Aqueles que queimam livros, de George Steiner

Aqueles que queimam livros, de George Steiner

Este curto e brilhante ensaio de George Steiner, recém lançado pela Âyiné, divide-se em três partes: Aqueles que queimam livros, O povo do livro e Os dissidentes do livro.

Steiner é um mestre absoluto. Erudito e metódico, ele é autor de um impressionante número de clássicos para os estudiosos de humanidades — entre os quais Nenhuma Paixão Desperdiçada, Lições dos Mestres e este livro que ora comento.

Steiner não é um otimista, mas dá alguns remédios: os livros seriam um meio seguro para nos tornamos melhores. Pode parecer algo já muitas vezes dito, mas o que vale é a argumentação certeira de Steiner. Li o livro fazendo inúmeras anotações, não dá para abrir meu exemplar sem que se vejam frases ou parágrafos sublinhados. Tudo parece fundamental, necessário, perfeito.

A primeira parte trata do encontro, da relação entre leitor e livro. Esta é imprevisível, vulnerável à mudanças de espírito ou de idade, muito semelhante às afinidades mediadas por Eros.

O encontro com o livro, assim como aquele encontro com o homem ou a mulher destinada a mudar nossas vidas, pode ser completamente casual. O texto que vai nos converter a uma fé, que vai nos fazer aderir a uma ideologia, que dá a nossa existência um fim ou um critério, pode estar a nos esperar na estante de livros de ocasião, de usados, com desconto. Talvez empoeirado e esquecido, ao lado do livro que procurávamos. (…) Um texto é sempre capaz de ressuscitar. Walter Benjamin ensinava, Borges construiu sua mitologia: um livro jamais é impaciente. Ele pode esperar séculos para despertar um eco vivificante.

A segunda parte trata dos judeus e de seu amor pelos livros. Trata do fato de um religioso judeu ter de ler e estudar a Torá, de ser um povo que tem um lápis na mão ao ler um livro. Também fala na resistência da igreja católica à invenção da imprensa. A invenção de Gutenberg serviu muito mais aos protestantes, pois os católicos desejavam seguir com a informação oral, pelos padres.

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A terceira parte fala sobre a tirania do celular, o livro digitalizado e sobre as condições políticas e culturais que favorecem ou não o livro. Fala-se da postura dos escritores e filósofos nazistas — habitantes de um país altamente culto e produtivo mesmo durante Hitler –, de Wagner, da variedade demencial de lançamentos de livros — 121 mil novos títulos são lançados no Reino Unido a cada ano — e de sua efemeridade, pois se não vendem vão para o balcão de ofertas em 20 dias. Fala-se também na relação entre censura — a grande propulsora de metáforas, segundo Borges — e criatividade.

Sem dúvida, um livro de um mestre, um clássico moderno.

George Steiner (1929) | Wikimedia Commons

George Steiner: “Estamos matando os sonhos de nossos filhos”

George Steiner: “Estamos matando os sonhos de nossos filhos”

No El País — Cultura

Aos 88 anos, o filósofo e ensaísta denuncia que a má educação ameaça o futuro dos jovens

George Steiner, em sua casa em Cambridge | Antonio Olmos
George Steiner, em sua casa em Cambridge | Antonio Olmos

Primeiro foi um fax. Ninguém respondeu à arqueológica tentativa. Depois, uma carta postal (sim, aquelas relíquias que consistem em um papel escrito colocado em um envelope). “Não responderá, está doente”, avisou alguém que lhe conhece bem. Poucos dias depois, chegou a resposta. Carta por avião com o selo do Royal Mail e o perfil da Rainha da Inglaterra. No cabeçalho, estava escrito: Churchill College. Cambridge.

O breve texto dizia assim:

Prezado senhor,
O ano 88º e uma saúde incerta. Mas sua visita seria uma honra.
Com meus melhores votos.
George Steiner.

Dois meses depois, o velho professor havia dito “sim”, colocando um término provisório à sua proverbial aversão às entrevistas.

O professor de literatura comparada, o leitor de latim e grego, a eminência de Princeton, Stanford, Genebra e Cambridge; o filho de judeus vienenses que fugiram dos nazistas, primeiro a Paris e, em seguida, a Nova York; o filósofo das coisas do ontem, do hoje e do amanhã; o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2001; o polemista e mitólogo poliglota e autor de livros vitais do pensamento moderno, da história e da semiótica, como Errata — Revisões de Uma Vida, Nostalgia do Absoluto, A Ideia de Europa, Tolstoi ou Dostoievski ou A Poesia do Pensamento, abriu as portas de sua linda casinha de Barrow Road.

O pretexto: os dois livros que a editora Siruela publicou recentemente em espanhol. De um lado, Fragmentos, um minúsculo, ainda que denso compêndio de algumas das questões que obcecam o autor, como a morte e a eutanásia, a amizade e o amor, a religião e seus perigos, o poder do dinheiro ou as difusas fronteiras entre o bem e o mal. De outro, Un Largo Sábado, um inebriante livro de conversas entre Steiner e a jornalista e filóloga francesa Laure Adler.

O motivo real: falar sobre o que fosse surgindo.

É uma manhã chuvosa no interior de Cambridge. Zara, a encantadora esposa de George Steiner (Paris, 1929), traz café e bolos. O professor e seus 12.000 livros olham o visitante de frente.

Pergunta. Professor Steiner, a primeira pergunta é como está sua saúde.

Resposta. Ah, muito ruim, infelizmente. Já tenho 88 anos, e a coisa não vai bem, mas não tem problema. Tive e tenho muita sorte na vida, e agora a coisa vai mal, embora ainda tenha alguns dias bons.

P. Quando alguém se sente mal… é inevitável sentir nostalgia dos dias felizes? O senhor foge da nostalgia ou pode ser um refúgio?

R. Não, a impressão que se tem é de ter deixado de fazer muitas coisas importantes na vida. E de não ter compreendido totalmente até que ponto a velhice é um problema, esse enfraquecimento progressivo. O que mais me perturba é o medo da demência. Ao nosso redor, o Alzheimer faz estragos. Então, para lutar contra isso, faço todos os dias exercícios de memória e atenção.

P. E como são?

R. Você vai se divertir com o que vou contar. Eu me levanto, vou para o meu pequeno estúdio de trabalho e escolho um livro, não importa qual, aleatoriamente, e traduzo uma passagem para os meus quatro idiomas. Faço isso principalmente para manter a segurança de que conservo meu caráter poliglota, que é para mim o mais importante, o que define a minha trajetória e meu trabalho. Tento fazer isso todos os dias… e certamente parece ajudar.

P. Inglês, francês, alemão e italiano…

R. Isso mesmo.

P. Continua lendo Parmênides todas as manhãs?

R. Parmênides, claro… bem, ou outro filósofo. Ou um poeta. A poesia me ajuda a concentrar, porque ajuda a memorizar, e eu, sempre, como professor, defendi a memorização. Eu adoro. Carrego dentro de mim muita poesia; é, como dizer, as outras vidas da minha vida.

P. A poesia vive… ou melhor, no mundo de hoje sobrevive. Alguns a consideram quase suspeita.

R. Estou enojado com a educação escolar de hoje, que é uma fábrica de incultos e que não respeita a memória. E que não faz nada para que as crianças aprendam as coisas com a memorização. O poema que vive em nós, vive conosco, muda conosco e tem a ver com uma função muito mais profunda do que a do cérebro. Representa a sensibilidade, a personalidade.

P. É otimista em relação ao futuro da poesia?

R. Extremamente otimista. Vivemos uma grande época de poesia, especialmente entre os jovens. E escute uma coisa: muito lentamente, os meios eletrônicos estão começando a retroceder. O livro tradicional retorna, as pessoas o preferem ao kindle… Preferem pegar um bom livro de poesia em papel, tocá-lo, cheirá-lo, lê-lo. Mas há algo que me preocupa: os jovens já não têm tempo… De ter tempo. Nunca a aceleração quase mecânica das rotinas vitais tem sido tão forte como hoje. E é preciso ter tempo para buscar tempo. E outra coisa: não há que ter medo do silêncio. O medo das crianças ao silêncio me dá medo. Apenas o silêncio nos ensina a encontrar o essencial em nós.

P. O barulho e a pressa… Não acha que vivemos com muita pressa? Como se a vida fosse uma corrida de velocidade e não uma corrida de fundo… Não estamos educando nossos filhos com muita pressa?

R. Deixe-me ampliar esta questão e dizer-lhe algo: estamos matando os sonhos de nossos filhos. Quando eu era criança, existia a possibilidade de cometer grandes erros. O ser humano os cometeu: o fascismo, o nazismo, o comunismo… Mas, se você não pode cometer erros quando jovem, nunca se tornará um ser humano completo e puro. Os erros e esperanças desfeitas nos ajudam a completar o estágio adulto. Nós erramos em tudo, no fascismo e no comunismo e, na minha opinião, também no sionismo. Mas é muito mais importante cometer erros do que tentar entender tudo desde o início e de uma vez só. É dramático ter claro aos 18 anos o que você tem que fazer e o que não.

P. O senhor fala da utopia e de seu oposto, da ditadura da certeza…

R. Muitos dizem que as utopias são idiotices. Mas, em qualquer caso, serão idiotices vitais. Um professor que não deixa seus alunos pensar em utopias e errar é um péssimo professor.

P. Não está claro por que o erro tem uma fama tão ruim, mas o fato é que essas sociedades extremamente utilitaristas e competitivas possuem essa imagem negativa.

R. O erro é o ponto de partida da criação. Se temos medo de cometer erros, nunca podemos assumir os grandes desafios, os riscos. É que o erro retornará? É possível, é possível, existem alguns sinais. Mas ser jovem hoje em dia não é fácil. O que estamos deixando a eles? Nada. Incluindo a Europa, que já não tem mais nada para lhes oferecer. O dinheiro nunca falou tão alto quanto agora. O cheiro do dinheiro nos sufoca, e isso não tem nada a ver com o capitalismo ou o marxismo. Quando eu estudava, as pessoas queriam ser membros do Parlamento, funcionários públicos, professores… Hoje mesmo a criança cheira o dinheiro, e o único objetivo já parece querer ser rico. E a isso se soma o enorme desprezo dos políticos em relação aos que não têm dinheiro. Para eles, somos apenas uns pobres idiotas. E isso Karl Marx viu com bastante antecedência. No entanto, nem Freud nem a psicanálise, com toda sua capacidade de análise dos traços patológicos, foram capazes de compreender nada disso.

P. O senhor não se simpatiza muito com a psicanálise… É o que dá a entender.

R. A psicanálise é um luxo da burguesia. Para mim, a dignidade humana consiste em ter segredos, e a ideia de pagar alguém para ouvir seus segredos e intimidades me enoja. É como a confissão, mas com um cheque. É o segredo que nos torna fortes, por isso todos meus trabalhos sobre Antígona, que diz: “Posso estar errada, mas continuo sendo eu”. De qualquer forma, a psicanálise está em plena crise. Lembre-se das palavras magníficas de Karl Kraus, o satirista vienense: “A psicanálise é a única cura que inventou sua doença”.

P. E Sigmund Freud?

R. Freud é um dos maiores mitólogos da história. Mas se trata de ficção. Era um romancista excepcional.

Neste momento, George Steiner se levanta, avança lentamente em direção à sua imensa biblioteca e tira de dentro de um velho volume um cartão de visita amarelado escrito à mão em alemão: é um cumprimento de Sigmund Freud aos pais se Steiner por ocasião de seu casamento. “Meu pai o conheceu, eles passeavam juntos na beira do rio”.

P. Retomemos a questão do poder do dinheiro. O senhor tem alguma explicação válida, de um ponto de vista filosófico, de por que os eleitores da Itália, em um determinado momento, e atualmente os da Espanha, decidiram alçar ao poder partidos políticos enfiados até o pescoço na corrupção?

R. Porque existe uma gigantesca abdicação da política. A política tem perdido terreno no mundo todo, as pessoas já não acreditam nela, e isso é muito perigoso. É Aristóteles quem diz: “Se você não quer entrar na política, na ágora pública, e prefere ficar em sua vida privada, então não venha se queixar depois de que são os bandidos que governam”.

P. A velha e tão atual figura da idiotice aristotélica…

R. Exatamente. Uma figura muito atual. Bem, pois eu sinto vergonha de ter gozado desse luxo privado de poder estudar e escrever e não ter querido entrar para a ágora. Eu me pergunto o que ocorrerá com o fenômeno das estruturas políticas em si mesmas. Por todos os lados, triunfam o regionalismo, o localismo, o nacionalismo…é o retorno dos vilarejos. Quando se vê alguém como Donald Trump ser levado a sério pela democracia mais complexa do mundo, tudo é possível.

P. Como o senhor enxerga uma eventual vitória de Trump?

R. Isso não vai acontecer. Hillary irá ganhar. Mas será uma vitória triste, porque essa mulher está esgotada, triturada interiormente. E Putin, então? A violência de uma pessoa como ele parece acalmar as pessoas que não acreditam mais na política, elas os reconforta. Por isso é que o despotismo é o contrário da política.

P. E a relação entre política e cultura? Como vê isso? Outra pergunta: o senhor compartilha a sensação —muito pessoal e subjetiva, por outro lado— de que a cultura, no sentido das “artes”, está estancada, ao contrário dos avanços científicos, que não param de acontecer?

R. É delicado falar sobre isso. Estamos, eu e você, em uma pequena cidade inglesa como Cambridge, onde, desde o século XII, cada geração produziu gigantes da ciência. Hoje em dia, há 11 prêmios Nobel por aqui. Daqui saíram Newton, Darwin, Hawking… Para mim, o símbolo do avanço irrefreável da ciência é Stephen Hawking. Mal consegue mover uma parte de suas sobrancelhas, mas a sua mente nos levou à extremidade do universo. Nenhum romancista, dramaturgo, poeta ou artista, nem mesmo Shakespeare, teria ousado inventar um personagem como Stephen Hawking. Bem. Se você e eu fôssemos cientistas, o tom da nossa conversa seria outro, seria muito mais otimista, pois hoje, toda semana a ciência descobre alguma coisa nova que não conhecíamos na semana passada. Em contrapartida – e isso que lhe digo é totalmente irracional, e espero estar enganado –, o instinto me diz que não teremos amanhã nenhum novo Shakespeare, um novo Mozart ou Beethoven, nem um Michelangelo, um Dante ou um Cervantes. Mas eu sei que teremos um novo Newton, um novo Einstein, um novo Darwin… Sem dúvida alguma. Isso me assusta, porque uma cultura desprovida de grandes obras estéticas é uma cultura pobre. Estamos muito distantes dos gigantes do passado. Espero estar enganado e que o próximo Proust ou Joyce esteja nascendo na casa aqui na frente!

P. O senhor diferencia a “alta” cultura e a “baixa” cultura, como fazem alguns intelectuais de renome, visivelmente incomodados com formas da cultura popular como os quadrinhos, a arte urbana, o pop ou o rock, para as quais se chegou a criar o rótulo de “civilização do espetáculo”?

R. Vou lhe dizer uma coisa: Shakespeare teria adorado a televisão. Ele escreveria para a televisão. E não, eu não faço esse tipo de distinção. O que realmente me entristece é que as pequenas livrarias, os teatros de bairro e as lojas de discos estejam fechando. Por outro lado, os museus estão cada vez mais cheios, as multidões lotam as grandes exposições, as salas de concerto estão cheias… Portanto, cuidado, porque esses processos são muito complexos e diversificados para se querer fazer julgamentos generalizantes. O senhor Muhammed Ali era também um fenômeno estético. Como um deus grego. Homero teria entendido perfeitamente Muhammed Ali.

P. Acredita que veremos a morte da cultura como portadora de formas clássicas já batidas, com sua substituição por outras formas novas?

R. Talvez. Talvez a cultura clássica de caráter patriarcal esteja morrendo e que estejam surgindo formas novas, intermediárias, como uma cultura hermafrodita, bissexual, transexual, e para a qual a mulher contribuirá de uma forma muito especial no sentido de se resgatarem os sonhos e as utopias… Por falar em transexuais e bissexuais, certamente Freud não os viu chegar!

P. O senhor disse certa vez que se arrependia de não ter se arriscado no mundo da criação. Isso é uma espinha travada na garganta?

R. É verdade. Fiz poesia, mas logo me dei conta de que o que estava fazendo eram versos, e o verso é o maior inimigo da poesia. E eu disse também — e há quem jamais tenha me perdoado por isso — que o maior dos críticos é minúsculo diante de um criador. Portanto, vamos deixar claro, e não vamos nos iludir. Eu sou apenas um carteiro, eu sou O Carteiro [referência ao filme O Carteiro e o Poeta]. E me sinto muito orgulhoso disso, de ter entregue as cartas muito bem a tantos e tantos alunos. Mas não tenhamos ilusões.

P. Quem não o perdoou por isso? Colegas seus da universidade?

R. Sim. O que acontece é que existe na universidade uma vaidade descomunal. E cai mal, para eles, que alguém lhes diga claramente que eles são uns parasitas. Parasitas na juba do leão.

P. O crescente desprezo político pelas humanidades é algo desolador. Pelo menos na Espanha. A filosofia, a literatura, ou a história são cada vez mais marginalizadas nos planos educacionais.

R. Isso também acontece na Inglaterra, embora ainda existam algumas exceções em escolas particulares de elite. Mas o próprio conceito de elite já é inaceitável no discurso democrático. Se você soubesse como era a educação nas escolas inglesas antes de 1914… Ocorre que, entre agosto de 1914 e abril de 1945, cerca de 72 milhões de homens, mulheres e crianças foram massacrados na Europa e no oeste da Rússia. É um milagre que a Europa ainda exista! E vou lhe dizer uma coisa em relação a isso: uma civilização que extermina os seus judeus nunca mais conseguirá recuperar aquilo que ela foi antes. Sei que irritarei alguns antissemitas, mas a vida universitária alemã nunca mais foi a mesma sem esses judeus. Uma civilização que mata os seus judeus está matando o seu próprio futuro. Mas, bem, hoje existem 13 milhões de judeus no mundo, mais do que antes do Holocausto.

P. Isso é incrível.

R. Escandaloso! Um escândalo gigantesco!

P. Como o senhor vê o futuro do ser humano? É otimista ou pessimista?

R. O futuro… Não sei. Toda profecia é apenas memória ativa, não se pode prever nada, apenas olhar no retrovisor da história e contar para nós mesmos histórias sobre o futuro. Com certeza haverá duas ou três grandes novas descobertas científicas no campo da genética que introduzirão problemas de ordem moral terrivelmente complexos. Por exemplo: permitiremos que se manipulem as células de um feto?

P. Colocar um freio no avanço científico será também um problema moral…

R. Exatamente. Que direito nós temos? Eu, por exemplo, sou um partidário muito firme da eutanásia. Nós, os velhos, muitas vezes acabamos destruindo a vida dos mais novos, que têm de ficar nos carregando nas costas. Eu adoraria ter o direito de dizer “Obrigado, foi maravilhoso, mas agora chega”. Esse dia ainda vai chegar. Na Holanda e na Escandinávia, já está quase aprovado… Não temos mais recursos para manter vivas tantas pessoas senis ou mesmo dementes. Isso vai de encontro à felicidade de muita gente. Não é justo.

P. Quais momentos ou fatos acha que mais forjaram a sua forma de ser? Entendo que ter que fugir do nazismo junto com seus pais e viajar de Paris a Nova York – magistralmente lembrado em seu livro Errata – é um dos fundamentais, levando em conta que…

R. Direi algo que vai causar impacto. Eu devo tudo a Hitler. Minhas escolas, meus idiomas, minhas leituras, minhas viagens… tudo. Em todos os lugares e situações há coisas a aprender. Nenhum lugar é chato se me dão uma mesa, bom café e alguns livros. Isso é uma pátria. “Nada humano me é alheio”. Por que Heidegger é tão importante para mim? Porque nos ensina que somos os convidados da vida. E temos que aprender a sermos bons convidados. E, como judeu, ter sempre a mala pronta, e se tiver que partir, partir. E não se queixar.

Com tempo para intermediários

Uma amiga minha que é psicóloga está querendo ler Dostoiévski. Tem mais de 30 anos e não direi seu nome pelo simples fato de que discordo de sua abordagem… Ela começou por ler o livro de Bakhtin sobre Dostô, Problemas da Poética de Dostoiévski, e depois lerá Tolstói ou Dostoiévski: um Ensaio Sobre o Velho Criticismo, de George Steiner. O que não entendo é porque não vai direto ao assunto. Lê os criticos depois, porra!

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