatura, também na ópera a arte passava a imitar a vida, fugindo dos modelos históricos e míticos e mergulhando no cotidiano.

A violinista da OSPA, Elena Romanov, fez-me notar que, em 1892, apenas dois anos após a estréia na Itália, a Cavalleria já chegava ao Theatro São Pedro com a grande Companhia Lírica Italiana de Poltronieri e Bernardi. Achei interessante lembrar ao apreciadores da lírica que, no século XIX, era usual companhias profissionais de ópera italiana se deslocarem de navio para a América Latina iniciando seu circuito pelo Teatro da Paz de Belém, de 1869, descendo em direção ao Teatro de Santa Isabel de Recife, de 1850, Theatro São Pedro de Porto Alegre, de 1858 e Theatro Sete de Abril de Pelotas, de 1834. Depois seguiam para o Uruguai e Argentina. Em 1890, ainda não existiam o o Theatro Pedro II e o Municipal de São Paulo, o Teatro Amazonas, o Theatro Municipal do Rio e o Theatro José de Alencar de Fortaleza, entre outros.

Em 2012, durante este final de semana, no Theatro São Pedro, passados 120 anos, voltamos a ouvir a história de Turiddu Macca, um camponês siciliano que, ao retornar do serviço militar, encontra Lola, sua namorada, casada com Alfio, um rico caixeiro-viajante. Tomado pelo ciúme, ele seduz a jovem Santuzza e a usa para provocar a antiga namorada. Lola cai na armadilha e torna-se sua amante. Santuzza, ao descobrir a traição, denuncia os amantes para Alfio, que, para lavar sua honra, desafia Turiddu para um duelo que se conclui com a morte deste.

Foram 55 minutos de tensão e drama enriquecidos pela Ospa (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), coro e solistas.

O maestro Enrique Ricci transpirava segurança e carisma e, mesmo no espaço reduzido do pequeno teatro, o qual impedia movimentos de palco e limitava a atuação cênica, soube extrair interpretações emocionantes.

A orquestra e o coro estavam claramente seduzidos pelo maestro e havia congraçamento, integração, vontade. Quem estava na plateia sentia a música chegando como ondas, via-se as pessoas sendo transportadas pela obra. Eu mesmo, com a visão periférica, buscava meus vizinhos de platéia e via respirações, mãos e pernas que vibravam em sincronia com os acontecimentos do palco. A orquestra se transformou em praça e o coro sinfônico – com suas vozes treinadas pelo maestro Manfredo Schimiedt – foi o povo da Sicília, com sua religiosidade, alegria e drama.

A soprano Cláudia Riccitelli, foi uma apaixonada Santuzza, hipnotizando o público com uma expressividade sanguínea que a ajudou a superar as dificuldades do papel. A mezzo Luciane Bottona, destacou-se com uma mamma Lucia de ótima atuação cênica, voz segura, bem projetada e de lindo timbre. O barítono Sebastião Teixeira, apresentou um Alfio impecável com belos e sonoros graves. O tenor Richard Bauer, foi um bom Turiddu, destacando-se no dueto com Santuzza. A soprano Elisa Lopes encarnou satisfatoriamente a provocante Lola.

Momento memorável, casa lotada em todas as récitas, merecia mais e mais réplicas.

O momento dos aplausos | Foto: Romina Juliana

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  1. Como integrante do Coro, posso afirmar, Cláudia, que a tua frase “A orquestra e o coro estavam claramente seduzidos pelo maestro e havia congraçamento, integração, vontade” é a mais pura tradução do que aconteceu ali. Enrique Ricci é um sedutor. Durante o “Intermezzo” havia colegas às lágrimas, eu mesmo tive que me segurar…a expressão do maestro foi algo que eu não havia previsto…ele literalmente incorporou a melodia, regendo de olhos cerrados, punho fechado junto ao peito…Foi, no mínimo, arrebatador, para nós do Coro. Devolvemos esta onda de emoção, com sentimento em forma de voz. E, pessoalmente, ele é uma simpatia. Também devo ressaltar a preparação feita pelo Ricardo Barpp e os ensaios com o maestro Manfredo. Foram quase 90 dias de ensaios, com ajustes milimétricos de afinação, andamento e sensações…O sentimento é o de dever cumprido. Mas com muito prazer envolvido. Abrçs

  2. Uma beleza!
    Grande expressão dramática, execuções impecáveis do coro, orquestra e solistas, regência segura e comunicativa, público muito empolgado.
    Claudia Riccitelli dominou a cena com sua expressão fortíssima.
    Norma Rodrigues sustentou na harpa como se fosse a própria orquestra.
    Grande momento!

  3. Eu fui de São Paulo ver esta Cavalleria, e dizer que Richard Bauer foi somente um bom Turiddu é simplesmente injusto. Ele foi o baluarte vocal desse espetaculo! Seu “Addio alla madre” foi impecavel, bem como a sua Siciliana, que ele entoou cantando com o “acento” siciliano! Acredito que muitos são da mesma opinião! Espero que reconheçam esse moço.

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