Doramar ou A Odisseia, de Itamar Vieira Junior

Doramar ou A Odisseia, de Itamar Vieira Junior

Torto Arado recebeu merecido reconhecimento público no Brasil. A história de Bibiana e Belonísia é ótima. É um esplêndido livro que gira em torno de vários temas, preferencialmente a escravidão, o racismo e a situação da mulher. Além disso, dentro de um arcabouço poético raras vezes obtido, também abre um Brasil desconhecido das grandes cidades. O livro é portentoso e vendeu 200 mil exemplares em nosso país tão triste e pouco leitor. Se não me engano, Torto Arado é o terceiro livro de Itamar. Antes, ele havia publicado A Oração do Carrasco e Dias. Pois este Doramar é uma revisão ampliada de Oração. Deixando claro: Doramar não é uma apenas uma reedição revisada. Há inéditos nele.

Sim, ainda prefiro Torto Arado, mas, puxa vida, como Doramar é bom! As razões de sua qualidade são parecidas: traz questões sociais de negros, ribeirinhos, índios, mulheres e alcança profunda compaixão e poesia. Mas a poesia de Itamar não torna as coisas sujas mais belas, ela é um filtro catalisador de impressões, empatias e ódios.

Contos como A Floresta do Adeus, Alma, VoltarDoramar ou A Odisseia retomam o tema das mulheres que enfrentam situações adversas. No último conto, o que dá título ao livro, é narrada a história de uma empregada doméstica que, ao sair do trabalho, vê um cão à morte e queda-se ou desaba em pensamentos sobre sua condição de mulher pobre e negra. O profundamente poético e terrível Meu mar (fé) faz lembrar vagamente outra obra-prima, o conto Mijito, de Lucia Berlin. Alma conta a história de uma escrava que foge e inicia uma caminhada obstinada e solitária ao interior do país. Fala da escravidão e tem um final arrepiante. A Oração do Carrasco é sobre um profissional da morte extremamente pragmático, que não contesta a necessidade de seu ofício, mas que não consegue convencer seu filho a abraçar a mesma profissão. Manto da Apresentação traz o artista plástico Arthur Bispo do Rosário. Os outros contos não são esquecíveis.

O resultado é um painel triste e espantoso. Itamar é um artesão, seus contos trazem um misto de lirismo e dureza, sendo de linguagem extremamente trabalhada, mas cujo suor não é passado ao leitor. A finalização de alguns deles — como A Floresta do Adeus — é de um virtuosismo arebatador. Acho que Itamar é o autor mais vendido atualmente no Brasil e tenho a certeza de que este posto foi raras vezes melhor ocupado.

Recomendo fortemente.

Mesmo inferior a Torto Arado, Doramar é excelente. Itamar veio para ficar.