Porque Bob Dylan não deveria ter ganho o Nobel

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Sexta-feira é o pior dia da semana de trabalho no Sul21. É muita coisa para preparar, tendo em vista que há sempre, inexoravelmente, um sábado e um domingo após um dia como hoje. É também o dia em que indico filmes e outras coisas para os leitores. Não parece, mas é tenso. Às vezes reclamam de mim — e com razão! Então, como não tive tempo de preparar nada para o blog, coloco aqui a postagem que Idelber Avelar fez sobre a premiação do Nobel de Literatura.

A postagem cita outra fonte, a romancista Anna North. Claro que eu não gostei da premiação e exigiria um Grammy compensatório para Philip Roth… Isso apenas para citar o atual injustiçado maior de um prêmio que já não foi concedido a Tolstói, Freud, Nabokov, Borges e Greene, para ficar apenas nos primeiros que me vem à mente.

Escritores não são tão notórios quando rock stars. Completando o que escreve North, digo que jamais conheceria Pamuk ou Aleksiévitch se fosse o Nobel. Como me escreveu o Heitor de Lima, já estávamos esperando aquelas edições luxuosas da Cia. das Letras para o queniano Ngũgĩ wa Thiong’o ou o sírio Adonis ou para um desconhecido talentoso. É uma tradição que começa a cada outubro. É uma pequena prova de que North tem razão: Bob Dylan não precisa de um Prêmio Nobel de Literatura, mas a literatura precisa de um Prêmio Nobel. E este ano, não teve.

Anna North, que além de romancista, escreve editoriais para o New York Times, publicou ontem um texto intitulado “Why Bob Dylan shouldn’t have gotten a Nobel” (http://nyti.ms/2e0YdYn). O texto seria só mais uma repetição do velho argumento de que aquilo que escrevem os letristas da canção não é literatura — discussão tediosa e tautológica, particularmente no Brasil, em que a letrística da canção tem um papel tão decisivo e os guardiões do cânone são tão preocupados — se não fosse por um momento em que a autora elenca a razão pela qual, segundo ela, Dylan não precisa de um Nobel, mas a literatura sim. Diz North:

“As reading declines around the world, literary prizes are more important than ever. A big prize means a jump in sales and readership even for a well-known writer. But more than that, awarding the Nobel to a novelist or a poet is a way of affirming that fiction and poetry still matter, that they are crucial human endeavors worthy of international recognition.”

O mérito do texto é explicitar o que em outros lugares, como na prosa acadêmica, costuma ficar escondido: é importante que o prêmio seja recebido por um romancista ou um poeta porque assim afirmamos que a ficção e a poesia ainda importam, que são empreitadas humanas que merecem reconhecimento. O fechamento do texto repete essa ideia: “Bob Dylan does not need a Nobel Prize in Literature, but literature needs a Nobel Prize. This year, it won’t get one.”

Pode ser que a ficção e a poesia importem ou não importem; pode ser que elas importem hoje para proporcionalmente menos gente que outrora; pode ser que alguns papeis sociais que chegaram a cumprir um dia, hoje elas já não cumpram.

Mas o problema aqui, claro, é o que sabe todo escritor: a literatura, no que ela tem de mais próprio, sempre foi e avessa ao que se promove em prêmios, coquetéis, cerimônias e homenagens. No dia em que a literatura depender de algum prêmio para sobreviver, é porque a sua própria existência já não vale mais a pena, é porque ela já se transformou em outra coisa.

Um livreiro amigo, o célebre Mauro Messina da Ladeira Livros,  acaba de escrever em seu perfil do Facebook:

(…) com a indicação do Sr. Zimmerman, os negócios serão prejudicados, pois toda a vez que indicam um Nobel,ou morre algum autor conhecido ou ainda se um filme baseado alguma obra literária faz sucesso as vendas aumentam. Foi assim com o Poderoso Chefão um livro que estava nos saldos e o seu autor no anonimato, quando o filme estourou, as edições esgotaram rapidamente e o Puzo voltou para as manchetes. Quando morreu o Levi-Strauss, foi durante uma Feira do Livro, o seu livro Tristes Trópicos vendia no máximo um por Feira, foi o Antropólogo falecer a mídia comentar e os Tristes Trópicos foi um dos campeões de venda.

Para finalizar, em 2014, Patrick Modiano ganhou o Nobel de Literatura, não digo que era saldo, mas ficava muito tempo nas prateleiras a um preço baixo e por vezes nas pontas de estoque, após o anúncio do Nobel a livraria não mais nenhum exemplar em acervo, todos os Modianos tinham vendido.

Infelizmente esse ano não teremos essa possibilidade, venderemos alguns songbooks. algumas biografias e era isso, mas em compensação o nosso final do dia será regado a chimarrão e a mister tambourine man…

10 comments / Add your comment below

  1. Fica no ar essa discussão de Dylan poeta ou não, merecedor de prêmio ou não. Cada um tem sua posição e opinião, baliza há pra todo mundo.. Pessoalmente considero o prêmio irrelevante mas, mesmo assim, conferi-lo a Dylan seria como atribuir maiores dons literários a beatniks. Com todo interesse que as canções de Dylan possam despertar, sua produção geral não o categoriza enquanto poeta, nem Tarântula como prosa.

    Lembremos que muitos ganhadores do Nobel de Literatura não passaram de escritores médios, vencedores mais por razões políticas que literárias. Em tempos de domínio absoluto dos meios enquanto mensagem premiar um músico enquanto poeta é um aceno dos velhos suecos à indústria cultural.

  2. Tem ainda uma outra questão relacionada com a premiação de Dylan. É como o sistema capitalista se apropria e usa em proveito próprio aqueles que, em algum momento, foram seus críticos.Ontem era Che Guevara, hoje, Bob Dylan.

  3. Tente ler as letras do Dylan sem as melodias e se saberá o que é poesia literária e o que é letra de música. Essa comparação entre Dylan e os poetas orais, como Homero, é uma falácia. Homero vem de um tempo em que a literatura impressa não existia ou estava longe ainda de se firmar em sua tradição ortodoxa. Hoje a literatura é uma manifestação espiritual humana consolidada, e com isso tem seus dogmas e suas regras. Escolher Dylan para o Nobel é um tanto mais grotesco e ofensivo quando se pensa nas outras opções vindas do próprio país do cantor: dois dos maiores escritores dos últimos 50 anos são norte-americanos, Philip Roth e Thomas Pynchon. Não é questão de conservadorismo, é questão de respeito e saber sobre o lugar de cada coisa. Eu não preciso aqui dizer que sou ardoroso fã de Dylan (o que de fato eu só há mais de 25 anos) para ter autoridade em refutar essa escolha da academia sueca. Basta conhecer um pouquinho só sobre as maravilhas da literatura contemporânea e sua importância para a melhoria humana e combate à alienação tecnológica para se ter o bom senso de perceber que esse prêmio de 2016 é muito mais que uma simples leviandade: é no mínimo uma propaganda às forças da dissipação mental e do conformismo. Quem escolhe Dylan para o mais importante prêmio literário em vez de Roth (para ficarmos apenas nesse exemplo, entre 30), é porque nunca leu Roth para saber do gritante descompasso de uma coisa dessas.

    1. Tal qual costuma dizer o Sr Milton Ribeiro (que não visita a minha página….):
      .
      ” Assino por todos os lados”, pois a Academia sueca, que deve acompanhar as coisas brasileiras, deu um GOLPE na literatura.

  4. A literatura também não precisa de um Nobel. Mas, pelo tom das queixas, são as livrarias que precisam de Nobeis e Oscars a fim de promover as vendas no país dos analfabetos e dos alfabetizados em poder de compra.

    P.S.: se era pra premiar alguém “de fora” da literatura, que dessem o Nobel ao Woody Allen. Se bem que os velhinhos suecos não premiaram nem seu conterrâneo Ingmar Bergman.

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