Fahrenheit 451, de Ray Bradbury

Fahrenheit 451, de Ray Bradbury

Fahrenheit 451Fahrenheit 451 (1953) é um livro mais famoso do que bom. O filme de Truffaut, realizado em 1966, ergueu demais uma obra apenas média. E olha, acordei indulgente hoje. Sei que Bradbury finalizou o romance apenas oito anos depois da Segunda Guerra Mundial, vinte anos depois que começaram os incêndios de livros na Alemanha Nazista e no ano da morte de Stalin, quando várias ditaduras floresciam pelo mundo com o aval dos EUA e da URSS. Também havia censura em quase todos os países do mundo, principalmente nos EUA, com o macartismo perseguindo todo e qualquer desvio, desrespeitando os direitos civis. Só que qualquer romance, quando publicado, deve prescindir ou acrescentar coisas a seu contexto, não deve se apoiar no mesmo. O romance pode ser quente, mas é sem sal. Em seu filme, Truffaut melhorou bastante a história do filme, colocando em seu roteiro vários temperos de criatividade. Já o romance de Bradbury é forçado.

Guy Montag é um bombeiro cujo trabalho é o de queimar quaisquer livros, assim como as casas que os abrigam. Adicionalmente, persegue e mata as pessoas que os detêm. Uma noite, voltando de seu trabalho, ele encontra sua nova vizinha, Clarisse McClellan, cujo espírito questionador o estimula a reconsiderar seu próprio estilo de vida, seus ideais e sua noção de felicidade. As conversas pré-hippies que eles têm não mudariam a vida de ninguém, mas Montag enlouquece. Muito mais chocante é o problema de saúde de sua esposa e o suicídio de uma mulher que se auto-incinera com seus livros em meio a uma ação dos bombeiros. O curioso é que, no mesmo dia do suicídio desta mulher, Montag remexe os livros de sua pequena biblioteca domiciliar… De onde saíram aqueles livros? Como é que não sabíamos disso? São pré ou pós Clarisse? E o chefe dos bombeiros, Beatty? Por que ele faz citações literárias pelos cotovelos a fim de demonstrar a inutilidade dos livros? Deve ler muito para ser tão culto.

Depois, quando Montag foge para um dos acampamentos de homens-livros, acontece a inacreditável guerra nuclear seletiva de Bradbury, que parece só destruir aquela sociedade efetivamente terrível. Os homens-livro veem a bomba e não se preocupam com a radiação. Tal tom otimista — o da aniquilação daquela sociedade — é assassinado pela inverossimilhança da coisa. Nem Spielberg ousaria cometer um final daqueles.

O final de Truffaut é muito mais poético. É, na verdade, lindo. Pô, Bradbury, que livrinho ruim.

Livro comprado na Ladeira Livros.

Esta cena, você sabe, não tem no livro. É Truffaut salvando a história... E o naufrágio de seu filme.
Esta cena, você sabe, não tem no livro. É Truffaut salvando a história… E o naufrágio de seu filme.

1984 x Fahrenheit 451, uma breve comparação

1984 x Fahrenheit 451, uma breve comparação

Estou lendo Fahrenheit 451 pela primeira vez. Como encontrei muitos pontos de contato entre este livro de Ray Bradbury e 1984, de George Orwell, fui dar uma pesquisada por aí. O texto abaixo é uma compilação bem simples do que encontrei em vários sites.

1984 foi publicado em 1948, Fahrenheit 451 em 1953. Os dois romances são obras de ficção distópica e ambos os personagens principais, no início, levam uma vida sem graça, sem sentido. Porém, um dia, uma mulher aparece e eles acabam por se rebelar contra as sociedades em que vivem.

Do ponto de vista individual, o personagem Guy Montag (de Fahrenheit 451) acaba vencendo sua guerra. Vi o filme e sei que ele conseguirá se livrar do controle governamental e encontrar a paz numa comunidade de pessoas afins. Já Winston Smith (de 1984) perde, sendo submetido a uma lavagem cerebral.

Em ambos os romances, há a ideia de uma sociedade cruel, onde (em Fahrenheit 451) as crianças atacam as pessoas e dão tiros umas nas outras para se divertirem. Já em 1984, há cenas como as de “um navio cheio de refugiados sendo bombardeado” que são utilizadas para diversão.

Os dois livros envolvem guerras como pano de fundo, mas de naturezas diferentes. A guerra de Orwell serve claramente ao governo como um instrumento para a perpetuação da escassez e da paranoia, enquanto que a de Bradbury visa a aniquilação total do inimigo.

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O governo em 1984 depende muito de lavagem cerebral e de políticas que envolvam vigilância em massa por parte de espiões semelhantes aos da Juventude Hitlerista. Em suma, o partido parece se preocupar mais com os pensamentos, do que com os atos. “Você é um traidor”, acusam. O governo de Bradbury mantém o controle sobre todos aqueles que se desviam da maioria, mas não se importa muito com as ideias de rebelião. O professor Faber é um inimigo que não age, então OK. Há uma tentativa de idiotizar todo mundo através da televisão. Em vez das torturas presentes nas lavagens cerebrais de Orwell, o governo de Bradbury gosta de queimar as pessoas que se desviam, assim como os livros, considerados altamente perniciosos.

As atmosferas: 1984 também pode ser considerado um romance satírico, enquanto Fahrenheit 451 jamais.

O cenário de ambos é o de uma pós-guerra nuclear. Um diz “Quando a bomba atômica foi lançada sobre Coventry”, e outro “Nós começamos e ganhamos duas guerras atômicas desde 2022”. Os efeitos de tais guerras são muito diferentes. Nos EUA de Fahrenheit 451, o país saiu de duas guerras e vai para uma outra. Algumas de suas cidades “parecem com pilhas de fermento em pó”. Porém, em 1984, o conflito nuclear fez cessar qualquer uso de armas atômicas e assegurou a permanência de ditaduras estáveis. No universo de Orwell há enormes “fortalezas flutuantes” para defender áreas estratégicas (“a nova fortaleza flutuante ancorada entre a Islândia e as Ilhas Faroe” ) e projetos incríveis de produção de terremotos artificiais.

Em 1984 não há nada que esteja fora da visão do governo. Ele tudo vê e tudo sabe. Já em Fahrenheit 451 há uma nova revolução silenciosa acontecendo fora da visão do governo. Aliás, o governo permanece em grande parte um mistério em Fahrenheit 451, mas, em 1984, sua estrutura é bem explicada. Na verdade, o funcionamento interno dos governo sob o qual Smith vive é a chave para o enredo do livro.

Os dois livros têm muitíssimas semelhanças, mas, curiosamente, estas não persistem após um exame mais minucioso de detalhes. Dentre os clássicos, temos também Admirável Mundo Novo, claro, mas este está realmente perdido em minha memória. Já A Guerra das Salamandras… Bem, aí entramos no campo das obras-primas e há que ter mais respeito.

Eram essas as anotações.

Cena de Fahrenheit 451 (1966), clássico de François Truffaut

Cena de Fahrenheit 451 (1966), clássico de François Truffaut

Com Julie Christie e Oskar Werner. Baseado no romance homônimo de Ray Bradbury (1920-2012) que apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Montag (Werner), trabalha como “bombeiro” (o que na história significa “incendiário de livros”). O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius.

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Fonte das imagens: o blog O homem que sabia demasiado.

Amor à Literatura

Recebi uma intimação para responder este questionário. Na verdade, acho um saco estes pedidos e sempre os ignoro, mas como é sobre literatura, vamos lá. Tentei descobrir o primeiro autor das perguntas, mas entreguei os pontos.

1. Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

Esta pergunta é sobre que livro gostaríamos de SER. Interessante. Então, desejaria ser alegre. Sugeriria tornar-me a Modesta proposta para evitar que as crianças da Irlanda sejam um fardo para os seus pais ou para seu país de Jonathan Swift. Opcionalmente poderia ser o irresistivelmente cômico Uma Confraria de Tolos de John Kennedy Toole ou quem sabe — tornando-me mais reflexivo, sutil e elegante — os esplêndidos Contos de Machado de Assis. Em qualquer um dos casos, porém, seria muito solicitado pelos ouvintes; seria popularíssimo, sem dúvida.

Quem não leu Fahrenheint 451 ou não viu o filme de mesmo nome de François Truffaut, ficará sem entender a última frase do parágrafo anterior… ou talvez tudo.

2. Já alguma vez ficaste apanhadinho(a) por um personagem de ficção?

Sem dúvida, este questionário veio de Portugal. Apanhadinho é igual a “ficar caidinho” ou “ficar apaixonado”.

Uma vez, numa roda de amigos discretamente alcoolizada, uma das mulheres perguntou aos homens presentes quais teriam sido as mulheres de suas vidas. Por azar, coube a mim ser o primeiro a responder. Sou dono de proverbial franqueza, de lendária sinceridade e, depois de olhar para minha insegura cara-metade da época, declarei: a mulher de minha vida é certamente alguém que quis e nunca tive e da qual só imagino delícias, perfeições, calma e carinho. É alguém de quem não conheço os defeitos. A mulher de minha vida é… E disse um nome conhecido daquelas pessoas que quedaram-se boquiabertas.

Hoje, fiquei pasmo ao ver que as “mulheres de livros” pelas quais me apaixonei têm igualmente amores irrealizados. A primeiríssima é Sílvia, que aponto polemicamente como a maior personagem de Erico Veríssimo. Ela é a principal habitante de O Arquipélago, terceiro volume da trilogia O Tempo e o Vento. Sílvia é casada com outro, mas seu grande amor é Floriano, com quem apenas dialogava, trocava cartas e a quem escrevia um diário. A segunda é Sarah Woodruff, do romance de John Fowles A Mulher do Tenente Francês e a terceira é Leen do romance Casa sem Dono, de Heinrich Böll. A história de Sarah é muito conhecida, ainda mais depois da indicação de Meryl Streep ao Oscar, no papel de Sarah. Já Leen é obscura. Ela morre aos 19 anos, na página 124 de minha edição, após morar um ano com Albert, personagem principal do livro de Böll. O vendaval de sua entrada e saída em Casa sem Dono destroçou temporariamente minha vida.

3. Qual foi o último livro que compraste?

(Anotação: nunca fazer esta pergunta à Caminhante.)

Foram dois, ambos comprados num sebo: Os Duelistas de Joseph Conrad e A chuva antes de cair, de Jonathan Coe.

4. Qual o último livro que leste?

Foram dois.  A Borra do Café de Mario Benedetti e A chuva antes de cair de Jonathan Coe.

5. Que livros estás a ler?

Estou clássico. Leio Ensaios de Montaigne e Os Duelistas de Conrad.

6. Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?

Penso que nunca mais me apaixonarei por livros como na juventude. O que lia durante a adolescência e até os vinte e poucos anos marcou-me muito mais do que qualquer coisa lida depois. Todos os meus livros vêm de lá:

Contos de Machado de Assis (relidos depois);
Contos de Anton Tchekhov (relidos depois);
Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa;
Doutor Fausto de Thomas Mann (relido depois);
Dom Quixote de Cervantes.

Bem, se a fiscalização da ilha fosse camarada, acrescentaria um Manual de Sobrevivência…