O pulso de Clint Eastwood

Eu ia escrever “a mão de Clint Eastwood”, pois sei do delicado e compreensivo tratamento do diretor para com seus atores. Pulso parece algo autoritário, mas possui a vantagem de denotar não só controle como ritmo. Fica pulso.

Foi um fim de semana cinematográfico. Eu me escondi do calor assistindo ao decepcionante Chéri, de Stephen Frears, infelizmente um diretor em queda livre — dei-lhe  nota 1 — , ao esplêndido O que nos resta de tempo — filme de Elia Suleiman sobre a questão palestina — e Invictus, mais uma demonstração do notável poder narrativo de Clint Eastwood. Depois do médio A Troca e do excelente Gran Torino, o quase octogenário diretor (31 de maio de 1930) volta com um torpedo emocional que fez o escritor Francisco José Viegas dizer:

Acho que só tinha vertido uma lágrima por causa de… (…) Invictus devia ser proibido por esse motivo. Uma pessoa desfaz-se, comove-se, esquece.

A pessoa que estava a meu lado chorou bastante e em diferentes momentos. Eu senti vontade, mas não saiu. Além do mais, já tinha feito bastante disso em As Pontes de Madison e em Um Mundo Perfeito. Sabia que Clint poderia vir buscar minha lágrimas novamente. Como escreveu Luiz Carlos Merten, não deve ser difícil encontrar defeitos no filme, porém é mais gratificante permitir-se viajar na catarse e nas qualidades de Invictus. A história é conhecida nossa e dos argentinos: em 1970 e 1978, nossas seleções nacionais de futebol foram utilizadas como fator de união nacional. Porém o subtexto que percorreu nossas conquistas sul-americanas foi a tortura, os porões e o sofrimento, bem diferente do subtexto antirracista do filme. A história é real e aconteceu na África do Sul, mas é tipicamente americana. A vontade de um contra a incompreensão da sociedade.

Nelson Mandela, recém eleito presidente, tem de unir o país a fim de que ele não caia em mais uma das rotineiras guerras civis da região. Deve ter montado várias estratégias e Invictus foca-se na mais barulhenta delas: a tentativa de tornar o país vencedor da Copa do Mundo de rugby de 1995. O rugby é importante para os sul-africanos e a Copa seria em casa. Você acha que rugby é o esporte mais baixo na escala humana? Olha, eu também acho mais ou menos isso, porém o que você não pode ignorar é o poder de mobilização que o esporte tem e sua capacidade de servir como representação de um país ou grupo de pessoas. O gênero de espetáculos produzidos nos estádios possui maior variação de humores e participação do que qualquer outro. A disposição para amar ou odiar o time ou amar e odiar a si mesmo é absoluta. Mandela compreendeu a importância de unir o país em torno de um time de brancos que todos determinavam como um fracasso, tornando-o popular e seu representante legítimo.

As atuações de Morgan Freeman e Matt Damon estão no nível habitual conseguido pelo silencioso e calmo diretor que apenas diz OK, start anytime, cut, thank you e let`s do it again, please (no máximo 3 vezes), ou seja, estão muito próximas do nível máximo de suas carreiras. São personagens difíceis, ambos com complicada vida familiar e uma missão maior. Mas nada, nada disso seria útil se não houvesse o impecável ritmo narrativo a fazer com que os 134 minutos de Invictus passassem como se fosse meia hora.

Ah, se é piegas? Claro, fora de dúvida! Parece resolver todos os problemas de ressentimento criados pelo apartheid? Sim, mas e daí? Vá lá ver se não é um filme cheio de humanidade, quero ver se você não perdoará Clint na hora.