Inverno de Sangue em Veneza (Don’t Look Now), de Nicolas Roeg (1973)

Inverno de Sangue em Veneza (Don’t Look Now), de Nicolas Roeg (1973)

Por Tim Brayton.
Traduzido por Milton Ribeiro.

O terceiro longa do diretor Nicolas Roeg, Don’t Look Now, é um filme de terror extraordinariamente peculiar, até porque não funciona realmente como um filme de terror por cerca de 100 de seus 110 minutos. Na maior parte, é um mistério atmosférico cozinhado em fogo baixo, tremendamente perturbador, mas nunca realmente assustador. Mas o filme acaba por ter um segredo: não importa o que pareça, é certamente horrível — no entanto, seus terrores são quase exclusivamente adultos e, na verdade, é provavelmente o filme de terror mais adulto que já encontrei, ou que posso imaginar. O truque de Don’t Look Now está em onde ele localiza seu horror: em vez do medo existencial de um assassino corpulento com uma faca, um alienígena assassino escondido nas sombras, uma coisa sangrenta respirando em seu ouvido — em vez de qualquer coisa ter que tem a ver com o terror de que alguém esteja em perigo imediato de morrer — este filme examina os medos mais sutis e não menos petrificantes de se separar do companheiro de toda a vida, de sobreviver à morte de um filho, de perceber tarde na vida que você não tem todas as respostas e você geralmente não sabe as perguntas. Tal como o filme seguinte do realizador, o filme nominal de ficção científica The Man Who Fell to Earth, este é um exemplo de gênero distorcido até onde pode ir ao serviço de uma arte mais profunda.

Resumido aos seus elementos mais simples, Don’t Look Now é a história de John e Laura Baxter (Donald Sutherland e Julie Christie), cuja filha Christine morre na cena de abertura do filme, afogada em um lago atrás de sua casa na Grã-Bretanha enquanto tentava recuperar uma bola. Alguns meses depois, os Baxter estão em Veneza, onde John supervisiona um projeto para restaurar uma igreja decadente. Certo dia, na hora do almoço, eles conhecem duas irmãs inglesas idosas, Wendy (Clelia Matania) e Heather (Hilary Mason). Esta última é cega, mas também possuidora de uma suposta capacidade psíquica, o que a leva a descrever com detalhes alarmantes o fantasma de Christine, ainda com a capa de chuva vermelha com que morreu, sentada entre John e Laura. “Ela está feliz”, afirma Heather.

Isso dá início a uma crise silenciosa na família Baxter: Laura está feliz pela primeira vez em meses, enquanto John está preocupado com o fato de essas assustadoras mulheres britânicas estarem seduzindo sua esposa para algum tipo de culto maluco. Mas isso não explica a aparição que vê por toda Veneza, uma figura mais ou menos da altura de Christine, vestindo uma capa de chuva vermelha, sempre fugindo dele.

É comumente aceito que Don’t Look Now é um filme confuso, o que suponho ser correto. Se não fosse pela maneira como a trama avança, deixando vários fatos, em sua maioria menores, para serem explicados mais tarde ou não. Ainda há um final que desafia absolutamente a lógica, e mais basicamente até do que essas coisas, há a maneira como Roeg e seu editor Graeme Clifford montaram o filme. Durante todo o tempo, as cenas não progridem de maneira linear do início ao fim: tomadas do “tempo presente” de uma cena são misturadas com flashbacks de coisas que vimos, flashbacks de coisas que não vimos e visões de coisas ainda vir. O efeito é que frequentemente não temos certeza de onde o filme realmente está acontecendo. Há razões narrativas perfeitamente boas para essa ambiguidade: é indicado que John Baxter, sem perceber conscientemente, possui as mesmas habilidades psíquicas que Heather, e como ele é nossa visão do filme, um substituto nosso (em todas as cenas, exceto em duas ou três, na verdade), parece certo que estejamos tão confusos com a fluidez do passado, presente e futuro quanto ele.

Lançar o filme assim “fora do tempo” também tem grandes repercussões na mensagem do filme, que é, em última análise, sobre a incapacidade dos Baxter de lidar com a mudança dos tempos. A morte de Christine nos momentos iniciais é realmente o clímax da narrativa, que detalha a inevitável desintegração do casamento do casal em decorrência da tragédia. Talvez a parte mais famosa de Don’t Look Now seja a cena de sexo que acontece cerca de trinta minutos depois do início do filme: Sutherland e Christie rolando e revelando praticamente tudo o que há para revelar, restando tão pouco para a imaginação que os rumores persistiram por muito tempo, de os atores estavam realmente fazendo sexo diante das câmeras. Há muito que se poderia dizer sobre esta cena que, em última análise, não é tão significativa para o fluxo do filme — embora de todas as muitas cenas de sexo gratuitas na longa história do cinema de terror, poucas tenham sido tão honestas com os personagens — mas as partes mais interessantes para mim são o antes e o depois. Isso acontece logo após o primeiro encontro de Laura com Heather, quando ela ainda está mais feliz com a notícia de que Christine está feliz, e está bem claro, embora ninguém diga, que esta é a primeira vez que os Baxters fazem amor desde o acidente. E então, durante o sexo em si, Roeg faz aquele truque de edição que mencionei: ele continua cortando para o curativo pós-coito e se preparando para sair, de modo que estamos antecipando o fim do ato sexual (o único momento verdadeiramente feliz que os Baxters compartilham) quase assim que começa. Paradoxalmente, uma das cenas de sexo não pornográficas mais eróticas da história do cinema diz respeito às forças que separam o casal envolvido.

Poderíamos continuar — indefinidamente — sobre a cronologia do filme e a maneira desconfortável como Roeg transforma as memórias felizes em terror psicológico, mas há outro elemento de Don’t Look Now que é mencionado com frequência, que é a maneira direta como enterra a lógica em favor da atmosfera, algo que é frequentemente mencionado como a principal falha do filme, e às vezes mencionado como uma coisa menor que você apenas precisa superar, especialmente no final. Esses são argumentos tolos, por pelo menos alguns motivos, o mais fácil deles é que o filme é mais “sobre” a atmosfera do que “sobre” o enredo — a maior parte do drama se passa na cabeça de John, então por que o filme não deveria refletir sua perspectiva distorcida?

A outra razão é pura experiência e me dá uma desculpa para falar um pouco sobre dois diretores que gosto muito, muito. No final dos anos 60 e início dos anos 70, na Itália (país onde se passa Don’t Look Now, não se esqueça), os filmes de terror eram dominados por dois homens, Mario Bava e Dario Argento. Eles faziam bons filmes de terror, do tipo que as pessoas consideram arte e não lixo. De qualquer forma, tanto Bava quanto Argento foram notados em vários momentos de suas carreiras por deixarem o estilo dominar todo o resto em seus filmes, que muitas vezes tendem a enredos inescrutáveis ​​com finais incoerentes (embora os filmes posteriores de Argento, começando aproximadamente com Suspiria de 1977, tornem tudo anterior parecer realismo social). Mas a questão é que Bava e Argento fizeram alguns dos filmes de terror mais eficazes da história: o tipo que passa pelo seu cérebro e causa arrepios diretamente na sua espinha. Um após o outro, estes homens, e os seus colegas menos talentosos, criaram os melhores pesadelos de celulóide que o mundo já conheceu; e apesar da falta geral de coesão narrativa, imagino que todos nós já tivemos pesadelos mais perturbadores do que o filme de terror “realista” mais assustador de todos os tempos.

Bem, não posso provar que Nicolas Roeg alguma vez assistiu a um desses filmes de terror italianos, mas posso dizer com alguma certeza que Don’t Look Now é o mais próximo que qualquer cineasta de língua inglesa já chegou de replicar exatamente a sensação de um dos primeiros filmes de Argento (O Iluminado, de Stanley Kubrick, é o melhor equivalente em inglês do Argento intermediário, e não vamos falar do Argento tardio). Don’t Look Now muitas vezes faz muito pouco sentido como história, faz muito sentido como pesadelo, e sendo britânico e, portanto, pelo menos um pouco mais preocupado com a lógica do que um filme italiano, até nos conta de quem é o pesadelo que estamos assistindo: o de John, que se preocupa constantemente em perder a esposa, ao mesmo tempo em que deixa a grandeza decadente de Veneza — uma daquelas grandes cidades que quase sempre nos lembra a morte, graças não apenas a Thomas Mann, mas a seu estado natural de decrepitude bolorenta — afundar em seu subconsciente e cercá-lo de lembranças de perdas (se eu estivesse inclinado a leituras rigidamente simbólicas de filmes, seria forçado a apontar que, depois de perder uma filha para a água, os Baxter escapam para a cidade mais inundada da face da Terra).

E daí se Don’t Look Now não faz sentido literal? Faz sentido emocional. Não há pior desculpa para um crítico do que dizer simplesmente “deixe o filme tomar conta de você”, mas não consigo pensar em uma maneira melhor de experimentar Don’t Look Now, pelo menos não pela primeira vez. É um filme cuja qualidade está mais na forma como te faz sentir do que no que te faz pensar, e acredito que isso até perdoa aquele final pobre e injustamente difamado, que estou prestes a estragar: John persegue aquela pequena figura vestida de vermelho através de uma Veneza cada vez mais nebulosa (que assume uma poderosa beleza abstrata nos momentos finais), apenas para finalmente alcançá-la e descobrir que não é sua pequena Christine. É uma anã feia (Adelina Poerio), com uma navalha, que ela usa para cortar sua garganta. Não, isso não faz o menor sentido, mas vamos lá: durante todo o filme, tivemos a sensação de que não seria bom da parte de John perseguir a figura da capa de chuva, e quando ele começa a persegui-la no final, temos uma ideia muito clara de que não queremos que ele a pegue e, quando o fizer, ela será a Morte. Isso não precisa ser mais claro para mim do que é. Sua obsessão mórbida com o passado já acabou com sua vida, então por que não amarrar as coisas com um pequeno laço metafórico? Não me importa se a anã faz sentido, fico assustado quando vejo o rosto dela pela primeira vez e, francamente, é difícil para mim ver o que alguém poderia exigir de um filme de terror além de ser assustador. O fato de Don’t Look Now cobrir a maior parte de seus calafrios com roupas muito menos viscerais é sensacional. E ainda é um pesadelo.

Retirado daqui.

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Julie Christie

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Mais uma de Julie Christie

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Onze fatos curiosos sobre Onde os Homens são Homens (McCabe & Mrs. Miller)

Onze fatos curiosos sobre Onde os Homens são Homens (McCabe & Mrs. Miller)

Hoje, na Sala Redenção, às 19h, haverá a apresentação da obra-prima de Robert Altman McCabe & Mrs. Miller (Onde os Homens são Homens ou Quando os Homens são Homens no Brasil). O filme é de 1971 e é espantosamente belo. Ele recebe nota 7,7 no IMDB, 8,7 no Rotten Tomatoes e 5 estrelas no NY Times e na Rolling Stone.

Altman era um iconoclasta que virou uma série de gêneros de cabeça para baixo. M*A*S*H era uma comédia anti-bélica. O Longo Adeus foi uma revisão do noir. E o que dizer de seu Popeye? E, é claro, há McCabe & Mrs. Miller, um “western revisionista” que substitui o tiroteio habitual por sequências em que o herói se esconde e se esconde, tentando ficar de fora. O filme ficou restrito ao sucesso cinéfilo. A maioria do público torceu o nariz. Porém, sua reputação foi inflando ano após ano e agora é considerado um dos melhores Altman. Aqui estão alguns fatos dos bastidores da filmagem.

1. O título inicial era A Aposta de Igreja Presbiteriana.

Embora o filme tenha sido baseado em um romance de 1959 de Edmund Naughton chamado McCabe, o título do trabalho era A Aposta de Igreja Presbiteriana (…), referindo-se a uma aposta de alguns moradores da cidade sobre se McCabe seria morto depois de se recusar a vender seus negócios. É que a cidade se chama Igreja Presbiteriana, em homenagem a sua estrutura mais proeminente. Robert Altman disse que, durante a produção, a Warner Bros. foi contatada por líderes da religião, pedindo que não usassem o nome da instituição em uma história sobre bordéis e jogos de azar. O título foi alterado para John McCabe e, depois, para McCabe & Mrs. Miller.

2. Os atores principais eram um casal da vida real que nunca havia trabalhado junto antes.

Warren Beatty e a grande atriz britânica Julie Christie mantiveram um relacionamento amoroso intermitente por vários anos. Em McCabe & Mrs. Miller, eles aparecem juntos nas telas pela primeira vez. Uma biografia de Christie diz que ela foi contratada antes de Beatty. Outra de Altman diz a mesma coisa, acrescentando que a participação de Beatty foi necessária para garantir o financiamento. Mas uma biografia de Beatty conta que ele concordou em fazer o filme depois de se encontrar com Altman e, posteriormente, “convenceu Christie também”. Então, quem sabe?

3. Os prédios da cidade foram construídos por pessoas que fugiam da Guerra do Vietname.

O filme foi filmado perto de Vancouver em 1970, quando muitos jovens americanos estavam fugindo para o Canadá para escapar da Guerra do Vietnã. Alguns desses homens foram contratados para ajudar a construir a cidade Igreja Presbiteriana e até moraram nela.

4. Alguns dos cenários ainda estavam sendo construídos enquanto o filme estava sendo filmado.

Como o filme foi filmado em ordem cronológica, e como a cidade da virada do século deveria ir se expandindo ao longo da história, fazia sentido economizar tempo realizando o filme durante a construção da cidade. Carpinteiros, vestidos com roupas de época, podem ser vistos em segundo plano em algumas cenas, fazendo trabalhos de construção.

5. O filme foi fotografado de maneira incomum e arriscada.

Altman e seu diretor de fotografia, Vilmos Zsigmond, queriam um visual áspero e antiquado. Eles chegaram a um método que os chefes do estúdio nunca teriam aprovado, se soubessem. A técnica mandava expor levemente o negativo do filme antes de fotografar. Isso dificulta a definição da exposição e aumenta as chances de todo o lote ser danificado. O estúdio não gostou do resultado, mas não havia nada que pudesse ser feito depois de pronto — esta é outra razão pela qual Altman fez assim.

6. A fotografia era inelegível para o Oscar.

A elogiadíssima fotografia ganhou menções em muitas críticas, mas foi ignorada quando as indicações ao Oscar apareceram. Acontece que Zsigmond não era sindicalizado. Ele ingressou na Sociedade Americana de Cinegrafistas em 1973 e foi posteriormente nomeado para quatro Oscars, vencendo em 1978 por Encontros Imediatos de Terceiro Grau, de Steven Spielberg.

7. Entre os custos de produção há o replantio do gramado de um morador.

O local das filmagens, uma área rural perto de Vancouver, era escassamente povoada, mas tinha vizinhos. Um desses vizinhos teve que ser reembolsado pelo custo de ter que replantar seu gramado depois que um burro da produção ter se soltado. Ele comeu a grama do cara. Os funcionários da Warner ficaram surpresos ao ver as despesas listadas, embora certamente não tenha sido a primeira vez que um filme de Hollywood incorreu em despesas por causa de algum animal.

8. As cenas de negociação reproduzem as experiências de Altman com produtores.

Altman disse no comentário do DVD que as cenas de McCabe discutindo valores e preços de venda de seus negócios foram inspiradas por suas próprias negociações com produtores e atores.

9. Os atores escolhiam seus próprios trajes, que não poderiam ser trocados.

O pessoal de figurino de Altman montou uma vasta coleção de roupas de época de todos os tipos, penduradas em prateleiras em um dos edifícios da “cidade”. Os atores, desde os protagonistas até os extras, tiveram liberdade para escolher seus próprios trajes, dentro de certas diretrizes: um par de calças, talvez duas camisas, um casaco, etc. Então eles tiveram que usar essas roupas durante toda a filmagem, e cuidar delas como pessoas do velho oeste, sem a assistência de um departamento de guarda-roupas.

10. Tudo bem se você não conseguir ouvir parte do diálogo.

Como a maioria dos filmes de Altman, McCabe & Mrs. Miller têm diálogos naturalistas e sobrepostos. Em vez de uma pessoa dizer uma linha e depois outra pessoa dizer outra, os personagens falam como pessoas reais, interrompendo-se, gaguejando, falando ao mesmo tempo e parando. Zsigmond perguntou a Altman sobre isso. “Não entendo o que as pessoas de segundo plano estão dizendo”, lembrou o diretor de fotografia húngaro. “‘Bem, Vilmos, você já esteve em bares barulhentos. Você ouve o que essas pessoas estão falando ao fundo? Quero uma trilha sonora real. Às vezes você não entende o que elas estão dizendo.”

11. Altman pode ter sido influenciado por Leonard Cohen.

Altman comprou o álbum Songs of Leonard Cohen em 1967, ouviu-o muito, apaixonou-se por ele e depois largou de mão… Dois anos depois, ele estava em Paris pensando em McCabe, e já sabia que não queria uma trilha de música orquestral. Um amigo tocou o tal álbum de Leonard Cohen e Altman disse: “Essa é a música!” Ele imediatamente procurou Cohen a fim de obter permissão para usar algumas das músicas, que os fãs do filme sabem que são assustadoramente apropriadas. “Foi estranho como as letras dessas músicas se encaixavam no filme”, ​​disse Altman. “Eu acho que inconscientemente, elas devem ter estado na minha cabeça.”

 

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Porque hoje é sábado, Julie Christie, de novo

Porque hoje é sábado, Julie Christie, de novo

Calma, o PHES não está de volta.

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É que demos de cara com uma excelente seleção de fotos de Julie Christie.

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Hoje, ela tem 77 anos. É uma bela senhora.

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É considerada não apenas uma grande atriz, mas pertencendo a uma categoria especialíssima.

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É tratada como “a mais poética das atrizes”.

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Não posso discordar.

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Alguns dizem que ela seria a mais

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“genuinamente glamurosa” e

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“a mais inteligente das estrelas britânicas”.

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Dizem que Julie Julie Christie trouxe uma vida nova e sensual

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ao cinema britânico quando desceu despreocupadamente

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por uma rua em Billy Liar (1963), de John Schlesinger. Read More

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Erico Verissimo, Sílvia, eu e Julie Christie

sexy-julie-christie-petuliaÀs vezes, Erico Verissimo (1905-1975) aparece com um livro novo. Dia desses, vi o pequeno volume Do Diário de Sílvia, um lançamento relativamente recente dos fantasmas do escritor. Fiquei feliz, pois sabia tratar-se de um dos trechos que mais gostei da trilogia O Tempo e o Vento, mais exatamente do terceiro volume da terceira parte do raramente lido O Arquipélago. Explico: hoje, O Tempo e o Vento é vendido em sete volumes: dois de O Continente, dois de O Retrato e três de O Arquipélago. O diário de Sílvia está lá no final, no terceiro volume d`O Arquipélago. Em 1974, a grande professora de literatura e português Sara, a Sarinha do Colégio Júlio de Castilhos, fez com que lêssemos toda a trilogia. Eu tinha 16 para 17 anos e acabei me apaixonando perdidamente pela personagem Sílvia, com a qual fantasiava e convivia diariamente e que me aparecia com o rosto de Julie Christie jovem…

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Para quem não leu o imenso romance, explico que há nele um jogo de ir e vir no tempo entre os anos de 1745 e 1945. A cada capítulo, Erico nos leva a um período diferente e vamos entendendo a estrutura e a história de família Terra Cambará. A Editora Globo foi a primeira a dar-se conta de que os capítulos que formam a história de Ana Terra poderiam ser juntados e arrancados de O Tempo e o Vento — mais exatamente do primeiro volume da trilogia, O Continente — para tornar-se uma novelinha. O mesmo foi feito depois com a narrativa dos feitos do Capitão Rodrigo Cambará, que transformou-se em Um Certo Capitão Rodrigo. Acho que isto foi feito ainda em vida de Erico e, presumivelmente, com sua autorização. Agora, a Cia. das Letras inteligentemente extrai outro trecho do livro e transforma-o num pequeno volume de menos de 100 páginas.

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Não resisti e comprei o livro. Sou dos poucos que considera a terceira parte — O Arquipélago — a melhor das três. Esta avaliação não é nada literária, é baseada simplesmente no fato de que Sílvia está lá. Buscava-a em todas as mulheres. Não era uma fixação baseada em erotismo, era algo mais ligado à afinidade, a uma convivência agradável. Ontem, quando comecei a reler o Diário, ia atrás do que sobrara do Milton adolescente e tentava descobrir se ele não era um idiota completo. Surpreendi-me com três coisas: a primeira é de que ela ainda é fascinante para mim; a segunda foi o alto número de referências políticas que Sílvia faz em seu Diário, escrito entre os anos de 1941 e 1943; a terceira é o grau de franqueza (quase crueza) que ela utiliza para caracterizar o fracasso de seu casamento e o amor irrealizado pelo cunhado Floriano.

Descobri então que minha memória dourou a musa, deixou-a um pouco mais etérea, enquanto ela, aos 25 anos, agora pulsando frente a meus olhos de cinquenta e tantos, trata de tocar modernamente sua realidade na imaginária Santa Fé. Voltei a sonhar um pouco, lembrei bastante dos anos jovens de colegial e, ontem, para lembrar os velhos tempos, fantasiei beber uma champanhe com ela na calçada da Av. João Pessoa, tal como ela (Julie Christie) fez com Truffaut.

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Porque Hoje é Sábado, Vanessa Redgrave, Helen Mirren, Brigitte Bardot, Elizabeth Taylor, Jane Birkin, Julie Christie e Jeanne Moreau

Porque Hoje é Sábado, Vanessa Redgrave, Helen Mirren, Brigitte Bardot, Elizabeth Taylor, Jane Birkin, Julie Christie e Jeanne Moreau

ESTAGIÁRIO (ou Estagiárias, no contexto do Pq Hj é Sáb)


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Tempo inimigo


Zombeteiro


Não facilitador, ingrato


Quando se acha que realmente aprendeu alguma coisa


Acabou o contrato


julie christie 1(Por Eduardo Morais – poema colado no vidro de um ônibus)


Originalmente postado em 26 de abril de 2008.

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Dois Hitchcocks e um Lean

Dois Hitchcocks e um Lean

Nós — eu e minha querida Elena — pegamos alguns DVDs emprestados da Liana Bozzetto e do Alexandre Constantino. São 4 filmes clássicos: O homem que sabia demais, versão de 1956 (que se chama O homem que sabia demasiado em Portugal); A sombra de uma dúvida, de 1942 (Mentira!, em Portugal) –, ambos de Alfred Hitchcock; Doutor Jivago (1965), de David Lean e O Sétimo Selo (1957), de Ingmar Bergman. Não vimos ainda o Bergman. De todos, só não tinha visto A sombra de uma dúvida.

O homem que sabia demais foi filmado duas vezes por Hitchcock. A primeira versão, de 1934, não tinha saído a contento, na opinião do diretor. É curioso como Hitch foca-se no drama pessoal que quer contar, deixando de lado o contexto. É o que interessa a ele. Ele quer que nos preocupemos com o drama do casal norte-americano formado por Doris Day e James Stewart. Não está lá para discutir política internacional ou deitar teses. Claro, a parte política do filme é tensa, mas ela pouco importa na criação do desejado clima de suspense. Então, sabe-se que alguém quer matar o primeiro ministro, que os terroristas têm caras de bonzinhos mas que podem se tornar terríveis para quem se interponha a seus intentos, que o plano era secretíssimo e que o homem comum, Dr. McKenna (Stewart), casualmente soube do que não deveria saber. O velho Hitch usa desbragadamente o artificialismo e a inverossimilhança, mas traz para nós todo o suspense que apreciamos.

Hitch costumava usar romances de segunda linha como base de seus roteiros. Era um artesão muito específico: estava ali para contar bem uma história que mantivesse o espectador ligado durante aqueles miraculosos 90 minutos. E consegue.

A sombra de uma dúvida é um filme de suspense em que os fatos parecem ainda mais complicados de se acreditar. Se não fosse aquele encantado e incondicional amor de irmã, como é que Joseph Cotten obteria morar com a família? E o banana do investigador? E aquele marido abilolado? Como é que ele não via o drama de sua filha Charlie e o entra-e-sai de detetives? Só que tudo isso é necessário para criar a situação.

Cotten está maravilhosamente canastrão no papel principal. Foi um ator de rara inteligência e sensibilidade. Não consigo visualizar um diretor moderno pedindo uma atuação daquele gênero a Cotten, ator que recém saíra do dito melhor filme de todos os tempos, Cidadão Kane (1941), e de Soberba (1942), ambos de Orson Welles. Cotten trabalhava para os filmes, não para si. Ele está perfeito no papel complicado de assassino bonzinho.

E chegamos a Doutor Jivago. Vimos os primeiros 120 minutos, veremos o restante amanhã. Por enquanto, é uma tragédia contida, mas acho que os elementos para um dramalhão já estão em seus lugares. Lara (a belíssima Julie Christie, minha atriz preferida, no papel de Lara Antipova) tem um filho com, provavelmente, Victor Komarovsky (Rod Steiger), que a estuprou na época em que ela, com 17 anos, namorava o jovem romântico e revolucionário Pasha Strelnikov (Tom Courtenay). Por outro lado, Omar Sharif (Yuri Jivago) é casado com a “aristocrata legal que vai sofrer”, Tonya (Geraldine Chaplin). Então a revolução bolchevique bagunça tudo e Lara acaba trabalhando com Jivago num hospital do interior. Lá, ele se apaixona por ela, mas Lara, correta, dá-lhe um pé na bunda. Só que a família de Jivago vai para o interior e ele certamente se encontrará novamente com Lara. Strelnikov? Ora, pensava-se que ele estivesse morto, só que não: o jovem e simples revolucionário tornou-se um imparable bolchevique comedor de criancinhas. Como espetáculo, está valendo a pena ver, apesar do pouco espírito de Pasternak presente. A poderosa cenografia de Lean tem que ser considerada. O cara era um mestre. Mas…

Ah, Elena, que nasceu na Bielorrússia e lá viveu até os 29 anos, não sentiu um ambiente muito russo…
Julie Christie
Julie Christie

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Porque hoje é sábado, Julie Christie

Porque hoje é sábado, Julie Christie

Post de 2011 cujas fotos haviam sumido

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Julie Christie, a grande diva de tantos filmes e tantosposts, completou 70 anos.

Então, aproveito trazer aqui uma de minhas grandes paixões de adolescente.

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Ela, uma britânica nascida em 1941 na Índia, foi uma das musas da geração anterior à minha, mas, por alguma razão, retroagi e passei aqueles anos vendo e revendo seus filmes:…

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… o extraordinário Darling, de John Schlesinger (no Brasil Darling, a que amou demais…), o curioso Petulia, de Richard Lester (no Brasil, Petulia, um Demônio de Mulher…),…

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… o xaroposo Doutor Jivago, de um irreconhecível David Lean, o perfeito O Mensageiro, de Joseph Losey, o grande western McCabe and Mrs. Miller, de Robert Altman (no Brasil Onde os Homens são Homens…), …

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… mais Nashville (Altman), Shampoo (Ashby), Don´t look now (Roeg, no Brasil Um Inverno de Sangue em Veneza) foram engolidos por mim, que via algo mais do que uma bela mulher em Julie Christie.

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Ícone da Swinging London dos anos 60, Julie foi uma espécie irrepetível de anti-estrela.

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Imagine uma excepcional atriz jovem, bonita e ganhadora do Oscar aos 24 anos, tomando sol num parque de Londres nos dias de hoje!

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Além do mais, ela dava entrevistas muito inteligentes, detestava posar para fotos, não fazia comerciais…

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… era declaradamente ateia, fazia questão de escolher seus projetos e, quando era criticada por errar, dizia: …

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…”Minha carreira que se dane”.

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Certamente, era pelo somatório de beleza, pela poesia de suas atuações e pela postura independente que a admirava tanto.

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Aliás, até hoje, aos 70 anos, ainda acho esta imensa atriz bem bonita, bem bonita…

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McCabe & Mrs. Miller, de Robert Altman (1971)

McCabe & Mrs. Miller, de Robert Altman (1971)

Robert Altman fez dezenas de filmes, alguns muito bons, outros lastimáveis. Como a maioria das pessoas, tenho grande admiração por suas histórias polifônicas como Short Cuts, Nashville, O Jogador, O Casamento, etc., mas meus preferidos são aquelas obras que ficaram perdidas lá nos anos 70, Como McCabe & Mrs. Miller (Onde os homens são homens), Brewster McCloud (Voar é com os pássaros) e Três Mulheres.

McCabe & Mrs. Miller é um falso western. Dentro de uma narrativa melancólica, Warren Beatty é um fanfarrão covarde e sonhador, que chega a um remoto lugarejo do oeste americano com a finalidade de montar o primeiro puteiro da comunidade. Mrs. Miller, vivada por uma lindíssima Julie Christie, é a cafetina que vai recrutar moças e garantir pelo gabarito do salão… Como era de se esperar, o local torna-se um sucesso, chamando a atenção de forasteiros que desejam adquirir a casa. Beatty não se dá conta de que a violência é habitual de naquele povoado onde não se dá muita importância a seu charme e carisma. Quando vi No country for old man (Onde os fracos não têm vez), dos irmãos Coen, logo pensei numa longínqua inspiração neste “western” de Altman. Acredito ter razão.

É o mais úmido e barrento dos filmes. Há uma névoa sobre todas as tomadas externas. É como se aquele não fosse um bom lugar para alguém que tão narcisista, cheio de si e “civilizado” como o personagem de Beatty. A trilha sonora de Leonard Cohen sublinha notavelmente o ambiente.

Deve ter em DVD. Saudades.

McCabe and...
McCabe and…
Mrs. Miller
Mrs. Miller

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Julie Christie e Dirk Bogarde em Darling

Julie Christie e Dirk Bogarde em Darling

Dois grandes atores, um excelente filme de John Schlesinger, um Oscar de melhor de atriz, uma boa história. Tudo isso faz de Darling (1965) um filme muito querido a este blogueiro de sete leitores. Como se não bastasse, Julie Christie e Dirk Bogarde são grandes referências deste que vos escreve. Se o segundo é uma referência cultural, a primeira é sexo-cultural, por assim dizer. Sim, o adolescente e o jovem Milton Ribeiro amavam Julie Christie. Aliás, até hoje não podemos deixar de observar com interesse sua extraordinária beleza. Fiquem com ela.

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Cena de Fahrenheit 451 (1966), clássico de François Truffaut

Cena de Fahrenheit 451 (1966), clássico de François Truffaut

Com Julie Christie e Oskar Werner. Baseado no romance homônimo de Ray Bradbury (1920-2012) que apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Montag (Werner), trabalha como “bombeiro” (o que na história significa “incendiário de livros”). O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius.

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Fonte das imagens: o blog O homem que sabia demasiado.

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Porque hoje é sábado, algumas grandes damas

A primeira foto (abaixo) está aqui por tratar-se de Claudia Cardinale. Esbarrei com esta linda imagem dela e, mesmo que esteja acompanhada pelo ogro Klaus Kinski, me apaixonei. Ela tinha 44 anos, porém as outras fotos de hoje só têm …

… mulheres de mais de 50 anos. Algumas têm mais de 60, 70 e uma, mais de 80.

Pois não gostamos só de mulheres bonitas, …

… respeitamos o feminino.

Hoje é um PHES de mulheres muito talentosas, de grandes divas.

De mulheres de muita classe, mas não de classe social ou biológica, e sim …

… daquele gênero que não é apenas um problema de apertar um botão.

Por exemplo, Julie Christie (acima) foi a melhor e a mais poética de todas as atrizes.

Helen Mirren, aos 67 anos, ainda guarda intacto o caráter desafiador dos anos 60.

Sophia Loren, toda napolitana, não olha mais para o decote de Jayne Mansfield; …

… pois a idade deixou-a segura, engraçada e amena. Talvez o tempo tenha feito…

… o mesmo a todas. Sim, sei, eu não deveria sujar este post com sugestões de baixo …

… calão, só que não posso evitar de rir ao imaginar meus sete leitores e leitoras …

recolhendo suas armas… (Ah, Mirren de novo? Sim.)

… para outra oportunidade. Pois escolhi este primeiro PHES de 2013 …

… para uma reversão da expectativa erótica em favor do respeito e do sonho.

Pois o que viveram e fizeram cada uma destas grandes mulheres não cabe …

… nas agendas ou nos cartões-ponto de nenhum de nós. Bem, melhor falar só por mim.

Minha escolha foi por mulheres que mostram suas rugas e o resultado foi tão curioso ….

… que hoje acho belíssima a extraordinária atriz Emma Thompson …

… e sem graça o ex-furacão acima. Melhor pensar detidamente no assunto.

Afinal, aos 55 anos, já já minha faixa etária só se adequará com a das grandes damas.

Obs.: se você não conhecer alguma delas, é só dar uma olhada nas tags, certo?

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A principal musa da (minha) adolescência, Julie Christie

Mais, AQUI.

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François Truffaut, o homem que amava o cinema

Truffaut

Publicado sábado no Sul21.

Durante esta semana, François Truffaut (6 de Fevereiro de 1932) teria completado 80 anos. Em apenas 52 anos de vida – o cineasta faleceu em outubro de 1984, vítima de um tumor cerebral – e 25 de carreira, Truffaut deixou 26 filmes, muitos dos quais figuram de forma definitiva entre os clássicos da arte cinematográfica. Filmes como Jules e Jim (1962), A Noite Americana (1973), Fahrenheit 451 (1966), O homem que amava as mulheres (1977), A Idade da Inocência (1976), A História de Adèle H. (1975) e O Último Metrô (1980), além dos cinco que percorrem os anos de formação de Antoine Doinel, sempre vivido pelo alter ego de Truffaut, o ator Jean-Pierre Léaud – Os Incompreendidos (1959), O Amor aos Vinte Anos (1962), Beijos Proibidos (1968), Domicilio Conjugal (1970) e Amor em Fuga (1979) – , deveriam fazer parte de qualquer cinemateca que tente compreender a evolução do cinema como arte.

Jacqueline Bisset e Francois Truffaut em A Noite Americana, um dos filmes que Truffaut dirigiu e atuou

A seu modo, Truffaut foi um erudito, um estudioso, um sujeito absolutamente tarado por cinema. Vivendo de sala em sala, de cinemateca em cinemateca, afirmou em 1975, numa entrevista durante o lançamento de Adèle H., que vira 15.000 filmes (tinha 43 anos) em sua vida e que às vezes tinha a impressão de que seus trabalhos eram colagens do que fizeram antes outros cineastas. Pura modéstia. Autor sempre original, Truffaut esteve permanentemente na ponta de lança, mesmo que a partir dos anos 70 tenha recuado seu estilo para algo mais clássico, afastando-se da postura de seu amigo e colega Jean-Luc Godard. Anos depois, jovens americanos inspiraram-se em Truffaut não apenas ao ver filmes sem parar, mas fazendo arte e graça ao exporem suas também enormes culturas cinematográficas. Sim, falo de dois dos grandes fãs de Truffaut, Quentin Tarantino e Steven Spielberg.

Doinel na casa da mãe: solidão, cinema, literatura e roubos

Truffaut jamais conheceu seu pai biológico. Foi criado por seus avós maternos, já que a mãe o rejeitara. Aos 10 anos, perdeu a avó e foi morar com a mãe, que estava casada com Roland Truffaut. Este acabou registrando o garoto com seu sobrenome. Porém, rechaçado tanto pelo pai adotivo quanto pela mãe, era péssimo aluno e passava seu tempo vendo filmes e arranjando dinheiro através de pequenos furtos. O primeiro filme que conta a história de Antoine Doinel e seu primeiro longa como diretor, Os Incompreendidos, é a história da adolescência de Truffaut. Ali, na cena final, ao deixar Léaud, ainda um menino, caminhar sem rumo pela praia, o francês captura de forma inesquecível a angústia e as dúvidas do adolescente. Contextualizado, o olhar de Doinel para o espectador é uma surpresa e um questionamento como poucas vezes se vira antes no cinema. Trata-se de um pedido silencioso da mais alta carga emocional.

Esta estreia de Truffaut aos 27 anos ocorreu após alguns anos como crítico de cinema na revista Cahiers du cinéma, fundada por André Bazin. Bazin foi efetivamente o pai tardio de Truffaut. O futuro cineasta tornou-se secretário pessoal de Bazin aos 18 anos, quando obteve a emancipação legal dos pais. Bazin foi quem lhe orientou, introduzindo-o no Objectif 49, um seleto grupo de jovens estudiosos do novo cinema da época, leia-se, principalmente, Orson Welles e Roberto Rossellini. Mais tarde, integrariam o grupo nomes como Jean-Luc Godard e Suzanne Schiffman — roteirista de quase todos os filmes de Truffaut. Ele também participava do Ciné club du Quartier Latin, boletim sobre cinema coordenado por Eric Rohmer. Ali, daria seus primeiros passos como crítico.

trus

E que crítico! Estreou causando enorme polêmica ao atacar o velho cinema francês com sua “tradição de qualidade”. Une Certaine tendance du cinéma française (Uma certa tendência do cinema francês) era um manifesto contra aquela tal “tradição de qualidade”, na verdade um cinema literário muito pobre em termos de dramaturgia e… cinema. Como crítico, Truffaut desenvolveu a noção dos filmes autorais. Neste conceito, o filme é considerado uma produção individual, como uma canção ou um livro. Truffaut defendia que a responsabilidade sobre um filme dependia de uma única pessoa, o diretor. O grande representante de sua teoria era Alfred Hitchcock. Tal conceito foi a base para o surgimento de um movimento que revolucionaria o cinema francês. Criada por jovens cineastas franceses, a Nouvelle Vague (Nova Onda) defendia a produção autoral de filmes intimistas e de baixo custo. E a nova geração, formada principalmente por jovens críticos de publicações especializadas, comprovaram suas teorias através de filmes que se veem até hoje. O início não poderia ser mais espetacular. Os Incompreendidos e, logo depois, ainda em 1959, À bout de souffle (Acossado), dirigido por Godard sobre roteiro de François Truffaut.

Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg em Acossado (1959)

Depois de mais dois filmes, Truffaut chegou ao leve e ousado, talvez discretamente indecente para a época, Jules e Jim. A produção, que recebeu o ridículo título de Uma Mulher para Dois no Brasil, é baseado num romance de Henri-Pierre Roché. Visto hoje, parece uma antologia de cenas clássicas, tanto que foi citado ou copiado por filmes mais recentes. Lembram por exemplo da célebre sequência de Butch Cassidy na qual Paul Newman e Katherine Ross andam de bicicleta ao som de Raindrops keep falling on my head? Está em Jules e Jim. É só procurar. O filme trata do triângulo amoroso entre Jules (Oskar Werner), Jim (Henri Serre) e Catherine (Jeanne Moreau, em magnífico trabalho).

Truffaut e Moreau conversam durante as filmagens de Jules e Jim

Durante as filmagens, aconteceu com Truffaut o que aconteceria com qualquer um: ele se apaixonou por Moreau, então casada com o estilista Pierre Cardin. Fez mais: apaixonou-se e deixou todos nós apaixonados por ela em diversas cenas, mas talvez especialmente naquela em que a faz correr travestida numa ponte. Abaixo, um dos muitos trailers do filme:

http://youtu.be/oPWTJsO89-M

Mais intimista e poético a cada trabalho, Truffaut afastava-se de Godard, que tornava seu cinema cada vez mais político, separando-se de Truffaut tanto em sua obra como pessoalmente. Brigaram. Porém, após dar sequência à saga autobiográfica de Antoine Doinel em 1962, com Amor aos 20 anos, ele paradoxalmente abriu uma exceção em 1966, quando foi à Inglaterra filmar Fahrenheit 451, pesadelo futurista baseado num romance de Ray Bradbury com Oskar Werner e Julie Christie nos papéis principais. É um filme sobre o amor aos livros num futuro totalitário em que eles são sistematicamente queimados. “Por que não popularizar, com a ajuda do cinema, bons títulos literários”, disse na época. Aliás, repassar livros para a linguagem cinematográfica era algo em que era mestre.

Cena de Fahrenheit 451

Outro grande filme foi A Noite Americana, de 1973. Talvez em função no título, é sua obra mais celebrada nos EUA. O título refere-se à técnica de iluminação para simular a noite em filmagens durante o dia. Recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1974. É um filme sobre a realização de outro filme, Je Vous Presente Pamela, ou, melhor dizendo, há um filme dentro do filme. Além de mostrar os bastidores da produção, vemos o próprio diretor atuando. A história acompanha a produção e os problemas das vidas particulares de toda a equipe. É uma bela crônica de amor ao cinema e também sobre o descontrole de um artista sobre a obra. O diretor vivido por Truffaut só busca “salvar o filme”. Deliciosa e leve sem ser fútil, A Noite Americana, deixa-nos ainda mais apaixonados pelo cinema. Dos filmes metalinguísticos, que procuram refletir sobre o cinema através do cinema, A Noite Americana é o melhor exemplar. A alegria que o filme transmite pode ser entendida por uma resposta que Truffaut deu a um jornalista em 1970, falando sobre suas obras: “Eu sou da família de diretores para os quais o cinema é um prolongamento da juventude”.

http://youtu.be/ZnZ_8sjta3I

A elegância clássica e o apuro visual de A História de Adèle H. remete a um outro filme do próprio cineasta, As Duas Inglesas e o Amor. Ambos são fotografados por Nestor Almendros e, além de contar boas histórias, têm cenas que mais parecem quadros. Adèle H. narra o amor e a loucura de Adèle Hugo, a filha de Victor Hugo que persegue um militar pelo qual é apaixonada na França, Canadá e em Barbados. De quebra, apresenta Isabelle Adjani no papel trágico que tentou repetir sem sucesso durante toda sua carreira. Esta love story solitária, esta história de amor protagonizada por apenas um personagem que vai atrás de seu objetivo inatingível, é um dos mais belos estudos sobre o amor e a solidão.

A Idade da Inocência, de 1976, é totalmente diferente. Despojado, livre e improvisado, é metade documentário e metade ficção, da mesma forma que fez antes em O Garoto Selvagem. Aqui, Truffaut acompanha uma turma de adolescentes e pré-adolescentes, observando suas relações, casos amorosos, piadas e brincadeiras. São contadas muitas histórias de jovens de várias classes sociais. Como ensaiavam? “Ora, eu lhes dizia muito poucas palavras para explicar o que elas tinham que fazer e dizer. Queria que elas usassem suas próprias palavras e que fossem naturais em suas atitudes. Funcionou bem mas foi muito cansativo, elas falavam demais e, juntas, faziam muito barulho…”, disse Truffaut sobre o set de filmagens.

Truffaut e algumas das centenas de crianças que participam de "A Idade da Inocência"

1977 foi o ano de outro extraordinário filme, O homem que amava as mulheres. Charles Denner faz o papel de um Don Juan que procura e quase sempre consegue conquistar as mulheres que lhe interessam — quase todas. O filme começa com o funeral de Bertrand (Denner). Mais parece um exército de saias e saltos altos. A seguir, o filme é um catálogo de seduções. Cada mulher é abordada de uma forma diferente, a começar pela moça do serviço de despertador que lhe telefona todos os dias pela manhã e que é chamada de Aurora por Bertrand. “George Simenon afirmava ter ‘conhecido’ 10.000 mulheres… Meu personagem é um aprendiz perto dele. É um poeta que diz que ‘as pernas das mulheres são como hastes de compassos que cavalgam o globo terrestre em todos os sentidos, dando-lhe equilíbrio e harmonia’. Não sei como Simenon conseguia tantas mulheres, mas Bertrand não é alguém vulgar que pega mulheres nos corredores ou no chão. Ele joga o jogo da sedução”.

Para finalizar, destacamos O Último Metrô, que trata da ocupação de um teatro de Paris por parte dos nazistas. O teatro é dirigido por Lucas Steiner (Heinz Bennent), um bem sucedido diretor judeu que supostamente fugiu da França. Sua esposa Marion (Catherine Deneuve), faz de conta assumiu a direção do teatro e da nova peça. Ela contrata o ator Bernard Granger (Gerard Depardieu). Para dirigi-lo em cena, Marion se socorre das orientações de seu marido, que, na verdade, está escondido no porão do teatro. É mais um trio amoroso proposto por Truffaut. Com uma extraordinária trinca de atores nos papéis principais — os citados Deneuve, Depardieu e Bennent –, o filme funciona como poucos.

Catherine Deneuve e Heinz Bennent em cena de "O Último Metrô" (1980)

Truffaut manteve durante toda a sua carreira a marca da paixão: amava o cinema, os livros, as mulheres e sua produção demonstra como poucas o autor que há por trás dos filmes. Vale a pena conhecê-lo.

Abaixo, todos os longas do diretor:

1983 De Repente, Num Domingo (Vivement Dimanche!)
1981 A Mulher do Lado (La Femme d’à Côté)
1980 O último metrô (Le dernier metro)
1979 O amor em fuga (L’amour en fuite)
1978 O Quarto Verde (La chambre verte)
1977 O homem que amava as mulheres (L’homme qui aimait les femmes)
1976 Na idade da inocência (L’argente de poche)
1975 A História de Adèle H. (L’Histoire d’Adèle H.)
1973 A noite americana (La nuit americaine)
1972 Uma jovem tão bela como eu (Une belle fille comme moi)
1971 As duas inglesas e o amor (Les deux anglaises et le continent)
1970 Domicílio conjugal (Domicile conjugal)
1969 O Garoto Selvagem (L’Enfant Sauvage)
1969 A Sereia do Mississipi (La Sirène du Mississipi)
1968 Beijos Proibidos (Baisers Volés)
1967 A noiva estava de preto (La mariée etait en noir)
1966 Fahrenheit 451 (Fahrenheit 451)
1964 Um Só Pecado (La Peau Douce)
1962 Amor aos 20 anos (Antoine et Colette)
1962 Uma Mulher Para Dois (Jules et Jim)
1960 Atirem no Pianista (Tirez Sur le Pianiste)
1959 Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups)

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Porque hoje é sábado

Enquanto Sophia Loren lê,

Romy Schneider pisca,

Anna Karina olha,

Scarlett posa,

Ingrid aponta,

Florinda deita com discos (?),

Liv concentra-se,

e Mia e Sharon (pois Dean não nos interessa) divertem-se,

fico pensando no tremendo cansaço de hoje à noite — que me derrubou às 8.

Preciso de férias e, na semana que vem, a esta hora,

estarei na cidade de Juliette — estará ela lá? —

ou na de Julie

caminhando quilômetros por dia,

fugindo da correria insana que me persegue.

Não sei o que tenho que fazer

para apressar o tempo,

apenas sei

que ainda há algumas pendências

e alguma briga

para, enfim, desaparecer por 15 dias.

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Porque hoje é sábado – Edição Especial

Certa vez, em meu blog anterior, promovi uma eleição — quem seriam as mulheres e os homens mais belos do cinema. O resultado está abaixo:

A Mulher Mais Bela do Cinema: 33 atrizes receberam votação. O destaque foi Branco Leone, que votou em sua própria esposa. Ela é atriz de verdade, mas, assim como Julie Christie, só recebeu um voto, o de seu esposo (as mulheres odeiam as palavras “esposa” e “esposo”, já notaram?). O pódio é formado por:


Ava Gardner (9 votos). Sinatra tinha razão. Depois temos…


Ingrid Bergman (8 votos), mostrando que Rossellini também tinha razão. Ela empatou com…


…Sophia Loren (8 votos), a preferida do baixinho rico, sortudo e nada equivocado Carlo Ponti. Na terceira colocação ficou…


…Rita Hayworth, que não chega a enlouquecer este blogueiro, mas que enlouqueceu muita gente que acha que nunca houve uma mulher como… Vocês sabem.

O Homem Mais Belo do Cinema: 17 atores receberam votos. As fotos abaixo foram escolhidas por minha mulher — imaginem se eu a chamaria de “esposa”… — , que disse que eu não entendia nada de homem. É uma opinião que não chega a me perturbar. Ela procurou fotos de Marlon Brando de camiseta (de Um Bonde Chamado Desejo) e não ficou totalmente satisfeita com as que encontrou. A de George Clooney fez com que ela perdesse muito tempo. Mandou-me publicar a menos pior. Não por culpa de Clooney e sim dos fotógrafos, provavelmente homens pouco sensíveis que não entendem nada de… vocês sabem. Ficou satisfeira com as que escolheu para os amigos Newman e Redford. O destaque aqui vai para Ricardo Branco – outro Branco. Ele votou em si mesmo.

Vamos aos vencedores, com um empate no primeiro lugar:


Paul Newman (7 votos)


Marlon Brando (7 votos)


Robert Redford (5 votos)


George Clooney (4 votos)

P.S.- Antes que alguém largue a piadinha de que meu blog está virando o G Magazine, declaro que voltaremos à programação habitual no próximo sábado.

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