Guigla Katsarava esteve domingo na Casa da Música. Quem gosta de música não deveria estar em outro lugar

Guigla Katsarava esteve domingo na Casa da Música. Quem gosta de música não deveria estar em outro lugar

Na tarde do último domingo, eu e Elena estávamos deitados na grama do Parque da Redenção. Dormimos um pouco, fomos acordados por um cãozinho que veio nos saudar a fim de dizer que o parque estava lindo para ficarmos só dormindo, dormimos novamente. Então, precisamente às 17h25, a Elena ergueu a cabeça e perguntou:

— E o Guigla? A gente viaja para fazer turismo sinfônico e, quando vem um cara desses a Porto Alegre, a gente não vê?

Saímos correndo, passamos em casa — era caminho — e chegamos à Casa da Música, na Gonçalo de Carvalho, exatamente às 18h. O valor do ingresso era espontâneo e foi necessário juntar algum dinheiro em casa nestes tempos de cartões.

Guigla-Katsarava

O georgiano Guigla Katsarava já se apresentou duas vezes com a Ospa e costuma vir ao Brasil como professor de alguns dos Festivais de Inverno que ocorrem em julho, apesar de não termos mais invernos. É um pedagogo muito requisitado — professor titular na “Ecole Normale de Musique de Paris Alfred Cortot” — e grande concertista. Coisa rara. Ele apresentaria obras de Schumann, Liszt, Rachmaninov e Prokofiev.

A notável técnica de Katsarava tornou mais suportáveis os Intermezzi, Op. 4, de Schumann. Já Widmung, de Schumann-Liszt melhorou muito o panorama.  A Elena chorou de emoção durante os Momentos Musicais, Op. 16 de Rachmaninov. Eu fiquei abobado pelo forma com que Guigla tocou a sensacional Sonata Nº 6 de Prokofiev.

As interpretações de Katsarava foram de alto nível, mas, como já notaram os meus sete leitores, minha preferência vai toda para Prokofiev. O resto nem bem existiu.

Importante dizer que a Casa da Música têm programados excelentes recitais a cada domingo às 18h. No próximo, dia 6 de agosto, às 18h, haverá o duo formado pelos violonistas Daniel Wolff e Fernanda Krüger que fará um recital com obras de Ernesto Nazareth, Thiago de Mello, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. O valor do ingresso é, novamente, espontâneo.

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Ospa: a qualidade de Dimitri Cervo e o Rachmaninov de meu descontentamento

Dimitri Cervo em pose de herói: o justo vencedor do concerto de ontem.

O concerto de ontem da Ospa teve uma primeira parte bastante interessante. A primeira obra apresentada foi o famoso Adágio para Cordas de Samuel Barber. Se já era uma música conhecidinha, depois que se tornou trilha sonora de Platoon, filme de Oliver Stone, tornou-se parte do repertório de concerto. As cordas da Ospa estiveram impecáveis, mostrando-se translúcidas e leves na tristíssima melodia muito utilizada em velórios.

Depois veio Museu – Uma Canção de Vigília sobre um poema de Armindo Trevisan, do compositor e ex-diretor da Rádio da Ufrgs, Flávio Oliveira. O concerto era dedicado aos 55 anos da emissora, então os dois fatos devem ter alguma ligação. Ou não. Ao menos por mim, o belo poema de Trevisan (Museu, do livro A Serpente na Grama) não podia ser inteiramente compreendido na dicção dos cantores, porém, com o auxílio do programa, obtínhamos as legendas para o entendimento. Quando juntamos letra e composição, tudo cresce muito.

A primeira parte foi finalizada por Série Brasil 2000 nº 4 –Toronubá, excelente composição de Dimitri Cervo. É uma absoluta raridade a forma inteligente com que Cervo utiliza o minimalismo. Ele não torna suas composições meras proezas repetitivas. Há mudanças radicais de tons e ambientes, tanto que depois de um primeiro movimento, absolutamente furioso, há uma espécie de Réquiem onde todo o material temático é readequado e revisitado. Não, o que ouvimos não foi nada comum nem esquecível. Há intenções, conteúdo e significado na obra. Foi o ponto mais alto do concerto e merece um bis especial pela Orquestra Sinfônica de Sergipe:

O programa vinha coerente e certinho, mas então chegamos ao Rachmaninov de meu descontentamento, compositor homenageado “de fato” pela Ospa em 2012. Aqui, nada de conteúdo ou significado, é só beleza… Em Porto Alegre ouve-se mais Rach do que em qualquer outra cidade do mundo, incluindo as russas e americanas. O longuíssimo, vulgar e ornamental Concerto nº 3 para piano e orquestra — composto por Rachmaninov para ele mesmo aparecer — é um enfrentamento parecido com o clássico alagoano ASA de Arapiraca e CRB. Sim, os dois times não se marcam, pois o piano prefere tocar tão sozinho quanto os maiores craques do ASA em seus devaneios de cadenzas sem fim nem finalidade. Foram 42 minutos maçantes, mas que deixaram o público feliz. A pianista era muito boa e rápida, pena a música. Para tirar o gosto e melhorar o humor após a exibição de tantas vaidosas brilhaturas pessoais, passei a manhã ouvindo um CD do Dimitri Cervo e os três Concertos para Piano de Béla Bartók. Mas ainda estou em fase de recuperação.

P.S. — O CRB caiu para Série C do Brasileirão. O ASA ficou na B.

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Abaixo, Marilyn Monroe atenta a um daqueles prosaicômicos solos de Rachmaninov:

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Eu não entendo a OSPA

(Anotações para minha agenda)

Fiquei estarrecido ao ler atentamente a programação da OSPA até o mês de setembro. Nenhum Mahler, nenhum Shostakovich, nada de Bartók, só para dar alguns exemplos, poucos autores estreantes e brasileiros e raros programas com obras realmente diferentes. Ignoro quem faz a programação, mas sei que é alguém muito conservador, quem sabe um chato.

Os programas dos quais gostei são quatro. No dia 29 de abril, um domingo, às 11h, há um Concerto para Juventude que achei interessante:

Elgar: Concerto para Cello, Op. 85
Ney Rosauro: Concerto para vibrafone e orquestra
Rimsky-Korsakov: A Grande Páscoa Russa

Ouço bastante as coisas do Rosauro e tenho uma estranha tara pela Grande Páscoa Russa. Depois, lá em 5 de junho, às 20h30, há a Missa Solene de Beethoven. O único problema é que será lá na Igreja da Ressurreição, onde os fiéis, em seu desespero pela salvação, aceitam sentar em cruéis bancos de madeira. Como meu Para encarar, almofada é o mínimo.

Ludwig van Beethoven: Missa Solene, Op. 123 em Ré Maior

Uma semana depois (12/6), voltamos ao Auditório da Reitoria da UFRGS para um bom programa:

Aaron Copland: El Salon Mexico
Richard Strauss: Quatro Últimas Canções (Vier Letzte Lieder) <—
Sergei Prokofiev: Sinfonia nº 1 (Clássica), Op. 25
Igor Gandarias (Guatemala): Desde la Infancia
César Guerra-Peixe: Museu da Inconfidencia

E, no fim do mês, no dia 26/6, novamente na UFRGS, mais um dos bons:

Maurice Ravel: Alborada Del Gracioso
Jaques Ibert: Concerto para Flauta
Claude Debussy: Prelude a L´après Midi dun Faune
Claude Debussy: La Mer

Em 3 de julho, há outro quase só francês e bem legal

Maurice Ravel: Tzigane – Rapsódia para Violino e Orquestra
Camile Saint-Saëns: Introduction et Rondeau Capriccioso, Op. 28
Mussorgski (Ravel): Quadros de uma Exposição

Depois, até setembro, nada me seduziu. Há uma verdadeira epidemia de Tchaikovskis e Rachmaninoffs, compositor que parece estar recebendo uma bisonha homenagem este ano. Mas não é seu centenário nem nada. Já imaginaram se fosse?

P.S.– Vitor Necchi entra em campo para dizer que há um Mahler (a Sinfonia Nº 7) em novembro. Erro nosso.

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Quando tudo está certo, mas a música é ruim

Não, não adianta. Nunca vou conseguir suportar a pianística de Rachmaninoff. Ontem,  com a OSPA, assisti a Rapsódia Sobre um Tema de Paganini, Op. 43, para Piano Hero e Orquestra. Céus, que música chata! Mas logo haveria algo semelhante: Berlioz.

Rachmaninoff: nem ele se aguenta...

Comecemos pelo Rachmaninoff. O problema não é o de ele ter sido um romântico tardio, mas sim o de fazer música virtuosística vazia para concertos onde era o solista. Rach foi um hábil pianista. Também era grande: tinha 2 metros de altura e uma mão que, aberta, abarcava 30 centímetros. Dizem que era sindrômico, Síndrome de Marfan. Para piorar, ainda compunha temas sobre Paganini, espécie de primeiro rock star que apavorava por sua aparência, virtuosismo e vazio. Ou seja, Rach fazia música difícil para si mesmo. Meu estômago acaba se revoltando, quer ficar vazio também, fico nauseadíssimo e meu humor vai embora. Prefiro suas peças orquestrais como A Ilha dos Mortos e Os Sinos, muito mais interessantes e, aliás, as preferidas pelo compositor em momentos mais razoáveis. O pianista de ontem, Sergio Monteiro, era pequeno, mas se houve muito bem nas peripécias.

Berlioz não precisava de guarda-chuva

Depois tivemos Berlioz e sua Sinfonia Fantástica, Episódio da Vida de um Artista. Uma hora de duração! Uma sinfonia programática, romântica até o último fio, de autoria de alguém que conhece as potencialidades de uma orquestra. Sinfonia difícil, mas breguinha como só ela.

Claro, o problema é meu. A plateia estava contente, apesar de ter ouvido uma crítica pesada a Berlioz de um casal que desceu as escadas da Reitoria na minha frente: “Que música de merda!”. A orquestra esteve muito bem, parecia feliz e animada. O regente Shinik Hahm é ótimo e sabe se portar: recebe os aplausos junto com os músicos, abandonando o estrado, ou seja, colocando-se ao nível deles sem nenhum Complexo de deus. Mas espero ter largado de vez tanto o pianismo de Rachmaninov quanto o romantismo de Berlioz por completo. Detesto-os desde a infância com meu pai. Não tenho mais idade para perder tempo com bobagens.

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