Eu estava cansado após um dia complicado de trabalho, mas não me arrependi de ir e achei um verdadeiro crime a pouca presença de público para assistir ao belíssimo recital de música francesa do flautista James Strauss, acompanhado pela pianista Priscila Malanski e pelo soprano Luciana Kiefer.
Quem não foi ao StudioClio na última quinta-feira, perdeu um flautista que demonstrou vivência, conforto e senso de estilo dentro de um programa fascinante e extremamente difícil. E, olha, não foi coisa pouca, ele tocou por 90 minutos, sem intervalos. Ou seja, o cara não cansa… A flauta que ele utilizou foi a mesma — exatamente a mesma e histórica — usada na estreia Prélude à l’après-midi d’un faune, de Claude Debussy, uma das peças do programa.
A sonoridade de Strauss — sempre adequada e temperada de impressionismo — é a de um artista em pleno domínio de seus meios. Aliás, sua sonoridade parece ter melhorado ainda mais à medida que o recital se desenvolvia. Prova de que ele ficou entusiasmado, apesar dos poucos gatos pingados que o assistiam. A boa acústica do StudioClio também ajuda, mas o fato é que o cara toca demais.
Deixo anotado abaixo o programa, para não esquecer:
Saint-Saëns: Une flûte invisible Fauré: Fantaisie for Flute and Piano, Op. 79 Fauré: Morceau de concours for Flute and Piano in F major Debussy: Syrinx Debussy: Prélude à l’après-midi d’un faune Roussel: Joueurs de flûte, Op. 27 Mouquet: Sonata for Flute and Piano, Op. 15 “La flute de Pan” Donjon: Pastorales Doyen: Poemes Grecs (1905) Caplet: Viens! Une Flûte Invisible
Com:
James Strauss (flauta)
Luciana Kiefer (soprano)
Priscila Malanski (piano)
P.S. Ao final, fomos ao Via Imperatore, ali na República…
Ah, e amanhã, domingo, tem mais, agora com a música de Dimitri Cerco e Philip Glass:
A Ospa saiu vencedora no tremendo duelo travado contra a acústica do Auditório Dante Barone na noite de ontem. Cheguei ao local no momento do início do concerto e os lugares mais à frente já tinham sido ocupados. Então, sentei lá atrás. Digamos que ouvi mais do que vi, pois onde eu estava tinha uma dificuldade extra: a necessidade de driblar os dois câmeras que ficaram em pé, fazendo seu trabalho no meio do auditório, mas também atrapalhando o público. Então, sob o meu ponto de vista, o concerto foi mais espreitado do que assistido.
A primeira obra do programa foi o divertido Concerto para violino e cordas – Série Brasil 2010, nº 6, de Dimitri Cervo. Melodioso, cheio de ecos brasileiros e de citações barrocas, o concerto recebeu luxuoso tratamento do solista Emmanuele Baldini, spalla da Osesp e primeiro violino do quarteto de cordas da mesma orquestra. Ontem, Baldini solou e regeu a Ospa. Os aplausos para o santa-mariense Cervo foram inteiramente justos. O pós-modernismo e o poliestilismo é um guarda-chuva que permite grande liberdade aos compositores – uma liberdade que é perigosa, porque deve ser exercida com bom gosto. Cervo passa longe da vulgaridade com sua música bela e acessível, pois igualmente afastada das incomunicabilidades de algumas vanguardas do século XX. Gostei de tudo, das melodias do primeiro e segundo movimentos, assim como da brincadeira com as citações no terceiro.Read More
O concerto de ontem da Ospa teve uma primeira parte bastante interessante. A primeira obra apresentada foi o famoso Adágio para Cordas de Samuel Barber. Se já era uma música conhecidinha, depois que se tornou trilha sonora de Platoon, filme de Oliver Stone, tornou-se parte do repertório de concerto. As cordas da Ospa estiveram impecáveis, mostrando-se translúcidas e leves na tristíssima melodia muito utilizada em velórios.
Depois veio Museu – Uma Canção de Vigília sobre um poema de Armindo Trevisan, do compositor e ex-diretor da Rádio da Ufrgs, Flávio Oliveira. O concerto era dedicado aos 55 anos da emissora, então os dois fatos devem ter alguma ligação. Ou não. Ao menos por mim, o belo poema de Trevisan (Museu, do livro A Serpente na Grama) não podia ser inteiramente compreendido na dicção dos cantores, porém, com o auxílio do programa, obtínhamos as legendas para o entendimento. Quando juntamos letra e composição, tudo cresce muito.
A primeira parte foi finalizada por Série Brasil 2000 nº 4 –Toronubá, excelente composição de Dimitri Cervo. É uma absoluta raridade a forma inteligente com que Cervo utiliza o minimalismo. Ele não torna suas composições meras proezas repetitivas. Há mudanças radicais de tons e ambientes, tanto que depois de um primeiro movimento, absolutamente furioso, há uma espécie de Réquiem onde todo o material temático é readequado e revisitado. Não, o que ouvimos não foi nada comum nem esquecível. Há intenções, conteúdo e significado na obra. Foi o ponto mais alto do concerto e merece um bis especial pela Orquestra Sinfônica de Sergipe:
O programa vinha coerente e certinho, mas então chegamos ao Rachmaninov de meu descontentamento, compositor homenageado “de fato” pela Ospa em 2012. Aqui, nada de conteúdo ou significado, é só beleza… Em Porto Alegre ouve-se mais Rach do que em qualquer outra cidade do mundo, incluindo as russas e americanas. O longuíssimo, vulgar e ornamental Concerto nº 3 para piano e orquestra — composto por Rachmaninov para ele mesmo aparecer — é um enfrentamento parecido com o clássico alagoano ASA de Arapiraca e CRB. Sim, os dois times não se marcam, pois o piano prefere tocar tão sozinho quanto os maiores craques do ASA em seus devaneios de cadenzas sem fim nem finalidade. Foram 42 minutos maçantes, mas que deixaram o público feliz. A pianista era muito boa e rápida, pena a música. Para tirar o gosto e melhorar o humor após a exibição de tantas vaidosas brilhaturas pessoais, passei a manhã ouvindo um CD do Dimitri Cervo e os três Concertos para Piano de Béla Bartók. Mas ainda estou em fase de recuperação.
P.S. — O CRB caiu para Série C do Brasileirão. O ASA ficou na B.
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Abaixo, Marilyn Monroe atenta a um daqueles prosaicômicos solos de Rachmaninov:
A gente aqui é muito chique. Como o titular do espaço resolver ver a peça Deus da Carnificina — uma de suas preferências absolutas — terceirizamos a resenha do Concerto da Ospa de ontem à noite com alguém que conhece muito mais. Não se acostumem, eu voltarei! Sim, o texto a seguir é de Dimitri Cervo, convidado por nós para escrever acerca de um concerto que, pelo visto (ou lido), foi ótimo. Agradeço ao Dimitri por ter concordado tão pronta e simpaticamente com nossa proposta. Aproveito também para me desculpar pela ligação que o tirou da cama, fato que só fui descobrir após lê-lo. Ah, a Ospa apresentará o mesmo programa de ontem na segunda-feira que vem, só que no Teatro Solis, em Montevidéu. Eu não disse que estamos chiques hoje? Com vocês, Dimitri Cervo:
Chego às 20h15 para o concerto da OSPA de ontem à noite, fila no pórtico da Assembléia Legislativa, ingressos esgotados. Após certa apreensão, pelas 20h30 as cerca de 70 pessoas que ficaram de fora são gentilmente convidadas a se acomodar “onde for possível.” Todos entram satisfeitos, com o aquele espírito de imagina-perder-esse-concerto-tchê! Olho ao redor, Assembléia Legislativa lotada, público animado e diversificado, alguns até com mate em punho e ainda consigo sentar bem no meio da sala, enquanto que a maioria se acomoda nas escadas laterais.
O concerto começa, música sublime de Carlos Gomes pairando no ar, José Maria Florêncio consegue extrair o máximo dessa obra prima: Alvorada, de Carlos Gomes. Logo entra Yamandu Costa, violão na mão, jeito “amandueiro”, um pouco levado, de alpargatas e bombacha. Ele é o solista da Fantasia Popular, obra sua em parceria com Paulo Aragão, que teve sua gênese em 2008 e desde então tem sido apresentada no Brasil e no exterior. Os três movimentos fluem maravilhosamente. No final, Yamandu, muito aplaudido, volta para um bis, com a excelente Bachbaridade, uma síntese musical e fonética e do espírito irreverente desse grande artista. Muito ovacionado, coloca o violão acima de sua cabeça, ofertando-o a platéia, simbolizando um “me coloco a serviço desse instrumento e da música”. Grandiosidade e humildade em um mesmo ser.
Falando com Aragão, soube que o processo criativo dessa obra representa o amadurecimento de uma relação artística de mais de uma década. Yamandu lhe passou em gravação inúmeras ideias musicais, e aos poucos elas foram sendo anotadas e modeladas em conjunto por esses dois vizinhos em Botafogo, tomando a forma final nessa excelente obra em três movimentos, em que a expressividade e virtuosidade do violão brasileiro de Yamandu são tão bem balanceadas com os recursos orquestrais.
Na segunda parte José Maria Florêncio voltou a demonstrar porque é um dos maestros brasileiros mais conceituados no mundo. Sua singular e precisa concepção da Bachianas Brasileiras nº 4, de Heitor Villa-Lobos e da contagiante Suíte Sinfônica nº 2 – Pernambucana, de César Guerra-Peixe fecharam a noite em grande estilo.
Após o concerto, ainda tive a honra de partilhar do jantar com Yamandu, Paulo, Florêncio, Tiago Flores e Elisa Cunha. Depois, a grande e boa armadilha do Yamandu, “vamos em algum lugar para uma saideira”. Foi um privilegio trocar ideias com Yamandu, Florêncio e Aragão madrugada adentro, as riquezas que brotaram desse encontro jamais poderá ser reproduzida em palavras. Para resumir, a saideira só terminou na hora de Yamandu ter que ir para o aeroporto, para outro compromisso sinfônico, agora com a Sinfônica Brasileira. E eu que esperava poder dormir um pouco mais hoje, fui despertado com o Milton Ribeiro ao fone. Já que ele não pode ir ao concerto me pediu essa resenha. Fiz o que pude, mas para capturar algo do essencial que aconteceu em música no concerto, e no palavreio do pós-concerto, só um escritor escrevendo um livro, ou um compositor criando música.
Como se dividir em dois (ou quatro): mitose ou meiose?
Há dias em que parece que todos se combinam para marcar eventos juntos. Vejam o que acontecerá nesta noite:
2) Às 19h30: Fronteiras do Pensamento com o economista Amartya Sen, Nobel de Economia e um dos idealizadores do Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, elaborado pela ONU para avaliar as condições de vida da população nos diversos países.
3) Às 19h: Lançamento do Projeto Simões Lopes Neto, no Centro Cultural Palacinho (Av. Cristóvão Colombo, 300), homenageando o centenário dos Contos Gauchescos.
4) Às 22h: Internacional x Fluminense pela Libertadores da América.
E 1) O compositor e pianista Dimitri Cervo, acompanhado de quarteto de cordas, apresenta-se às 19h, no Música na UFCSPA (acho que a sigla é esta, trata-se da ex-Faculdade Católica de Medicina ali da Sarmento Leite). O quarteto é formado por Elena Romanov e Ariel Polycarpo no violino, por Cosmas Griessen na viola e Philip Mayer ao violoncelo. A entrada é gratuita. Música brasileira e minimalista compõem o programa.
Dimitri Cervo começou a destacar-se nacionalmente em 1995, quando sua Abertura e Toccata recebeu o primeiro prêmio no Concurso de Obras Orquestrais do XV Festival de Londrina e foi executada por cinco orquestras brasileiras. Em 2006, lançou seu CD Toronubá, que recebeu o Açorianos de melhor CD erudito.
Suas obras já foram apresentadas em todos os estados brasileiros, e em países como Estados Unidos, Argentina, Paraguai, Portugal, França, Alemanha, Bulgária, Grécia, Suíça, Noruega, Israel e Sérvia.
O Música na UFCSPA é realizado no Salão Nobre da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, na Av. Sarmento Leite, 245, Centro.
Programa:
— Improviso Sobre temas da Abertura Brasil 2012, (para piano solo)
— Série Brasil 2000 n. 2 – Papaji (para violoncelo e piano)
— Série Brasil 2000 n. 6 – Aiamguabê (para piano e quarteto de cordas)
— Série Brasil 2000 n. 8 – Uguabê (para piano e quarteto de cordas)
— Minimalizei-te Baiãozinho! (para quarteto de cordas)
— Série Brasil 2010 n. 4 (para piano e quarteto de cordas)
Pertenço àquele grupo de pessoas que adoram de música e gravações ao vivo. Claro que uma gravação de estúdio deve ser tão perfeita quanto o possível, mas é ao vivo que o artista faz contato direto com seu público; é ao vivo e no entusiasmo causado por esta interação física que temos a expressão mais sincera e direta; é sem a mediação de engenheiros de som, produtores e outros que tais que o verdadeiro artista criará a expressão só passível de ser inventada na presença do receptor. É apenas numa apresentação ao vivo que a música pode ser maior do que quem a executa. Nesses momentos, o artista pode escolher sentimento à técnica e mandar a perfeição às favas em nome da celebração. Mas me entusiasmo e tergiverso…
Acho que nunca Porto Alegre assistiu ao Orfeu de Claudio Monteverdi (pronuncia-se montevêrdi). Por isso e pela beleza da música, foi oportuno o Concerto do StudioClio da última sexta-feira, dedicado a seleções do Orfeu entremeados com explicações de Francisco Marshall a respeito de all that mythology. Num ambiente muito tranquilo e de bom humor, a Confraria Música Antiga apresentou, na primeira parte do programa, algumas peças instrumentais e árias do primeiro grande gênio da música ocidental.
Monteverdi causou sensação com Orfeu, a primeira ópera de todos os tempos. Até aquele momento, em 1607, apenas a poesia lírica fora musicada. Os madrigais duravam de dois a quatro minutos. Então Monteverdi compôs um poema pastoral — uma fábula, como ele próprio a batizou — de uma hora e meia de duração. A tarefa não era nada simples. Ele tinha apenas que descobrir como dar coerência a uma peça com elementos e situações muito diversas por meio de uma nova forma. O que ele tinha na mão? Ora, o madrigal, o recitativo (espécie de canto falado) e sua imaginação. O que ele conseguiu em termos de dramaticidade é espetacular, apesar de utilizar estruturas muito simples e lineares. A história começa alegre e termina em tragédia — com Eurídice (diz-se, em italiano, Euridítche) no quentinho do inferno. Só um gênio com o talento dramático de Monteverdi conseguiria inventar uma nova linguagem que pudesse auxiliar a contar uma história tão cheia de variações de espírito em seu personagem principal. Há um momento especialmente complicado: aquele quando Orfeu pensa que salvará Eurídice e já está prévia e equivocadamente feliz.
A Confraria Música Antiga esteve impecável com Fernando Cordella (cravo). Cíntia de Los Santos (soprano) e Nikolaj De Fine Lichts (flautas) cometeram pecadilhos que só um IMBECIL não relevaria. Pensemos: estamos em Porto Alegre, assistindo a uma peça inédita, preparada para apenas uma noite, pois não há público para mais; ademais, sabemos que a segunda apresentação, aquela para a qual nossa triste cidade não tem público para assistir, é sempre melhor; como se não bastasse, temos uma orquestra sinfônica que só percorre o repertório mais básico, nauseante e batido. Considerando-se tudo isso, eu seria ridículo se perdesse meu tempo apontando os pequenos (mesmo) e DESCONSIDERÁVEIS erros cometidos por quem FAZ CULTURA na cidade. Ainda mais que o conjunto, o ambiente e as explicações nos colocaram perfeitamente no contexto de Monteverdi e de sua ópera.
A segunda parte de all that mythology contou com uma surpreendente e ótima peça de Francisco Marshall e Dimitri Cervo. Solis invictus foi solarmente interpretada por Cíntia de Los Santos, César Rodrigues Pereira (tenor), Dimitri Cervo (piano) e Javier Balbinder (oboé, excelente). Deixou aquele gostinho de ECM New Series no ar. Quem conhece a ECM e seus novos trabalhos sabe que este é um elogio que raros merecem, pois estamos falando ao mesmo tempo de absoluta qualidade e contemporaneidade.
Amanhã à noite (segunda-feira, 21/12), tem mais. O soprano Luísa Kurtz e o pianista Carlos Morejano vão dar um recital certamente superior à foto que acompanha o programa… Conheço o pianista Morejano — é excelente. Luísa Kurtz é colecionadora de boas críticas e pode ser ouvida na gravação abaixo, de som não muito bom, mas onde ficam claras sua potência e belos agudos. O duo está indo para a Itália e o concerto tem nome dramático: Concerto d’addio. Para que não pensemos que se trata de intenção ou ato falho, não seria melhor já deixar agendado um Concerto di ritorno? Hã? Hã?