Então, neste dia 19 faço 64 anos. Estou perdendo cabelos como diz a canção dos Beatles, mas posso dizer que sou bem ativo e que até está saindo um livro meu. Estou lendo peças de Tchékhov onde todo mundo se considera velho aos 40, mas eu não. Estou vendo os meus amigos se aposentarem, mas eu nem penso nisso e nem fui à Previdência para ver se já posso fazer o mesmo. Gosto de trabalhar. Vou aguardar os 65.
Acho que fiz e faço bastante coisa. Fui por anos técnico de TI — larguei quando me neguei a pagar propina e a estatal administrada por um partido de direita processou a empresa onde trabalhava, aniquilando-a –, fui jornalista quando a profissão estava em decadência e agora sou livreiro. Como veem, atraio crises, contudo isto apenas ocorre no âmbito profissional.
Dinheiro tenho pouco, não tenho imóvel nem carro, só a livraria e um monte de coisas que enfiei dentro da cabeça, principalmente histórias, livros, músicas e filmes. Nunca tive por objetivo de acumular patrimônio, o que provavelmente tenha sido um erro.
Desgraça nenhuma. Sou feliz de forma quase indecente. Tenho amigos por todo o lado e alguns deles dizem que nunca lhes apresentei pessoas que não fossem absolutamente legais. E, fundamentalmente, tenho dois filhos maravilhosos e uma mulher que nem lhes conto. A Elena diz que sou alegre por culpa da infância feliz e cercada de carinho que tive. Bah, acho que tive muita sorte até aqui.
Também não reclamo do corpo. Tudo ainda funciona mais ou menos bem — consigo correr 6 Km em menos de 40 minutos, tá bom?
Espero seguir com a Bamboletras — a Amazon do foguete de piroca que não nos mate — e quero continuar me divertindo e não prejudicando ninguém. Minha vida não é silenciosa, aliás, é bem barulhenta e agitada, mas é boa. É isso, tenho 64 e hoje vou ouvir a faixa 2 do labo B do Sgt. Pepper`s pensando que comprei o disco (LP) nos anos 70 e muito conjeturei sobre o motivo pelo qual Paul McCartney escrevera uma letra sobre uma idade tão longínqua.
Às vezes, esqueço dos Beatles. Na semana passada, durante uma divertida reunião na cama com crianças, pipocas, refris e algumas discussões, resolvi recuperar uma velha fita de vídeo com o documentário de 5 horas que acompanhou o lançamento do Beatles Anthology. Este documentário, datado de meados dos anos 90, foi calando-nos um a um. Ficamos inteiramente concentrados nele. Eu, ouvinte quase exclusivo de música erudita; Bernardo, meu filho, que está quase sempre ouvindo rock um pouco mais pesado e Bárbara, minha filha, que prefere música dançável e de diversão (ao estilo do B-52, por exemplo), assistimos a tudo fascinados. A explosão de juventude, alegria e criatividade representada por eles afeta qualquer um.
Abro o enorme livro The Beatles (da Revista Rolling Stone) que dei para o Bernardo e leio atentamente a introdução. Quem a escreve é Leonard Bernstein (1918-1990). Bernstein é uma figura única, pois além de ter sido respeitadíssimo regente de orquestra, foi pianista e um enorme compositor de música erudita. Como se não bastasse, escreveu musicais para a Broadway, sendo de sua autoria talvez o melhor deles, West Side Story, que recebeu no Brasil a impecável tradução Amor, Sublime Amor. Obviamente, é uma matéria paga, mas Bernstein era muito “inteiro” para colocar-se a serviço de algo que considerasse de segunda linha. Seu texto é apaixonado e demonstra algumas preferências curiosas. Diz que, em sua opinião, a melhor música do disco Revolver é She said, she said. Elogia também Eleanor Rigby (Revolver), Norwergian wood (Rubber Soul), Paperback writer (Single), She´s leaving home (Sgt. Pepper`s), Ticket to ride (Help) e quase todo o resto.
Também tenho as minhas. Considero obras primas While my guitar gently weeps, With a little help from my friends, For no one, In my life, I Will Follow the Sun, Helter skelter, Strawberry fields forever, The fool on the hill e mais cinqüenta outras.
Meu entusiasmo, portanto, é o mesmo. Os Beatles foram um grupo diferente. Normalmente os grupos abrigam apenas um bom compositor. Podemos tranquilamente dizer que o Led Zeppelin representaria “A música de Jimmy Page”, enquanto o Oasis seria “A música de Noel Gallagher”, o Who “A música de Pete Townshend”, o último Pink Floyd “A música de Roger Waters”, etc. Já os Beatles têm três músicos que poderiam fundar grupos. E que músicos! A coincidência de John Lennon, Paul McCartney e George Harrison terem nascido quase ao mesmo tempo em Liverpool e se tornado amigos na adolescência é notável e, penso, matematicamente irrepetível. É como se – guardadas as proporções para maior ou para menor — Chico Buarque, Caetano Veloso e Guinga resolvessem trabalhar juntos desde a juventude, competindo e brigando dentro de um grupo. E, se acrescentarmos a isto a presença do produtor, arranjador e pianista George Martin desde as primeiras gravações, chegaremos à conclusão de que os caras tinham muita sorte mesmo. E, para nossa sorte, todo o resultado está minuciosamente documentado – som e imagens -, como mostra o filme Beatles Anthology.
Antes do show do Who em Porto Alegre, a emoção era bem identificada e localizada. Os mais desatentos não sabiam bem quem eram aqueles dois senhores sobreviventes de um grupo original de quatro, mas já os que gostam e acompanham o movimento musical sabiam que iam ver verdadeiras lendas. The Who é um grupo realmente único. Pode soar como heavy metal e já foi classificado como tal, mas muitas vezes apresenta um espírito de punk rock com letras sensacionais, porém, você não estará errado se considerá-lo o grupo que faz o rock mais complexo que existe, tirando do jogo os progressivos.
Sim, não é fácil classificá-lo. Afinal, The Who tem em seu acervo duas esplêndidas óperas-rock que viraram filmes — Tommy e Quadrophenia — , mas também tem notáveis discos de canções avulsas e o verdadeiro torpedo que é Who`s Next.
The Who surgiu em 1964 na Inglaterra. Sua formação clássica tem Pete Townshend (guitarrista e compositor praticamente único do grupo), Roger Daltrey (vocais), John Entwistle (baixo) e Keith Moon (bateria). O grupo alcançou rapidamente fama internacional em razão da qualidade de sua música e também por fatores extra-musicais. Suas apresentações eram pura energia, era o grupo que se apresentava com o volume de som mais alto de todos e ficou famosa por quebrar seus instrumentos ao final dos shows — especialmente Townshend, cuja destruição de guitarras tornou-se um clichê, e Keith Moon, que costumava mandar sua bateria pelo ares, aos pedaços. Seus primeiros álbuns eram cheios de canções curtas e agressivas, usando principalmente os temas da rebelião juvenil e da confusão sentimental.
Para ser mais exato, a origem do Who foi um grupo de jazz do qual participavam Pete Townshend e John Entwistle quando adolescentes, chamado The Confederates. Townshend tocava banjo e Entwistle trompete, embora também estudasse baixo, imaginem. Já o vocalista Roger Daltrey conheceu Entwistle na rua enquanto este caminhava com seu baixo pendurado no ombro. Este convidou-o para um teste no grupo de jazz. Daltrey foi aceito e os três logo saíram do Confederates. Moon foi último a aparecer. Veio através de um anúncio no jornal. Daltrey descreve o teste do genial Moon para entrar na banda: “Foi como se tivessem ligado um motor atrás da gente”.
Em setembro de 1964, na Railway Tavern em Harrow and Wealdstone, Inglaterra, Pete Townshend destruiu sua primeira guitarra. Tocando num palco baixo demais, se mexendo e dançando muito, Pete bateu com o braço da guitarra no teto, o que resultou no descolamento deste do corpo do instrumento. Furioso com as risadas da plateia, Townshend arrebentou a guitarra em pedaços, pegou outra e continuou o concerto. Por conta disso, o público no show seguinte aumentou consideravelmente, mas ele se recusou a destruir outro instrumento. Então foi Keith Moon quem arrebentou sua bateria… A destruição de instrumentos se tornaria um destaque dos shows ao vivo do Who pelos anos seguintes, e o incidente na Railway Tavern acabaria entrando para a lista de “50 Momentos que Mudaram a História do Rock ‘n’ Roll”.
Calma, nada disso ocorreu no Beira-Rio nesta terça-feira (26/09/2017). Mas você viu o windmill (moinho de vento) de Townshend. O windmill é aquele clássico giro de braço que Pete Townshend usa pra tocar guitarra. A lenda diz que seria uma resposta a Jimi Hendrix. “Como ele tacava fogo na guitarra”, brincou o Pete uma vez numa entrevista à Rolling Stone, “eu fazia o moinho de vento pra apagar o fogo”. Só que, tempos depois, no programa de David Letterman, o mesmo Townshend contou que copiou o gesto do Keith Richards, já que o The Who, bem no início da carreira, abrira alguns shows pros Stones. Ele viu Keith fazendo isso no palco e, no dia seguinte, mandou um windmill na abertura. No fim do espetáculo perguntou a Keith se ele tinha gostado da homenagem, mas Keith não lembrava ter ter feito o gesto e comentou: “Aquela hora em que você pegou no pau, no fim da apresentação… Foi pra mim?”.
Todos os integrantes do The Who eram muito diferentes entre si. Sempre brigaram bastante e Pete afirma ainda hoje que jamais um grupo deve se separar enquanto está brigando. “É quando tem mais pegada”. Townshend era o compositor e inovador (embora Entwistle também contribuísse com canções). Pete também era uma central de novidades, enquanto Daltrey preferia ficar só com os rocks agressivos. Moon amava a surf music norte-americana e Entwistle a elegância do jazz. É estranho dizer isso hoje, mas, no começo, Daltrey era considerado o patinho feio do Who. Ele via que estava entre três virtuoses em seus instrumentos e sofria com a silenciosa desaprovação. Achava que seria chutado. Ontem, estava com Pete do Beira-Rio.
O primeiro sucesso retubante veio na estreia do LP My Generation. O álbum trazia canções que se tornariam hinos, como The kids are alright e a faixa-título com o famoso verso I hope I die before I get old (“Eu espero morrer antes de envelhecer”). Outros êxitos seguiram-se com os compactos simples Substitute, I’m a boy, Happy Jack (1966), Pictures of Lily, I can see for miles (1967) e Magic bus (1968).
Apesar do grande sucesso alcançado com seus compactos simples, o Who, ou mais especificamente Townshend, queria mudar, achava o modelo esgotado. Ao mesmo tempo que o som da banda evoluía e suas músicas se tornavam mais provocativas e envolventes, Townshend passava a tratar os álbuns do Who como projetos unificados, ao invés de meras coleções de canções desconexas. O primeiro sinal desta ambição surgiu como LP A Quick One (1966), que trazia uma coleção de canções que, reunidas, contavam uma história. A Quick One, While He’s Away foi chamada de “mini-ópera”.
A seguir veio The Who Sell Out (1967), um álbum que pretendia simular a transmissão de uma estação de rádio pirata, incluindo jingles e propagandas.
Nessa época, os ensinamentos de Meher Baba — sim, a cultura dos anos 60 reverenciava os gurus orientais — passaram a exercer influência importante nas composições de Townshend, e essa conjunção de ideias acabaria desaguando em Tommy (1969), sua primeira ópera-rock completa e a primeira a alcançar sucesso comercial, imenso sucesso comercial. O indiano é creditado como “Messias” na contra-capa do álbum Tommy. No mesmo ano, o grupo esteve em Woodstock tocando basicamente Tommy. As canções Pinball Wizard, See me feel me, Go to the mirror e The Acid Queen, entre outras, tornaram-se clássicos.
Em fevereiro de 1970 o Who gravou Live at Leeds (1970), considerado por muitos o melhor álbum ao vivo de rock de todos os tempos, tocando basicamente Tommy… Na verdade, Live at Leeds foi lançado originalmente sem nenhuma canção de Tommy em um LP com apenas 6 músicas — sendo 3 covers, My Generation, Substitute e Magic Bus. Só na segunda edição em CD que todo o show pôde ser ouvido, com a execução da ópera Tommy no segundo disco.
Na época, todos os integrantes da banda — principalmente o autor, Townshend — estavam cheios de tocar Tommy e mais Tommy. O álbum tinha sido considerado o melhor da década de 60 junto com Sgt. Peppers e todos só queriam ouvir Tommy. Pete queria partir para outra e o Who preparou um grande disco sob a produção de Kit Lambert em Nova York. Só que Lambert, então viciado em heroína, era de pouco auxílio e a banda retornou à Inglaterra para regravar o material com o produtor Glyn Johns. O resultado, Who’s Next (1971), acabaria por ser o trabalho mais aclamado do The Who entre os críticos e fãs.
É difícil destacar alguma coisa em Who’s Next, o álbum mais parece uma coletânea de melhores canções, apesar de não ser. Bastaria dizer que o disco começa com Baba O’Riley e Bargain e acaba com Behind Blue Eyes e Won’t Get Fooled Again, OK?
Após Who’s Next a banda voltaria ao estúdio em maio de 1972. Essas sessões dariam origem a mais uma ópera-rock de Townshend, Quadrophenia (1973), a história de dois dias na vida de um adolescente mod chamado Jimmy, sua luta contra todo gênero de inquietações, mas principalmente sua busca por um lugar na sociedade. Quadrophenia tem o mesmo nível de Who`s Next, é um notável trabalho, daqueles onde a cada audição são descobertos novos detalhes. O Who tocou Love, reign o’er me e Cut my hair nesta terça-feira.
Os álbuns seguintes do Who traziam canções mais pessoais de Townshend, dentro do estilo que ele eventualmente transferia para seus álbuns solo. The Who by Numbers, de 1975, traz diversas canções introspectivas e maravilhosas, como Blue, Red and Grey.
A qualidade do somatório de canções originais do Who são comparáveis ao acervo criado pelos Beatles e Rolling Stones. Se acrescentarmos o Led Zeppelin, com uma produção menor em número, temos aí o quarteto intocável do rock e talvez da música inglesa dos últimos 50 anos. Se o Who inventasse de tocar todas as clássicas do grupo, iam precisar de várias noites.
Em 1978 a banda lançou Who Are You, distanciando-se do estilo épico das óperas rock, enquanto se aproximava do som mais comum das rádios. O lançamento do álbum foi ofuscado pela morte de Keith Moon devido a uma overdose acidental de um remédio prescrito para o combate ao alcoolismo. Kenney Jones, ex-Small Faces, assumiu seu lugar. No ano seguinte, a tragédia voltou a rondar o grupo: no dia 3 de dezembro de 1979 um tumulto no lado de fora do Riverfront Coliseum, em Cincinnati, Ohio, provocou a morte de onze fãs que aguardavam o início de um show. A banda soube do incidente somente após a apresentação.
Depois veio o declínio, a separação e o retorno. Lançaram o médio Face Dances em 1981 e o melhor It’s Hard em 1982. Após estes trabalhos, passaram a se reunir apenas para grandes eventos e só lançaram mais um álbum de inéditas, Endless Wire, em 2006.
Porém, após participar do encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, o Who voltou com força total. Pete e Roger anunciaram que uma nova e esperada turnê de Quadrophenia aconteceria. The Who tocou pela Europa em novembro e dezembro e pela América do Norte em janeiro e fevereiro de 2013. A turnê seguiu pela Inglaterra e França.
Hoje, o baterista Zak Starkey — filho do beatle Ringo Starr — substitui Moon à altura, mas nada substitui a inalcançável classe e os solos do baixista John Entwistle, nem o bom Jon Button. E há mais um guitarrista no grupo: Simon, irmão de Pete Townshend.
A entrevista de Pete Townshend (72) após o concerto do Rock in Rio foi curiosa. Não é sempre que se ouve um sujeito que diz que se divertiu tocando coisas que escreveu há 50 anos. Mas fazer o quê?, é verdade. Ele parecia um menino solando e regendo sua tremenda banda. E Roger Daltrey, do alto de seus 1,68 m e 73 anos? O timbre áspero e forte permanece, mas às vezes ele falha. Querem saber? Grande coisa!
Para finalizar, ressaltamos que ouvir Won`t get fooled again (Não seremos feitos de trouxas novamente) no país de Michel Temer e Bolsonaro soa pra lá de estranho. Mais estranho ainda é ouvir Daltrey dizer na mesma canção: Meet the new boss, same as the old boss!” (Conheça o novo chefe, igual ao antigo chefe!).
It was twenty years ago today Sgt. Pepper taught the band to play Início da letra da canção “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”
Lembro da virada dos anos 60 para os 70. Eu tinha 12 anos e lia uma monte de revistas sobre música. E elas diziam que os melhores discos da década que findava eram Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Tommy, do The Who e Days of Future Passed, dos Moody Blues. The Who fez Quadrophenia em 1973, limpando Tommy da memória. Os Moody Blues sumiram no esquecimento e há muita gente boa que prefere os álbuns do Pink Floyd da época de Syd Barrett, ou Ummagumma ou mesmo o White Album, Revolver, Rubber Soul ou Abbey Road, dos Beatles, como os melhores daquela década.
O fato é que Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band não foi simplesmente o oitavo disco de uma das principais bandas de todos os tempos, foi aquele que se cristalizou em nossa memória com aquela coloridíssima e maravilhosa capa — uma das mais fortes marcas iconográficas da banda. Foi o disco que deu respeitabilidade ao rock em 1967, ano dos discos de estreia dos The Doors, dos Velvet Underground, de Jimi Hendrix e do Pink Floyd. Um grande ano.
Paul McCartney disse que Sgt. Pepper`s foi um álbum tão importante que, por vezes, as pessoas conhecem mais sua reputação do que a própria música que ele contém.
Como é comercialmente inevitável, 50 anos depois Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band ressurge em nova edição remasterizada, trabalho de Giles Martin, filho do produtor dos Beatles, George Martin, falecido em 2016, aos 90 anos. Como é habitual nestas ocasiões, será redistribuído em vários formatos: em disco único (vinil ou CD), em álbum duplo cheio de extras e em seis CDs — com mais extras ainda — mais um DVD chamado The Making of Sgt. Pepper.
Tudo era mono quando Sgt. Pepper foi lançado. O estéreo era uma novidade. Em 1967, foram dedicados três meses para encontrar o equilíbrio sonoro perfeito do álbum – em mono. Mas o disco foi lançado em estéreo após um trabalho de apenas três dias. Não ficou muito bom, mas o trabalho foi refeito só agora.
Em abril de 1967, finalizadas as 700 horas de produção do álbum (quatro anos antes, Please, Please Me, o primeiro álbum, demorara somente treze horas para ser gravado), pouco restava do conceito original. Da ideia inicial ficara somente Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, a canção de abertura em cujo final era apresentado o único personagem, Billy Shears (e Ringo entra cantando With a little help from my friends) e a famosa capa, criada por Peter Blake.
O álbum foi lançado em 1º de junho de 1967 e o incrível foi que, no dia 4 de junho, no teatro Saville em Londres, Jimi Hendrix abriu seu show cantando Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. O próprio Paul McCartney dera-lhe uma cópia do disco no dia anterior… Hendrix enlouquecera ouvindo o álbum.
Sgt. Pepper`s foi o primeiro disco em que os artistas tiveram tempo ilimitado de estúdio. Sem shows, livres dos constrangimentos impostos pela vida ultra pública e por serem “mais famosos do que Jesus Cristo”, eles tiveram calma para explorar o orientalismo em Within you and without you, o psicodelismo em Fixing a hole, o LSD em Lucy in the sky with diamonds. Voltaram-se para a Inglaterra de ontem e transformaram um velho cartaz de circo do século XIX no carnaval surrealista da admirável Being for the benefit of Mr. Kyte. Viraram-se para a Inglaterra do seu tempo e nasceu o rock fundado em tédio urbano de Good morning (“I’ve got nothing to say, but it’s ok”, canta Lennon). E nasceram as obras-primas With a little help from my friends e She`s leaving home, além de um esplêndido foxtrot nostálgico, When I`m sixty-four. E esse portento, ainda hoje inacreditável pelo gênio da produção e composição, que é A day in the life (versos inspirados na leitura do Daily Mail).
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band foi elogiado e reverenciado pelas engenhosas técnicas de estúdio e pela forma como conjugava diferentes expressões musicais – rock’n’roll, pop music-hall, psicodelismo, música concreta, música indiana, pop. Impôs o álbum como unidade, não como conjunto de canções sem ligações entre si, e deu respeitabilidade às palavras cantadas – as letras surgiram impressas na contra-capa pela primeira vez.
Enquanto marco musical e cultural, manteve-se incontestado durante longos anos, surgindo uma vez após outra no topo das listas de melhores discos de sempre. Com o tempo, porém, começaram a surgir as fissuras. Revolver, Rubber Soul e Abbey Road, ainda no século passado, ganhavam vantagem como álbuns superiores.
Ainda assim, em 2017, seu simbolismo mantém-se incontestável. Tentemos ouvi-lo simplesmente. Teremos perante nós o álbum de uma banda que conjugou de forma admirável o pulsar do presente com uma profunda nostalgia. Numa época em que se utilizava como slogan contracultural o “não confie em ninguém com mais de 30 anos”, os Beatles gravavam She’s leaving home, desarmante de tão comovente, com tanta empatia pela filha que foge quanto pelos pais destroçados que ficam para trás.
Vamos ouvi-lo 50 anos depois. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, esse “momento decisivo na história da cultura ocidental”, pode ser simplesmente um disco, como diz Paul McCartney. Um magnífico disco.