Bárbara faz 9 anos

Publicado em 25 de setembro de 2003 (também com fotos que não imagino quais sejam ou onde estejam)

Ela nasceu num domingo. Dizem que as crianças de domingo são as mais felizes. Deve ser verdade. Quando a vi pela primeira vez, só enxerguei suas gengivas e o céu da boca. Parecia uma cabeça oca dotada de som muito potente. Como berrava! Só depois vi o resto. Vermelhíssima, não parecia ter nada de especial, só mesmo as cordas vocais. Logo conheceu sua mãe e, sem maiores apresentações, procurou e encontrou imediatamente o alimento que lhe interessava e mandou ver. Neste momento, minha filha ouviu seu primeiro grito, que foi de dor e admiração. Também pudera, voracidade em excesso pode machucar.

Depois os cabelos pretos e lisos caíram e, em seu lugar vieram outros loiros e crespos. Ela cresceu e revelou-se um doce. Um doce de enorme feminilidade, um doce tímido que se acostumou a ser elogiado por sua beleza e que não conhece outra forma de imposição, uma pequena pessoa que se perturba facilmente quando sente ser motivo de contrariedade ou decepção. Nestas situações, chora por qualquer coisa, se atrapalha para falar, é capaz de escrever “serumano”, esquece a tabuada ou até de como se trota em um cavalo, coisa que nasceu sabendo fazer.

Do que gosta a Bárbara? Quem é a Bárbara? A primeira coisa a ser dita é que ela é muito bonita. Não é conversa de pai bobo não, é verdade! Sei que vocês estão vendo as fotos, mas precisam mesmo é vê-la falando e se mexendo! Provas? Mesmo sem permissão dos pais, ganhou fotos em 3 dos 12 meses no calendário do colégio. Mais? O clube que frequentamos estampou por mais de um ano uma foto dela em seus bloquetos de pagamento e ela ainda foi capa da revista, tudo também sem permissão ou consulta. Se somarmos a isto o fato de ela ser simpática e sedutora, estaremos frente a uma figurinha avassaladora, certo?

Desta forma, distribuindo sorrisos e recebendo elogios, ela viveu até entrar no primeiro ano, quando sua segurança foi abalada. Talvez embriagada por seu novo séquito de admiradores, não deu importância ao fato de que tinha de aprender a ler e escrever. Para alfabetizá-la, acabei por intervir a fim de convencê-la de que nem tudo na vida viria de graça. Resolvi então exercitar meu modesto talento de pedagogo. Não sei bem como, mas deu certo. Ela tentava me persuadir de que escrevia tal palavra de determinado jeito porque era o jeito dela, aí eu dizia-lhe que assim os outros não entenderiam. Fui para as sílabas, depois para as palavras simples, etc. Quem me ajudou muito foi o Bernardo, que explicou à irmã que uma vogal sozinha fazia muito pouco som e que quase tudo o que dizíamos vinha da união de duas letras. Ele batia palmas a cada sílaba: Bo-ne-ca; e a Babi escrevia OEA. Na verdade, foi ele quem lhe ensinou as sílabas. Fico comovido ao lembrar. Hoje ela é ótima na escola, apesar de fazer um esforço mínimo.

Ela ama os animais. Cavalos, cães – possui, junto com o irmão, uma cadela labrador, a Batalha – , insetos, répteis, todos. Guarda coisas incríveis em tupperwares e depois leva tudo para a aula: baratas, aranhas, gafanhotos, lagartas, lagartixas, tartarugas, girinos. Quando vê Jurassic Park, fica boquiaberta admirando os monstros. Não brinca muito com bonecas; quando brinca de mamãe, é sempre mamãe-urso, mamãe-dinossauro, mamãe-cavalo, etc. Este ano, convenceu-nos a tirá-la do balé – onde dizia ficar meio parada esperando o final da aula – e a colocá-la em um curso de equitação. É algo que nasceu com ela, pois ninguém, em minha família, foi visto antes sobre um cavalo. Treina cheia de orgulho e sorri muito.

Uma vez, uma amiga – aquela mesma que usa o nickname luigipirandello – contou-me por e-mail uma história ocorrida com ela e seu filho. É o tipo de fato que poderia acontecer com a Bárbara, é até injusto que isto não tenha ocorrido com ela…. Vejam que pérola: Adorei conhecer a Bárbara. O meu A. faz aniversário em 21 de outubro, ou seja, os dois são librianos. Quando ele tinha 5 ou 6 anos, se apaixonou por uma aranha. Estávamos no Chile e tinha levado ele no zoológico. Na saída, tinha um cara vendendo aquelas aranhas enormes e repulsivas mas perfeitamente inofensivas. O A. disse “mãe, compra pra mim… por favor… eu cuido”. Confesso que sempre me achei muito esperta… disse a ele “tá bom, se tu pegares ela, eu compro” e já estava pronta para afagar-lhe a cabeça e dizer “tudo bem… não precisa… vamos comprar um pirulito”. Mas ele não vacilou nadinha: esticou a mão e pegou o bicho como se toda a vida tivesse esperado o momento de afagar uma aranha. “Olha… ela é loira. Vai se chamar Rosinha”. E foi assim que a Rosinha foi morar lá em casa, para alegria geral de conviventes, amigos e visitantes. Porque posso ser uma idiota, mas sou uma idiota coerente e jamais deixei de cumprir a palavra empenhada. Deve ser coisa de libriano a paixão pelos bichos, comuns ou raros… talvez o dom de conquista também: por incrível que pareça, em pouco tempo o A. convenceu todo o mundo que a Rosinha era um amor. Até a V. e o B. deixavam ela passear por suas costas.

Algumas declarações de amor da sedutora. Ela é especialista nisto.
A cena: eu dirigindo, levando-os para a casa logo após a separação, o Bernardo com lágrimas no olhos, eu quase e então entra a Bárbara:
– Pai, qual é a coisa que tu mais gosta depois de mim?
– Babi, depois de ti e DO TEU IRMÃO, a coisa que eu mais gosto… acho que é de ler.
– Pai, então vou escrever um livro enorme prá ti, tá? Vou começar hoje.
Abraços e beijos.

Outra:
– Pai. Como é que tu pode ser mais velho do que eu?
– Não entendi.
– É que eu tenho a impressão, sabe, que tu nasceste no meu coração… depois que eu nasci.
Abraços e beijos.

É um carrossel de emoções!

Minha querida filha, feliz aniversário.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Bernardo faz 13 anos

Publicado em 4 de janeiro de 2004 (com várias fotos que não sei quais são)

Bernardo nasceu tão calmo que assustou sua mãe. Assisti à cesariana, realizada após uma noite de tentativas inúteis  — ele não estava na posição, digamos, correta. Ao retirá-lo, o médico segurou aquela criança de olhos bem abertos e respiração forte e anunciou:

– É um belo garotão.
– Mas… por que não grita? – disse em acentuado vibrato sua mãe.

O médico deu-lhe uma chacoalhadinha e recebeu como resposta somente um rápido “Uá”. Eram 9h40 do dia 4 de janeiro de 1991 e, por toda esta calma, não ganhou nota 10 no índice de vitalidade Apgar, ficou com 9 . Entregaram-me o pacotinho de menos de 3 Kg, levei-o para junto da mãe. Ele não chorava, não dormia, apenas revirava os olhos buscando a luz do teto. Se Goethe morreu pedindo mais luz e Victor Hugo acusando o aparecimento de uma luz negra, Bernardo nasceu fazendo acrobacias por luz. Não adiantava revirá-lo no berço, ele se voltava sempre para as lâmpadas acesas. Quando eu dava por mim, estava cantarolando Vida, de Chico Buarque, principalmente o trecho:

Luz, quero luz
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, vela
E pulsa, pulsa, pulsa
Pulsa, pulsa mais

Mas estava apavorado. Era meu primeiro filho e eu não sabia o que fazer com aquela criança magra que tinha dificuldades para mamar e que em seus primeiros dias arrumou uma hérnia intestinal e retornou ao hospital, desta vez para a mesa de operações. A hérnia e outras complicações só serviram para amarrar mais fortemente seus vínculos com os pais. Fiquei orgulhoso quando ele, ainda bebê, escolheu-me num quesito fundamental: para dormir, preferia o colo do pai.

(Duas fotos. Quais seriam?)

Quase 13 anos separam as duas fotos acima. Quando as vejo assim juntas, dá-me vontade de rir, pois possuem os mesmos elementos, exceto o indefectível patinho. A fragilidade desta imagem contrasta com a segurança adolescente da outra. Na época da primeira, eu tinha a modesta esperança de poder criar uma boa pessoa, um cara legal, só isso; secundariamente, esperava também estar ganhando um companheiro para uma ou duas de minhas maiores paixões – futebol, música, cinema e literatura, em qualquer ordem. Na segunda, vejo retratado o quanto minhas expectativas eram modestas. É certo que ganhei mais do que esperava, recebi um oceano. É difícil imaginar minha vida sem sua atenção e carinho. A presença deste interlocutor muito inexperiente e inteligente faz-me repensar os conceitos fundamentais sob os quais vivemos. É alguém sempre disposto a falar, discutir e opinar – torna-se até chato algumas vezes! Porém, a observação da segunda foto me dá uma tranquilizadora sensação de intimidade e penso que ali talvez esteja a pessoa que mais conheço no mundo. É alguém cheio de argumentações sedutoras, mas também dotado de um humor anárquico, incontrolável e inoportuno que aprecio muito e que aprendeu nem desconfio onde… Quando saímos juntos, chegamos a um tal grau de entendimento que talvez seja nauseante para quem se detenha a assistir; é como se estivéssemos dentro de um seriado da TV americana dos anos 60, do gênero “Papai Sabe Tudo” ou “Os Waltons”, mas… puxa vida, sabem que é bom conviver assim? Creio que isto vá mudar nos próximos tempos… Penso ainda possuir uma influência avassaladora sobre suas decisões e opiniões, mas a adolescência está chegando. Talvez todo o carinho que recebo hoje vá reduzir seu fluxo para só retornar plenamente depois dos primeiros amores do garoto. Fui assim com meus pais e penso que provarei do mesmo remédio. Estou preparado.

Ele é muito informado e seus professores elogiam o acesso que seus pais lhe dão à cultura. Delicio-me com o elogio, mas sei que é uma meia-verdade, pois ele é autônomo. É só não atrapalhar. Adora explicar o que sabe – e é muito! – e o faz com clareza. Acostumado a vencer discussões, às vezes torna-se teimoso quando não tem razão, mas tudo o que sei sobre astronomia e biologia, por exemplo, foi ensinado por ele em sessões acompanhadas de farta bibliografia comprobatória.

Talvez não devesse contar a história e seguir, pois nela eu brilho tanto ou mais do que ele, mas ela serve para ilustrar um tipo de indignação muito presente no caráter dele. Ele fica louco de raiva quando vê ou é vítima de uma injustiça. Passa a não compreender o mundo, mas luta.

Na primeira série, quando tinha 7 anos, um colega roubou-lhe uma lapiseira. Bernardo queria recuperá-la e os dois estavam gritando um com o outro. Bateu a sirene do recreio e, para por fim à discussão, a professora – bastante tola, por sinal – determinou que o objeto era do outro colega. Resultado: foi seguida pelos protestos de um Bernardo indignado. Depois, ela me chamou para uma conversa.

– Eu sei que ele tinha razão, mas ele não podia vir atrás de mim no corredor discutindo. Foi um desrrespeito.
– Mas a senhora pegou a lapiseira dele e deu para outro menino!
– Eu errei, mas não interessa. Ele foi muito veemente, me seguiu até a sala dos professores. O senhor deve adverti-lo.
– Não vou fazer isso.
– Não vai fazer isso?! Mas ele não pode sair desafiando professores pelo corredor.
– Olha, Rosaura, eu era o maior cagalhão na idade dele e sofria por isto. Acho admirável que ele tenha te enfrentado; afinal, quem tinha a razão? Não vou fazer nada.

Abaixo, uma foto do Bernardo injuriado. Tinha acabado de discutir com sua irmã e a mirava cheio de raiva.

Sempre gostou muito de ciência e tecnologia. Uma vez, com três anos, chegando à escolinha, viu o pessoal do Departamento Municipal de Esgotos abrindo um buraco no meio da rua e perguntou:

– Pai, são paleontólogos?

Logo que começou a falar, demonstrou ser um cético mirim. Quando o maternal escolheu como tema religião, voltou para casa preocupado.

– Não quero deixar a tia chateada, pai.
– Por que, Bernardo?
– Ela falou que no céu tem anjos, Deus, um monte de coisas.
– E daí?
– Daí que eu andei de avião e vi que lá em cima não tem nada, só nuvens. Mas não vou dizer prá ela, ela pode ficar triste ou braba…
– É, deixa assim.

Como todo menino, ele adora as piadas e os sons escatológicos. É capaz de fazer maravilhas, principalmente com arrotos. Obrigou-me a baixar uma lei aqui em casa, a qual não é muito respeitada. A lei reza que É vetada a emissão de ventosidades por determinados orifícios corporais, mormente os traseiros. Com o tempo, o texto da lei não ficou mais coloquial mas ficou resumido a Não são admitidas flatulências ou eructações! Ignoro o que faz os homens acharem os arrotos e peidos coisas engraçadas. O Bernardo tem que ser advertido a cada reunião formal sobre a última frase grifada, pois parece pensar que os outros podem se divertir com a eufonia (é eufonia mesmo) de suas emissões.

Ganhou o apelido de Dado de sua irmã menor, Bárbara, que achava mais seguro dizer isto em lugar daquela forma complicada cheia de erres. Mas tem todos os apelidos do mundo. Para alguns tios americanizados é Benny ou Bernie, para outros é Bê, no colégio é Bena e, para algumas amigas da Bárbara, é Matagal, alusão clara a seu inacreditável “corte” de cabelo. Aliás, o cabelo é um capítulo à parte: antes queria parecer um roqueiro, depois um jogador de futebol argentino e agora está em fase de pleno experimentalismo. Está experimentando, bem entendido, o fundo do poço estético. Está com um cabelo que, apesar de limpo, raramente é cortado e nunca é penteado. Não sou nada conservador, critico exclusivamente a estética. Porém, deixemos o rapaz viver sua vida.

Apesar da cara de selvagem mal dormido, ele não morde, tem cuidado em nunca ofender as pessoas, em ser sempre gentil, etc. É claro que isto não funciona muito com os de casa, mas funciona com o resto, inclusive comigo. Preocupa-se com os problemas dos outros e não os esquece, voltando sempre depois ao assunto. Aplicou grandes doses de companheirismo durante a separação – o que me foi de grande consolo.

Nos últimos tempos, notei que ele queria introduzir um assunto importante. Desembuchou dizendo que sua mãe tinha um namorado. Deixei-o falar. O detalhe que mais me interessou foi saber que os dois tinham saído em plena terça-feira pela manhã com a finalidade de jogar tênis. É um bom sinal. A única coisa que me importa é que meus filhos estejam bem.

A mesma aceitação ele tem em relação à minha namorada. Como exemplo da abordagem cuidadosa do Bernardo, busco um trecho do e-mail que mandei em 11 de julho de 2002 para meu amigo Marcelo Backes, época em que estava pensando em apresentar a Claudia a meus filhos.

Fiquei me preparando uns dez dias até chegar no Bernardo para contar. A reação dele foi a seguinte:

– É claro que vou sentir muitos ciúmes, mas acho que tu é legal e merece isto.

É possível ser mais correto e sincero?

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Reflexões (ou memória) pós-separação (III)

Publicado em 29 de julho de 2003

Lá por julho do ano passado, comecei a namorar a Claudia. Como dormia sempre na casa dela e minha cama só me via quando estava com as crianças, resolvi falar da novidade para elas. Preparei-me bastante, escolhi bem as palavras para que não houvesse choque nem rejeição. Reuni os dois e contei-lhes a história.

Bernardo, com 11 anos na época, foi muito racional. Disse-me:

– É claro que vou sentir muitos ciúmes, mas acho que tu é um cara legal e merece isto.

A Bárbara, com sete anos, não disse absolutamente nada. Uma semana depois, voltou subitamente ao assunto:

– Eu vou ter duas mães?
– Não, a tua mãe é a Laura. Tu vais ter mais uma amiga.

Então, ela abriu um sorriso e disse que queria conhecê-la logo, saber como ela era, etc. O Bernardo tinha pedido um tempo para se acostumar com a idéia, mas a Bárbara queria ver logo como era “a nova amiga”. Quem é pai sabe o quanto as crianças sabem ser insistentes. Numa manhã de domingo, quando estava com os dois, a Bárbara veio me acordar e, utilizando todo o seu arrasador poder de sedução junto a mim, fez-me prometer que eu a apresentaria à Claudia ainda naquela manhã. Convidamos o Bernardo, mas ele queria mais tempo.

Pois bem, levei-a até o apartamento da Claudia, onde tivemos uma das mais curiosas cenas de timidez de que vi até hoje. Minha filha, que é uma loira crespa linda, escondeu-se atrás de seus cabelos e de um livro e, através do pouco espaço útil disponível, espreitava minha namorada quando esta não a estava olhando. Não queria conversar, só olhava. Depois, pediu-me uma folha para desenhar e fez um casal cuja mulher tinha enormes mãos. Acho que ela – apesar da timidez – deu uma grande demonstração de coragem. Hoje, as duas são companheiríssimas.

Bernardo conheceu-a depois. Pediu-me que fosse numa reunião com mais gente presente. Foi atendido. Fizemos uma apresentação quase formal. Cumprimentaram-se como dois embaixadores de potências inimigas. Mas a formalidade logo foi dando lugar à naturalidade. Eles também se relacionam bem.

Fico pensando o quanto podem ser diferentes dois irmãos.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Tô brincando com o pensamento, pai

Publicado em 12 de fevereiro de 2004

Só a indiferença é livre. O que tem caráter distintivo nunca é livre; traz a marca do próprio selo; é condicionado e comprometido.

THOMAS MANN

Tento ser duro, mas resisto tanto quanto um pedaço de gelo ao sol. As crianças viajaram em férias com sua mãe, C. foi fazer um trabalho a 467 Km de distância e eu me vi com a toda a liberdade e tempo do mundo. Que beleza! Fiz planos para trabalhar muito e, nas folgas e nos finais de semana, ouviria Mahler no devido volume – os vizinhos têm de ser culturalizados, não? -, leria sem interrupções até dizer chega e, quando cansasse de tudo isto, abriria a porta de casa em direção a um cinema, sem ter que combinar nada nem esperar longamente, fora do quarto, por aquela tradicional escolha de roupas femininas…

Nos primeiros dias, cumpri meus objetivos com brilhantismo; depois, algo começou a emperrar além da falta da presença física que começava a incomodar. Eu havia lido, ouvido e visto tanta coisa que precisava comentar com alguém. Pensei em escolher alguns interlocutores inteligentes, mas este estava em férias, aquele compreenderia a parte Mahler do discurso mas não a parte Thackeray/Bernhard, aqueloutro não tem muito humor e… é melhor ligar logo para a C.

Descubro assim que aquilo que observava em meu filho quando criança acontece também comigo. Explico: Bernardo, quando pequeno, narrava sua vida para quem estivesse perto e, mesmo que não houvesse ninguém para ouvir, seguia descrevendo para si mesmo todos os acontecimentos e idéias que lhe ocorriam. Muitas vezes eu chegava perto dele e perguntava: “E daí, narrando a vida?” Não foram poucas as vezes que achei que estava criando o Rei dos Chatos! Porém, a idade fez-lhe muito bem.

Agora sou eu quem precisa descarregar suas histórias e acontecimentos sobre a namorada. Já minha filha foi diferente, era muito silenciosa. Brincava em tal silêncio que era bom sempre verificar se ela brincava de verdade ou se estaria desacordada (talvez morta) em algum canto da casa. Bárbara hoje fala pelos cotovelos, mas não é raro termos dúvidas sobre sua presença conosco, tais os silêncios em que abisma-se. Muitas vezes, sem fazer barulho, vou observar o que ela faz. É incrível, seu passatempo preferido é o de caminhar sobre os sofás, pulando de um para outro e voltando pelo mesmo caminho enquanto ouve a música que ponho no CD. Por que faz isto? De início, pensava que ela gostava de ouvir música erudita, mas mudei de opinião. Hoje sei que aquilo é somente uma trilha sonora para…

— Bárbara, o que tu tá fazendo?
— Tô brincando com o pensamento, pai.

Tendo hoje 10 anos, minha filha não é mais uma criança potencialmente suicida como são as pequenas e, muitas vezes, confiro sua presença e estado – vígil ou soporífero -, gritando assim:

— Babi, tá brincando com o pensamento?
— Sim!

Sou hábil em criar subterfúgios, não? O que eu queria dizer desde o início é que estou morrendo de saudades deles. São 22 dias sem ver meus filhos e 19 – com uma pequena interrupção durante o Fórum Social Mundial — sem ver a C. Isto me faz mal. Voltem, por favor, sinto falta de vocês!

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Apesar de terem razão, ecologistas são chatos e preguiçosos

Geralmente as sacolas plásticas têm mais conteúdo do que os ambientalistas.

Ricardo Henriques, vulgo @calhau

Não sei o motivo pelo qual tanta gente chata se interessa por ecologia. É algo complicado. Conheço uns legais, mas afirmo que são minoria. Parece que certos temas são perseguidos por chatos. É algo a ser analisado e combatido, porque o meio ambiente… Não, eu não!

Eu talvez tenha feito a minha parte ao apoiar as decisões daqueles que projetaram nossa casa de forma um pouco diferente e original. Construímos com dificuldades ainda não totalmente pagas um pequeno edifício de dois apartamentos e terraço de uso comum. No primeiro andar ficamos nós, no de cima a família do irmão de minha mulher — que não mora mais lá — , e no térreo é a garagem e os quartos dos guris (Bernardo e Bárbara). Na verdade, quem concebeu as novidades mais econômicas e corretas do ponto de vista ecológico foi o irmão da Claudia, que é engenheiro — essa raça cheia de fantasia, principalmente a que de são objetivos. A construção foi lenta, mas as características que vou tentar descrever abaixo tiveram pouca influência na demora. O que influenciou mesmo foram “os recursos” e a necessidade de obter empréstimos em meio a obra.

O que há de diferente em nossa nova casa:

1. As paredes duplas.

Objetivo: manter o conforto térmico sem gastar carradas com ar condicionado.

Construir um prédio com operários brasileiros e com especificações diferentes das habituais é uma coisa para loucos. A nossa construção possui paredes duplas de tijolos maciços. Entre elas, fica o melhor isolante térmico, o ar. Mas os pedreiros demonstraram sempre uma insopitável vontade de preencher o ar entre elas com cimento… Ai, meu Jisuis, até todas as possibilidades de acesso ao vão serem fechadas, tivemos que conviver com a ameaça de ver o conforto térmico planejado ir pelos ares ou ser tapado por cimento. Não foi uma vez que um pedreiro começou a virar baldes de cimento naquele espaço inútil…

Resultado prático: Nulo. Quando esquenta, os habitantes (inclusive eu) abrem as janelas. Quando esfria, tudo é fechado. As paredes duplas são boicotadas pelos habitantes.

2. O telhado de grama.

Objetivo: o mesmo anterior.

Muito comum na Europa e principalmente nos países nórdicos, o telhado de grama fica sobre o terraço impermeabilizado, acrescido de uma geomembrana, utilizada também em lagos artificiais. A grama, assim como nós, precisa manter sua temperatura estável. Para sobreviver, utiliza sua umidade. Claro que, se tivermos um gramado sobre a casa, quem estiver em baixo receberá o ganho secundário de não ter uma potencial estufa em seu teto. Protegido desta forma e com muita fé na ciência — ou seja, com as quatro paredes laterais e o teto livre da canícula — , o irmão da Claudia não previu a colocação de nenhum ar condicionado, não fazendo nem os buracos nas paredes para recebê-los.. Nós, mais céticos, aprovamos as idéias, mas mantivemos nossos buracos… Afinal, nossos termostatos parecem ter sido regulados na Suécia; odiamos o calor excessivo. A curiosidade é que o banco financiador, o Banrisul, por pura ignorância, não aprova projetos com telhados de grama. Apesar de toda a documentação apresentada, eles morrem de medo de infiltrações na construção que lhes servirá de garantia em caso de não pagamento. Ou seja, cidadãos comuns como nós estamos mais avançados do que o estabelecido pelos “técnicos” do banco financiador.

Resultado: Nulo, enquanto não nos livrarmos do Banrisul.

3. Reaproveitamento da água.

Objetivo: óbvio.

A maior parte da água consumida em uma casa é aquela que finaliza nossos nros. 1 e 2 diários ou, sendo mais claro, vai para as privadas. A água das privadas de nosso prédio será aquela que já foi utilizada em nossos banhos, na lavagem de nossa louça, etc. Esta é mais uma idéia do irmão da Claudia – o qual até tem nome, chama-se Natal, uma tragédia que herdou. Ele é engenheiro mecânico e trabalha no DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos) de Porto Alegre, conhece estas coisas de hidráulica. Porém, toda vez que um técnico vai em nossa casa fazer algum reparo, pergunta:

— Isto foi projetado pelo professor Pardal?

Resultado: acho que funciona.

4. Sombreamento de áreas do pátio com trepadeiras e plantas frutíferas.

Objetivo: produzir sombra no verão e deixar passar o sol no inverno.

No pátio, temos maracujás e parreira e bergamoteira e alfazemas e trepadeiras e manjericão para o pesto. Com o tempo, descobri que os corretos ecologistas são bons de promessa, não de botar água nas plantas. Sobra sempre para mim que, menos ambientalista e mais político, nego-me a ter um DOI-CODI de plantas em casa. Extingui de vez a Central de Torturas, que só se mantém no terraço, a fim de que sirva de lição para a humanidade não provocar outros holocaustos. Quando começaram as mortes, fui obrigado a assumir toda a plantação — menos a do terraço. Os ecologistas me veem da janela e, por vezes, abanam ou puxam conversa. Só.

Resultado: há alguma felicidade entre as plantas, mas não é devida a quem planejou a coisa.

5. Composteiras e outras bichices.

Os ecologistas cansaram, outros ficaram com medo de ratos e outros animais ferozes. Nunca saíram dos planos.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Tú me acostumbraste a todas esas cosas…

Publicado em 26 de dezembro de 2007 (com complemento de hoje)

O Natal até que estava bom, apesar da máquina de lavar louça ter resolvido estragar justo no dia de maior demanda, fato que me deixou lavando as coisas do jantar até às 5h10 da madrugada. Mas — qual é o problema? — , ao meio dia eu iria buscar os guris para o almoço das sobras e estava numa boa, até porque alguns de nossos comensais me causaram aquela típica euforia sentida quando vislumbramos a possibilidade de boas e frutíferas amizades.

Após o almoço, no meio da tarde, eu estava repassando 14 CDs de Goran Bregovic para o pen drive de um amigo, tendo já agendada uma piscina com meu filho, enquanto minha filha assessorava meu afilhado num jogo de computador. Tudo tranquilo e besta como sói acontecer num dia de Natal. Na piscina, convidei meu filho para ir ao cinema conosco ver O Amor nos Tempos do Cólera. Propus buscar sua namorada para agregar-se a nós. Sorrisos sob o sol já baixo.

Mas ela, Pâmela ou Suélen (nunca lembro seu nome), tinha que participar.

Quinze minutos depois, eu finalizava meu banho. Ao sair, vi minha irmã invadindo nosso apartamento, coisa que nunca havia feito, ao menos daquela maneira assustada. Disse que vira meu filho caminhando pela rua com minha filha dez metros atrás. Ele, transtornado; ela, irritadíssima. Minha irmã travou o carro, deu ré e alcançou meu filho. Ele disse que tinha dado merda e que não poderia falar. Ao ouvi-lo, ela pensou que tínhamos brigado feio, talvez tivéssemos trocados alguns inéditos sopapos (Sopapos, nós?). Ele não quis carona, pegaria um táxi. Minha filha não falava. O que poderia ter acontecido para tanto estresse?

Quando minha irmã me abordou — eu de cuecas — , a primeira coisa que ouvi foi a pergunta: “que merda aconteceu”? Eu não sabia de nada. A Claudia disse que ela havia telefonado por causa de um mal entendido de horários. Que gritara e ofendera o Dado no telefone. Tudo normal. Tudo igual. Sempre.

Ocorre muito, mas há certa preferência por efemérides. Há dois anos, fora no Ano Novo, estávamos na praia e ela conseguiu desligar um celular que eu pago, pois, após uma série de raciocínios fantasiosos, concluiu que eu tinha sido roubado… Há três meses, foi no aniversário da Bárbara; há um ano e meio, em pleno Dia das Mães, o qual deveria ser feliz e sem minha presença. Só que me ligaram chorando e pedindo para que eu fosse pegá-los, pois nem no naquele dia ela ficara em casa e tinha deixado-os sós para ir a um concerto. A sós, à noite. Todo mundo tem o direito de se divertir no seu dia, não?

…Y tú me me enseñaste que son maravillosas.

Fico pensando no livro maisquememória, de Marcelo Backes. Na página 303, ele define a mais bela palavra da língua portuguesa, a palavra serenidade, assim:

Serenidade é alegria, tranqüilidade, sabedoria e clareza, tudo isso num som que ecoa o azul do céu e a claridade do éter.

(Porém, cada vez que leio ou ouço a palavra serenidade, a primeira coisa que vem à cabeça deste ser futebolístico é a imagem de Ademir da Guia correndo com a bola, de cabeça erguida. É alegria, tranqüilidade, sabedoria e clareza. Nada a ver com Suélen. Ou Pâmela, nunca lembro.)

E hoje, cedinho,em pleno 1º de novembro de 2010, 9 anos completos de separação, encontrei-me com um velho conhecido que diz que Suélen segue falando mal de mim… Notável e inacreditável. Ela quis a separação, deixei tudo para ela, há um outro marido. O que mais ela quer?

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Meu Monza 1990

Para  H., esteja onde estiver

Acho que posso dizer o mês em que comprei o tal Monza. Foi em dezembro de 1997. A primeira façanha que fiz com ele foi a de encostar numa das colunas do edifício em que morávamos. Nunca arrumei o arranhão nem no carro, nem na coluna. Eu não desejava adquiri-lo. A empresa passava por sua primeira crise e eu preferia que ficássemos – eu, minha ex e meus filhos – com o Uno novo e completo que tínhamos. Mas minha ex encheu o saco, queria ir para a praia e precisávamos de um carro maior. Eu disse que levaria a tralha primeiro e voltaria para buscar o resto, isto é, as pessoas; mas Suélen (ou Pâmela, nunca lembro o nome de minha ex) não quis de modo algum.

Eu que comprasse um segundo carro, maior. OK. Na época, ainda não me dava conta de que há anos odiava mortalmente Pâmela e que nossa relação era doentia. Comprei em 1997 um Monza 90. Não era um grande carro, mas também não era nada inaceitável. Procurei o maior e mais barato possível e apareceu aquela coisa azul-marinha, 4 portas, 1.8, gasolina. Já na loja eu o chamei de fusca grande, pois ele não tinha nenhum acessório agradável: vinha sem direção hidráulica, sem ar condicionado, sem rádio — instalei depois um — e os vidros eram de girar manivela. Mas era simpático, apesar de ter sido recebido por Suélen com um “mas não tem ar condicionado!”.

Fomos para a praia, ficamos amigos de um bando de argentinos e nos despedimos deles da forma mais emocionada, voltando para nosso inferno. Em 1998, meu filho tinha 7 anos e minha filha, 4. Era e ainda é divertido ficar com eles quando não estão brigando. Aliás, eu só convivia com eles e com amigos. Em casa, evitava a companhia de Pâmela. Muitas vezes saíamos com nossos amigos e depois eu tinha que levar a babá em casa de madrugada. Eu nunca retornava imediatamente. Esperava que Suélen dormisse antes, pois sua voz, ouvida distintamente, era-me irritante. Ficava dando voltas, dirigindo pela cidade. Aquilo era um alívio e eu ia me afeiçoando ao fusca grande.

Naquele ano nos mudamos para uma casa maior e lá fui eu com meu Monza. Aí  vocês sabem, não?, quando a coisa fica insustentável, a gente arranja problemas com a maior facilidade. Eu ia numa academia e tinha muito contato com minha professora, claro. A gente estava há dias naquelas piadas e brincadeiras de sedução, que normalmente não levam a lugar nenhum, quando ocorreu a festa de fim de ano. Ah, que maravilha. A festa era na Cachaçaria Água Doce e vocês, meus experientes sete leitores, sabem o quanto bebe um homem infeliz. Apesar de minha querida H. ter surgido tão sozinha quanto eu, não dei muita importância ao caso e me atirei à cachaça. Passamos a festa inteira sem conversar.

Na saída, eu estava simplesmente podre, pedindo uma cama enquanto minha amiga finalmente chegava-se a mim.

— Estava observando o que tu bebeste. Foi uma grandeza, né?

Não sou um bêbado chato, só fico tonto e com sono. Meu humor não varia muito. Eu respondi que achava impossível ir em linha reta até a porta do carro. Ela anunciou que iria me monitorar. Fui na frente, com ela a três passos de mim, rindo. Entrei no carro e ela entrou pelo outro lado. Foi então que notei que H. viera sem seu Gol preto. Eu a achava muito bonita e sempre pedia para ela me empurrar durante alguns alongamentos. Quando vi que ela largava todo o seu peso sobre mim, passei a solicitar seus serviços assim:

— quero sentir o peso do teu corpo sobre o meu…

e ela achava graça. Eu também. Dentro do carro, por uma dessas ideias idiotas que sobrevêm aos bêbados, sugeri que fôssemos para o banco de trás. Isso numa travessa da Carlos Gomes. Sim, ela também estava embriagada, é certo. Não me passou pela cabeça a palavra “Motel”, entendem?, estava há muito tempo fora do mercado. Pois após os amassos, enquanto procurava abrir as calças para me sentir mais livre, consegui cair no vão entre os bancos. Lembro de nosso ataque de riso.

Acabamos na casa dela. Olha, fui muitas vezes lá e creio nunca ter sido descoberto. Lembro que H. ligava para minha casa e ou eu atendia ou Suélen me passava a ligação. Era tão, mas tão claro que não era visto. Minha ex saía muitas vezes sozinha, eu também. Ela gostava de uns simulacros de ciúmes, eu não. Espero sinceramente que ela me corneasse tanto quanto eu a ela ou mais, mas duvido muito, ela é de família católica e curitibana. Lembram quando eu escrevi sobre roubo de livros, dizendo que o bom ladrão de livros não olha para os lados, agindo com naturalidade? Pois é. O pessoal da academia nos via como um casal, todos sabiam, éramos um casal. Não nos escondíamos.

Uma vez, fui visto pelo chefe de Pâmela no cinema. Só que os homens têm aquela solidariedade natural e ele disse para ela que tinha me visto no cinema… sozinho. Sensacional a manifestação de bom humor do chefe, fiquei quase nervoso.

Mas voltemos ao Monza. Houve um dia em que o meu consórcio preventivo foi sorteado e eu, em 2001 — em minha opinião prematuramente — ,  vendi por quase nada o Monza de tantas alegrias. Por que falo nele hoje? Ora, porque o vi. Está em péssimo estado aos 20 anos. Eu estava voltando da clínica onde está internada minha mãe. A gente perde a dignidade na velhice. Ou ganha outra. Olhei a placa, era ele, o final 2287. Lembrei de seu cheiro e o do perfume de H. — muito mais próxima de mim do que minha mulher — , lembrei do dia em que meu filho disse do banco de trás que deus não existia porque ele andara de avião e não vira ninguém nas nuvens, lembrei de minha filha querendo que eu SEMPRE parasse nas praças para andar de balanço – podia ficar horas balançando-se, olhando o mundo à sua volta — , lembrei de Pâmela perguntando se aquele carro nos levaria MESMO à Florianópolis e, fundamentalmente, de que ele nunca, mas nunca mesmo, me deixou na mão.

Foram 4 anos só botando gasolina, água, pastilhas de freios novas, ar nos pneus e, pô, trocando óleo. Certamente, na casa de Suélen, há fotos em que ele aparece de forma casual. As fotos acima são falsas, de um irmão gêmeo mais metido, com ar e direção, modelo Classic, também de 1990, que está a venda por R$ 3.900,00 num site aê.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Gustav Mahler e Jordi Savall

esta Wer hat dies Liedlein erdacht uma das canções do Des Knaben Wunderhorn, de Mahler. (Gosto de lavar a louça sob algo como Mahler ou Bruckner, a todo volume…) Era a gravação de Anne Sofie von Otter com Claudio Abbado, bem mais rápida do que esta da dupla Lucia Popp e Leonard Bernstein. Abaixo, com a zombeteira Lucia Popp e Bernstein uma versão um tantinho mais dura do que a de Abbado com von Otter. Mesmo assim dá para dançar. Ah, podemos afirmar tranquilamente que não bailamos com qualquer porcaria não… A canção é belíssima!

Ou clique aqui.

O grande mestre catalão Jordi Savall, mostra-nos seu instrumento, a viola da gamba, que se originou na Espanha no século XV e caiu em desuso no final do século XVIII, quando o aparecimento das grandes orquestras condenou a delicada gamba ao silêncio. Jordi Savall é um tremendo pesquisador e gambista que, a partir de documentos históricos, recupera o som de um dos mais incríveis instrumentos que conheço. O som da viola da gamba é mais impressionante, na minha opinião, do que o do violoncelo. No vídeo abaixo, ele toca um pouco, explica coisas sobre a gamba (perna, em italiano) e sobre a música em geral. Bom domingo para todos!

Ou clique aqui.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Minhas Falsas Primaveras

Publicado em 23 de setembro de 2005

Há aqueles que, quando ouvem alguém contar algum problema pessoal, respondem com outro seu, normalmente muito mais grave. É um egoísmo que torna a conversa um campeonato de lamentações. E este gênero de pessoas não admite perder. Não sou assim, raramente reclamo. Mas aviso que, atualmente, é mau negócio querer competir comigo. Tenho um leque muito variado para apresentar.

Muitos e solucionáveis problemas — com maior ou menor sofrimento, com maior ou menor investimento de angústia — estão se desdobrando e, durante este período, tenho esquecido aniversários, não tenho respondido muitos e-mails e os compromissos não fundamentais são deixados a uma duvidosa auto-resolução.

Àqueles que sabem das preocupações que tenho com minha mãe, aviso que ela está melhor e que fizemos algumas reformas em sua casa, além de alterarmos sua medicação junto com minha irmã — que é médica — e os médicos da Dra. Maria Luiza. Mas nada foi fácil e ela resistiu o que pôde à retirada da banheira. Fim.

Mas há a parte boa, quase primaveril. A casa-edifício que estamos construindo parece subir a cada dia, a garagem está lá no térreo, nosso futuro apartamento está acima dela, já possuindo chão e algumas paredes. É preciso imaginação para visualizar o apartamento da família do irmão da Claudia mais acima, mas logo ele será concreto. E, como nosso apartamento será de tamanho razoável — enorme, se considerarmos as construções de preço médio atuais –, brevemente a Claudia poderá voltar a promover suas festas. Ah, e haverá uma edícula para recebermos amigos e blogueiros de passagem por Porto Alegre, além dos maridos eventualmente chutados. Aguardem!

No final de novembro, a Claudia tem que ir à Itália por motivo de trabalho. Eu vou acompanhá-la. Será ótimo, apesar da temporada curta de 10 dias, mas não é ainda a primavera, pois, no hemisfério norte, será o final do outono . Muitos de vocês deverão morder-se ódio, pois vou conhecer pessoalmente a Nora Borges e o Flavio Prada. Eu e o Flavio participaremos do III Grande Encontro de Blogueiros na Itália, com certamente com o dobro de participantes do primeiro. A reportagem sobre o I Encontro pode ser lida (e vista) clicando-se aqui. Infelizmente, o outro representante de blogueiro brasileiro na Itália, o Allan ficou meio fora de mão em nosso breve percurso. Mas, com o trabalho que a Claudia faz, o que não vai faltar são oportunidades.

Antes, no dia 12 de novembro, às 15h30, no Memorial do RS, durante a Feira do Livro de Porto Alegre, estarei autografando o livro do Blog de Papel. Trata-se de uma obra coletiva onde haverá contos e crônicas de Alê Félix, Alexandre Inagaki, Ane Aguirre, Arquimimo Moraes, Edson Marques, Fabio Danesi Rossi, Fal Vitiello de Azevedo, Maira Parula, Marco Aurélio Brasil, Marco Aurélio dos Santos, deste que vos escreve, mais Nelson Moraes, Nelson Natalino e Ticcia Antoniete. Às 16h30 do mesmo dia, na sala “O Retrato”, do Centro Cultural Erico Veríssimo, haverá uma mesa sobre Literatura e Internet com a participação de André Dahmer e dos autores gaúchos do Blog de Papel – eu, a Ane e a Ticcia – com mediação do escritor Armindo Trevisan.

E no dia 19, às 18h, haverá o lançamento em São Paulo, na Oca (Parque do Ibirapuera), com a presença de toda a galera.

A renda obtida com nosso livro não irá garantir a independência financeira dos autores, mas será destinada à APAE de Lagoa Vermelha (RS), que tem um blog desde junho de 2004.

Tá bom, vá lá, estas últimas notícias são, para nós, uma primavera inteira.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O monumental FIASCO de meu querido sobrinho

Em 16 de agosto de 2006, o Inter disputava sua segunda final de Libertadores. Deu tudo certo, mas o fiasco de Filipe G. foi monumental. Estava 2 x 2 e, se o São Paulo fizesse o terceiro, iríamos para os pênaltis. Os paulistas pressionavam. Nem era muita pressão, como pude ver depois, mas ali, na hora, antecipávamos a hora e a vez em que tomaríamos o gol.

Então, aos 40 do segundo tempo, Filipe G. não suportou mais a pressão e declarou:

— Vou assistir o final no banheiro!

Assistir? Ato contínuo, ele se dirigiu ao referido recinto. Eu perguntava repetidamente a meu filho quantos minutos ainda tínhamos de jogo e lancei-lhe um olhar assassino quando ele, sempre consultando seu cronômetro, respondeu pela quarta vez que estávamos aos 42 do segundo tempo. Mas o importante nessa história é o Filipe. Ele entrou no banheiro com seu rádio a toda altura. Lá, encontrou uma seita.

— Desliga AGORA essa m… Aqui ninguém ouve rádio!

Ele observou o local. Havia umas 30 pessoas escondidas no banheiro, caminhando de um lado para outro, em silêncio, tentando adivinhar o que lhes dizia o som do estádio.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Após um dia efetivamente maluco…

… cheguei em casa ontem muito cansado, jantei, respondi e-mails, tomei banho e fui dormir. Acordei no meio da madrugada pensando no dia anterior e nas coisas que tenho que fazer hoje. Porém, as 6h45, saí da cama para acordar minha filha que devia ir para o colégio. Quando criança e adolescente, quase sempre era despertado sob ordens: “Levanta! Vai tomar café! Tá na hora”, mas sempre fiz diferente com meus filhos.

Bem, sempre acordei-os coçando-lhes levemente as costas com as unhas ou dando-lhes beijos. O Bernardo, que já tem 19 anos, mora com sua mãe e, pô, é um adulto, me pediu num fim-de-semana desses, “Coça”.  Hoje pela manhã, foi um alívio acordar a Bárbara. Eu estava precisando muito mais do que ela.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O estado de espírito deste que pouco vos escreve

Minha mãe morou por uns três anos numa edícula que há em minha casa. Ali, ficava com um fantástico time de “cuidadoras de idosos” (1). Porém, no último primeiro de maio, a levamos para uma casa geriátrica. Lá, haveria mais revisões médicas, além de fisioterapeutas, nutricionistas, etc., pois o estágio em que está a doença da Dra. Maria Luiza não permite que ela comunique nenhum problema, dor, sede ou fome. Pensa-se que ela sofra de uma doença parkinsoniana (como o Mal de Alzheimer) chamada Demência por Corpos de Lewy (ou Lewis). É quase a mesma coisa que o Alz.

Foi estranha sua saída daqui. Eu pouco ía ali atrás, mas ouvia tudo. Por um interessante fenômeno físico, o som sobe mais facilmente do que desce e eu ouvia cada grito durante o banho, cada reclamação e cada telefonema dado pelas cuidadoras. Estabelecia um controle não presencial e, para demonstrar minha ubiquidade, perguntava sacanamante sobre os assuntos que as cuidadoras discutiam durante seus telefonemas pessoais.

— E daí, e o caso da fulaninha, como ficou?

Tudo pela mãe da gente… Isto demonstrava que eu sabia de tudo, como se fosse o Grande Irmão de Orwell.

Ontem, 5 de julho, minha mãe completou 83 anos e, por uma dessas coisas inexplicáveis, ela estava interagindo com as pessoas. Cheguei lá às 14h30 e ela não apenas me reconheceu e chamou pelo nome, como disse que havia uma mulher chata que não parava de berrar no quarto ao lado. Este é um gênero de fato que faz os filhos pensarem numa impossível recuperação. Infelizmente, desejo não significa possibilidade. Sabemos que tais episódios de lucidez são como se ela tivesse encontrado algum canto limpo num parabrisa irremediavelmente sujo que logo receberá mais pó. Mas a gente gosta de se enganar e dizer que ela está melhor. E ontem estava muito melhor. Então a gente sai de lá animado, sem conseguir ou querer pensar que está sendo ilógico. Aproveitei para perguntar se ela estava bem, se sentia alguma dor.

— Não, Milton, estou muito bem.

Fazia meses que eu não interagia com ela. Em minhas visitas à clínica, ficávamos apenas de mãos dadas e eu dava-lhe uns beijos. Esta linguagem sempre foi bem compreendida. Pode estar no mais distante dos mundos, na maior das alucinações, mas, se sente um rosto próximo, faz um biquinho e beija. Porém, ontem ela bateu papo e deu risadas. Quando arrotou, por exemplo. Após reclamar que estava comendo um doce muito doce, pediu água e arrotou. Caiu na risada, prova de que seu vislumbre incluía alguma noção de conveniência. Quando propus-lhe passear na rua de cadeira de rodas, sua resposta veio no perfeito português que sempre utilizou:

— Não julgo conveniente.

OK, Maria Luiza.

Canso quando vou lá. Não parece me atingir — será isso o que chamam de “coragem”?… e o que seria não ter a tal coragem? — e apenas me dou conta quando volto para casa. Parece que corri 10 Km. Me dá vontade de dormir. Perco a fome. Meus desejos ficam simples e nem quero ver meus inimigos pendurados nas árvores (2). Me bastaria um final de vida sem dor para minha bobinha feliz… Acho que ela poderia ficar igualzinha a quem vê muita TV, né?

-=-=-=-

(1) Uma delas, A MELHOR DE TODAS, está desempregada. Quem precisar que aproveite. Tenho o telefone dela.

(2) Citação de famoso trecho de Heine, que não tem nada a ver com a circunstância descrita:

Eu tenho uma mentalidade pacífica. Meus desejos são simples: uma cabana modesta, telhado de palha, uma boa cama, boa comida, leite e manteiga; em frente à janela, flores; em frente à porta, algumas belas árvores. E, se o bom Deus quiser me fazer completamente feliz, me permitirá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos nelas pendurados. De coração comovido eu haverei, antes de suas mortes, de perdoar todas as iniqüidades que em vida me infligiram — sim, temos de perdoar nossos inimigos, jamais antes, porém, de eles serem enforcados.

Trad. de Marcelo Backes.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Também amor, penso

Elogio (da inteireza)

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

A Autocensura

Post publicado em 24 de maio de 2007 e republicado agora com adaptações e cortes. É que ontem soube de mais um processo de separação que utiliza como provas o conteúdo de um blog. Desta vez de uma mulher. Quando publiquei este post, recebi dois comentários que achei notáveis e os publico ao final do post.

A moda está pegando. Como todos os posts confessionais dizem a verdade (?); então qualquer advogado lê um texto que escrevemos e o utiliza num processo familiar. Mas não é bem assim. Acreditar em nós é perigoso por várias razões.

A primeira razão é a mais humana: num texto confessional e mesmo naqueles de aparência visceral, o blogueiro ou escritor está publicando o que decidiu publicar. Os posts são seletivos como nossa memória, que arquiva os acontecimentos com alterações que podem deixá-los no formato de livros com belas capas para serem colocados na estante — podendo descer dela a qualquer momento — , ou ficam impressos com sangue, lágrimas ou lama para reaparecerem quando do Grande Ressentimento ou da Grande Irritação. Há infinitas formas de arquivamento, tudo depende do caso contado e da personalidade e honestidade de quem conta. E vêm misturados com sentimentos. Não são como os antigos diários, são diários ou textos ou ficções ou resenhas ou crônicas para serem expostas e, portanto, recebem tintas de exagero, contenção, poesia, educação, correção, escatologia, putaria, etc. Respondam: são prova de alguma coisa? Não há outro modo de se produzir provas?

Uma vez, estava no telefone conversando com o Carpinejar e lamentei sinceramente alguns graves problemas que o poeta tinha relatado em seu blog. Ele me respondeu:

— Problemas? Que problemas?
— Pô, cara. Aqueles lá com a tua mulher.

Ele ficou hesitante e, inesperadamente, estourou numa gargalhada. Depois, respondeu:

— Então, tu acreditaste naquilo? — disse ainda rindo.
— Mas…
— Milton, é tudo mentira. Teve gente que me ligou, ligaram até para a minha mãe perguntando. É normal, já aconteceu muitas vezes. Eu uso pessoas da vida real, só que as histórias são inventadas.

Se houver difamação é outro problema — e isso o Fabrício não fez. Estamos aqui discutindo a veracidade de textos que estão entrando em processos judiciais. Por quê?

Anteontem, uma amiga que descreve seus casos amorosos num blog foi acusada de puta e vagabunda num processo. O pai de seu filho quer a guarda da criança. As provas? Ora, os poemas e textos publicados em seu blog, que narram “experiências diárias”. Piada, né? Suas experiências diárias ocorrem na frente do computador, sozinha, insone, enquanto o filho dorme. Senão não passaria tantas horas no twitter…

De minha parte, já falei o que considerava as maiores verdades, procurando ser frio, claro e racional, mas também já casei com Juliette Binoche (nosso caso era puro sexo e durou anos, nunca tivemos problemas, apesar de eu não falar francês), já mantive diálogos com outros Miltons que eram eu mesmo, só que uns anos antes ou depois e ,ah, no meu aniversário do ano passado estava namorando Sophie Marceau, lembram? (Sempre o problema do francês, merde!) É claro que estou utilizando exemplos extremos nos quais só um idiota acreditaria, porém como ficam os casos intermediários, aqueles em que as confissões são romanceadas com jeito e cheiro de verdade, mas que talvez sejam apenas desejadas?

Minha ex fez isso num processo. Lá, havia trechos escolhidos deste blog. Em um deles, o mais importante, meu filho protege sua mãe de mim. Estou a sós com ele. Duas frases são trocadas num post sobre rock. Eu começo a falar mal de Pâmela (ou Suélen, não lembro) e ele interrompe dizendo que aqueles são problemas nossos. Só. Era uma forma de mostrar que o Bernardo sabia das coisas. Ele sabe mesmo e minha intenção apareceu nos comentários dos leitores: disseram que ele tinha mais bom senso do que eu. Porém, no processo, foi uma atitude de mau pai… Claro, tive de responder com o blog inteiro, com todos os posts. Na metade do ano passado eram mais de mil páginas. Muita gente sabe de minhas opiniões sobre Suélen (ou seria Pâmela?), mas não sou louco de preencher a vida de meus filhos com reclamações contra sua mãe. Eles me detestariam. (A propósito, as mulheres do “Porque Hoje é Sábado” foram para o juiz? O doutor achou essa aqui gostosinha?)

Bem, mas há mais: o fato de manter um blog “bem montado” – expressão de sua advogada – seria prova de que passo muito tempo trabalhando nele e, se acrescentarmos a isto algumas viagens que faço, pronto!, chegamos à conclusão de que tenho largo tempo livre e um estilo de vida, digamos, confortável. Lendo aquilo, senti-me como um malandro da velha guarda carioca.

Cervantes reclamava que não lhe davam muito dinheiro, mas admite que, se lhe dessem, iria se divertir mais e escrever menos. Queixava-se que seus mecenas sabiam disso e o mantinham à mingua. Interessante. (Oh, sei. Comparar Milton Ribeiro e Miguel de Cervantes é caso de internação.)

Neste ínterim, tenho exercitado a autocensura. O blog piorou, também sei. Entre alterar meu texto em função de um advogado e não publicá-lo, tenho escolhido a segunda opção. Então substituo o post previsto por algo sobre futebol ou tiro sarro da Igreja Católica. Afinal, o Papa não pára de dizer besteiras nem o Inter de fazê-las. Permanecerão no micro até não sei quando. Ou será que tudo isto é mentira e não tenho textos por publicar nem ex-esPosa? (Pronunciem esPosa com pê cuspido, por favor.)

E agora, publico este ou não? Assim mesmo, cheio de parênteses?

Comentário do Dr. Claudio Costa:

Já aprendi – com Lacan, veja só! – que o significado do que se diz é dado por quem escuta e não por quem fala. Freud, muito antes, já descobrira que a chave da interpretação está com o analisando, não com o analista. Este, quando não atrapalha, oferece a escuta e… aí o analisando diz e exclama: -“Eu sabia!”. Assim vivemos: num mundo imaginário onde até mesmo a imagem de si mesmo é constructo imaginário, putz! Por isso acredito piamente em TUDO que você escreve – o que é a mesma coisa que dizer: “não acredito em NADA” disso.

Comentário de Maria Elisa Guimarães, a Meg:

MILTON, Olha, não entendo de muita coisa, mas algumas, as de que vou falar aqui, pelo menos, ENTENDO e não é POUCO, entendo muitíssimo. 1- Muito embora, hoje em dia, um email seja aceito com prova num processo e qualquer bom advogado já saiba disso – felizmente, ainda não mudou absolutamente NADA, a respeito da questão da VEROSSIMILHANÇA, conceito este que não significa e à vezes é muito diferente da VERDADE ou pelo menos da *relação* desta com a realidade.. 2- Textos literários ou poéticos trabalham com o simulacro, (e muita gente desconhece o real sentido dessa palavra) e não com fatos. O *simulacro* , grosseiramente simplificando, é a MÍMESE, uma espécie de representação livre do que se viu ou se vê na realidade. Nesse caso, seria muito bom que todo mundo lesse as tragédias gregas. Há muito o que aprender lá. Por outro lado, uma crônica, um conto, um romance, ou um texto que se pretenda literário, tanto que se publica, não é notícia , é literatura!! Boa ou má, mas sempre literatura e não jornalismo investigativo. Nem depoimento. 3- E mais uma coisa, e disso entendo mais ainda: o “mundo não é dos inocentes”, e definitivamente, “justiça é balela, é conto de fadas”. Parece, só parece, pelo que tenho visto, na História antiga ou recente, que sai-se melhor SEMPRE quem está ou ao lado dos poderosos ou ao lado de quem lhe oferece mai$$$. Ou dos que parecem poder oferecer. Espero que te saias muito bem nesse caso que já se arrasta (e estou falando na condição de leitora e portanto quem lê teu blog sabe algo sobre esse caso, pelo menos o que permitiste que soubéssemos). Um dia as chateações todas acabam! Um dia tudo acaba. E de preferência, antes que nos tornemos ressentidos ou amargos. Solidarizo-me contigo: eu sei o que é a injustiça: dá vontade de morrer. Um beijo M.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Dia das Mães e das Madrastas

Madrasta, na linguagem do preconceito, é uma mulher má. No dicionário, é como se chama o parentesco de uma mulher casada em relação aos filhos que o marido teve em um matrimônio anterior. Legalmente, é parente em 1º grau por afinidade, seja pela aparência social, seja pela convivência familiar duradoura. Os filhos do pai fazem parte da família da madrasta pelos parentescos socioafetivos e, hoje, tanto estes quanto os biológicos são reconhecidos. São conceitos diferentes, mas não se excluem, ainda mais aqui em casa.

Para os que se prendem a cânones arcaicos, a madrasta é uma figura que passa a existir apenas se a mãe biológica morre. Porém, no cotidiano, é quem conquista com paciência e afeto uma relação delicada, suporta as incompreensões, arca desapegadamente com responsabilidades sobre os enteados e ainda sente orgulho deles.

Creiam, os enteados podem gostar dela sem desgostar da mãe, não é uma competição.

É necessário aceitar que o mundo deu voltas e há novas acepções do conceito de família assim como novas formas de relações sociais. As pessoas se vinculam tanto pelo casamento quanto pela convivência, tanto pela filiação biológica quanto pela socioafetiva, e há que entender que o termo “família” não somente apresenta novas conceituações como são estruturas perfeitamente miscíveis no entendimento dos filhos, que ganham com isto.

Quando há insegurança emocional da mãe biológica, a madrasta deve suportar o desgaste e apoiar os enteados, às vezes repetidamente submetidos a lamúrias que transformam momentos de bom convívio num jogo de culpas desnecessário e destrutivo. E a madrasta, neste caso, faz o quê? Compensa tratando ainda melhor seus enteados e segue doando-se. Os enteados sabem.

A madrasta que mora conosco é assim e, por isso, seria uma violência esquecer dela no dia de hoje. Ela não precisa de um Dia da Madrasta, o das Mães lhe serve perfeitamente mesmo que ela não seja uma. Ou quem sabe é?

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Dr. Milton + Heine sobre o Quixote + Heine

Escrito e não publicado em 17 de feveireiro de 2010. O resto é de hoje.

Datas são datas e é inevitável que as repitamos a cada 365 dias. Basta viver um ano e lá estou eu até o pescoço com um novo 17 de fevereiro, aniversário de meu pai, que hoje faria 83 anos. O Dr. Milton Cardoso Ribeiro morreu em 1993 e, desde 1994, o dia 17 é um mau dia. Ir ao cemitério? Não faz diferença ir ou não, já é ruim o bastante saber que não vou vê-lo e que não haverá festa hoje. O fato é que me faz mal ir ao cemitério. O que há atrás do mármore — ossos escuros dentro de uma pequena caixa de madeira, pois, pelas regras da instituição, o caixão é retirado após determinado prazo para haver espaço para as novas mortes da família — tem muito pouco a ver com minhas lembranças. Trata-se apenas de um mármore com seu nome e foto colados. Se lembro de meu pai com voz, tato e música, então para que manter contato com uma representação fria e insuficiente dele, uma redução com flores na frente? Não vou lá, mesmo que digam que herdei seu humor, ironia e amor a muitas coisas. Devo ter herdado também alguma coisa de sua iconoclastia…

-=-=-=-=-

Uma tradução alemã do Quixote, editada em 1837, vinha acompanhada de um prefácio escrito por Heine. Encontrei parte do mesmo dentro de um pequeno ensaio de Otto Maria Carpeaux. Anotei uma interessante observação do poeta alemão:

A obra de Cervantes é o primeiro verdadeiro romance da literatura universal, o mais antigo romance que continua lido até hoje. É uma obra em prosa, e esse fato é da maior importância. Antes da data fatídica de 1605, todos os grandes poetas escreveram suas obras em versos; ora, o mais prestigioso gênero literário em versos, sempre fora considerada a epopéia. Cervantes, porém, é o primeiro grande escritor da literatura universal que preferiu a epopéia em prosa: o romance. Desses fatos tirou Heine a conclusão de que o verdadeiro tema do Dom Quixote é a derrota da poesia pela prosa. Dom Quixote é o último ou um último representante da poesia de tempos idos. Mas é derrotado pela implacável prosa da realidade. A poesia, com todas as suas imaginações fantásticas, é derrubada assim como Dom Quixote, O cavaleiro da Triste Figura, caiu do seu cavalo Roncinante, caricatura do cavalo alado Pégaso. O caso nos faz rir, mas não sem deixar, atrás de si, uma melancolia nostálgica. E essa harmonia do ridículo e do melancólico é o humor cervantino.

-=-=-=-=-

E agora, para finalizar, a prova de que, além de super-humorista, super-poeta, super-dramaturgo e super-novelista Heinrich Heine era um amor de pessoa:

Eu tenho uma mentalidade pacífica. Meus desejos são: uma cabana modesta, telhado de palha, uma boa cama, boa comida, leite e manteiga; em frente à janela, flores; em frente à porta, algumas belas árvores. E, se o bom Deus quiser me fazer completamente feliz, me permitirá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos nelas pendurados. De coração comovido eu haverei, antes de suas mortes, de perdoar todas as iniquidades que em vida me infligiram – sim, temos de perdoar nossos inimigos, jamais antes, porém, de eles serem enforcados.

(Tradução de Marcelo Backes.)

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Livros melhores que filmes — A Reação! — e um conto de PQP Bach…

A Caminhante, certa vez escreveu um post falando sobre a sistemática superioridade dos livros sobre os filmes análogos. Penso que ela tenha razão em grande parte e deixei o assunto em suspenso, mas ontem, ao comentar o fato com meu filho Bernardo, ele teve uma reação inesperada. Primeiro uma risada. E depois o argumento:

— Pai, empresta para ela A Laranja Mecânica do Burgess, Jules e Jim do Roche, O Conformista (1) e A Estratégia da Aranha (2), feitos pelo Bertolucci, todos os livros em que o Kubrick se baseou e todos os que usou o Hitch! Nada a ver! Vá se …

Dear Walker, perdoa os 19 anos do menino.

(1) De Alberto Moravia
(2) De Jorge Luis Borges

-=-=-=-=-=-

A Décima de Beethoven (*)

— E daí, gatinha, tenho uma coisa pra te mostrar.

— Xiii…, eu não curo reumatismo, viu?

— Nada disso, princesa, quero te mostrar aqueles motivos curtos e repetitivos.

— Repetitivos está OK, mas curtos…?

— Sim, e afirmativos.

— Em riste?

— Certamente! Vamos para aquele cantinho ali? Me parece mais adequado.

Os dois vão e sentam, a mulher prepara-se para os amassos quando o homem tira um fone de ouvidos do bolso e um celular. Arruma tudo e enfia no ouvido da gata.

— É a 10ª de Beethoven.

A mulher faz uma cara de decepção e responde.

— Um, eu não estou aqui para ouvir eruditos, quero testosterona, meu! E, dois, Beethoven jamais chegou à décima, assim como tu jamais chegarias à 2ª, quiçá à 1ª!

— Minha cara, nada disso. Acabam de remontar o primeiro movimento da décima.

— Quem?

— Um Wyn qualquer coisa.

— Vin? A propósito, podias ser um cavalheiro e pedir um vinho pra aquecer.

— Garçon!

— Então podemos retirar Beethoven da “Maldição da Décima”?

— O que é isso?

— Véio, tu não sabes que Bruckner, Mahler, Dvorargh, Beethoven e Spohr escreveram nove sinfonias e aí veio um raio e fulminou com todos? Isto é, com um de cada vez… Não sabia?

— Mas Mahler fez o Adagio da Décima.

— Sim, mas era um adagio, não tinha muita ação. Aquilo lá devia estar moribundo como o teu Ludwig van.

— Então a décima é perigosa? Pode matar?

— Sim, haja disposição para chegar lá…

— Eu tenho.

Ele bem que tentou, mas acabou por deixar a terceira inacabada. Ainda hoje se encontram. Ela, feliz, faz o papel de furacão maduro, ele, não menos, o de pau amigo.

(*) PQP Bach não deu título à sua narrativa. Desto modo, batizei-o eu.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O vulcão Eyjafjallajokull aqui em casa

A Bárbara faria sua primeira viagem à Europa. Acompanharia sua mãe num Congresso em Praga e depois iria à Paris. Viajariam no dia 21. Mas tudo foi cancelado. Ontem à noite, ela estava chorando no quarto, uma pena.

A única notícia boa do vulcão seria um possível esfriamento do planeta, porém as últimas notícias dizem que nem isso ocorrerá: ele só é suficiente para provocar caos. Leio que há passageiros em pânico. As companhias aéreas deixarão de pagar hoje suas estadas nos hotéis — seria uma espécie de “Prazo Esgotado — Agora vire-se por si mesmo” — , e eles, em final de viagem, estão sem grana e com os cartões estourados.

A grande nuvem agora ameaça ir para o Canadá. Nos séculos passados, isto seria apenas uma erupção, nem sonharíamos com as consequências. Hoje, a gente é informado, fica paranoico, previne e dá palpites sobre o que desconhece… Melhor hoje.

Abaixo, uma foto do aeroporto de Hamburgo hoje pela manhã. Ninguém avisou o sujeito?

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Minha filha e o Sea Shepherd

Um pouco de paranoia nesta segunda-feira. Minha filha Bárbara, 15, enviou uma correspondência ao Sea Shepherd. Quer participar de uma expedição dentro de 3 anos e deseja saber como pode qualificar-se a fim de ser aceita. Eu não duvido de nada. Sua teimosia e insistência tem se mostrado vencedora nos projetos onde se mete. Conseguiu um cavalo para praticar hipismo na base de pedir sempre dinheiro em vez de presentes — chegou ao valor após três anos de poupança furiosa. No ano passado, decidiu melhorar em algumas matérias (cobrança furiosa de estudos e leituras de minha parte…): chegou com sobras a seus objetivos, a custo de muito estudo e perda de festas — decisão dela, não sou de proibir nada. Na semana retrasada, decidiu que ia votar nas próximas eleições de qualquer maneira, mesmo completando 16 anos apenas uma semana antes de 3 de outubro — fez tudo sozinha até obter o título (motivo da moblização: alguns de seus colegas anunciaram que votariam no Serra e ela desejava compensar a estupidez de ao menos um deles). No mês passado, escreveu um plano de carreira: vai prestar vestibular para Veterinária na UFRGS, só na UFRGS; depois de um ano, trancará a matricula para ir numa expedição da Sea Shepherd; voltará; se formará; fará uma pós na Europa, se especializará em equinos e retornará para criar cavalos…

A vida, a juventude e a aventura são dela. É maravilhoso ter 15 anos. Eu também fazia planos com esta idade, só que os trocava diariamente. Conhecendo a obstinação da Babi, eu não duvido de nada, ainda mais que ontem um membro da Sea Shepherd respondeu simpaticamente a ela e já estão de papo. Para o e-mail introdutório, tivemos que conseguir um bom tradutor, pois ela se decidira por um texto em inglês impecável, que demonstrasse humildade e peremptória vontade de trabalhar e participar, mesmo em condições extremas.

Acho que tenho uma guerrilheira ecológica em casa. Mas sou pai, caralho. Ontem, perguntei se ela toparia queimar uns eucaliptos por aí… Seus olhos brilharam! Falando assim, parece que a Bárbara é pouco feminina ou vaidosa. Nada disso, é muito feminina, delicada, carinhosa e uma mula de teimosa… Toparia sim uma invasão à Aracruz e certamente aceitará tanto fazer filmagens quanto lavar o convés do capitão Paul Watson. Tenho certeza de que o terrorismo ecológico crescerá muito nos próximos anos e é óbvio que preciso me informar a respeito. Ainda mais que, em janeiro deste ano, os japoneses caçadores de baleias do Shonan Maru 2 abalroaram o catamarã da Sea Shepherd, Ady Gil, partindo-o em dois. Prevejo que a relação dos ecologistas com os matadores de baleias, golfinhos e outros animais marítimos ficará cada vez mais violenta e preferia que a Bárbara não estivesse na linha de confronto, mas a gente não cria nossos filhos e consciências para gente, o que pode ser correto, mas também é uma pena.

Se você não imagina do que estou falando, ligue no Animal`s Planet nas quartas-feiras às 22 horas e veja o documentário em capítulos Whale Wars. O gordinho de cabelos brancos do link ao lado é Paul Watson.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

A sósia da Bárbara

Ela se chama Tal Wilkenfeld, nasceu em Sydney, em 1986, é uma virtuose do baixo e é a cara da minha filha Bárbara, de 15 anos. Quinta-feira, seu irmão Bernardo entrou aqui em casa e disse que tinha que me mostrar um vídeo. Fiquei besta. Parecia a irmã dele. Deixo com vocês dois vídeos da moça, sempre muito bem acompanhada por Jeff Beck. O primeiro vídeo começa com o célebre tema Good-bye Pork Pie Hat, visceral homenagem de Charlie Mingus à Lester Young, e depois envereda para Brush With The Blues. O segundo é uma brincadeira entre Wilkenfeld e Beck, que tocam o mesmo baixo ao mesmo tempo. E, finalizando, duas fotinhos da minha Babi. Esclarecimento importante: ela é quem aparece do lado direito…

Fotos: Bernardo Ribeiro

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!