Um curto passeio pelo Bom Fim destruído

Um curto passeio pelo Bom Fim destruído

Fiquei sem luz desde às 22h de sexta-feira até domingo às 19h. Sim, sou um felizardo porque tem ainda muita gente sem luz. A geladeira ainda não fede, acho. Todas as vezes que a abri, fui programado para pegar rapidamente isto ou aquilo e garanto que não fiquei 5 segundos com a porta aberta. Verei o resultado daqui a pouco, com meu nariz. É claro que tenho opiniões sobre o que aconteceu. Mas agora, vamos apenas a algumas fotos.

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Estava sozinho em casa — ainda estou –, a Elena está na praia até terça. E isto foi o que vi quando abri a porta do prédio sábado pela manhã.

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Ao fundo, o Ed. Riograndense com erro de português. Esqueceram o hífen.

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Acho que a prefeitura deve providenciar uma nova mudinha, não?

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Aqui, minha visita à ex-rua mais bonita de Porto Alegre (sempre tive dúvidas, mas vá lá).

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À esquerda, o Shopping Total.

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Esta é uma visão da mesma Gonçalo de Carvalho, só que voltada para a Santo Antônio.

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Ao fundo, o Shopping Total. A foto foi tirada daquela pequena rua perpendicular que desemboca na Gonçalo.

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Quando caminhei pela Gonçalo em direção à Ramiro, começaram a aparecer os carros estacionados. Todos eles com marcas de árvores, amassamentos, vidros quebrados, etc.

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O simpático restaurante indiano da Santo Antônio tinha este aviso.

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Descendo a Sto. Antônio em direção à Redenção, outra árvore caída. Notem que a menina quase caiu também, de tanta vontade de aparecer neste conceituado blog.

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Já na Redenção, o coqueiro aponta para nossa rua.

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Árvores e mais árvores abatidas.

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Entrando na Redenção…

Foto: Lu Vilella
Foto roubada do Facebook de Lu Vilella

Entrando ainda mais…

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E agora, algo curioso. Os pássaros, que normalmente ficam nos galhos…

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resolveram descer para se alimentar do que antes estava lá em cima.

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Destituídos de seus lugares e certamente indignados, não tinham nenhum receio deste amigo de vocês.

Fotos: Milton Ribeiro

Piada pronta: Câmara de Porto Alegre prestará homenagem a militares evangélicos

Piada pronta: Câmara de Porto Alegre prestará homenagem a militares evangélicos

CruzadasNotícias do Estado Laico do Brasil: a Câmara Municipal de Porto Alegre realizará, nesta sexta-feira (13/11), sessão solene em homenagem ao transcurso dos 20 anos da União dos Militares Evangélicos do Rio Grande do Sul (Umergs). A proposta é de autoria do vereador Waldir Canal (PRB) e foi aprovada em fevereiro passado. A atividade acontecerá no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, sede da Câmara, e terá início às 19 horas.

A Umergs é uma associação civil, de direito privado, sem fins lucrativos e econômicos, com origem no município de Novo Hamburgo. É composta por oficiais e praças da ativa, da reserva ou reformados das Forças Armadas, das polícias militar, civil e federal, e por servidores da Superintendência dos Serviços Penitenciários e da Guarda Municipal.

Criada em 15 de julho de 1995, a entidade teve como primeiro presidente o soldado policial militar Ezequiel Borges Vieira, que a dirigiu até 2004. Hoje a organização está sob o comando de Salomão Pereira Fortes. De acordo com o vereador proponente, a Umergs possui registro de entidade civil com habilitação ao recebimento de auxílio do Estado, sendo sua principal finalidade a assistência social.

Fonte: Câmara Municipal de Porto Alegre

Primeiro dia da Feira do Livro é hoje: uma história contada pelo Mauro da Ladeira Livros e outra

Primeiro dia da Feira do Livro é hoje: uma história contada pelo Mauro da Ladeira Livros e outra

Mauro Messina:

Arnaldo Campos, livreiro, infelizmente já falecido, um exemplo de profissional e pessoa, me contou essa história há muito há tempo:

Primeiro dia da Feira do Livro, a sineta já bateu as barracas correm contra o tempo para se organizar. Chega um senhor de aproximadamente 80 anos, fica olhando as pilhas, estende a mão e pega o Ulisses de James Joyce. Se afasta um pouco e começa a ler em frente da barraca, por aproximadamente uma hora.

No dia seguinte a situação se repete, o senhor chega no horário de abertura, pega o livro, se afasta e começa a ler em pé por uma hora.

No terceiro dia a coisa de repete, porém dessa vez o livreiro resolve intervir, oferece um banco para ele ficar mais confortável, o senhor agradece, vai embora e nunca mais retorna.

Não se sabe se o senhor ficou ofendido ou constrangido.

Eu:

Me aconteceu na Livraria Bamboletras há uma década. Todo dia, antes do cinema, eu pegava o Esculpir o Tempo, do Tarkovsky. Um dia comecei a procurar, procurar e nada. Então, a Lu Vilella me disse: “Vendi, mas vou repor”. Fiquei constrangidíssimo. Na vez seguinte, comprei o livro, claro.

Lu Vilella:

Tolinho. Podia ter terminado a leitura… Na livraria, claro.

Acho um saco a Feira do Livro. Por ser aberta e no início de novembro, costuma estar quentíssima. É uma festa de editores com dinheiro público. A falta de variedade de ofertas é incrível — chega a ser nauseante –, pois os editores preocupam-se com seus lançamentos, encalhes e olhe lá. As livrarias só se ralam, à exceção, talvez, dos sebos. Mil vezes o ambiente das pequenas e acolhedoras livrarias como a Bamboletras, Palavraria e os sebos. O sebo Ladeira Livros estará lá, na barraca de posição quase sexual 68.

Preparativos para a abertura da Feira do Livro de 2013. 30.10.2013
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Vivências de um pobre comentarista na cultura gaúcha

Vivências de um pobre comentarista na cultura gaúcha

gato 5Neste final de ano, por alguma razão 100% inédita, recebi alguns convites para falar sobre o espaço da crítica literária e musical em nosso estado, o RS. Há muito o que dizer e, quando dos convites, a primeira coisa que me veio à mente foram as caras. Escrever sobre os escritores e músicos de nossa província é ver caras feias, é fazer perigar amizades ou perdê-las. Há aqueles que reagem com elegância e merecem ser citados — casos do falecido escritor Moacyr Scliar, de Luiz Antonio Assis Brasil, de Sergio Faraco e do maestro Tobias Volkmann, entre outros — e os que jamais citaria neste texto, pois não gosto nem de caras viradas nem de cumprimentar o ar.

Domingo passado fui ao cinema. Estava sentado, aguardando o início de uma sessão e uma pessoa que entrou e procurava lugar me negou o cumprimento. Fiquei pensando no motivo e penso ter descoberto. O não cumprimento não se deveu a uma crítica negativa, mas à ausência de crítica após ter recebido seu livro. Ou seja, na província, as suscetibilidades e o ressentimento podem ser catalisados por coisas muito pequenas. Há toda uma cultura de compadrio que tem de ser respeitada. Eu elogio o teu livro, tu elogias o meu. Eu amo de paixão tua interpretação e tu dizes que sou um gênio.

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É desagradável ser criticado negativamente, claro. Porém, quando alguém escreve um livro ou vai a um palco, passa do espaço privado ao público e pode, sim, receber críticas orais ou por escrito. Porém, no RS, quem quer ter um milhão de amigos deve silenciar a parte ruim, abrir um sorriso, suspirar embevecido e tratar de achar algo de bom para dizer. É o que o escritor ou músico esperam. E, nossa, como sofrem! O escritor normalmente ganha a vida em outra atividade, comete suas fantasias com o maior esforço e pensa que merece ser sempre elogiado por sua esforçada colaboração na construção do edifício da cultura. O músico não tem apoio, luta com dificuldades e depois vem um raio de um arrogante e destrói seu esforço e idealismo em dois parágrafos.

Tem também aquele curioso escritor que colaborava comigo, mas que apareceu na capa do Segundo Caderno da ZH e que passou a me descartar até no Facebook– coisa que a RBS não lhe pediu, obviamente.

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Há uma função na atividade crítica. No mínimo, o crítico deve ser uma pessoa com grande vivência em sua área de atuação. É óbvio que deve gostar dela. Nunca vi, por exemplo, um crítico de cinema que odiasse os filmes ou que considerasse um sofrimento passar duas horas fechado numa sala escura. Nunca vi um que não se interessasse por roteiro, encenação, filmagem e montagem. Ou seja, o crítico deve ser minimamente qualificado de forma a poder orientar quem se interessa por lê-lo. Pelo conteúdo do que escreve, o público imediatamente nota se a crítica lhe serve ou não, se aquele cara tem algo a lhe dizer ou se é melhor deixar de lado.

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Existe uma poética na crítica. O leitor leu um livro, sentiu o livro, gostou ou não gostou. Porém, é comum acontecer de ele não saber de seus motivos e o crítico o ajuda a dizer: olha, eu gostei (ou não) por causa disso. O livro pode crescer para o leitor. A critica é o desmonte parcial de uma máquina. Às vezes contextualiza a obra, às vezes dá uma explicação tão surpreendente que acaba abrindo portas jamais visitadas. A crítica também pode ser útil ao escritor, porque ele escreveu páginas e páginas em impulso artístico e pode ocorrer de ele desconhecer suas razões. O crítico, deste modo, iluminaria zonas das quais o autor não tem plena consciência.

Mas dá muita confusão exercer um espaço crítico numa província como a nossa. Incluo-me nela, é claro, faço parte da sociedade gaúcha, e não tenho a pretensão de ser um antídoto ao paroquialismo, ao bairrismo, ao regionalismo orgulhoso e tolo. Tudo o que faço é tristemente insuficiente. Quando escrevo uma resenha favorável, sou saudado exageradamente. Quando faço uma resenha simples e nada profunda, não li o livro como deveria. Porém, quando critico o livro pode acontecer qualquer coisa.

gato 1A moda é o autor colocar em seu perfil do Facebook algo mais ou menos assim. “Este cara (eu) disse isso do meu livro. Vocês concordam com ele?”. Bem, como resultado, seus amigos me dão uma saraivada de golpes, muitos abaixo da cintura. Já fui chamado de tudo. Acostumei-me com as ofensas, mas o que me fascina é quando me chamam  de recalcado. Sei lá, gosto de palavras com vários significados. Só que, como dirá o Ernani Ssó num texto que sairá amanhã no Sul21, denominar-me assim não melhora nem piora uma crítica. O que piora ou melhora uma crítica é o nível dos argumentos – e chamar um crítico de recalcado nem é argumento, é só um ataque pessoal, uma tentativa óbvia de desacreditar o crítico. Veja, me chamar de recalcado é como me chamar de feio. Não faz a menor diferença na discussão, já que não estamos num concurso de beleza.

Houve um “artista” que me chamou de recalcado no título de um direito de resposta que concedi. O cara me chamou de “recalcado e formatado”. Explico o “formatado”: minhas opiniões não seriam minhas, mas sim de outros, pessoas maquiavélicas que já são inimigas do cara e que me assoprariam o que devo escrever. Pura paranoia. Com este artifício, o autor afirma ser impossível que aquela opinião seja minha… E ainda me acusou de usar imagens de divulgação sem permissão… Ah, tem outra ofensa que acho sensacional: “tu não tens trajetória”. Houve outro que passou a ameaçar minha namorada em função do que escrevo. É um show de horrores.

Idealmente, os assuntos da arte deveriam ser discutidos com serenidade, com a possibilidade de discordâncias. De cordiais discordâncias. A opção pelo ataque ao crítico revela insegurança — coisa que só admiramos em poucos autores –, narcisismo — coisa que só admiramos em Oscar Wilde — e infantilidade — coisas que só admiramos na literatura infantil… Sabem? Eu acho que temos que ser tolerantes com quem leu o livro até o fim. Mas pedir humildade a um autor provinciano é foda. Esse papo de exigir somente as criticas “construtivas” ou de estigmatizar o interlocutor me parece muito aparentado do período Médici, Brasil Ame-o ou Deixe-o. “Se tu não gostas, por que escreveste a respeito?”, ouvi de outro. Ah, outra coisa que me exigem é dar um tom solene à crítica. Nada de humor ou ironia!

Enquanto isso, a literatura e a música ficam lá, num canto, esperando que passe a briga de casal. E não passa.

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Crônica de encerramento do 2º POA Jazz Festival

Crônica de encerramento do 2º POA Jazz Festival

POA Jazz FestivalO 2º POA Jazz Festival teve uma noite de encerramento que aponta tranquilamente para a consolidação do evento em nossa cidade. Afinal, para ver o triplo concerto de Swami Jr., do New York Gypsy All-Stars e de John Surman, lá estavam 1100 pessoas. Isso é gente pacas. E eles não se decepcionaram.

A noite de encerramento começou às 20h de domingo e terminou à 1h30 de segunda-feira. Ainda bem que era feriado.

Tudo começou com o brasileiro Swami Jr. Ele tocou violão solo, mas os melhores momentos foi quando chamou ao palco Alexandre Ribeiro (clarinete e clarone) e Douglas Alonso (percussão). O clarinete de Alexandre Ribeiro tomou conta do palco, engolindo até o protagonista. Mas não pensem mal de Swami. É comum a banda entusiasmar mais do que o artista que fomos ver.

Swami Jr. | Foto: Eduardo Quadros (Divulgação)
Swami Jr. | Foto: Eduardo Quadros (Divulgação)

A mistura de culturas tomou conta do palco com o grupo New York Gypsy All-Stars. Formada nos Estados Unidos com músicos oriundos das principais escolas do país, a banda tem a peculiaridade de possuir como instrumentistas um clarinetista da Macedônia, um baixista grego, um baterista turco e dois norte-americanos de origem judaica. Eles fazem um som do car… dos Bálcãs, melhor dizendo. Com a energia do melhor Goran Bregovic e com o espírito festivo muito particular da região — uma tremenda bagunça com músicos de arrebatador virtuosismo –, os caras fizeram a plateia dançar, bater palmas e vibrar como se estivesse num campo de futebol vendo o seu time vencer o tradicional rival. Jogando bem e bonito. Deixaram uma batata quente para John Surman, que…

The New York Gypsy All-Star | Foto: Eduardo Quadros (Divulgação)
The New York Gypsy All-Star | Foto: Eduardo Quadros (Divulgação)
Essa foto do site de clarinetista Ismail Lumanovski demonstra mais o ambiente do show
Essa foto do site de clarinetista Ismail Lumanovski demonstra mais o ambiente do show

… tirou de letra. Surman é um gigante, literal e metaforicamente. Grande estrela da ECM, onde gravou verdadeiros clássicos do jazz, como Upon Reflexion (solo), Coruscating (com quarteto de cordas) e Brewster’s Rooster (com banda de jazz), este inglês de Tavistock chegou para repor a ordem no festival. Aos 71 anos, entrou sozinho no palco com seu saxofone soprano. Fez um solo sobre uma base pré-gravada por ele mesmo (*). Algo hipnótico que nos tirou do ambiente de festa cigana para voltar ao mundo do melhor jazz — nada contra os ciganos, bem entendido. Começava ali o brilhante encerramento do festival. Surman tocou com os músicos brasileiros Nelson Ayres (piano), Rodolfo Stroeter (baixo) e Ricardo Mosca (bateria), isto é, 3/5 do Pau Brasil.

Entro sozinho e hipnotizo todo mundo | Eduardo Quadros (Divulgação)
Surman poderia ter dito: “Entro sozinho e hipnotizo todo mundo” | Foto: Eduardo Quadros (Divulgação)

O resultado foi absurdamente bom. O Pau Brasil é um supergrupo, Ayres e Stroeter são extraordinários, mas Surman fica um passo acima. A forma como ele ouve os outros músicos, como toma seus solos para si, a sonoridade delicada e profunda de seus sax soprano e do clarone, justificaram plenamente o fato de termos saído de lá em plena madrugada, nesta cidade chuvosa e insegura. O entusiasmo dos músicos que estavam com Surman foi bonito de ver. O baixista Stroeter, por exemplo, parecia querer continuar o show ad infinitum. Por ele, acho que estaríamos até agora lá. Se o estoque de Corujas aguentasse, tudo bem.

Monstros: Surman e Stroeter em ação.
Monstros: Surman e Stroeter em ação | Foto: Francisco Marshall

(*) O clarinetista Augusto Maurer me corrige:

O solo inicial do Surman não foi sobre uma base pré-gravada! Aquilo era um algoritmo que manipulava o que ele tocava EM TEMPO REAL! Como um eco computadorizado, bem sofisticado (alterava oitavas, coisas assim…).

Sartori garantiu um sábado à noite triste em Porto Alegre

Sartori garantiu um sábado à noite triste em Porto Alegre
Sartori pensando: "Por que D. Elsa quis que eu fosse governador? | Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br
Por que D. Elsa quis que eu me tornasse governador? | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Saímos para jantar às 22h. Fomos a um bom restaurante perto de casa, aqui no Bonfim. Ele está sempre lotado. A parrilla ao fundo, a carne bem preparada e a cerveja uruguaia garantem o barulho alegre das conversas. Porém, ontem, quando chegamos, ele estava com as luzes acesas e as portas fechadas. O silêncio era total, parecia uma cerimônia de velório. Dentro, apenas um casal. Já imaginando a resposta, perguntei o que estava acontecendo. “Pouca gente está saindo de casa por causa da insegurança dos últimos dias. Também estamos preocupados, mas podem entrar.”

Pois é, as mortes desta semana e o policiamento rarefeito — e por vezes assassino — apavorou a cidade que está vazia de uma forma esquisita para esta época do ano. A redução do efetivo da Brigada Militar fez o comércio de Porto Alegre adotar medidas para se precaver. As medidas são: fechar mais cedo ou nem abrir. Nunca vi um governante administrar tão mal uma crise. Credo, parece o Planalto!

É estranho. O governo não tem dinheiro, mas suas ações criam um clima que atrapalha o comércio que lhe dá impostos. No mês passado, a arrecadação caiu em 100 milhões. Certamente, vai cair ainda mais este mês, aprofundando a crise. O que é ruim vai ficar pior. Este problema foi cultivado por anos, através de muitos governos. Muitos sabiam e avisaram. O muro que estava longe aproximou-se sem que ninguém tivesse tomado a iniciativa de desviar, seja pagando a dívida quando era possível; seja depois, alterando as regras de pagamento de forma substancial. Orgulho-me de ter sugerido a pauta que gerou a melhor reportagem publicada recentemente em nosso estado a respeito da divida e que comprova o fato de ela ter sido criada por bem mais do que duas ou quatro mãos. Tivemos uma série de governos estaduais ridículos ou razoáveis e todos são igualmente culpados, desde a sumidade que criou a bola de neve, o nada saudoso primeiro governador da ditadura, Euclides Triches. Em seu governo arenista, o crescimento da dívida chegou a 194.4%…

Triches nasceu em Caxias, Sartori em Farroupilha. Nasceram perto um do outro. Não lembro de Triches, mas sei que, no quesito comunicação, Sartori só encontra rival em Dilma Rousseff. Só que ela fala bobagens longamente, enquanto que ele prefere pequenas e exatas frases infelizes. Às vezes ele nem precisa falar, basta dançar que já irrita. E os dois não param. Creio que a recessão federal e a crise gaúcha nos inquietem tanto porque ninguém acredita nas ações de gente tão atrapalhada com as palavras. Tanto jornalista desempregado e ninguém para editar aqueles discursos da Dilma no site do Planalto. E Sartori? Seu staff deve ficar em pânico cada vez que ele pega um microfone.

Hoje, fomos tomar café na outra esquina. Tinha pouca gente na rua, o pessoal está comprando suas coisas no supermercado e sumindo dentro de casa. Os donos dos supermercados devem estar felizes. Só eles pagarão belos impostos. Mas tergiverso. O fato é que estou louco para ir ao cinema. Vou caminhar por nossas ruas tristes.

Se não voltar até a noite, chamem a polícia. Polícia? Bem, sei lá, chamem alguém.

.oOo.

Recadinho a alguns comentaristas:

policia mata

A arte urbana da Porto Alegre da CEEE e do prefeito José Fortunati

A arte urbana da Porto Alegre da CEEE e do prefeito José Fortunati

Eu e Elena costumamos caminhar sem rumo pela cidade. Ela diz que este hábito, realizado sem objetivos ou horários, dá-lhe uma tranquilizadora sensação de férias. Eu aderi. E, assim, é normal irmos para qualquer lado ou lugar, entrando nas exposições, livrarias, restaurantes e cinemas que quisermos, de forma desprogramada, só pela curiosidade. É uma bela interrupção, uma fuga da correria.

Uns dez dias antes, em nossas andanças, já tínhamos visto aquilo, mas achamos que era temporário e não valia o registro. Não era. Então, ao meio-dia do sábado passado, após visitarmos um restaurante tailandês da Rua Miguel Tostes, em Porto Alegre, vimos novamente a coisa. (A propósito, o tailandês é muito bom, mas fica melhor ainda com o desconto do Mobo. A foto de nossa refeição — abacaxi recheado de camarões — está abaixo. Aquelas flores também são comestíveis e a pimenta, apesar de docinha, transforma qualquer um num dragão.)

Mas voltemos a nosso tema.

Foto: Elena Romanov
Foto: Elena Romanov

Depois seguimos na direção da Av. Protásio Alves e do mundo para ver que aquilo não era temporário, mas uma instalação elétrico-artística urbana, uma coisa da arte, com significado e beleza obscuros. Na altura do nº 934 da Miguel Tostes há um emaranhado de fios ao lado de um poste (foto abaixo). Trata-se certamente de uma metáfora de nossas vidas, pois permanecemos em pé, apesar da inextricável floresta de estímulos e problemas. Só alguém tão alto quanto o prefeito Fortunati (1,98m, quase um poste) poderia ter tido esta ideia maravilhosa. A coisa começa lá em cima, perto do céu, e desce até nós, pedestres, através de um aparelho especial, que nos faz concluir que a confusão que nos atinge vem de esferas mais altas.

Foto: Elena Romanov
Foto: Elena Romanov

A coisa certamente não é perigosa, então podemos brincar com as partes da geringonça que vão até quase o chão. Não tive coragem de tocar na instalação — afinal, se os museus fechados não apreciam que metamos a mão nas obras de arte, cumpre seguir a regra –, mas o instrumento tem um simpático ar de Lego decaído.

Foto: Elena Romanov
Foto: Elena Romanov

Porém, se sou um adulto treinado em museus, a maioria das crianças não é. Certamente meus sete leitores permitiriam que seus filhos brincassem com a peça, puxando-a para baixo junto com os fios que a sustêm. Em nossa cidade, ninguém seria irresponsável a ponto de colocar nossas vidas em perigo. Temos segurança.

Foto: Elena Romanov
Foto: Elena Romanov

Abaixo, mas dois aspectos da coisa. Não é lindo?

Foto: Elena Romanov
Foto: Elena Romanov

Então, para caminhar em Porto Alegre, há que olhar para baixo a fim de que se desvie dos milhares de cocôs de cachorro onipresentes em nossas calçadas, para cima a fim de se ver arte urbana e para a frente a fim de que possamos evitar choques com outros pedestres assim como atropelamentos. Desta forma, olhando o mundo como fazem os peixes — as maravilhas podem estar ao lado, em cima ou abaixo — sugiro uma caminhada lenta para que se possa fruir adequadamente Porto Alegre, a cidade que é demais. Isso, é claro, se houver iluminação.

Foto: Elena Romanov
Foto: Elena Romanov

Se você tiver seu celular roubado, chame o Batman

Se você tiver seu celular roubado, chame o Batman
Foto: hojeemdia.com.br
Foto: hojeemdia.com.br

Um amigo teve seu celular roubado num ônibus. Com o sistema de rastreamento, presente na maioria dos smartphones, soube que seu aparelho estava num raio de 20 metros no final da Av. Ipiranga. Sabe como ele descobriu que seu celular estava ativo na mão de outra pessoa? É que, quando entrou no Youtube, notou que havia sugestões de funk para ele ver e ouvir. Funk? Ele detesta funk. Logo concluiu que alguém estava entrando no Youtube com sua identificação.

Como este amigo é muito jovem e vê séries estrangeiras, ligou para a polícia. O policial, nem um pouco constrangido, deu-lhe um conselho: Não vá lá buscar, o cara pode estar armado e não gostar da visita! Tranquilo, o amigo perguntou se eles o buscariam. A resposta foi Nós não fazemos este serviço.

Fico me perguntando se a abordagem seria ilegal — se precisaria uma ordem judicial para autorizar o ingresso dos policiais numa residência, por exemplo — ou se a coisa está de um jeito que aos pequenos roubos a polícia não dá a mínima. Só que para um sujeito que anda de ônibus, ter o celular roubado equivale a um pequeno abalo financeiro. Já um pequeno crime cuja vítima seja um grande empresário, tanto se lhe dá. Mas não quero relativizar nada. Crime e crime e indícios deveriam ser sempre investigados não? Fico me perguntando, repito: se perder meu celular, devo considerar o fato uma fatalidade e comprar logo outro?

Ou chamo o Batman?

Os Bondes de Porto Alegre

Os Bondes de Porto Alegre

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Nasci em Porto Alegre no ano de 1957. Quem nasceu aqui antes de 1960, certamente andou de bonde. Eu os adorava. Numa época em que as crianças iam sozinhas ao centro da cidade sem a menor preocupação dos pais, ele foi uma de minhas glórias infantis. Com ele, eu ia a todos os lugares que me interessavam; todos no centro da cidade. Para a criança que eu era, o bonde elétrico tinha duas vantagens principais: o preço irrisório e o fato de andar em trilhos. Explico: eu sempre desconfiava que os ônibus, por não andarem em trilhos, poderiam me levar por caminhos desconhecidos de onde não saberia voltar. Já os bondes, por estarem presos àquelas ranhuras de ferro cravadas no chão, davam-me total segurança… Eu era esperto, não?

Ir até o fim linha, no centro, proporcionava ao passageiro uma emoção extra: a de ver o trabalho do motorneiro e do cobrador para o retorno. O bonde era bidirecional; não era, portanto, manobrado e nem havia um local para ele fazer uma curva e retornar. Chegávamos ao fim da linha e voltávamos em direção contrária, apenas mudando de um par de trilhos para outro, vizinho e paralelo ao da vinda. Então, o motorneiro retirava os comandos de um lado do bonde e os levava para o outro, ao mesmo tempo que o cobrador caminhava pelo corredor do bonde com os braços abertos, empurrando os encostos para o outro lado, a fim de que as pessoas não trafegassem de costas. Isto era feito, no centro, em frente ao Mercado Público, de onde foi tirada esta foto da Av. Borges de Medeiros.

Aliás, durante o percurso, os cobradores caminhavam sem parar de um lado a outro do bonde pegando o dinheiro dos passageiros. Em horários de pico, com o bonde cheio, muitos diziam que já tinham pago sua passagem, o que podia gerar curtos e barulhentos bate-bocas. Mas digo por experiência própria que a melhor maneira de não pagar era andar como eu gostava, lá na porta dependurado e sentindo o vento bater no rosto, a uma velocidade máxima de uns 40 ou 50 Km/h, calculo eu. Era o momento de maior emoção, quando podia ficar com um dos braços e uma das pernas no ar. Curiosamente, ninguém achava aquilo perigoso, só umas velhas chatas perguntavam se eu e outros meninos queríamos morrer.

À velocidade máxima, o bonde Brill dava a impressão de que ia desmanchar-se, tal era o barulho. O barulho era esquisito e parecia a mim o de garrafas de leite batendo-se umas nas outras. A gente podia ir ao Estádio dos Eucaliptos (o Beira-Rio é de 1969) ver os jogos do Inter de bonde. Em dias de jogo, com o bonde lotadíssimo, era inacreditável o número de torcedores adultos dependurados nas quatro portas. Ao fazer a curva na esquina da Av. José de Alencar e da Rua Silveiro (a rua do estádio), tínhamos a mais espetacular lição de física que se pode imaginar. Nossos gritos, enquanto tentávamos desesperadamente segurar nas barras do bonde, deviam ser dilacerantes. Lembro de ter superado a força centrífuga criada pela curva com a ponta dos dedos, quase caindo. Mas lembro também de vários que saíam pela tangente, às vezes dando de costas nos paralelepípedos. Estranhamente, era normal; nunca vi o motorneiro da Cia. Carris ser advertido por excesso de velocidade, pelo fato de colocar em risco a vida dos pingentes.

Tudo era maravilhoso naqueles tempos para mim românticos, tempos em que andava livremente de bonde pela cidade enquanto o AI-5 dava respaldo a uma ditadura que torturava presos a uma quadra de minha casa, do outro lado da rua (morava na Av. João Pessoa perto do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social). Anos em que o Inter, ao sair dos trilhos da rua Silveiro, mudava-se para o Beira-Rio e o asfalto da Av. Padre Cacique.

bonde porto alegre

Durante o ano de 1961 foram transportados 89 milhões de passageiros em bondes da Carris. Havia bondes belgas, ingleses e norte-americanos. Todos elétricos. Eles existiam desde 1908. Em 1926, já eram mais de cem. Os bondes seguiram operando durante décadas, continuando a arcar com grande parte do transporte de passageiros, que os ônibus pouco a pouco tomavam conta. Finalmente, em 8 de março de 1970, às 20h30, o último bonde fez seu percurso em Porto Alegre. Eu tinha 12 anos e fiquei muito triste, sem entender. Naquele dia, houve solenidade de despedida, à qual compareceram o Prefeito e autoridades.

bonde redencao

Uns burros. Ou espertos, como sabemos hoje da relação do poder público com as empresas de ônibus. Afinal, o serviço da Carris era público.

bonde criancas

Como se faz para chamar o Batman na Redenção? Alguém sabe?

Como se faz para chamar o Batman na Redenção? Alguém sabe?

batman segurança

Precisa refletir um morcego nas nuvens como no filme, tenente-coronel Francisco Vieira, comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM)?

Vou muito à Redenção, quase todo dia, e não sei como carregaria aquele imenso holofote em meus passeios por lá. Talvez nem precise ser muito grande. Afinal, a Redenção está sempre às escuras e qualquer luz que saia de lá deve ser vista, né? Levo a geringonça num carrinho? Já vi que o Whatsapp não dá para usar e, talvez, quando pensar em utilizá-lo, é provável que já esteja sem o celular. Como faço então?

Para quem não sabe, sábado à noite, lá no Parque da Redenção, ocorreu mais uma edição da Serenata Iluminada, evento que discute e estimula a ocupação de locais públicos.

batmanSegundo jornalistas presentes, grupos de assaltantes estavam aproveitando para atacar as pessoas nos locais mais escuros do parque. Os jornalistas então pediram a presença da polícia. A resposta: “Quem frequenta esse tipo de evento não quer BM perto. Agora aguentem! Que chamem o Batman! Ou o super-homem”, escreveu o comandante da BM em um grupo do Whatsapp, frequentado por outros membros da da BM e jornalistas..

E depois completou a obra: “Gente do bem está em casa agora!” Então que saiam dali. Eu não aconselho a ficar ali. Até porque se eu mandar uma viatura lá, com dois PMs, serão hostilizados”, continuou. Também disse que o evento não era autorizado.

Passadas algumas horas, o tenente-coronel voltou atrás. Escreveu que estava brincando e que a BM jamais se negou ou se negará a atender qualquer ocorrência. Mas, por via das dúvidas, tirou a dupla de jornalistas daquele grupo do aplicativo.

Mais um despreparado com poder nas mãos. Começa lá com o Sartori e vem descendo…

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Hoje à noite, Porto Alegre vai parar

Hoje à noite, Porto Alegre vai parar

Certa vez, entrevistei o Zé Victor Castiel e ele me disse que uma das piores coisas que pode acontecer a um espetáculo teatral, em Porto Alegre, é competir com jogos da Libertadores. As pessoas simplesmente somem. A mulher não vai porque o marido quer ver o jogo ou o contrário. A namorada vai acompanhar seu rapaz no bar a fim de assistir a partida. Os gremistas roem as unhas, pedindo aos deuses do futebol que o Inter seja derrotado ou vice-versa. E não saem de casa. Os cinemas e teatros, assim como os restaurantes em que não são mostrados os jogos, ficam desertos. Naquele horário, quem caminha pelas ruas trabalha ou estuda. O dia é ideal para marcar um blind date e não ser visto. Como ficam os motéis? Sei lá, mas acho que é um bom dia, mesmo estejam vendo o jogo na portaria. Os casados que mentiram ver o jogo e foram a um motel também devem ficar de olho para poderem comentá-lo em casa quando chegarem. Só saber o resultado, hoje, não basta.

Sabe o que atrapalha muito o teatro? O calendário do futebol. Temos que pegar a tabela da Libertadores da América e do Brasileiro e fugir daquelas datas e horários. Houve uma vez em que o Grêmio estava nas semifinais da Libertadores e jogaria numa quarta-feira. Nós tínhamos uma apresentação no Bourbon Country na terça e na quarta. Terça tivemos a casa lotada e na quarta, nada. Tabela de futebol é uma coisa que influencia muito. Temos que ficar de olho nela.

Zé Victor Castiel

Perdendo o foco no trabalho | Imagem: Corneta Colorada
Perdendo o foco no trabalho | Imagem: Corneta Colorada

A coisa é tão absorvente que a gente, lá pelo meio da tarde, já vai perdendo o foco no trabalho. Começa a pensar em como será o jogo e, tão importante quanto, no que precisa fazer para ver tudo com conforto. Fui ao supermercado antes da partida contra o Atlético-MG em Belo Horizonte. Um monte de gente comprava cervejas e um idoso, de certamente mais de 80 anos, estava extasiado na fila do caixa, bem na minha frente, contando que seus netos iam ver o jogo na sua casa e que estava comprando aquelas Stellas para eles, todos colorados.

Quem fica de fora não entende. Assim como eu não entendo os religiosos, quem não acompanha futebol deve ficar achando o mundo muito idiota. E somos mesmo um bando de imbecis. Mas nos divertimos.

Ontem à noite, no viaduto para pedestres do Parcão, surgiu uma faixa desesperada, feita por gremistas ou por um colorado muito debochado. Pedia que parassem de falar em imortalidade e contratassem alguém como D`Alessandro, o argentino que tornou-se símbolo do Inter. Eles querem voltar ao protagonismo. Conheço isso de ficar torcendo para um time diferente a cada semana. É mesmo chato. Melhor torcer para o nosso.

gremistas nervosos

Dias tristes: fim da Ipanema, da Sala dos Clássicos e morte do Hagemann

Dias tristes: fim da Ipanema, da Sala dos Clássicos e morte do Hagemann
Charge do Latuff descomemorando o fim da Ipanema
Charge do Latuff descomemorando o fim da Ipanema

Não era um grande ouvinte da Ipanema. Ouvia mais quando tinha carro e precisava de barulho para vencer o som da rua. Era o período glorioso de Kátia Suman e Mary Mezzari. Algumas tardes da Kátia eram realmente extraordinárias. Ela conseguia enfileirar uma tal série de músicas, com um tal ritmo e entusiasmo, que parecia que quem estava fazendo música era ela. É preciso talento e conhecimento para obter aquele efeito e ela conseguia quando queria. Era, deve ser ainda, tarada pelo Led Zeppelin. Mas havia também o alemão Victor Hugo, o Mutuca e programas surpreendentes — e ótimos — como o Musica Mundi e o Arrasa Quarteirão. Acabou. E acabou para virar mais do mesmo. A péssima programação da Band AM vai tomar conta da rádio.

E, ontem à tardinha, fui procurar um CD e dei de cara com a Sala dos Clássicos Eruditos fechada. Era ali na Galeria Chaves, no primeiro andar. Em seu lugar estava uma reles agência de viagens. A loja da Margarida e da Mirta era o local que substituía o porão da King`s Discos da Cristina e do Júlio. Era um local de encontros de músicos e melômanos. A gente podia encomendar o que quisesse. Elas davam um jeito. Passei muitas e boas horas lá. Já conhecia até o banheiro, pois às vezes ficava muito tempo batendo papo…. Mas agora acabou.

LAURO-HAGEMANN-Elson-Sempé-PedrosoE, nesta madrugada, aos 84 anos, morreu Lauro Hagemann. Conheci o velho comuna no partidão. Como escreveu Franklin Cunha, Lauro dignificou a profissão de jornalista, hoje tão justamente criticada por algumas posições políticas, institucionais e empresariais. Era uma voz que se fazia muito presente em minha casa, pois meu pai sempre preferia que a locução dos noticiários viesse pelo Hagemann, que era uma pessoa ética. Lauro foi cassado pela ditadura, tendo um comportamento impecável de oposição durante o período.

Palmeiras sem Raízes e Gatos Voadores

Palmeiras sem Raízes e Gatos Voadores

Apertado ao lado de minha mãe na poltrona marrom, eu a ouvia dizer que as árvores tinham profundas raízes e que se alimentavam da terra, da água e da luz. Ficava imaginando as raízes penetrando lentamente na terra. O que seria mais comprido – a árvore do chão até a última folha balançando ao vento ou a árvore do chão até a mais solitária raiz que tivesse penetrado, talvez inadvertidamente, mais fundo na terra? Como a raiz encontraria seu caminho sem ver nada, na escuridão onde também seríamos enterrados? E se a terra fosse muito dura? E como era aquele negócio de se alimentar de luz? Minha mãe me explicou inutilmente a fotossíntese, a produção de oxigênio durante o dia e de alguma coisa ruim à noite, mas eu, como quase não saía de casa depois que o sol se punha, não achei aquilo digno de preocupação. O que eu entendi perfeitamente foi a questão da água: quando chovia, as raízes bebiam tudo. Dava para notar porque as poças d`água não duravam muito tempo. Era óbvio que as árvores chupavam tudo.

PENTAX Image

Certo dia, estava chegando em casa com meu pai e dei-me conta de que tinha que conversar tudo de novo com minha mãe. Acontece que nossa rua, a Av. João Pessoa, atravessava o Arroio Dilúvio através de uma ponte não muito bonita. Claro que eu sempre soubera que havia palmeiras sobre a ponte, mas como não dispunha de tanta informação sobre as árvores, nunca pensara no problema das raízes. Concluí que tinha que informar minha mãe que nem todas as árvores precisavam delas e que as da nossa ponte viviam apenas de luz e água.

PENTAX Image

Falei com ela. Estranho, sua reação esteve longe de ser uma admissão de seu erro. Antes ficou assustada com as palmeiras: afinal, elas poderiam cair durante uma ventania e eu e meus amigos costumávamos brincar pelas redondezas. Os adultos eram mesmo desatentos -– será que ela nunca vira as palmeiras sobre a ponte e nunca pensara no perigo? E ela morava ali desde 1951!

Mais vivas que o time do Palmeiras
Mais vivas do que o time do Palmeiras

Comentei o assunto com meus amigos, mas logo esquecemos daquelas coisas arbóreas que, comparadas com nossas novas descobertas, não tinham nenhum atrativo. Descobrimos que a ponte era uma tremenda diversão. Dava para descer por suas laterais e caminhar sob ela! A brincadeira de esconde-esconde logo mudou muito. Todos queriam se ocultar ali e, muitas vezes, vi meninos negociando se era permitido ou não se esconder debaixo da ponte. Quem estava procurando tinha pouca chance. O cara descia por um lado e nós, vendo sua sombra, fugíamos a toda velocidade, subindo pelo outro lado.

E a ponte logo despertou outras idéias: como quase todas as pontes, ela passava sobre água e nós tínhamos muitos gatos em nosso bairro. Os gatos eram aqueles bichos que arranhavam nossos cães e que tinham a fama de serem limpos e de saberem cair. Ora, a ponte sobre a água lamacenta e ainda pouco poluída – estamos falando sobre o período entre os anos de 1966 e 1970 -, serviria para que os gatos pudessem comprovar se sabiam mesmo cair e para que constatássemos em quanto tempo eles voltariam a ser os bichos limpinhos de sempre.

Acredito que nunca outra geração de gatos teve tanto medo dos meninos da avenida João Pessoa. Hoje, sou indiferente a eles — amo os cães! –, porém, naquela época, entre meus amigos, participava feliz das espetaculares caçadas àqueles animais. Encontrávamos os gatos onde estivessem, trabalhávamos arduamente por nossa diversão e pelo progresso do conhecimento humano. Havia um, bem branquinho, que ficava hesitando entre mendigar comida na frente da casa de um casal de velhos e correr o perigo de ser capturado por nós. Aos amantes dos gatos, asseguro que nunca batemos neles, nunca os maltratamos. Mesmo! Sempre os levávamos em segurança, apenas procurando escapar dos arranhões, mordidas e ouvindo com altivez aquele som ridículo que emitem com a finalidade de avisar quando estão a fim de briga.

Vista da plataforma de arremesso de gatos
Vista da plataforma de arremesso de gatos

Os vôos eram lindos. Eventualmente, caíam com certa elegância. Porém, o mais das vezes, caíam mexendo desesperadamente as pernas — como se corressem no ar — e muitas vezes entravam na água de costas, de uma forma que desnudava a mentira que nos tinham ensinado. O que valera para as raízes das árvores, passara a valer para os gatos. Eles caíam como caíam. E nadavam de uma forma muito mais feia do que os cães. Nós dávamos risadas, descansávamos um pouco e íamos procurar outros. Afinal, precisávamos de uma boa amostragem para confirmar nossas teses.

Asseguramos que nenhum animal foi maltratado ou veio a falecer durante a pesquisa. Não consideramos como tortura o estresse e a adrenalina… Éramos crianças. Os que saíam lanhados ou com rinite alérgica eram humanos. Aprecie com moderação. Se persistirem os sintomas, vá a outro blog. Este texto foi desenvolvido a partir de material reciclável.

Obs.: Nota-se, por sua baixa qualidade, que as fotos foram tiradas por mim.

Porto Alegre e o muro: a beleza oculta e a que dói de ver

Porto Alegre e o muro: a beleza oculta e a que dói de ver

Meu amigo Carlos, um paulista que nunca tinha visitado Porto Alegre, veio trabalhar aqui por alguns dias. Foi difícil conciliar nossos horários. Porém, lá por quinta-feira, ele me telefonou para dizer que passaria também o fim-de-semana na cidade e que desejava combinar um encontro em que eu teria de explicar-lhe umas coisinhas sobre a cidade. Marcamos para conversar na sexta-feira à noite, no Bar do Beto lotado, em meio ao maior barulho.

— Milton, me diz porque eu andei por todo o lado desta cidade e não vi o rio. Esta porra é um porto ou não?

— Olha, comecemos do começo, bem do começo. Parece que não somos banhados por um rio e sim por uma lagoa.

— ?!

— Pois é, na minha época de estudante, diziam que o Guaíba era um estuário, que é um tipo de foz mais larga que o normal. Mas agora virou lagoa… É que aqui deságuam vários rios que vão dar na Lagoa dos Patos…

— Não entendi nada, mas me diz porque eu não vi o rio.

— Não o procuraste direito.

— Mas eu andei pelo centro, pelo tal Mercado Público que devia estar na frente do porto e não vi nada.

— É que houve uma enchente em 1941 que inundou o centro da cidade, então construíram um enorme muro para evitar uma nova enchente, só que ela nunca ocorreu e, bem, ficamos com uma muralha que nos impede de ver do rio. Para vê-lo tem que entrar por uns portões. Dá para ver o muro do Mercado Público.

— Acho que vi. Mas como é que foi inundar a cidade se a água vai para uma lagoa que deságua no mar?

— Não sei, talvez os ventos tenham represado as águas por aqui.

— Pode ser. Mas você acha normal que construam um muro bem na frente daquele que seria potencialmente o cartão postal da cidade?

— Não, é totalmente anormal. Temos uma relação difícil com o rio.

— Lagoa.

— Sim, lagoa. Tens que ir mais longe para vê-lo, ou vê-la, desculpe.

— E o porto?
— Fica escondido atrás do muro.

— E por que o estádio Beira-rio tem este nome se fica ao lado de uma lagoa?

— Não sei. Provavelmente por ignorância e porque todo mundo chama o Guaíba de rio.
— E por que a rua principal do centro chama-se Rua da Praia, se não tem praia?

— É que havia antes, mas aí poluíram tanto que hoje só dá para olhar. É “imprópria para banhos”.

— Olhar? Com o muro na frente?

— É, já disse, é difícil de olhar, tem que caminhar um pouco.

— E as pessoas tinham que contornar o muro para tomar banho?

— Antes do muro não, né? Só depois. Mas no final da Rua da Praia não há muro.

— Ah.

— E por que todo mundo chama de Rua da Praia se o nome é Rua dos Andradas?

— Antigamente, há uns 50 anos, era Rua da Praia.

— Mas ninguém diz Andradas?
— Não, ninguém. Sabes que o nome da Av. Beira-rio é Av. Edvaldo Pereira Paiva?

— É?

— E que a Rua da Ladeira chama-se Gen. Câmara?

— Hum… Subi a ladeira. Há boas livrarias ali.

— E que o Estádio Olímpico, do Grêmio, tinha este nome devido aos Jogos Olímpicos de Porto Alegre?
— Que nunca aconteceram!

(risadas)

— E o rio, a lagoa, é bonitinha?

— Sim, muito. Tem um desenho de ilhas bem aqui na frente que é muito interessante.

— Só que não se vê.

— Sim, só se vê o desenho delas do alto de alguns edifícios..

— Vocês são uns neuróticos.

Naquele momento, passou uma morena equipada com um rosto e sorriso lindos. Meu amigo quedou-se mesmerizado.

— De onde saiu esta maravilha, Milton? Me explica isto! Estou estupefato. A beleza doeu fundo em mim. A beleza dói quando é excessiva. É injusto. É injusto para quem apenas vê sem tocá-la.

Ficou alguns segundos em recuperação.

— E as mulheres, como são?

Em 2011, foi feito um painel fotográfico de 45 metros de largura mostrando a vista que as pessoas teriam caso o muro não estivesse lá
Em 2011, foi feito um painel fotográfico de 45 metros de largura mostrando a vista que as pessoas teriam caso o muro não estivesse lá

Boa tarde, Diego Aguirre. Mais compostura, por favor, prefeito Fortunati

Boa tarde, Diego Aguirre. Mais compostura, por favor, prefeito Fortunati

Vou escalar o time para ti: Alisson; Léo (já que tu gostas), Ernando, Alan Costa e Fabrício; Freitas, Aránguiz, Dale e Alex; Sacha e Vitinho. E estamos conversados. Deixa o Anderson e o Réver no banco. São craques, mas estão fora de forma. Nilton também está mal fisicamente. Não é hora deles. Rafael Moura nem pensar, deixe-o afastado até do banco de reservas para não dar vontade. Sabe-se, às vezes a gente se desespera e toma decisões equivocadas. Em seu lugar, convide o Bruno Gomes para ficar no banco. Mas só o coloque se estivermos ganhando. Se a coisa estiver complicada, ponha outro, mas nunca Rafael Moura, OK?

Obrigado.

.oOo.

O Grêmio anda bem divertido. Liguei o rádio ontem à noite — sempre tomo banho com o rádio ligado –, estava na hora das coletivas pós-jogo. O Felipão e o diretor Rui Costa falavam com tamanha tranquilidade que achei que o time tivesse saído vitorioso. Não, a coisa tinha sido um melancólico 0 a 0. Um mau Gauchão não dá nada, o problema é entrar assim no Brasileiro. Bá, eu gosto quando o Grêmio cai.

.oOo.

Eu jamais iria assistir uma dessas brigas públicas do gênero UFC ou MMA.  Na minha opinião, trata-se de um moderno retorno às arenas, uma espécie de rinha de galos com seres humanos. Ou seja, é uma coisa de gosto pra lá de duvidoso. Sei que é polêmico, mas a maioria das pessoas que tenho como razoáveis concorda comigo. Então acho estranho que o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, vá a um espetáculo violento desses como se fosse a um concerto. Ele tem um cargo importante, de certa forma, ele nos representa. E, no sábado à noite, vai ver um troglodita tentar amassar outro. Para piorar, ainda ufanou-se em seu twitter: “Porto Alegre recebe mais um grande evento internacional: baita público, gente bonita e grandes lutas”. E, como se não bastasse, foi flagrado tirando fotos da gente bonita, mais exatamente das ring girls, as meninas que anunciam os terríveis combates. A tripla baixaria está fartamente documentada.

Olha, eu acho que um sujeito que ocupa um cargo público deveria procurar ter maior cuidado. Há escolhas que uma pessoa pública deveria esconder ou praticar na intimidade.

fortuna

Na semana que vem, completará 4 anos do atropelamento do Neis sem lei (reveja o vídeo)

Na semana que vem, completará 4 anos do atropelamento do Neis sem lei (reveja o vídeo)

Texto de divulgação da Massa Crítica.

Semana que vem completam-se quatro anos que Ricardo Neis covardemente atropelou dezenas de pessoas que participavam da Massa Crítica em Porto Alegre, quatro anos de impunidade. Enquanto o julgamento de Neis ainda nem foi marcado, um jovem que participou das manifestações de 2013 já foi julgado e condenado por quebrar objetos. Ricardo Neis quebrou pessoas. Qual é a prioridade da Justiça?

É contra a impunidade no trânsito, contra os diferentes tratamentos dados pela assim chamada “Justiça” e pela humanização do trânsito que estão marcados diferentes atos para os dias 25, 26 e 27 de fevereiro, marcando os quatro anos do atentado à Massa Crítica.

Dia 25 de fevereiro acontece ato em frente ao Tribunal de Justiça (Av. Borges de Medeiros com Aureliano de Figueiredo a partir das 17h), com posterior marcha. Convidamos as pessoas a trazer percussões, panelas, apitos e materiais para confecção de faixas e cartazes.

Dia 26 de fevereiro acontece uma Pedalada Pelada com o mote “Obscena é a demora da Justiça!”, saindo do Largo Zumbi dos Palmares às 19h.

E dia 27 de fevereiro, como é a última sexta-feira do mês, acontece a já tradicional Massa Crítica.

#NÃOFOIACIDENTE

Querida EPTC

Querida EPTC
Lotações em Porto Alegre: um serviço caro e péssima qualidade
Lotações de Porto Alegre: serviço caro e de péssima qualidade

Hoje à noite, eu e minha namorada chegamos à parada da lotação Auxiliadora, no Shopping Iguatemi, às 21h05 e ficamos esperando até às 21h45, quando desistimos e pegamos um táxi. O curioso é que quando chegamos perguntamos ao fiscal até que horas haveria o serviço. Ele nos respondeu: até às 22h.

Às 21h05 estava chovendo e várias pessoas aguardavam a condução conosco. Durante este período chegaram três lotações Auxiliadora. A primeira deixou os passageiros alguns metros antes da parada e foi embora. Gritei para o motorista e este me disse que estava atrasado e que logo viria outra para nos levar. Pois bem, vieram mais duas e ambas fizeram ainda pior. Deixaram seus passageiros e trataram de nos ignorar, acelerando rapidamente. Fingiram que não estávamos ali. Uma fuga, na verdade.

O que a população deve fazer? Sair sempre de carro? A EPTC sabe que uma boa cidade não é aquela que todos têm carro, mas aquela que qualquer cidadão possa fazer uso de um transporte coletivo confiável, pontual e com frequência e horários previstos?

O serviço pelo qual vocês são responsáveis é caro e de péssima qualidade. E o fato que ora cito ocorre justo no dia em que foi autorizado um novo aumento na tarifa.

Ah, tenho também histórias sobre o serviço de ônibus de nossa cidade. Uso o meu TRI e sou usuário contumaz do transporte público de Porto Alegre. Acho que quase todos os porto-alegrenses têm histórias, na verdade.

Por favor, seria demais aguardar providências?

Acabo de registrar esta reclamação no site da EPTC e no perfil da empresa no Facebook, impossível que não leiam.

A primeira fase da reforma da CCMQ está efetivamente terminada?

A primeira fase da reforma da CCMQ está efetivamente terminada?

Em 20 de dezembro de 2013, a Casa de Cultura Mario Quintana estava assim:

Foto:
Foto: http://www.cultura.rs.gov.br/

Hoje, após as obras de restauro da fachada, quanta diferença!

ccmq 2015 01 08

Informações da própria CCMQ dão conta de que a primeira fase do restauro — fachada, esquadrias, aberturas e telhado — estaria finalizada. A próxima fase será dedicada à acessibilidade e sinalização. Mas… O telhado está realmente finalizado?

A incontornável Liga dos Canelas Pretas

A incontornável Liga dos Canelas Pretas
Provável time da Liga da Canela Preta.
Provável time da Liga da Canela Preta. Qual será?

No tempo que preto não entrava no Bahiano
Nem pela porta da cozinha

Gilberto Gil, em Tradição

Porto Alegre é uma das sete cidades do mundo que têm dois times campeões mundiais — você saberia dizer quais são as outras seis? (*) — e uma história de nosso futebol jamais poderia tangenciar a Liga dos Canelas Pretas, formada por negros em nossa cidade no início do século XX.

A referência feita por Gilberto Gil na canção Tradição, de 1973, é ao Clube Bahiano de Tênis. O tênis é ainda um esporte de elite, mas até 1952 havia clubes de futebol no país que não aceitavam jogadores negros. O último grande clube a incorporar negros a sua equipe foi o Grêmio de Porto Alegre. Na época, por iniciativa do presidente Saturnino Vanzelotti, o clube foi atrás de um grande jogador negro que desse fim, em grande estilo, à discriminação no clube. E contratou o Tesourinha, ex-ídolo do Internacional, que estava no Vasco da Gama do Rio de Janeiro. A chegada dele ao Grêmio seria um choque nos colorados e um grande reforço para o Grêmio. Mas Vanzelotti pensava mais longe: o presidente queria Tesourinha para servir como emblema contra o racismo.

— É de um ídolo como você que eu preciso para provar a todos que esse racismo é errado — teria dito a Osmar Fortes Barcellos, o Tesourinha.

Então, no dia 4 de março de 1952, aos 32 anos, Tesourinha vestiu o novo uniforme para um treino no velho Estádio da Baixada. Um público numeroso nas sociais aplaudiu o novo contratado, enquanto alguns conselheiros reprovaram a contratação, alegando que era a quebra de uma importante tradição do clube. Era apenas um dia de treino, mas uma data histórica para o futebol gaúcho. É incrível pensar que, seis anos depois, o mundo reverenciaria Pelé, um negro de 17 anos, no Mundial da Suécia.

A Liga dos Canelas Pretas

Era o final da longa caminhada iniciada pela Liga dos Canelas Pretas. Este curioso nome era como a população conhecia a Liga Nacional de Futebol Porto-Alegrense, formada no início do século XX na região do antigo bairro da Ilhota, em Porto Alegre, unicamente por “homens de cor”. Também era chamada de Liga “das” Canelas Pretas ou simplesmente Liga Canela Preta.

É muito complicada qualquer pesquisa a respeito dela. Quase não há fotos ou registros escritos e o que conseguimos abaixo é o resultado da consulta a mais de vinte fontes diferentes.

Foto do Sport Club 8 de Setembro
Foto do Sport Club 8 de Setembro

Tudo começou com a discriminação — naturalíssima, na época — praticada pela Liga Metropolitana. Ali, só podiam jogar times de homens brancos. Em resposta, os Canelas Pretas estabeleceram sua liga entre 1910 e 1915, atingindo grande reconhecimento na década de 1920. Como sempre acontece no Rio Grande do Sul, havia dois grandes adversários: o Bento Gonçalves e o Rio-Grandense. Mas havia outras equipes menores, como o Primavera (dos arredores da Rua Gonçalves Dias), o Primeiro de Novembro (formado por funcionários do Forno do Lixão), o Oito de Setembro (da área então chamada de Colônia Africana, hoje o bairro Rio Branco), mais União, Palmeiras, Aquidabã e Venezianos, totalizando nove clubes associados.

Mesmo dentro da Liga havia certa segmentação. O Rio-Grandense (não confundir com outros times homônimos) era um time de mulatos, os chamados “mulatinhos cor-de-rosa”, formado por funcionários públicos e de hotéis. Já o Bento Gonçalves era um time majoritariamente de negros, formado por engraxates e outros profissionais, quase sempre muito pobres.

A discriminação tinha a ver com a sociedade da época, mas também com a estrutura urbana de Porto Alegre. Havia guetos negros como a Colônia Africana, atual bairro Rio Branco, e outros bairros étnicos, o que poderia ajudar a explicar a segregação racial do futebol local. Ou seja, a Liga da Canela Preta e toda a rejeição por parte da liga branca são fatos que não podem ser isolados da dinâmica urbana.

Nos anos 20, a Liga Metropolitana criou sua segunda divisão (a “liga do sabão”, composta pela classe média baixa), absorvendo os melhores jogadores dos Canelas Pretas, o que acabaria por fazer desaparecer a Liga na década de 1930 (possivelmente em 1933, início do profissionalismo no futebol local).

Antonio Carlos Textor, autor do filme A Liga dos Canelas Pretas, fala a respeito das dificuldades que enfrentou na realização da obra:

— Os registros oficiais da liga se perderam na enchente de 1941. Essa história foi praticamente ignorada pela imprensa local e sobreviveu na memória oral da comunidade negra e em raríssimas fotografias. Muita gente, inclusive entidades ligadas ao movimento negro, desconhece esse episódio.

A existência da curiosa Liga de nome peculiar serve apenas deixar evidente as dificuldades dos ex-escravos e seus descendentes para se integrarem à sociedade.

O Internacional

O Internacional teria o primeiro registro de um negro em sua equipe no ano de 1913, o zagueiro Dirceu Alves. Porém, até 1928, apesar de o Internacional possibilitar a inclusão de indivíduos não oriundos da elite em seus quadros, era quase inexistente a presença de jogadores negros em seus quadros. Na década de 30, o Internacional também contribuiu para o fim da Liga dos Canelas Pretas, pois passou a utilizar muitos jogadores negros em seu grupo. A atitude acabou fortalecendo a equipe, absolutamente hegemônica nos anos 40, além de criar o carinhoso apelido de Clube do Povo. Mas os jogadores da Liga não vieram para o Inter por algum amor abnegado. Os atletas negros se transferiam atrás do pagamento de salários, ainda que muito baixos.

O time do Inter dos anos 40, conhecido por Rolo Compressor: negros
O time do Inter dos anos 40, conhecido por Rolo Compressor: negros

O Grêmio

A história da presença de negros no Grêmio é muito contraditória. Além da foto abaixo, que mostra o Grêmio com dois negros em sua equipe nos tempos do lendário goleiro Eurico Lara, que permaneceu no clube entre 1920 e 1935 — quem seriam? –, pesquisas recentes realizadas pelo clube indicam que os primeiros negros (ou pardos) a atuarem foram os Irmãos Carlos e Alfredo Mostardeiro, na equipe principal a partir de 1911 (tendo ingressado no clube em 1909 e participado da segunda equipe em 1910).

O que se sabe é que, a partir dos nos 30, o tricolor não teve negros em suas esquadras até a chegada de Tesourinha em 1952.

Uma crônica do gremista e mulato Lupicínio Rodrigues, publicada no jornal Última Hora em 6 de abril de 1963 (Coluna Roteiro de Um Boêmio) vem em nosso auxílio. Ela está publicada abaixo, finalizando o texto.

Uma foto deveras estranha. O time do Grêmio, com o goleiro Eurico Lara -- que jogou no clube entre 1920 e 1935 -- deitado à frente. Só que há dois negros na foto...
Uma foto deveras estranha. O goleiro Eurico Lara deitado à frente do time do Grêmio. Só que há dois negros na foto…

 

Domingo, estive em um churrasco da Sociedade Satélite Prontidão, onde se reúne a “Gema” dos mulatos de Pôrto Alegre. Lá houve tudo de bom, bom churrasco, boa música e boa palestra. Mas, como sempre, nestas festas nunca falta uma discussão quando a cerveja sobe, lá também houve uma, e, esta foi a seguinte. Uma turma de amigos quis saber porque, sendo eu um homem do povo e de origem humilde, era um torcedor tão fanático do Grêmio. Por sorte, lá estava também o senhor Orlando Ferreira da Silva, velho funcionário da Biblioteca Pública, que me ajudou a explicar, o que meu pai já havia me contado. Em 1907, uma turma de mulatinhos, que naquela época já sonhava com a evolução das pessoas de côr, resolveu formar um time de futebol. Entre estes mulatinhos estava o senhor Júlio Silveira, pai do nosso querido Antoninho Onofre da Silveira, o senhor Francisco Rodrigues, meu querido pai, o senhor Otacílio Conceição, pai do nosso amigo Marceli Conceição, o senhor Orlando Ferreira da Silva, o senhor José Gomes e outros. O time foi formado. Deram-lhe o nome de “RIO-GRANDENSE” e ficou sob a presidência do saudoso Julio Silveira. Foram grandes os trabalhos para escolher as côres, o fardamento, fazer estatutos e tudo que fôsse necessário para um Clube se legalizar, pois os mulatinhos sonhavam em participar da Liga, que era, naquele tempo, formada pelo Fuss-Ball, que é o Grêmio de hoje, o Ruy Barbosa, o Internacional e outros. Êste sonho durou anos, mas no dia em que o “RIO-GRANDENSE” pediu inscrição na Liga, não foi aceito porque justamente o Internacional, que havia sido criado pelo “Zé Povo”, votou contra, e o “RIO-GRANDENSE” não foi aceito. Isso magoou profundamente os mulatinhos, que resolveram torcer contra o Internacional e, sendo o Grêmio seu maior rival, foi escolhido para tal. Fundou-se, por isso, uma nova Liga, que mais tarde foi chamada de “Canela Preta”, e quando êstes moços casaram, procuraram desviar os seus filhos do clube que hoje é chamado o “CLUBE DO POVO”, apesar de não ser êle o primeiro a modificar seus estatutos, para aceitar pessoas de côr, pois esta iniciativa coube ao “ESPORTE CLUBE AMERICANO”, e vou explicar como: A Liga dos “Canelas Pretas” durou muitos anos, até quando o “ESPORTE CLUBE RUY BARBOSA”, precisando de dinheiro, desafiou os pretinhos para uma partida amistosa, que foi vencida pelos desafiados, ou seja, os pretinhos. O segundo adversário dos moços de côr foi o Grêmio, que jogou com o título de “Escrete Branco”. Isso despertou a atenção dos outros clubes que viram nos “Canelas Pretas” um grande celeiro de jogadores e trataram de mudar seus estatutos, para aceitarem os mesmos em suas fileiras, conseguindo levar assim, os melhores jogadores, e a Liga teve que terminar. O Grêmio foi o último time a aceitar a raça porque em seus estatutos, constava uma cláusula que dizia que êle perderia seu campo, doado por uns alemães, caso aceitasse pessoas de côr em seus quadros. Felizmente, essa cláusula já foi abolida, e hoje tenho a honra de ser sócio honorário do Grêmio e ter composto seu hino.

(*) Milão, Madrid, Montevidéu, São Paulo, Buenos Aires e Avellaneda.