Sou um cara insistente. Quando pego um livro ruim, tento ir até o fim. Sempre fiz isso. Gostaria de contrair imediatamente a Síndrome de Gambardella, personagem principal do filme A Grande Beleza. Ele dizia: “Tenho 65 anos, não posso mais perder tempo fazendo coisas que eu não quero fazer”. Pois ler sem vontade, ler achando ruim, é penoso. A gente lê e o pensamento sai por aí. A gente lê e lembra do Facebook. A gente lê e pensa na agenda, nos pagamentos. Quando avançamos duas ou três páginas, damo-nos conta de que nada se fixou na nossa mente e temos que voltar. É frustrante e burro. Chego a pensar se os 57 anos não estão queimando todos os neurônios, ou ano ao menos os destinados à leitura.
Eu estava às voltas com um traste desses até domingo. Então, ontem, olhei para minha hoje diminuta biblioteca e decidi pegar um dos confirmados. Escolhi um romance de Graham Greene, daqueles antigos. Tratava-se de uma tradução do célebre Brighton Rock — O Condenado, no Brasil. E simplesmente grudei no livro. A narrativa é elegante e inteligente. Pinkie, líder de uma gangue adolescente, quer tronar-se um mafioso na cidade inglesa de Brighton. Ele decide casar com a ingênua garçonete Rose a fim de comprar o silêncio dela sobre um assassinato que cometera. Mas há mais pessoas que sabem do fato.
Greene dividia seus livros entre os “sérios” e os “de entretenimento”. Jamais imaginaria, mas ele classificou Brighton Rock no segundo grupo. Toda aquela discussão sobre apenas acreditar no Diabo e no Inferno, caso de Pinkie, enquanto Rose também crê em Deus e no Paraíso e Ida, a perseguidora, na justiça terrena e no prazer… Tudo isso é entretenimento? Só para Greene e só em 1938. Hoje, Brighton Rock seria coisa muito séria.
Ontem, tive dificuldades em acompanhar aquele nosso jogo, Aguirre. É que no canal ao lado havia a Copa Davis. Jogavam Brasil x Argentina em Buenos Aires. João Souza, o Feijão, enfrentava Leonardo Mayer. Foi uma guerra: 6h42 de um jogo épico, o mais longo jogo de simples da história da Copa Davis. E João Souza, o Feijão, acabou derrotado pelo argentino Leonardo Mayer: 7/6(4), 7/6(5), 5/7, 5/7 e 15/13. (Agora, a disputa está em 2 x 2, mas Bellucci deve perder hoje). Enquanto isso, nosso time se arrastava em campo, jogando mal e com uma escalação incompreensível.
Ernando jogava como lateral direito — Cláudio Winck assistia-o do banco. Alan Ruschel entrou como volante — Bertotto assistia-o do banco. Em meio a tantas improvisações, Aguirre, o bom Alisson Farias estreava, assim como Lisandro López. Sou contra tua demissão, acho que é impossível montar um time em dois meses, mas esses teus testes não parecem ter uma direção. Na boa, é muita loucura saindo da tua cabeça. Melhor assistir ao tênis. Depois, quis ouvir os comentários. O pessoal falava na ruindade de nossa defesa. Achei que o gol do Juventude tinha sido tão escandaloso do ponto de vista de posicionamento quanto os do Emelec. Não, tinha sido uma falha puramente individual e ridícula de nosso goleiro Muriel. Olhei os lances do jogo. Vi Paulão falhando num gol mal anulado. Nenhuma novidade.
Aguirre, trabalhe mais e com mais bom senso. Professor Pardal só existiu um e nem sempre dava certo.
O Partido Progressista do Rio Grande do Sul – PP/RS, emitiu a seguinte nota no dia 23 de fevereiro:
Acompanhamos com muito entusiasmo e esperança a Operação Lava-Jato e esperamos que ela alcance políticos, servidores e empresários corruptos e tolerantes com a corrupção. Que ela sirva de exemplo de que o crime não compensa e de que a impunidade comece a ficar no passado.
Que coincidência! Eu também acompanho com entusiasmo e esperança!
Ontem foi liberada a lista dos políticos contra os quais a Procuradoria-Geral da República recomendou abertura de inquérito por possível envolvimento no esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. O deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), aquele mesmo que disse que “quilombolas, índios, gays e lésbicas são tudo o que não presta”, está na lista de suspeitos.
Aliás, o PP-RS emplacou 6 deputados gaúchos — a bancada federal inteira! — na lista e 32 de um total nacional de 47. O RS é o líder por estado. Nossos representantes são José Otávio Germano, Luiz Carlos Heinze, Jerônimo Goergen, José Afonso Hamm, Renato Mölling e Vilson Covatti, este ex-deputado..
O partido dos saudosos da ditadura militar costuma ser muito votado pelos gaúchos. O gaúcho, o povo mais politizado do país, volta a demonstrar como está antenado com as tendências e permanece elegendo e reelegendo “progressistas”.
~ Intermezzo ~
O dicionário on line da língua portuguesa ensina:
Progressista
s.m. e s.f. Pessoa que defende o progresso social e político.
Política. Indivíduo não conservador, do campo da esquerda.
(risos)
~ Fim do intermezzo ~
Os nomes da lista ainda não são nem réus nem culpados, estarão apenas sendo investigados. Vou assistir de camarote as atuações deles e de alguns outros “progressistas” como, por exemplo, Ana Amélia Lemos. Fui fazer uma consultinha inicial ao Facebook. A senadora dos gaúchos se disse chocada. O agitado Marcel Van Hattem declarou-se surpreso e Mônica Leal mudou sua foto de perfil.
O escritor paulistano Ricardo Lísias (1975) vem construindo uma sólida carreira literária. Estreou em 1999 com um romance, Cobertor de Estrelas; figurou na lista da Granta como um dos mais promissores escritores brasileiros; foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2010. O justo reconhecimento literário é contrabalançado pela dualidade amor e ódio, gerada pelas posições assumidas pelo autor.
Apesar da fala mansa, Ricardo gosta de comprar uma boa briga. Ganhou a cena em 2013 com a publicação de Divórcio, sem dúvida um dos livros brasileiros mais debatidos dos últimos tempos. Aqueles que achavam que encontrariam um relato que alimentaria taras voyeurísticas perderam a viagem. O livro faz duras críticas aos mecanismos da grande imprensa, com a sua indústria de fofocas, o uso indiscriminado do off, as tentativas de intimidar os descontentes e a criação de celebridades vazias.
No papo que segue, gravado em Porto Alegre quando de sua passagem pela PUCRS para ministrar um curso sobre escrita criativa, Ricardo fala de literatura, de política e da imprensa cultural. Sem papas na língua.
Sul21: O romance Divórcio foi um raro sucesso comercial brasileiro, não?
Lísias: Minha editora tem uma contagem online e há mais de 1000 textos de mais de um parágrafo falando sobre Divórcio. Mesmo a grande imprensa, que fez algumas besteiras, deu espaço ao livro. Eu sabia que teria repercussão, mas não imaginei que seria tanta. Há duas semanas, o livro foi citado num programa de TV, o Saia Justa. Os caras têm uma audiência espantosa. A atriz Maria Ribeiro, participante do programa, recomendou o livro. Três minutos depois de ela ter falado, eu já estava recebendo mensagens no celular. No sábado daquela semana, já não havia nenhum exemplar em São Paulo. Fui às livrarias e perguntei sobre Divórcio. A resposta era de que tinham falado dele na TV e que tinham vendido tudo. O alcance desses caras é espantoso.
Sul21: Isso nos faz pensar que se nossa TV tivesse bons programas sobre literatura, como há na Europa, a divulgação da literatura no Brasil seria muito diferente?
Lísias: Ah, certamente ajudaria nas vendas. Maria Ribeiro completou a obra escrevendo o mesmo no Twitter. Disse que não conseguiu largar o livro antes de terminar. E acabou. Simples assim. Essa frase fez esgotar o livro. O resultado é que vão fazer mais uma edição.
Sul21: Indo na direção de tua formação, Beatriz Resende afirmou em uma mesa redonda com o Alcir Pécora que pode sair um escritor de qualquer curso universitário, menos de uma Faculdade de Letras.
Lísias: Fiz graduação em Letras na Unicamp porque gostava de ler. Usei a Faculdade para ler os clássicos. Quando fui fazer mestrado, ainda achava que ia seguir a carreira acadêmica. Continuei estudando, mas no doutorado entrei numa espécie de crise de representatividade. Eu achei que não deveria ser professor de literatura, porque as minhas opções como ficcionista não batiam com qualquer currículo de Letras. Falando no que disse a Beatriz, acho que a origem do autor não interessa, temos que atentar para seu texto. Talvez a fala dela deva ser interpretada mais como uma crítica mais aos cursos de letras do que a seus alunos. Acho que no passado a coisa era mesmo muito ruim. Hoje em dia as Faculdades de Letras tratam a literatura contemporânea com maior leveza e interesse. Para mim, a Faculdade foi bastante importante.
Sul21: Tu te vês mais como escritor ou como professor?
Lísias: Eu dou aula numa Faculdade pequena. Dou aula de Língua Portuguesa, de gramática. Normalmente, só falo em literatura como convidado, na condição de ficcionista. Quem me ouve falar para efeitos de currículo, não me ouve falar em literatura. Quem me ouve falar sobre literatura está lá porque quer. Neste caso, estou inteiramente livre para falar sobre minhas opções literárias, sobre meu projeto literário. O professor e o escritor são dois fatos paralelos.
Sul21: E que autores são de tua preferência?
Lísias: São os do alto modernismo, tanto o europeu quanto o brasileiro. Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Joyce, Kafka, Proust, os bons.
Sul21: Eu acompanho tuas postagens no Facebook…
Lísias: Cuidado, muitas vezes eu estou bêbado.
Sul21: Ah, nós também. Ficamos no mesmo patamar. (risos) O que chama a atenção é que quando tu elogias obras, estas são sempre do modernismo. Tu citaste Os Últimos Dias da Humanidade do Kraus, Ulysses de Joyce. São raras as menções à literatura contemporânea, outro dia citaste o Vladímir Sorókin, um cara contemporâneo que flerta com a vanguarda. Quais os contemporâneos que estás lendo?
Lísias: Eu curto muito a literatura marginal. Em São Paulo este movimento é muito forte. Alguns autores são excelentes, discutindo questões prementes e atraentes. Também gosto da Elvira Vigna. Na literatura marginal há muita gente boa que não está ligada às grandes editoras. Eles fazem algo muito cru. O líder é o Ferrez, um bom escritor. Eles falam na violência urbana sem a mediação da classe média. Gosto de outros autores como o Cristóvão Tezza, por exemplo.
Sul21: Na semana passada, foi publicado que tu és um futuro candidato à Academia Brasileira de Letras, junto com outros autores ditos novos. O que achas? Que cadeira tu gostarias de ocupar lá?
Lísias: (risos) Não quero saber dum negócio desses, pô. Ninguém me perguntou nada. Eu chego no hotel ontem, aqui em Porto Alegre e vejo que sou candidato junto, por exemplo, com uma autora de que gosto, que é a Vanessa Bárbara. Tu achas que eu me preocupei? Não quero saber disso, eu quero viver. Não vou lá tomar chá, não, ainda mais na companhia do Sarney. Além disso, candidato no Brasil morre…
Sul21: Em vários momentos da tua obra trabalhas com o narrador em primeira pessoa. Como trabalhas com os riscos de confundir o autor Ricardo Lísias com o personagem, às vezes também chamado Ricardo Lísias?
Lísias: O Ricardo Lísias é um personagem ficcional como qualquer outro. A primeira pessoa do singular ou o personagem Lísias não desficcionalizam o romance. O meu romance Divórcio foi tomado inicialmente pela boataria. Isso foi gerado por alguns contos anteriores que escrevi sobre o tema do divórcio. Pessoalmente, eu também vinha de um processo de divórcio traumático. Em São Paulo, houve a expectativa de que eu escreveria um livro sobre o meu divórcio, a fim de lavar roupa suja. A imprensa pensava isso. Mas o que veio foi um livro de ficção, não o que as pessoas esperavam. O grupo mais intelectualizado, a maioria, logo percebeu, mas outro grupo não aceitou que o livro não alimentasse a boataria. Então, incorreram em erros ginasiais de leitura. Um deles foi especialmente ridículo. Eu sou corredor, já corri inclusive a São Silvestre. E há um personagem que está se divorciando e que, para sobreviver, adota a corrida de rua. Muita gente achou que eu, por ser corredor, estava colocando minha experiência no personagem. Não era bem isso. O treinamento de três meses que o personagem fez para correr a São Silvestre – e que está explicitado no texto — era um completo absurdo, uma coisa que devia revelar a completa ignorância dele sobre o assunto. Era um desvario completo. Mas muitos desses leitores pensaram que aquilo era uma espécie de método para correr a São Silvestre. Um professor de Educação Física daria risada daquilo. Duas revistas de corrida, surpreendentemente, resenharam o livro. Elas não caíram no conto do treinamento. Os de literatura, sim. O treinamento dele é o de um cara transtornado. Este é um dos exemplos de erros causados pela falta de informação. Desficcionalizar pode gerar monstros. E o pior é que não adianta eu negar. Um grupo da imprensa segue afirmando que é autobiográfico. Eles querem que seja. Nada do que eu faça ou diga ou negue adianta.
Sul21: Aconteceu também com O Céu dos Suicidas, não?
Lísias: Tanto Divórcio quanto O Céu dos Suicidas têm pontos de partida em experiências pessoais e traumáticas. O problema é que isso não significa que o livro é de não-ficção. O Céu dos Suicidas parte do caso de um amigo muito próximo que cometeu suicídio. Porém, no meio do livro, o personagem Ricardo Lísias é sequestrado pelo Hamas. É claro que só pode ser invenção! Divórcio também é ficcional. Acho que esta desficcionalização tem o objetivo de despolitizar o livro, de aliviar as críticas que há no livro sobre o trabalho da imprensa. É um erro tornar tudo pessoal. Minha crítica não é generalizada, é a alguns setores da imprensa, é uma crítica específica. Por exemplo, ontem, li sobre o rapaz que ganhou esta medalha de matemática (Artur Ávila, ganhador da Medalha Fields). Fui tentar saber o que ele fazia, qual era seu trabalho na área. Pois entrevistaram o orientador de sua tese, mas nada do que ele fazia foi explicado. Era só pedir para um professor de matemática escrever 30 linhas explicativas… mas não foi feito isso.
Sul21: Já que exploras bastante o problema do “off”, o que dizer do caso Genoíno?
Lísias: Sim. Li ontem que “pessoas muito próximas ligadas a José Genoíno” afirmaram isso e aquilo. Bem, ele estava preso. Então, tais pessoas são ou o José Dirceu, ou outro companheiro de cela, a mulher, a filha ou os carcereiros. Bem, quem foi? Essa informação é importante. Se o Dirceu traiu o Genoíno para ajudar um grande jornal é fundamental informar. Ou será apenas uma construção do jornalista? Isso é um descalabro que acontece diariamente nos grandes jornais. São “fontes”, “pessoas”, etc. E, juridicamente, o jornalista não precisa dizer a origem, pode ocultar a fonte. Ou seja, o cara pode destruir a vida de uma pessoa sem dizer a fonte. E fonte anônima tem todo dia no jornal. Divórcio fala nisso.
Sul21: Tu tens algumas diferenças com a imprensa…
Sul21: A leitura que alguns grupos da imprensa fizeram do meu livro Divórcio confirmam a crítica que o livro faz a eles. O que eu não esperava era que as pessoas fossem cair como patos nas minhas esparrelas. Ingenuidade minha? Talvez… No romance O Céu dos Suicidas, Ricardo Lísias foi campeão Pan-americano de xadrez aos 13 anos. Eu nunca fui campeão de nada, sou um jogador canhestro. A leitura é tão primária que basta você digitar no Google o nome do adversário de Ricardo para notar que tudo aquilo é ficção, mas teve gente que disse que bastava me conhecer para ter certeza que eu fora um ex-campeão de xadrez. Meu adversário é um enxadrista que existe e é muito velho, muito mais do que eu. Depois, com o tempo, o livro cercou-se de um aparato crítico que afastou o besteirol.
Sul21: Tens algum caso pessoal de declarações tuas que foram alteradas?
Lísias: Sim, dei uma entrevista e apareceu uma palavra que eu não tinha dito. Era algo significativo. A entrevista fora por e-mail e apareceu uma palavra que eu não dissera. Falei com o entrevistador. Ele me respondeu que eu deveria entender, que o trabalho no jornal era precário, com horário de entrega, que às vezes dava confusão, etc. Eu insisti na reclamação, disse que muitos profissionais trabalhavam sob pressão e que eu não poderia aceitar como justificativa a precariedade do trabalho do jornalista. A resposta foi de que eu estava atacando a imprensa brasileira, que eu queria calar o trabalho do jornalista… Aí eu respondi que estava bem, OK. Subsiste, em São Paulo, a fama de que eu sou meio mau caráter, já escreveram que eu teria copiado um diário de outra pessoa, etc. Porém, em ficção, jamais retratei uma pessoa viva e nem fui processado. O que escrevo é contra um determinado grupo político que é elite paulistana. Não são pessoas isoladas. Escrevo às vezes contra aquela gente que vive em Paris estando em São Paulo.
Sul21: Tu estavas numa Feira Literária na Argentina e disseste que lá tudo era diferente.
Lísias: Sim, lá a relação com a literatura é totalmente diferente. Por exemplo, se um autor chorar num evento no Brasil, a plateia chora junto e pode virar fenômeno. Se você fizer o mesmo na Argentina, a plateia vai se retirar dizendo que o cara é um chorão. Lá, o pessoal quer discutir e argumentar. Aliás, meus livros são muito bem recebidos na Argentina. Mas é bom dizer que não tenho ressentimento nenhum da forma como são recebidos em lugar nenhum.
Sul21: Tu tens predileção por personagens obsessivos, não?
Lísias: Sim, acho que esta é uma questão contemporânea. Na verdade, eu trabalho com traumas. Me interessa muito como o trauma é desconsiderado pela sociedade. Por exemplo, eu conversei com um segurança do metrô de São Paulo, e perguntei sobre o que eles fariam se um cara sentasse num banco do metrô e chorasse a tarde inteira. A resposta foi a seguinte: se ele não incomodar ninguém e não quebrar nada, se não atacar o patrimônio, a gente não faz nada. Ou seja, ninguém vai lá perguntar se ele precisa de alguma coisa. O desarranjo psíquico está naturalizado.
Sul21: Tu tens um discurso político forte. Discutiste as manifestações de junho, a Copa, etc. Já tiveste leitores que admiravam tua literatura e que manifestaram decepção a respeito de tuas posições mais à esquerda. Ou seja, as pessoas não desejam saber das posições políticas.
Lísias: Isso é uma coisa engraçada. As pessoas me acusam de não representá-las em seus anseios políticos. Ora, eu não sei quem eles são! Por que estão decepcionados? Isso é causado por dois motivos: as pessoas leem os livros e sentem-se próximas a mim, então se aproximam… E discordam. Também há aqueles que me escrevem coisas que só diriam para seu psicanalista. Acham que estão me repassando material para romances. Há dificuldade de aceitação, no Brasil, do aspecto ideológico da arte. A arte, aqui, ainda é recebida pelo ponto de vista do afeto, da emoção. Não é o que ocorre na Argentina, por exemplo, que tem uma relação mais madura com o fenômeno. Lá, a politização é imediata.
Sul21: No passado, Graciliano e Jorge Amado foram do PCB, Erico, que foi um moderado, enfrentava a ditadura militar, os intelectuais tomavam posições e isto era normal. Hoje, o leitor pede que o autor seja inodoro, há uma certa, por assim dizer, esterilização do autor.
Lísias: Isso é de hoje! É um fenômeno atual. As artes, no Brasil, estão crescendo muito e se profissionalizando. Então, os autores passaram a viver de eventos, de suas participações em eventos. Não há mal nenhum nisso. Porém, quando você se posiciona, acaba por decepcionar 50% e fecha mercado para si mesmo. Se você for convidado por uma Secretaria de Cultura do PSDB e se declara eleitor do PSOL, você deixará de ser convidado. Então, grandes autores brasileiros são hoje chapa branca. O mesmo vale para concursos literários. Há alguns sérios, outros não. Então é melhor ficar em silêncio. A cultura da boquinha não é geral, mas existe. Há uma preocupação em manter boas relações. Na época do Graciliano não havia eventos.
Sul21: Tu e a Vanessa Bárbara foram muito participativos durante as manifestações de junho.
Lísias: Sim, e acho que ela foi mais aguerrida do que eu. Fomos para a rua e escrevemos a respeito.
Sul21: O João Ubaldo dizia que não tinha muitos amigos escritores e que não gostava de falar em literatura. Perguntaram para ele “quando tu encontras um escritor, vocês falam sobre o quê?”. E ele respondeu, “de dinheiro!”. Tu curtes o papo literário?
Lísias: Não, tenho poucos amigos escritores, mas não tenho problemas de falar sobre literatura para um público atento. Gosto da troca de ideias em um evento especializado, apesar de meu círculo mais próximo ser extraliterário. Vou, em média, a um evento por mês. Não tenho preconceito, mas seleciono.
Sul21: E agora?
Lísias: O próximo livro é uma coletânea de contos e depois virá um romance sobre o mundo das artes plásticas. Elas estão envolvidas com uma quantidade de dinheiro que até Deus duvida.
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Publicações de Ricardo Lísias:
· 1999 – Cobertor de estrelas (Rocco)
· 2001 – Capuz (Hedra)
· 2004 – Dos nervos (Hedra)
· 2005 – Duas praças (Globo)
· 2007 – Anna O. e outras novelas (Globo)
· 2009 – O livro dos mandarins (Alfaguara)
· 2012 – O céu dos suicidas (Alfaguara)
· 2013 – Divórcio (Alfaguara)
Aguirre, meu caro. O Inter jogou muito mal e isso deixou sensacional a partida de ontem contra o Emelec de Guaiaquil, maior cidade do Equador. Foi um jogo raro, de duas viradas, Inter 1 a 0, Emelec 2 a 1, Inter 3 a 2, com sofrimento no final. Houve boas novidades: Nilmar jogou bem; Alex entrou no lugar de D`Alessandro e comandou o time, além de marcar um belo gol; Alisson praticou um milagre. Mas foi só. Na parte individual, Fabrício foi uma larga avenida sem sinaleiras, Sasha afogou-se na marcação, Vitinho queria jogar sozinho, o genial Dale arranjou uma lesão muscular após pifar Nilmar e Réver, o mesmo que fez o salvador gol da vitória, foi uma piada na defesa.
Aliás, Diego, a defesa do Inter foi efetivamente o problema do jogo. Com dois volantes fixos, todos acharam, inclusive tu, que os problemas defensivos seriam minimizados. De forma nenhuma! A bagunça, a lentidão e certa arrogância de quem se sabe um bom time, deixaram livres os bons e entrosados equatorianos. Se não fosse Alisson… Outra coisa, Diego, nosso time está morrendo no segundo tempo. Ontem, não apenas se via o cansaço em quem está jogando só uma vez por semana como se apareceram cãibras em Nilmar e Nilton, assim como lesões musculares em quem não jogou, casos de Aránguiz e Anderson. Ou seja, está na hora de tu levares um papo com a preparação física.
No mais, tivemos sorte pelo fato de nossas falhas não terem resultado em mais gols do Emelec e competência nas defesas de Alisson e nos golaços de Nilmar (com esplêndido passe de D`Alessandro) e Alex (com esplêndido passe de Nilmar). Sobre a sorte de Réver, minha nossa. O cara estava péssimo e salvou o time com um chute difícil de acertar.
Nosso próximo jogo na Libertadores será contra o mesmo Emelec no Equador. Se fizermos o mesmo gênero de atuação, perderemos feio. O time do Emelec marca no campo inteiro, impede a saída fácil de bola do adversário e vai nos sufocar se não estivermos num nível melhor. Além disso, é rápido e tem bom toque de bola. Muito cuidado. Uma derrota lá e os fantasmas retornam.
Esse time tem que jogar para se entrosar mais, Aguirre. É muita gente nova e cada um tenta se comunicar numa língua diferente, à exceção de Vitinho, que não fala com ninguém.
Alguém disse que a corrupção é como uma caixa de lenços de papel, tu puxas um e o próximo já está ali, se atirando para fora. É verdade, é descobrir a coisa e seguir o caminho do dinheiro. Tal caminho não deve ser tão complicado assim, a menos que haja um HSBC ajudando a fazer sumir a grana na Suíça. Aliás, a lista de brasileiros no HSBC será tão legal de ler quanto a do procurador Rodrigo Janot, onde dizem estar os presidentes da Câmara Federal e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros.
As palavras em tom menor de Cunha — “Ninguém me comunicou de nada” –, sem nenhum arroubo de líder religioso, são estranhas. Ele deve estar na lista, sim.
Mas disso meus sete leitores sabem. É que eu vim trabalhar pensando nas listas de Janot e do HSBC.
.oOo.
Porém, ontem à noite, preocupei-me com outro tipo de sacanagem. Tenho visto o método utilizado por algumas pessoas para atacarem outras no Facebook. É simples. Digamos que eu queira me vingar de alguém, então vou lá e digo para meus amigos: “O fulano X disse que eu sou ruim assim. Vocês acham que ele tem razão?”. Há uma variação mais covarde que não diz quem é X. Então, os amigos procuram e acusam.
Acho de última categoria atacar alguém através da solidariedade dos amigos. É como esconder-se atrás da barra da saia de mamãe. É como chamar o irmão mais velho. Na idade adulta, é demonstração de covardia. É como gozar com o pau dos outros. Já sofri isso três vezes e detesto ver acontecer. Ontem, vi de novo, mas a vítima não era eu. Já fui vítima três vezes deste gênero de baixaria.
Reli os comentários do segundo ataque que recebi. À noite, comentei com amigos, pois, seis meses depois, a coisa é para rir em torno de uma mesa. Fui acusado de ser uma pessoa cruel por ter escrito, neste blog, sete palavras que não eram dirigidas a ninguém, mas cujo conteúdo serviu a “meu facefriend“, sabe-se lá como. Arranjei um desafeto. Como resposta a minhas palavras, este descreveu sua fantasia, esclareceu a crueldade cometida e mandou seus amigos comentarem, sem dizer meu nome. No meio, é claro, alguém falou em mim em tornei o monstro que o autor planejara. Claro que quem mantém aqueles comentários é o responsável por eles e pode ser processado, mas quem tem saco para isso? Eu não.
O bom do Facebook é sua transitoriedade, seu caráter de palimpsesto, ou seja, seu caráter de ser “aquilo que se raspa para escrever de novo”. Uma semana depois, a acusação poderá ser encontrada através de muitos cliques. Melhor esquecer mesmo.
E ontem, vi um desses ataques. Um sujeito deixou um recado do tipo “olha só o que ele fez, olha só como ele é”. Ui.
O que isto tem a ver com a corrupção dos primeiros parágrafos? Além da baixaria, nada.
Jack London (1876-1916) foi “o escritor” de minha infância e juventude e também quem introduziu meus filhos no mundo dos livros. Caninos Brancos, O Chamado Selvagem, Antes de Adão e outros livros de London foram engolidos por nós com grande entusiasmo. Penso até que li O Chamado Selvagem em voz alta para minha filha. London era uma figura singular. Aventureiro e independente desde os 14 anos, o escritor cruzou os Estados Unidos de trem, navegou o mundo inteiro, foi vagabundo de rua, passou fome, trabalhou como correspondente de guerra, tornou-se socialista, foi preso, virou minerador, sucumbiu ao alcoolismo, mas, neste ínterim e sabe-se lá como, escreveu 50 livros, apesar de ter vivido apenas 40 anos.
Com surpresa, vi um livro de London que não conhecia na vitrine da Livraria do Globo da Getúlio Vargas. Adorei o nome da coletânea de histórias: Por um bife e outras histórias de boxeadores. É claro que tratei de lê-lo imediatamente. Já imaginava, são contos naturalistas de um autor de estupenda capacidade descritiva. É leitura fácil e fluente. O assunto central é sempre o boxe que, aliás, também era praticado pelo autor. Por um bife (1909) é excelente; narra a decadência de um velho boxeador que vê a inexorável evolução dos jovens que lhe tirarão o sustento. O mexicano (1911) é um duro relato de um chicano que lutava não pelo prazer do esporte mas por seus ideais. O benefício da dúvida (1910) trata de uma curiosa disputa judicial a respeito de uma briga de rua em que o agredido torna-se réu, tendo por fundo a corrupção de uma pequena cidade; tem final delicioso. O jogo (1905), relato trágico da inocência, é fraquinho. Já O bruto insondável (1911) é a melhor história, sendo um retrato da corrupção do boxe, com suas lutas compradas e apostas.
Não faz falta não ler, mas é, como sempre foi, boa diversão.
Meu caro Aguirre, o Gre-Nal de ontem teve seu principal fato nas arquibancadas, não em campo. Foi bonito ver o vermelho e o azul misturados nas arquibancadas. Na saída do estádio, enquanto descia a rampa, surgiu um gremista levando um menino colorado nas costas. Recebeu aplausos. Imaginem só. O Latuff, que estava comigo, fotografou. Talvez tenhamos cura.
A ideia colorada da torcida mista saiu aprovada com louvor. É incrível, mas os gremistas são seres humanos que pertencem à mesma sociedade que pertencemos. Vestem-se com aquele pijama horroroso, mas são como nós. Trabalho com vários, sou amigo de muitos e até o aumento das tarifas de energia será sentido por eles. Olha só que linda estava a torcida mista.
Em campo, o Gre-Nal foi entre os reservas do Inter e os titulares do Grêmio. Jogo trancado, de pouca emoção. Nosso time reserva é um total desentrosamento, Aguirre. Isso só aumenta quanto jogadores que aspiram vaga no time titular tentam resolver tudo sozinhos, casos de Valdívia, Anderson e Vitinho. Nilmar esteve mal, mas há que considerar sua solidão entre os zagueiros tricolores.
Num time bagunçado, a gente mal consegue analisar as individualidades. Nico Freitas é um achado teu, Aguirre. O uruguaio joga demais e acabará empurrando algum Nilton ou um dos armadores para fora do time. Alisson Farias entrou muito bem. Géferson parece ser bem melhor do que o famigerado Alan Ruschel. Rodrigo Dourado é outro bom jogador e Luque aprontou algumas com sua velocidade.
Mas foi uma partida jogada por nossos reservas. Não dá para criar teses. O Gre-Nal serviu para um público de 30 mil pessoas ver que colorados e gremistas podem conviver civilizadamente mesmo num ambiente de disputa. O jogo em si será esquecido. A torcida mista e sua lição, não. Ao menos é o que espero.
Era a segunda vez que ia a Paris. Para mim, uma das novidades de nossa viagem foi o acerto ao seguir uma dica de Luís Augusto Farinatti, o Museu de Cluny, oficialmente chamado de Museu Nacional da Idade Média ou Musée National du Moyen Âge. Aliás, ele, Farinatti, andou comentando aqui no blog.
Dos Cadernos de meus Fiascos (volume XXIII).
O que Milton, que é um cara generoso, não conta, é que eu enviei a ele um texto sobre coisas para aproveitar em Paris. E sugeri que pegasse o metrô sempre que não pudesse ir a pé. E disse que o mapa do metrô era uma maravilha.
Não me passou pela cabeça a relação das cores do mapa e o daltonismo do Milton.
Mas isso não tão grave, fica pior se soubermos que, poucos meses antes (ou depois, não lembro). Fiz as mesmas entusiasmadas recomendações a outro amigo que ia a Paris. As mesmas.
Ele TAMBÉM é daltônico.
Uadarrél!!!
Bem, o Museu da Idade Média ficava perto do nosso hotel. Foram 15 minutos de uma agradável caminhada por Paris e pronto. Num ambiente nada feérico, não foi tão fácil tirar fotos. Não é um Museu enorme, mas é muito interessante. A tradução dos nomes das peças é minha. Com minha inexistente cultura religiosa, deve estar tudo errado.
O cara aí de baixo é um brother meu: é o Imperador Júlio, o Apóstata. Apóstata? Grande cara!
Abaixo, direto do século XIII, A Virgem e o Menino
De 1250, um belíssimo altar com o tema do batizado de Cristo.
Missa de São Gregório, também peça de altar. Essa é a parte da Ceia, claro. A peça, de autoria de Jan de Molder, é de 1513.