Bamboletras recomenda livros e seminário, todos fora da curva

Bamboletras recomenda livros e seminário, todos fora da curva

A newsletter de amanhã da Bamboletras.

Olá.

Desta vez temos sugestões bem fora da curva. Por “fora da curva”, entendemos aquilo que, em razão de características especiais e únicas, se distingue dos demais, dentro de uma mesma categoria. Pois o que dizer da literatura pantagruélica de Rabelais e do sempre originalíssimo Gonçalo M. Tavares? De quebra, sugerimos o livro da jornalista Ana Garske sobre algo que também deveria ser fora do normal: a luta contra a Covid-19 em nossos hospitais.

E ainda divulgamos o seminário virtual Romance: Modos de Fazer, que tem concepção, montagem, roteiro e direção de Reginaldo Pujol Filho e que é uma das melhores ideias de interação com escritores que temos visto.

Boa semana com boas leituras!

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Pantagruel e Gargântua, de François Rabelais (Ed. 34, 448 páginas, R$ 87,00)

Uma obra-prima irresumível. Então lá vai textão: François Rabelais (1483?-1553) estudou direito, tornou-se monge franciscano e depois beneditino, quase foi expulso da Igreja por ter tido três filhos, trabalhou como secretário de um dos homens de confiança do rei Francisco I, publicou traduções de autores gregos e latinos, e formou-se em medicina. Além de tudo isso, teve tempo para escrever quatro obras fundamentais do Renascimento: Pantagruel (1532), Gargântua (1534) — aqui reunidos no primeiro dos três volumes das Obras completas de Rabelais —, o Terceiro livro (1546) e o Quarto livro (1548-1552) de Pantagruel, e também uma miscelânea de almanaques, versos, cartas e outros textos, que inclui um Quinto livro de autoria questionada. Dessa forma, segundo Mikhail Bakhtin, ele ocupa um lugar na história da literatura “ao lado de Dante, Boccaccio, Shakespeare e Cervantes”. As aventuras dos gigantes Gargântua e Pantagruel, pai e filho, e suas peripécias em Paris e outros locais, são um dos pontos altos da ficção humorística ocidental. Sem respeitar nenhuma regra — de verossimilhança, composição épica, hierarquia ou do puro e simples bom senso —, Rabelais revolucionou o romance, parodiando as novelas de cavalaria, os tratados antigos, os preceitos da Igreja e as disputas políticas entre o rei da França e o líder supremo do Sacro Império Romano-Germânico, Carlos V. Alternando os registros popular e erudito, incorporando listas diversas, poemas e textos nonsense, e se utilizando da picardia, do grotesco e do escatológico para satirizar a pompa dos poderosos, Rabelais antecipou recursos estilísticos que só apareceriam séculos depois na prosa moderna — algo que foi captado nesta tradução de Guilherme Gontijo Flores, que também assina a organização, a apresentação e os comentários a cada capítulo de Pantagruel e Gargântua. Completam o volume cerca de 120 ilustrações de Gustave Doré, selecionadas a partir das edições de 1854 e 1873 da obra de Rabelais.

As Cinco Badaladas do Sino, de Ana Garske (Catarse, 128 páginas, R$ 30,00)

Uma jornalista retorna ao hospital onde trabalhou por três anos para registrar a batalha dos profissionais de saúde da instituição na guerra contra a pandemia da Covid-19. À procura da voz e do rosto de anônimos que viraram estatística na coluna dos mortos ou dos recuperados, encontra histórias de superação e alegria pela chance de recomeçar. Na outra margem, familiares recontam a trajetória de entes queridos que tiveram a vida e os sonhos arrancados abruptamente pela fúria do vírus. Buscam, na lembrança de momentos inesquecíveis ao lado desses amores perdidos, resgatar a força para seguir em frente. Quem eram, quais os planos, com o que sonhavam os Paulos, Cristinas, Marias, Josés, até terem suas vidas interrompidas pela Covid 19? Quem eram, até serem infectados pelo coronavírus, e como vivem a partir da superação da doença as Sandras, Eduardos, Veras, Leonardos?

Atlas do Corpo e da Imaginação, de Gonçalo M. Tavares (Dublinense, 528 páginas, R$ 159,90)

Quem já leu alguma obra de Tavares sabe que este angolano é único. Único mesmo! Neste incomparável Atlas, ele atravessa a literatura, o pensamento e as demais formas de arte, da dança à arquitetura, usando palavras e imagens para tratar de temas como identidade, tecnologia, morte e relações amorosas; esmiuçando os conceitos de cidade, racionalidade, alimentação e muito mais. Ampliando fragmentos, o autor mapeia e põe ordem à confusão do mundo, com discurso ilustrado por fotografias d’Os Espacialistas, coletivo de artistas plásticos. Um livro para ler e ver, com sua narrativa delineada pelo próprio leitor-espectador, através de reflexões visuais que nos conduzem pelo labirinto que é o mundo onde vivemos.

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E, para finalizar, olha só que legal: o escritor Reginaldo Pujol Filho está lançando a segunda edição de Romance: Modos de Fazer, seminário virtual que criou no ano passado para debater com romancistas as técnicas, os segredos, os caminhos, as ideias por trás de seus romances. São 8 encontros, com 8 romancistas sobre 8 romances no formato do que Reginaldo chama de “aula-entrevista”. Neste ano, os encontros serão com

Maria Valéria Rezende,
Juan Pablo Villalobos,
José Falero,
Carola Saavedra,
Eliana Alves Cruz,
Luisa Geisler,
Samir Machado de Machado e
Itamar Vieira Júnior.

Mesmo com 8, este timaço faria frente à combalida dupla Gre-Nal, não acham?

Aqui você tem todas as informações: https://reginaldopujolfilho.wordpress.com/romance-modos-de-fazer-vol-2/

Enfim, Capivaras, de Luisa Geisler

Enfim, Capivaras, de Luisa Geisler

Quando ocorreu o episódio de Nova Hartz — com Luisa Geisler sendo desconvidada da Feira do Livro da cidade em razão dos palavrões e do “linguajar inadequado” de Enfim, capivaras (Seguinte, selo jovem da Cia. das Letras, 173 páginas, R$ 39,90) –, logo fiquei louco para ler o livro, claro. E aconteceu o que eu esperava: Geisler manteve a (alta) classe e categoria habituais. Trata-se de um excelente romance, de estrutura sofisticada, muito bem narrado por 4 vozes, com boa história e linguajar inteiramente adequado.

Palavrões? Onde, meu deus? Um porra aqui, outro cu ali, um merda e um cazzo lá adiante, em um livro cujos personagens são adolescentes? Isso não é normal? Sem spoilers, conto que a ação de Enfim se passa durante uma madrugada, quando o carro de um dos meninos estraga na estrada e os jovens, sem sinal de celular e sem ter como obter auxílio imediato, passam a noite juntos, procurando alguém que os tire daquela situação. Sexo? Nada, apenas platônicos interesses amorosos. Há um beijo carinhoso de Léo em Vanessa, se não estou enganado. Drogas? Apenas álcool. Violência? Quase nada, O Senhor das Moscas, por exemplo, mereceria tarja preta perto das capivaras de Geisler. Queriam que eles não discutissem ou que discutissem com zero palavrões? Queriam que eles rezassem na beira da estrada esperando uma ajuda do vereador Robinson Bertuol, do PSC de Nova Hartz?

Mas “Para a alegria das crianças e felicidade dos pais, o livro foi retirado de circulação e autora não virá para Feira do Livro de Nova Hartz”, disse Bertuol.

Mas vamos sair do papo absurdo do casto vereador.

Os pais de Vanessa se separaram e ela e a mãe se mudaram para Chapada do Pytuna, em Minas Gerais. Como costuma ocorrer nessas cidades, não há diversão para os jovens. Sobram a bebida, ir à festas nas redondezas ou a invenção. A invenção: Dênis é um baita mentiroso, cria e defende histórias incríveis como o fato de possuir uma capivara de estimação. Então Vanessa, Léo — o menino rico que anda de caminhonete –, Zé Luís — filho da empregada da casa de Léo — e a interessante Nick, vão visitar Dênis para conhecer a tal capivara.

Só que Dênis lhes diz que ela tinha fugido, é óbvio. E, mesmo cética, a turma sai à procura do bicho. E o carro estraga durante a jornada. E o resto eu não conto.

A estrutura é bem engenhosa. Os capítulos obedecem a cronologia e são narrados em primeira pessoa, com os personagens se alternando. Antes de cada capítulo há listas de desejos, intenções e opiniões aleatórias de quem narrará o próximo capítulo. A coisa prende.

Enfim, capivaras é um livro sobre a amizade, as descobertas, as diferenças sociais, as diferenças de quem vive na cidade grande e no campo, as dificuldades de se relacionar, as dúvidas de toda ordem que assaltam os adolescentes e, digo mais, acho que poderia ser adotado por escolas mais avançadas. Em vez de fazer seu adolescente babar dormindo sobre Iracema, dê-lhes capivaras, professor!

Recomendo.

Acho que esta foto de Luisa Geisler não foi tirada em Nova Hartz | Foto do Facebook da autora