Com tempo para intermediários

Uma amiga minha que é psicóloga está querendo ler Dostoiévski. Tem mais de 30 anos e não direi seu nome pelo simples fato de que discordo de sua abordagem… Ela começou por ler o livro de Bakhtin sobre Dostô, Problemas da Poética de Dostoiévski, e depois lerá Tolstói ou Dostoiévski: um Ensaio Sobre o Velho Criticismo, de George Steiner. O que não entendo é porque não vai direto ao assunto. Lê os criticos depois, porra!

:¬))

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  1. Noutro dia mesmo pulei um comentário no blog do Charlles porque ele comentava um livro que está na minha fila de leitura; se lesse a parte do texto dedicada a esse livro, turvaria minha leitura pela abordagem alheia. Melhor ler teoria (não toda, só a literária) depois: você junta sua burrice com a alheia, e aí já são dois zurrando juntos…

    1. Comigo acontece o mesmo. E uma frescura a mais: eu também não gosto de ler teoria logo depois de terminar a leitura, não enquanto eu estou mastigando, revirando o livro. Pois é, não me orgulho dessa frescuragem. Coisa de gente individualista, cruz credo.

      Sobre Dostoiévski, pode-se repetir o que Armstrong disse sobre o jazz: se você precisa pergunta o que é, nunca vai saber.

  2. Eu acho muita insegurança apelar para dois críticos antes de ler um autor. Insegurança essa que só pode vir de duas coisas: falta de intimidade com literatura e a crença arraigada de que os críticos são melhores do que o próprio juízo. Essa falta de intimidade e o detrimento à própria opinião, me fizeram ler que a tua amiga é psicóloga e achar bem típico. As faculdades de psicologia têm uma vontade tão grande de provar que a disciplina é uma ciência, que ignoram toda a produção de outras áreas de conhecimento. Não se lê filosofia, história, literatura, não se lê porra nenhuma; na hora de escrever um artigo na área de psicologia, a cada linha é preciso citar um autor. Nem que seja uma conclusão óbvia tirada da própria leitura do texto. É o habitus profissional, formas de pensar difíceis de abandonar – e acredito que não são abandonadas por quase todos os que permanecem na área.

    (Você pediu e eu escrevi, Milton. Se aparecer psi me xingando a culpa vai ser tua)

  3. Não sei. O livro do qual o Marcos fala, que semi-resenhei em meu blog (Jakob van Gunten, do Walser), eu só tive interesse de ler depois de passar por um ensaio magistral sobre ele escrito pelo Coetzee. Só cheguei a Faulkner, também, após ler as críticas apaixonadas do Garcia Márquez. E Dostoiévski eu comecei a ler instigado pelos debates na escola primária onde estudava. Muitas vezes uma boa introdução crítica (de um crítico honesto e não com más intenções) clareia bastante a leitura futura. Isso não vale, p. ex., para Paulo Francis, que disse uma besteira tremenda sobre Borges.

      1. Bá, lembrei: num filmeco do Woody Allen um personagem (tenista) compra uns livros de bolso do Dostô pra ler, larga-os rapidamente para trocá-los por uma abordagem teórica; munido de uns conceitinhos básicos e rasteiros, consegue enganar seu futuro sogro, como sendo possuidor de vasta cultura e conhecimento do autor de Crime e Castigo…

  4. Só acho bom ler críticos “antes” no caso de uma obra em que estejamos tendo muita dificuldade. Mas mesmo assim, presumo que a pessoa já leu pelo menos um bom pedaço. E Dostoiévski nem é tão difícil. Acho-o mais difícil que vários outros, mas não dá nó no cérebro.

    Mas, em geral, acho bem mais saudável começar pela obra mesmo, e depois fazer um movimento “circular”: livro, crítica, livro, outra crítica, livro de novo, interpretação dos amigos, livro, crítica crítica da 1ª crítica… Tudo isso sem perder de vista as próprias interpretações.

  5. O que direi é uma hipérbole: há muita gente que diz conhecer psicanálise sem ler Freud. Pior e mais frequente: dizer-se lacaniano lendo apenas os comentaristas e os comentadores/facilitadores dos Écrits e os historiadores da psicanálise francesa… e nunca se analisaram!
    Estes são motivos de piada, mas causam muito mal a desavisados.

    1. Cláudio,
      isto é comum em todas as áreas.
      O engraçado é que já li diversas obras do Freud, mas não penso que faze-lo sem uma base adequada me faz “conhecer psicanálise”. Aliás quanto mais leio mais penso assim.
      Fiz análise apenas com Lacaniano, mas não o li nunca. achar que entender de lacan assim seria como dizer que sou um grande médico pois trato com um corpo há mais de 50 anos, o meu.
      Trabalhei 20 anos como consultor, arquitetando sistema de informação, onde estydei teoria do conhecimento, epistemologia etc. O que aprendi é que cada atividade tem profundidades e complexidades que os não iniciados não percebem, apesar de acharem deter todo o conhecimento.

      1. Ops, meu utltimo parágrafo se refere à minha experiência na confecção de sistema para atender diversas atividades, bastante díspares. Todas elas apresentavam seus segredos

  6. Posso estar errado (também, não estou nem ligando se estou ou não), mas quase nunca leio crítica literária. Tem tanto livro que ainda não li, que vou morrer sem ler, e eu vou perder tempo lendo crítica? Ah, os críticos que vão à PQP! ops!

    1. Agora com mais calma, lembrei-me de mais quatro livros em que leituras a priori, ou em paralelo, são interessantes à compreensão da obra.
      1) A Ética, de Spinoza (livro dificílimo).
      2) A Imaginação, de Sartre (livro intragável).
      3) Os Sertões, do Euclides.
      4) Grande Sertão: Veredas, do Guimarães.

        1. Não entendi, Caminhante… Nada impede que ao mesmo tempo se leia uma exegese sobre “Grande Sertão: Veredas” e o próprio.
          A leitura só tem a ganhar.
          Certa feita, estava preocupado com o Sertões do Euclides, pois bem, descobri um ensaio do Augusto de Campos que analisava a dita obra mas sob uma ótica poética. Nunca aprendi tanto sobre a técnica de construção de versos.
          Foi maravilhoso descobrir que Euclides dominava completamente a poesia clássica. Depois da leitura do ensaio do Augusto decidi que a minha poética seria essencialmente clássica, apesar do modernismo ocorrido no Brasil, a partir de 22. Depois do ensaio do Augusto percebi que todo o ferramental poético do concretismo poderia ser instrumento à construção de um verso neo-concreto-clássico (se é que existe isso); ou seja, o que importa é estar diante dum crítico ou de um autor que escrevam com a alma e que amem, incondicionalmente, a arte de seu povo.
          Espero nunca possuir a prepotência de Décio Pignatari que disse certa vez, mais ou menos assim: tudo que leio atualmente em poesia é velho… Ora, meu senhor, velho é o seu jeito de ler e de sentir… Olhe para uma criança que cresce: aí está a poesia nova!

  7. É possível ler Dostoiévski por mero prazer? Li Irmãos Karamazovi e Crime e Castigo devorando páginas com gosto. Há relatos de que enquanto eu os lia, ao meu redor o ar ficava mais pesado, saliva escorria de minha boca, o frio tomava conta do ambiente e eu ria enlouquecido urrando palavras sem nexo. O cara é bom!

  8. De crítico eu li o Harold Bloom, eu curto o senso de humor do cara…agora, começar pelo Baktin, nossa, ele é ultra enrolado, seu texto tem muita firula.

  9. Ò, mas dependendo de quem é o crítico, os ensaios literários podem valer muito mais a pena do que a obra em si.

    As resenhas de Borges valem mais que quase qualquer livro que ele tenha resenhado. As críticas e ensaios de Camus são muuuuito melhores do que os livros sobre os quais discorre. Idem para Isaiah Berlin, idem para George Orwell.

    Boa sorte para a sua amiga!

  10. Acho que o equívoco da discussão é o de pensar que a crítica serve a priori à explicação ou substituição do texto. O comentário é uma declaração de amor ao texto.
    E quanto a tradição milenar do comentário? O que seria da cultura ocidental sem a marginalia, o rodapé, as notas exegéticas? Tradição que começa na literatura Veda, nos Upanishads como extensão ad infinitum do Rig Veda; a multiplicação labiríntica dos Midrashim judaícos sobre a Torah; o Novo Testamento mesmo nada mais é que um elaborado comentário à Bíblia Hebraica, um Haggadah sobre o Antigo Testamento.
    E isso só para ficar nas origens do ofício de comentar. Para não falar de Virgílio como comentarista de Homero. Plotino como marginalia de Platão.
    Jorge Luis Borges, talvez o maior midrashista que tanto o ocidente e o oriente conheceu…

    O leitor sincero ainda teria que admitir que Bakhtin é maior que Rabelais… Refiro-me, claro, ao seu engenhoso comentário sobre Pantagruel…

    Meu ponto é o de que, em certo sentido, não há distinção entre exegese e literatura.
    Apenas não substitua uma pela outra.

    1. Com sinceridade, Rabelais é melhor do que Bakhtin, mesmo considerando a excelência do livro Cultura Popular na Idade Média (acho que se refere a este livro, se o título for esse, se minha lembrança não falhar, etc). O problema básico é um só: sem rabelais Bakhtin não teria escrito lhufas, por mais reiterativos em seus motivos se demonstrem Gargântua e Pantagruel, mesmo assim primores de sária, sarcasmo, ironia, humor, enfim, com aquele travo amargo sob a superfície.

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