É óbvio que, até pela situação passada no ano passado, eu leria este livro. E começo dizendo que a traumática separação do personagem Ricardo Lísias — sim, Lísias é o nome do personagem de Lísias — foi fichinha perto da separação de Milton Ribeiro.
Divórcio é a história de uma separação com todos ingredientes que fazem parte deste tipo de situação: choque, ressentimento, ódio, divisão de bens, vinganças, recuperação. Tudo isto é catalisado por um narrador original e seguro, na primeira pessoa, que cria um texto grudento, apesar de cheio de quebras e opções. A sinceridade e a exposição do personagem Lísias só surpreende se pensarmos que Divórcio é um romance autobiográfico, fato negado pelo autor, inclusive para mim, pessoalmente.
Grosso modo, o romance alterna quatro tempos. O momento presente, a história do casamento, a preparação de Lisias para correr a São Silvestre — única fonte de prazer e o meio escolhido para o retorno à realidade e à vida — e a infância do Lísias personagem. Os jornalistas, profissão da ex-mulher, recebem muitas e justificadas críticas. Há uma coleção de frases antológicas de ódio no livro, mas se eu coloco aqui vão pensar que a coisa tem endereço. Então, vou colocá-las num contexto mais tranquilo. Num PHESfora da curva, por exemplo.
Indico, claro. Trata-se de um belo texto visceral.
(Curiosidade: fiquei contrariado com algumas metáforas utilizadas e, ao comentá-las com a Elena, fui convencido de que eram perfeitas. O problema é que eu sofro de outra maneira).
Este post é baseado na polêmica opinião do maestro Baldur Brönnimann. Minha tradução é mais ou menos traidora. Traduttore, traditore. Os itálicos são observações minhas.
Johnny Greenwood é guitarrista do Radiohead. Ele publicou recentemente um artigo no qual opinava que a música clássica ao vivo era excludente. Era uma constatação de alguém que vinha de fora do mundo da música clássica. Ele disse que, ao longo dos anos, tem assistido — e realizado — uma série de espetáculos e que, se a música clássica quer atrair um novo público, deve pensar sobre alguns fatos de fora de sua vivência habitual.
Pensando no assunto, o maestro Brönnimann elaborou um decálogo de sugestões. Na sua opinião, sentar em uma sala de concertos e não fazer qualquer outra coisa que ouvir música por duas horas é uma grande e radical experiência. E que há muitas regras e convenções em concertos de música clássica que muitas vezes aceitamos sem discutir e que tornam a experiência de concerto clássico pior do que deveria ser.
Abaixo, Brönnimann sugere alterações no ritual da música erudita (meus comentários, como já disse estão em itálico):
O público deveria poder aplaudir entre andamentos: Gustav Mahler introduziu o hábito de sentar em silêncio até o final de uma peça e eu acho que, depois de cerca de 100 anos, é hora de mudar isso. Eu adoro quando as pessoas batem palmas entre os movimentos. É uma expressão espontânea de prazer e as pessoas devem se sentir livres para mostrar seus sentimentos em um concerto. Acharia estranho aplaudir nas passagens dos movimentos lentos para os rápidos. É um momento em que, quase sempre, está presente uma tensão a ser quebrada. Acho que os aplausos atrapalhariam. Mas também acho ridículo “não poder” aplaudir. Fico em cima do muro.
As orquestras deveriam afinar nos bastidores: Há algo autenticamente emocionante sobre a audição de uma grande orquestra em uma grande sala. Não devemos estragar o impacto dos primeiros sons de uma peça adiantando muitos desses sons mágicos, de forma aleatória, no início de um concerto. Eles devem emergir de completo silêncio. Teríamos então que equalizar a temperatura do palco e dos camarins. A luz do palco é muito mais quente e desafina os instrumentos. Por isso é que os músicos afinam no palco. Discordo.
Deveria ser permitida a utilização de celulares e dispositivos eletrônicos móveis em modo silencioso: Eu não quero dizer que se permitam fazer chamadas telefônicas, é claro, mas se, ao invés de desligar os aparelhos, as pessoas pudessem tuitar, facebookear, tirar fotos ou gravar em silêncio. Se o espectador compra ingresso, deve ter o direito de registrar o que vê e partilhar com os amigos. Concordo.
Os programas deveriam ser menos previsíveis: As orquestras devem assumir o risco e nem sempre imprimir todo o programa, mas apenas algumas obras-chave. Deve haver um elemento de imprevisibilidade sobre um concerto. Algo inesperado. A surpresa deve vir é da interpretação individual ou coletiva da peça. Discordo.
Deveria ser permitido levar as bebidas para a sala de concerto: Eu gosto de me sentir relaxado em um concerto, ter tempo e não ter que esvaziar o copo rapidamente no intervalo. É uma boa, desde que fossem servidos cálices de vinho ou bebidas em copos. Nada de abrir garrafas ou latinhas. A coisa seria comprara num bar lá fora. Por que não?
Os músicos deveriam falar com o publico no bar ou nos bastidores: Ser capaz de fazer uma introdução oral a uma peça, cumprimentar a platéia ou assinar um programa — isso deveria ser obrigatório para todos os artistas. Pior, muitas vezes o público é impedido de ir aos bastidores depois de um concerto. Todo mundo deve poder falar com os músicos para compartilhar com eles pensamentos e opiniões. Nós não vivemos em uma torre de marfim e devemos falar com as pessoas que amam a música tanto quanto nós fazemos. Seria uma forma interessante de precisamente aproximar a música do espectadores sem perturbar o essencial. Concordo.
As orquestras não deveriam atuar com fraques: Essa é velha. Claro que camisas coloridas seria um exagero, mas os fraques com cauda também são. Há opções muito elegantes de ternos. Uma forma de vestir menos formal ajudaria a reduzir a distância. Concordo.
Os concertos deveriam ser mais fáceis para as famílias: As pessoas com crianças pequenas também querem ir a concertos, mas eles têm que ser capazes de deixar a sala de forma rápida e silenciosa quando os pequenos cansam. As salas de concerto deveriam pensar nas famílias com crianças e dar-lhes assentos prioritários perto das saídas. Os bebês choram e ninguém se importa muito, mas os pais devem ter a possibilidade de irem e virem, porque alguns concertos são longos até para os adultos. Complicado de realizar, não? Discordo. Que chorem à vontade.
As salas de concerto deveriam utilizar tecnologia de ponta: Todos gostariam de ver o artista de perto. Então por que as salas de concertos não usam telas para mostrar detalhes de uma performance? Por que não usamos amplificação para as salas de concerto de acústica deficiente? Há um purismo desnecessário quanto a tecnologia em salas de concerto. Como artistas criativos, devemos estar na vanguarda do uso da tecnologia de forma criativa. Concordo com reservas.Nada de amplificação, por favor. Amplificação = bagaceirice.
Cada programa deveria conter pelo menos uma obra contemporânea: Temos que voltar a ligar o repertório clássico com nossas vidas contemporâneas, precisamos tocar a música do nosso tempo. Isso não quer dizer que não devemos tocar as obras-primas históricas, mas a música clássica tornou-se uma espécie de “fetichização do passado”, como Alex Ross escreveu em um ótimo artigo sobre a influência de Beethoven na música clássica. Programação das grandes obras do passado ao lado da música do nosso tempo vai lançar uma luz diferente sobre o passado, bem como sobre o presente musical. Nossa salas são museus sonoros. Concordo, a menos que o concerto seja de uma orquestra de época, com violas da gamba, bandurras, vielas de roda, etc. Instrumentos medievais não devem tocar música moderna, é óbvio.
O Grêmio não fazia 4 gols num jogo desde janeiro, quando venceu o Aimoré por 4 x 0. Neste Brasileiro, o time não tinha feito três gols em nenhuma partida. Ontem, fez quatro. Parabéns, Abel, a justíssima vitória do Grêmio passa por ti, por cima de ti. Foi um banho de bola.
Sim, é complicado jogar contra um time que se utiliza preferencialmente do contra-ataque e que tem uma boa defesa. E nós fizemos aparecer as melhores características do Grêmio perdendo bolas fáceis no meio-de-campo. Se ninguém se aproxima de Willians para receber a bola, ele vai perdê-la e nossa defesa será pega de surpresa. Os primeiros dois gols nasceram assim, de nosso mau toque de bola. Compactar o time, fazer com que apareçam jogadores para receber a bola. Tarefa tua, Abel.
Para completar, fracassos pessoais minaram ainda mais o time. Alan Ruschel fez com que os detratores de Fabrício quase morressem de saudades do lateral titular. Na lateral direita, tu não aprendes que o melhor que temos é Cláudio Winck, seguido de Diogo e não do fraco Wellington Silva, um dos destaques negativos de ontem. Nilmar ainda está fora de forma, é um peso morto e, quanto a Alan Patrick… Melhor nem falar, pois não o vi em campo.
Quando estava 2 x 1 para o Grêmio. Observei um escanteio contra nós. Observei bem e vi que Geromel estava livre no segundo pau. Livre, livre, livre. Mas a bola foi batida no primeiro. Abel, o que tu fazes — tinha escrito “fezes” — durante a semana?
O site de estatísticas Infobola dá o Inter com 43% de chances de chegar à Libertadores. O Grêmio tem 40%. Mas isso é a estatística aplicada à dificuldade dos jogos que ambos têm pela frente. Nosso problema é motivacional e moral. E não tenho nenhuma confiança no teu poder de reagir e de motivar, Abel. Quanto ao esquema tático e erros de escalação, já cansei de te escrever a respeito.
O fato de um escritor tão imenso quanto Louis-Ferdinand Céline (1894-1961) ter sido um antissemita dos mais abjetos sempre foi, no mínimo, perturbador. Em 2011, quando completou 50 anos de morte, Céline recebeu uma curiosa “des-homenagem” oficial. O Ministro da Cultura da França, Frédéric Mitterrand, retirou o nome de Céline das Célébrations Nationales. O motivo era o de sempre: “o antissemitismo virulento” do escritor e seus desprezíveis panfletos. O Ministro afirmou que apesar de seu talento, “não se deve esquecer o homem que fez a apologia do assassinato de judeus durante a ocupação. Não é digno que a República o celebre”. Um intenso debate seguiu-se e o Ministro afirmou que a retirada consistia numa moção de repúdio.
O professor emérito da Sorbonne, Henri Godard, ficou indignado: “É uma forma de censura. É perfeitamente possível distinguir os dois Céline: o grande escritor e o antissemita. O ato não constitui numa reparação às vítimas do antissemitismo, só as transforma em culpadas involuntárias de um ato de censura a um excepcional escritor”. Frédéric Vitoux, da Academia Francesa e biógrafo de Celine, afirmou que remover o nome de Céline de um catálogo é tão bobo quanto o fato de Stalin ter apagado das fotos oficiais os líderes comunistas de quem não gostava. “Isso não contornará o fato de que Céline foi um escritor genial, traduzido inclusive em hebraico. O que fazer, devemos queimar a tradução hebraica de Viagem ao Fundo da Noite?”.
Amado e odiado, Céline é uma glória das letras europeias. Em 1950, foi julgado e condenado pela República Francesa a um ano de prisão e a pagar 50 mil francos de multa. O governo confiscou cerca da metade de seus bens. O escritor ficou proibido de votar e ser votado, de portar armas e pleitear cargos públicos e não podia trabalhar em jornais, escolas e bancos. Quando a Segunda Guerra acabou, Céline pediu asilo a Franco, mas de Gaulle impediu pessoalmente que o ditador espanhol o recebesse, dizendo a Franco que tal asilo atrapalharia as relações diplomáticas e comerciais entre os dois países.
Nesta semana, ao completar 120 anos de nascimento, as homenagens a Céline partiram mais dos países de língua inglesa do que da França. Mas por que Céline é importante? Porque, na primeira metade do século passado, numa época em que os escritores e compositores experimentalistas tornavam suas obras mais e mais impenetráveis, Céline renovava a literatura utilizando-se da língua falada. É claro que a expressividade de Céline era muito estilizada, tratava-se de uma linguagem fabricada, mas o gosto pelas expressões orais e populares faziam parte de seu projeto, mesmo que seus temas fossem tão pouco seculares quanto a morte e a guerra. Suas posições políticas e opiniões não se fazem presentes em seus romances, apenas nos panfletos.
Seu primeiro romance foi o citado Viagem ao Fundo da Noite. A “viagem” é a aventura que se vive até a morte certa. Seu segundo romance, chama-se Morte à Crédito.
Quando se abre um livro de Céline, em qualquer página, toma-se um susto. O escritor simplesmente adorava as reticências. Suas páginas estão cheias delas, ao lado de uma linguagem fácil e fluida, raivosa e debochada. “As reticências arejam a frase”, dizia. A impressão que se tem é a de que o escritor raramente finaliza suas frases… Ele mesmo brincava que era pontilhista como os pintores Seurat e Signac. Já os estudiosos de sua obra garantem que a linguagem simples era resultado de uma elaboração rigorosa. Ou seja, ela parece simples, porque calcada na linguagem oral, mas é finamente elaborada. A tradutora Rosa Freire d’Aguiar anota: “Desde seu romance de estreia, Viagem ao Fim da Noite, de 1932, Céline forjou uma língua própria, incorporando gírias, corruptelas e palavrões, criando onomatopeias, elipses, rimas e neologismos”.
Seu estilo é raivoso e requer estômago forte. Por exemplo, a descrição que ele faz de uma viagem de barco em Morte à Crédito (1936) é algo inacreditável. O barco começa a jogar de um lado para outro e Céline não recua ao descrever a verdadeira epidemia de vômito que acomete os participantes. Não é um escritor que evite descrições por pudor.
Nascido em 1894 em Courbevoie, periferia de Paris, em uma família de classe média baixa, Céline recebeu uma instrução escolar convencional antes de se incorporar ao exército francês em 1912, durante a primeira Guerra Mundial. Por ter levado a cabo uma missão de reconhecimento arriscada no setor de Ypres (Flandres Ocidental), foi condecorado como Herói de Guerra. No conflito, sofreu ferimentos na cabeça que lhe deixaram um zumbido recorrente no ouvido. Foi declarado inválido de guerra.
Depois, em 1916, esteve em Camarões trabalhando numa empresa francesa de madeiras. Retornou à França no ano seguinte. Trabalhou também numa fábrica de automóveis, enquanto começava o curso de Medicina. Em 1919 casou-se com Edith Follet, filha do diretor da Escola de Medicina de Rennes. Em 1920 nasce a sua filha Colette e dois anos depois Céline recebe a licenciatura em Medicina, tendo por tese um trabalho sobre o médico Ignaz Philipp Semmelweis.
Esta tese é pura literatura e está publicada no Brasil, em livro da Companhia das Letras. É um relato espantoso e envolvente sobre a perseguição sofrida por Semmelweis pelo simples fato de ele ter sido o médico que tentava introduzir o ato de lavar as mãos e a esterilização de instrumentos e utensílios antes de quaisquer operações cirúrgicas. As estatísticas mostravam que seus pacientes morriam menos, mas a novidade era tão incompreensível para a época que o húngaro Semmeweis (1818–1865) só podia estar brincando ao fazer pouco da habilidade de quem fazia os procedimentos sem lavar as mãos.
O húngaro constatou que, quando se obrigava os médicos obstetras a lavarem as mãos antes de se aproximarem das parturientes, a proporção de infecções caía de 30% para menos de 1%. Vítima da hostilidade e da zombaria dos círculos médicos, Semmelweis foi expulso do hospital, teve de deixar Viena e acabou não somente alijado do mundo científico como internado num hospício… Tornou-se o primeiro grande personagem de Céline. A repercussão da tese de Céline, que não continha nenhuma novidade, ultrapassou muito o campo da medicina.
A morte, portanto, está presente na obra de Céline desde sua tese. Na verdade a morte já estava em sua vida desde a Primeira Guerra Mundial. Céline disse que tinha matado uma dezena de pessoas no conflito e que aquilo o afetava. Talvez tenha sido para aliviar a própria dor que Céline começou a escrever, o que acabou dando origem ao seu primeiro e melhor romance: Viagem ao Fundo da Noite.
Viagem narra a história de Ferdinand Bardamu, que luta na Primeira Guerra Mundial, envolve-se em uma empreitada de colonização na África, trabalha na linha de montagem da Ford nos Estados Unidos e termina em um subúrbio pobre de Paris, trabalhando em um manicômio. O romance é um grande retrato da loucura, mas da loucura não de um homem só, mas de toda a sociedade. Os caminhos de Bardamu reproduzem a própria história da França no começo do século passado, ingressando numa guerra genocida onde ninguém poderia ganhar, num projeto colonial e numa industrialização desumana ao estilo norte-americano da época… Não é casual que pareça que estamos recontando a biografia de Céline. Assim como seu alter ego, o escritor não guardava boas lembranças de nenhuma de suas experiências.
O romance é dividido em duas partes. A primeira refere-se à descoberta de um mundo onde a paz e o amor entre os povos parecem impossíveis — por todo lado há homens explorando-se uns aos outros. A segunda parece um prolongamento íntimo do primeira, notavelmente bem escrito. Serve para confirmar que o amor é impossível. Aqui, Céline examina a vontade de dominação e dependência nas relações amorosas. O romance desloca-se do social para o particular a fim de demonstrar que, de forma geral, “o amor é o infinito ponto fora de alcance”.
Morte a Crédito é tão autobiográfico quanto Viagem, só que voltado à infância do escritor. Como Céline, o protagonista também é um médico que descreve suas experiências no subúrbio da capital francesa, atendendo pessoas pobres. Com acidez, o narrador demonstra sua descrença a respeito de tudo. (Talvez seja importante citar que Céline, como médico, era amado por seus pacientes, sendo considerado um modelo de bondade e dedicação). Porém, a descrição de seus pacientes e parentes — dos quais recebia quantias miseráveis — é tão ressentida e permeada pelo ódio que se torna hilária. Todavia, num certo ponto da narrativa há uma ruptura e recuamos no tempo, dirigindo-se para a infância do escritor. O leitor, então, é levado à casa de Céline e de sua família. A vida era complicada. O pai trabalhava numa empresa de seguros e é um homem sem perspectivas e energia. A mãe mantinha a lojinha da família, enquanto a avó vive da renda de alugueis que quase não recebe e os tios não possuem um emprego fixo. Ou seja, todos sofrem com a falta de dinheiro. A narrativa é primorosa na descrição dos sentimentos humanos envolvidos.
Mas, ao lado destes romances e de Norte, há os panfletos. O primeiro é Mea Culpa, onde manifesta seu desencanto com o comunismo. Depois vieram os políticos… A pedido do autor, Bagatelas para um massacre, A Escola dos cadáveres e Bonitos os Panos nunca foram reeditados. Dos panfletos antissemitas, apenas o célebre Vão Navios Cheios de Fantasmas pode ser lido.
O ensaísta Dau Bastos frisa que Céline “fez da escrita uma briga só” e nota que “ele mostrou-se tão obcecado pela catástrofe que a ela submeteu seu próprio texto”. Já Simone de Beauvoir confessa que chegou a saber de cor algumas das páginas de Viagem ao Fundo da Noite. O universo de Céline, que nos fala de desastres e das ruínas humanas, foi desfeito após a Segunda Guerra. E ele terminou sua vida exercendo a profissão de médico e não a de escritor em Meudon, no ano de 1961, sentindo a medicina como sua verdadeira vocação e a escrita como um acidente.
Pedi para o repórter fotográfico do Sul21, Ramiro Furquim, que, quando tivesse tempo, desse uma passadinha pelas obras da nova Sala Sinfônica da Ospa. Ele foi visitá-la ontem. Os moradores que aparecem nas fotos estão do lado de fora do espaço. Dentro, uma obra paralisada, árvores e grama. Ninguém estava trabalhando. O zelador disse que a obra estava embargada.
Isto não é uma reportagem. É um post de um blog que documenta a situação atual.
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Acabo de receber o seguinte comentário, vindo do leitor Paulo Augusto (@pacdesouza):
O GOVERNO INFORMA
Atualizado em 09 SET, 2014
Foram encontradas divergências entre o que foi executado e o que estava previsto no projeto estrutural da obra. Em virtude dessa situação, a concretagem dos elementos estruturais não foi autorizada. A Simon Engenharia, empresa responsável pelo projeto estrutural, elaborou uma proposta técnica, com o objetivo de apresentar as soluções para as discrepâncias encontradas no levantamento topográfico. A previsão de conclusão dos serviços de reforço estrutural é até o dia 19/09.
Milton Ribeiro ergue-se e diz, em tom bíblico:
(Milton, Capítulo 11, Versículos de 6 a 9).
Em verdade lhes digo que os ignorantes sempre querem ensinar, enquanto os sábios querem aprender. Os ignorantes falam, os sábios perguntam. Com as respostas, surgem novas perguntas e isso não acaba nunca.
Em verdade lhes digo que a ignorância gera certezas; a sabedoria, dúvidas.
Meu colega Salomão, o do poema Eclesiastes, dizia que “no acúmulo de sabedoria, acumula-se tristeza”. Eu discordo, acho que a sabedoria gera ceticismo, mas também não li o Eclesiastes inteiro para saber de seu exato contexto.
E sento-me para trabalhar, irmãos. Porque, se não o fizer, estarei fodido e mal pago.
Além de eu gostar muito da obra, tenho uma ligação pessoal com a Sinfonia Concertante para Violino e Viola, K. 364, de Wolfgang Amadeus Mozart.
A primeira e mais simplória das ligações é a ex-tra-or-di-ná-ria obra-prima de Peter Greenaway Afogando em Números (Drowning by Numbers, 1988). A cada um dos afogamentos é tocado o segundo movimento (Andante). O filme é esplêndido. Sério: vi-o mais de cinco vezes. Até hoje tenho vontade de decorar as falas dos personagens.
A segunda é o fato de eu ter escrito uma novela tendo por tema a Sinfonia Concertante. O Violista — lá de 2006, 2007 — conta os dramas de um instrumentista antes de um importante concerto. Sei lá, é divertido.
Mas a mais profunda ligação deu-se depois, em 2012. No dia 19 de agosto, sempre um dia glorioso, ganhei de presente de aniversário uma interpretação do Andante em minha casa, executada por Elena Romanov (violino), Vladimir Romanov (viola) e Alexandre Constantino (piano). Fiquei comovidíssimo com o presente — ideia de Elena após ler a citada novelinha –, mas, no dia seguinte, tomei um susto ao lembrar que a peça refletia o impacto que teve, em Mozart, a morte de sua mãe. Explico duas coisas: (1) na época, minha mãe estava muito mal — faleceu em 31 de outubro daquele ano — e (2) absolutamente nada fazia prever que Elena se tornaria minha namorada. Eu era amigo de uma mulher linda e inteligente e gentil e de humor peculiar. Com intenções nulas, nada indicava um futuro com ela.
Então, voltando, digo-lhes, meus sete fiéis leitores, que a Sinfonia Concertante é uma peça que conheço profundamente. Para muitos, esta peça é o maior dos concertos para violino de Mozart, superando os cinco oficiais. E digo-lhes que não ouvi ainda gravação melhor do que a da dupla sueca Bernt Lysell e Nils-Erik Sparf, feita para a Bis. Se Mozart é o compositor da leveza e da ousadia, Lysell e Sparf acertaram em cheio no tom utilizado. Não é uma gravação pretensiosa e sem erros, é apenas muito musical.
O programa de ontem da Ospa tinha a Sinfonia concertante para violino e viola, de Mozart e a Sinfonia Nº 3, de Robert Schumann. Os dois solistas — Emerson Kretschmer (violino) e novamente Vladimir Romanov (viola) –, da Concertante não costumam postar-se diante do público, normalmente há um maestro entre eles e o povão. Um é spalla dos violinos e outro das violas na Ospa.
E, bem, sabem? Como direi?
É o seguinte: sinto-me impedido de elogiar ou detonar o Mozart de ontem. O violista é o ex-marido de minha namorada e qualquer posicionamento poderia ser interpretado MUITO criativamente. Tenho opinião, sim, mas preferiria enviar um sincero Cartão de Agradecimentos e a caixa de chocolate que ornamenta este post a ele. Afinal, ele foi um dos que provocou a virada mais feliz de minha vida. Como iria reclamar dele ou fazer-lhe um elogio que poderia soar protocolar como uma conversa entre dois embaixadores de nações inimigas? Não quero confusão. E mais não digo.
O primeiro movimento (Allegro maestoso) é lindíssimo e não chega a ser surpresa que George Balanchine tenha coreografado um famoso balé para esta música em que o papel dos solistas é mais de uma conversa entre si e não com a orquestra em geral. É interessante notar que a voz de Mozart seria a da viola. O compositor adorava tocar viola em quartetos de cordas, gostando de estar “no meio”, se me entendem.
A grande “ária” do Andante realça a diferença da sonoridade entre o som de violino e o da viola. É da beleza deslumbrante da peça: é como se o violino fizesse um lamento, sendo consolado pela viola. A alegria do 3º movimento faz-lhe intenso contraste. É um belo concerto e foi bem melhor do que a soporífera execução da Sinfonia Nº 3 de Robert Schumann.
Um músico da orquestra me disse que faltou a linha curva, a surpresa, a abertura de uma garrafa de champanhe. Também disse que a obra do marido de Clara Wieck parecia um carro 1.0 subindo lotado a Lucas de Oliveira. Concordo! Foi opaco, para dormir.
O programa:
Wolfgang Amadeus Mozart: Sinfonia concertante para violino e viola K. 364
Robert Schumann: Sinfonia n° 3
Regente: Tiago Flores
Solistas: Emerson Kretschmer (violino) e Vladimir Romanov (viola)
Na semana passada, atrapalhado pelas eleições, deixei passar em branco nossa vitória contra o Bahia por 2 x 0 no Beira-Rio. Gostaria de dizer que Alan Patrick, a quem detesto como jogador de futebol, jogou muito bem. Todo o time esteve bem no primeiro tempo, depois foi aquilo de novo, mas o Bahia era fraco e ganhamos.
Já ontem, Abel, a sorte nos sorriu desavergonhadamente. Teu time até que jogou bem após o primeiro gol de Aránguiz — por sinal, belíssimo, com um passe embasbacante de D`Alessandro e conclusão perfeita do chileno –, mas depois caiu lamentavelmente. Para manter a tradição, tu enfiaste os pés pelas mãos: como o time sempre piora no segundo tempo, após tua preleção, tiraste o Dale (?) para colocar Wellington Paulista (?) como armador pelo lado direito, mesmo tendo Valdívia no banco. Tu és um brincalhão, né? Teu humor canhestro voltou a se manifestar quando retiraste Alan Patrick para colocar mais um volante, Bertotto, chamando o Santos para o nosso campo. O Peixe empatou e cansou de perder gols antes e depois do segundo gol de Aránguiz. Viste a cobrança dele? Craque, enfiou bem onde a barreira abriu.
O jogo de ontem poderia ter tido qualquer resultado. Nossa vitória foi pura loteria. É inacreditável que estejamos em terceiro lugar no Brasileiro. O nível técnico de nosso maior campeonato é 7 x 1 para a Alemanha.
É essa minha esperança para o Gre-Nal: a qualidade de nossos jogadores. Espero que Dale, Aránguiz, Alex e Nilmar façam a diferença. Pois nossa defesa perdeu todas as bolas altas e é claro que Felipão tratará de passar a tarde do próximo domingo erguendo bolas sobre a nossa área. Mas confio nos jogadores, Abel.
Sabes? Acho tu estás ficando meio doido. Aquelas declarações sobre ganhar do Santos após 100 anos não apontam exatamente na direção da sanidade mental. Se somarmos isso as substituições malucas…