Meus Prêmios, de Thomas Bernhard

Um livro absolutamente hilariante! Thomas Bernhard era um mal-humorado e nem quando era laureado agia com delicadeza. Na verdade, parecia amar sincericídios, o que, se não é doença, é grave falha no trato social. O fato é que Bernhard tinha problemas com prêmios — ele os odiava, mas sempre precisava do dinheiro. Ele adorou quando alguém o chamou de “um pássaro que suja o próprio ninho”. Receber um prêmio de entidades nas quais não acreditava — como o estado austríaco, por exemplo — era para Bernhard pior do que ler uma crítica negativa, o que não raro lhe acontecia. Este livro reúne textos sobre nove prêmios que recebeu, bem como seus discursos inflamados de aceitação para três deles e sua carta de demissão para a Academia de Língua e Poesia de Darmstadt.

Aceitar os prêmios apenas pelo dinheiro, causava-lhe conflitos morais: “Sempre pensei, meu caráter revela uma grande mácula. Eu desprezava aqueles que concediam os prêmios, mas não me recusava seriamente a receber os prêmios em si”. O dinheiro aceito ajudou a pagar a casa onde morou até o fim da vida, um carro (que se espatifou num acidente dias após a compra) e tratamentos de saúde.

O livro não inclui a peça mais violenta de Bernhard contra a Áustria: seu testamento. Ele estipulou que suas peças nunca mais seriam encenadas nem seus livros publicados na Áustria — chamando o testamento de “emigração literária póstuma” — e especificou que mesmo que a Áustria fosse invadida e não fosse mais um Estado-nação, os termos de sua vontade se aplicariam às suas antigas fronteiras.

Acho que Meus prêmios não é um livro para conquistar novos leitores para o prazer peculiar de ler Bernhard. Se eu recomendasse um livro para começar a conhecer este grande autor, sugeriria Extinção, Árvores Abatidas ou O sobrinho de Wittgenstein.

O que torna Bernhard moralmente significativo é que, para todo o ódio que ele lança sobre a sociedade austríaca, reserva uma medida igual para si mesmo. Ele está totalmente ciente de si. Há uma cena em O sobrinho de Wittgenstein em que o filósofo começa a chorar por causa de uma criança que mendiga na rua. Bernhard fica igualmente horrorizado, mas só começa a chorar quando percebe que a criança enganou os dois. Essa clareza de visão tipifica sua sátira. Muito poucos escritores hoje possuem sua integridade satírica e sua humanidade absoluta.

Em Meus prêmios, temos alguns de seus discursos mais mordazes. Em particular, o discurso por ocasião da entrega do Prêmio Nacional Austríaco de Literatura. Ele começa dizendo “Ilustre senhor ministro, ilustres presentes…” e então manda chumbo grosso: “Não há nada a louvar, nada a amaldiçoar, nada a condenar, mas muito há de ridículo; tudo é ridículo quando se pensa na morte”. E depois começa a falar da sociedade austríaca. O “ilustre senhor ministro” sai furioso, quase quebrando uma porta em sua retirada apressada… O que jamais é explicado no livro é que a “tia” que o acompanha invariavelmente é na verdade sua amante, Hedwig Stavianicek, 37 anos mais velha.

A raiva de Bernhard é lendária e ele estava no caminho certo, me parece. Havia algo na Áustria, talvez haja ainda. A desnazificação do país foi lenta, apesar de ser o berço de Hitler. Até hoje a Áustria tem um governo de direita com coalizões com partidos de extrema-direita. O país é rico e uma maravilha do ponto de vista material, mas é um horror e um perigo político. Imagino o que Bernhard escreveria — ele não viveu para ver — sobre o fiasco de Jack Unterweger — um prisioneiro que supostamente “se reformou” por meio da escrita criativa, que era o queridinho dos literatos austríacos e, ao ser solto em 1990, assassinou dez mulheres… Um país assim merece um cronista raivoso.

Thomas Bernhard (1931-1989)

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