O Milton de 2001 encontra o de 2003 (II)

Na saída do cinema, Milton 2003 aguardava sua versão 2001. Caminham juntos.

2003: Que filme original e triste, né? Gostaria que dissesses algo para que eu pudesse recuperar meu sentimento pós-filme.
2001: O filme é muito bom e comovente, mas não tenho nada de especial para dizer. Acho fantástico o fato de alguém ter tido a coragem de fazer um musical inusitado, realista. É um grande filme. Quem imaginaria Björk – atuando como atriz – e Catherine Deneuve num filme dirigido pelo Lars von Trier? A cena do assassinato coloca a personagem de Björk frente a uma questão sem solução. As duas opções que o homem lhe dá são terríveis e ela escolhe seu filho, é claro.
2003: Não entendo, não ias ver o Henry Fool, que é excelente?
2001: Mudei meu ingresso na última hora, não quis ver o filme de um fracassado.
2003: E então escolheste o da cega?
2001: Sim! (risadas de ambos)
2003: É, nós também escolheremos nossos filhos na separação. Sairemos sem nada. Deixaremos tudo o que pudermos. A intenção será a da busca da tranquilidade mediante uma tremenda auto-agressão, uma coisa inócua a qualquer que um não fosse nós mesmos e que visava demonstrar uma certa nobreza de caráter, uma certa elegância ao estilo século XIX… Será uma tentativa de recomeço aos 44. Logo depois, teremos a certeza de ter cometido um erro. Nosso amigos não entenderão, acharão injusto e até seremos instigados por eles a fazer uma revisão das coisas. Porém, não faremos nada. Talvez o reconhecimento deles baste para nos deixar tranqüilos.
2001: Acho que prefiro assim mesmo. Mas pelo menos vou ficar com os meus livros e CDs, não?
2003: Claro que vais. Vais te livrar das posses, não de ti mesmo. (risadas)
2001: Até porque é meio complicado conseguir uma coisa dessas. Vai ficar alguma coisa minha lá?
2003: Não muito, não será necessária uma troca de prisioneiros em grande escala, até porque vais deixar quase tudo. Além disto, mesmo hoje, as coisas já estão separadas, prontas para a cisão.
2001: Eu quero que tu respondas as perguntas que fiz antes do entrar no cinema. Quero saber das tuas perspectivas, sobre minha situação com esta Claudia, onde vamos morar, etc.?
2003: Novamente estás confuso, peço-te calma. Falaste na mesma frase sobre “minha situação”, “tuas perspectivas” e “onde vamos morar”, são muitas conjugações diferentes.
2001: É que nunca estive conversando com meu duplo futuro…
2003: Me encare como um gêmeo um pouco mais grisalho. Observe como as pessoas não demonstram muita surpresa ao nos ver. Vamos às perguntas: sairás da tua casa para morar com a mãe. Terás muita vergonha de dizer isto.
2001: Como é que é? (Engolindo em seco) Eu vou voltar para casa? Vou dormir no quarto de onde saí para morar sozinho?
2003: Sim. E, apesar da vergonha que terás de teu domicílio e de tua depressão inicial, viverás muito bem lá. Nossa querida Maria Luiza não será invasiva, nem chata e não vai ficar perguntando coisas. Te dará a mais consoladora das hotelarias e a maior liberdade.
2001: Bela peça de propaganda imobiliária…
2003: Não seja injusto. Acabarás enchendo de música e de roupas para lavar e passar a vida de duas velhinhas… As crianças adorarão a casa enorme cheia de quinquilharias e o serviço cinco estrelas que terão. A Inah, a empregada, vai tornar lei cada pedido deles. Dará tudo certo.
2001: E esta Claudia?
2003: Não vou te tirar a surpresa descrevendo-a. Posso te dizer que ficaremos longo tempo em duas casas. Dormiremos fora 5 dias da semana e nos outros dois ficaremos com as crianças na casa da avó. Será uma fase muito cigana, até feliz, se compararmos com o pós-separação. Muitas vezes vamos errar as roupas. Levaremos roupas leves e o dia amanhecerá frio. Então, ficaremos tiritando sob roupas leves e amarrotadas, sempre amarrotadas.
2001: Como vou conhecê-la?
2003: Tu vais ficar muito tempo em casa e te dedicarás à música, à leitura e à Internet. A Claudia virá através da rede, será uma surpresa. Redescobrirás quão grudento podes ser quando apaixonado. Ficarás todo o tempo possível junto dela. Ela está muito presente no capítulo perspectivas.
2001: E as crianças?
2003: Quando souber da Claudia, o Bernardo dirá que tu és um cara legal e que merece ter uma namorada, mas não vai querer conhecê-la logo. Demorará uns 2 meses. A Bárbara ouvirá tudo com aparente frieza, mas, depois de uma semana, perguntará: “Vou ter 2 mães?”, responderás a ela que a Claudia será somente mais uma amiga. Contrariamente ao Dado, ela vai querer conhecê-la imediatamente. Serão amicíssimas. O primeiro encontro das duas será antológico. A Bárbara não falará nada, ficará escondida em seus próprios cabelos, espreitando a novidade.
2001: E as perspectivas? Quais serão meus desejos e planos?
2003: Façamos uma terceira sessão qualquer hora destas.
2001: Por que não agora?
2003: Tenho que voltar. Te encontrarei na saída de uma destas sessões de… terapia familiar. (risadinha infame)
2001: Não entendi a graça.
2003: Se eu te explico o motivo, talvez isto mude nosso futuro. Quero chegar aqui assim, estamos melhor agora.

(Continua)

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O Milton de 2001 encontra o de 2003 (I)

O Milton de 2001 estava sentado num bar, fazendo hora antes de entrar no cinema, quando viu entrar e dirigir-se a ele uma pessoa extremamente parecida consigo, talvez um pouco mais velha.

2003: Como vai, mal?
2001: Sim, muito mal. Quem és tu?
2003: Nós somos o mesmo Milton Ribeiro, só que eu vim de 31 de outubro de 2003 para te visitar e auxiliar. Sei que sofres muito. É muito natural que tenhamos grande apreço um pelo outro. (risada da parte de 2003) Vais te separar, tua vida vai mudar completamente nos próximos meses e eu voltei no tempo para te dizer que sobreviveste.
2001: Putz. Não basta eu estar começando aquela terapia familiar! Ainda me vem um louco…
2003: A terapia familiar só funcionará para as crianças e não somos loucos.
2001: E como poderias me provar que és… eu?
2003: Vou te provar quem sou. Ouça com atenção: nossa primeira relação sexual foi com uma colega de aula chamada Maria Cristina, que morava na Rua Santana e, depois de termos beijado apaixonada e insistentemente a moça – que era esplêndida! – na porta de sua casa, colocamos o dedo indicador em seu peito e a empurramos delicadamente para dentro. Entramos junto, é claro. O ato foi consumado na sala, atrás do sofá, enquanto os familiares dela dormiam com os anjinhos. Tu nunca contaste isto para ninguém.
2001: E tu, já contaste?
2003: Contei para ti agora, mas antes já tinha contado para a Claudia.
2001: Que Claudia?
2003: Uma pessoa que vamos conhecer em 3 de abril de 2002, através de um site.
2001: (risadas) Eu vou conhecer uma pessoa através de um site? Que baixaria!
2003: É surpreendente que digas isto. Principalmente se considerarmos a absoluta convicção com que fizeste… a baixaria.
2001: Tu estás mais gordo e grisalho.
2003: É o tempo, né? Quanto ao peso, discordo. Aumentamos pouca coisa, só dois quilos. Tenho 72 kg, tu tens 70 kg. Para nosso 1,71m está bom.
2001: Minha vida vai melhorar?
2003: Hoje não sofro tanto.
2001: Vou me separar?
2003: Sem dúvida, já disse isto.
2001: Vamos por partes. Quando e como vou me separar?
2003: Em julho de teu ano. Não haverá traição, histeria, grandes cenas, nada. Apenas será dado um ponto final a esta relação indigente. Será o caso clássico, vais pensar seriamente em suicídio e, também de forma clássica, não darás nenhum passo nesta direção. Terás vontade de chorar na frente dos outros ou dentro dos cinemas, farás enormes esforços para se conter; porém, sozinho, não derramarás nenhuma lágrima. Será desespero seco.
2001: E as crianças?
2003: Serão as tuas melhores lembranças do período. Vão te dar apoio e serão indulgentes com tua “nova pobreza”.
2001: Pobreza?
2003: É claro, os ganhos do casal não vão duplicar com a separação e vocês terão de manter duas casas. É uma questão de matemática simples. E saibas que a ausência a que pensas que relegarás teus filhos te deixará muito desprendido de bens materiais, muito despojado.
2001: Acho que eu não quero continuar conversando.
2003: A curiosidade pode matar…
2001: A mágoa mata mais.
2003: É verdade e é um livro do Saul Bellow. (risadas de ambos)
2001: Vou fazer uma pergunta.
2003: Vim aqui para isto.
2001: Hoje tenho a perspectiva que conheces, quero saber qual a perspectiva que terei em 2003. É outra? E quem é esta Claudia? Eu já casei de novo? Onde vou morar?
2003: Calma, estás muito ansioso e tuas perguntas não são inteligentes.
2001: …e… neste ínterim… vou comer muitas mulheres?
2003: Olha, Milton, não quero te atrasar para o cinema, vais adorar este filme. Ele vai para a tua lista de melhores de 2001. Apesar disto, vou te responder a última pergunta: só umas 3. Depois, a Claudia vai te açambarcar…
2003: (risadas) Que bom! Que me devore!

O Milton de 2001 entra na sala escura a fim de ver As Confissões de Henry Fool, de Hal Hartley, enquanto sua versão 2003 some na rua.

(Continua)

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Bárbara faz 9 anos

Publicado em 25 de setembro de 2003 (também com fotos que não imagino quais sejam ou onde estejam)

Ela nasceu num domingo. Dizem que as crianças de domingo são as mais felizes. Deve ser verdade. Quando a vi pela primeira vez, só enxerguei suas gengivas e o céu da boca. Parecia uma cabeça oca dotada de som muito potente. Como berrava! Só depois vi o resto. Vermelhíssima, não parecia ter nada de especial, só mesmo as cordas vocais. Logo conheceu sua mãe e, sem maiores apresentações, procurou e encontrou imediatamente o alimento que lhe interessava e mandou ver. Neste momento, minha filha ouviu seu primeiro grito, que foi de dor e admiração. Também pudera, voracidade em excesso pode machucar.

Depois os cabelos pretos e lisos caíram e, em seu lugar vieram outros loiros e crespos. Ela cresceu e revelou-se um doce. Um doce de enorme feminilidade, um doce tímido que se acostumou a ser elogiado por sua beleza e que não conhece outra forma de imposição, uma pequena pessoa que se perturba facilmente quando sente ser motivo de contrariedade ou decepção. Nestas situações, chora por qualquer coisa, se atrapalha para falar, é capaz de escrever “serumano”, esquece a tabuada ou até de como se trota em um cavalo, coisa que nasceu sabendo fazer.

Do que gosta a Bárbara? Quem é a Bárbara? A primeira coisa a ser dita é que ela é muito bonita. Não é conversa de pai bobo não, é verdade! Sei que vocês estão vendo as fotos, mas precisam mesmo é vê-la falando e se mexendo! Provas? Mesmo sem permissão dos pais, ganhou fotos em 3 dos 12 meses no calendário do colégio. Mais? O clube que frequentamos estampou por mais de um ano uma foto dela em seus bloquetos de pagamento e ela ainda foi capa da revista, tudo também sem permissão ou consulta. Se somarmos a isto o fato de ela ser simpática e sedutora, estaremos frente a uma figurinha avassaladora, certo?

Desta forma, distribuindo sorrisos e recebendo elogios, ela viveu até entrar no primeiro ano, quando sua segurança foi abalada. Talvez embriagada por seu novo séquito de admiradores, não deu importância ao fato de que tinha de aprender a ler e escrever. Para alfabetizá-la, acabei por intervir a fim de convencê-la de que nem tudo na vida viria de graça. Resolvi então exercitar meu modesto talento de pedagogo. Não sei bem como, mas deu certo. Ela tentava me persuadir de que escrevia tal palavra de determinado jeito porque era o jeito dela, aí eu dizia-lhe que assim os outros não entenderiam. Fui para as sílabas, depois para as palavras simples, etc. Quem me ajudou muito foi o Bernardo, que explicou à irmã que uma vogal sozinha fazia muito pouco som e que quase tudo o que dizíamos vinha da união de duas letras. Ele batia palmas a cada sílaba: Bo-ne-ca; e a Babi escrevia OEA. Na verdade, foi ele quem lhe ensinou as sílabas. Fico comovido ao lembrar. Hoje ela é ótima na escola, apesar de fazer um esforço mínimo.

Ela ama os animais. Cavalos, cães – possui, junto com o irmão, uma cadela labrador, a Batalha – , insetos, répteis, todos. Guarda coisas incríveis em tupperwares e depois leva tudo para a aula: baratas, aranhas, gafanhotos, lagartas, lagartixas, tartarugas, girinos. Quando vê Jurassic Park, fica boquiaberta admirando os monstros. Não brinca muito com bonecas; quando brinca de mamãe, é sempre mamãe-urso, mamãe-dinossauro, mamãe-cavalo, etc. Este ano, convenceu-nos a tirá-la do balé – onde dizia ficar meio parada esperando o final da aula – e a colocá-la em um curso de equitação. É algo que nasceu com ela, pois ninguém, em minha família, foi visto antes sobre um cavalo. Treina cheia de orgulho e sorri muito.

Uma vez, uma amiga – aquela mesma que usa o nickname luigipirandello – contou-me por e-mail uma história ocorrida com ela e seu filho. É o tipo de fato que poderia acontecer com a Bárbara, é até injusto que isto não tenha ocorrido com ela…. Vejam que pérola: Adorei conhecer a Bárbara. O meu A. faz aniversário em 21 de outubro, ou seja, os dois são librianos. Quando ele tinha 5 ou 6 anos, se apaixonou por uma aranha. Estávamos no Chile e tinha levado ele no zoológico. Na saída, tinha um cara vendendo aquelas aranhas enormes e repulsivas mas perfeitamente inofensivas. O A. disse “mãe, compra pra mim… por favor… eu cuido”. Confesso que sempre me achei muito esperta… disse a ele “tá bom, se tu pegares ela, eu compro” e já estava pronta para afagar-lhe a cabeça e dizer “tudo bem… não precisa… vamos comprar um pirulito”. Mas ele não vacilou nadinha: esticou a mão e pegou o bicho como se toda a vida tivesse esperado o momento de afagar uma aranha. “Olha… ela é loira. Vai se chamar Rosinha”. E foi assim que a Rosinha foi morar lá em casa, para alegria geral de conviventes, amigos e visitantes. Porque posso ser uma idiota, mas sou uma idiota coerente e jamais deixei de cumprir a palavra empenhada. Deve ser coisa de libriano a paixão pelos bichos, comuns ou raros… talvez o dom de conquista também: por incrível que pareça, em pouco tempo o A. convenceu todo o mundo que a Rosinha era um amor. Até a V. e o B. deixavam ela passear por suas costas.

Algumas declarações de amor da sedutora. Ela é especialista nisto.
A cena: eu dirigindo, levando-os para a casa logo após a separação, o Bernardo com lágrimas no olhos, eu quase e então entra a Bárbara:
– Pai, qual é a coisa que tu mais gosta depois de mim?
– Babi, depois de ti e DO TEU IRMÃO, a coisa que eu mais gosto… acho que é de ler.
– Pai, então vou escrever um livro enorme prá ti, tá? Vou começar hoje.
Abraços e beijos.

Outra:
– Pai. Como é que tu pode ser mais velho do que eu?
– Não entendi.
– É que eu tenho a impressão, sabe, que tu nasceste no meu coração… depois que eu nasci.
Abraços e beijos.

É um carrossel de emoções!

Minha querida filha, feliz aniversário.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Bernardo faz 13 anos

Publicado em 4 de janeiro de 2004 (com várias fotos que não sei quais são)

Bernardo nasceu tão calmo que assustou sua mãe. Assisti à cesariana, realizada após uma noite de tentativas inúteis  — ele não estava na posição, digamos, correta. Ao retirá-lo, o médico segurou aquela criança de olhos bem abertos e respiração forte e anunciou:

– É um belo garotão.
– Mas… por que não grita? – disse em acentuado vibrato sua mãe.

O médico deu-lhe uma chacoalhadinha e recebeu como resposta somente um rápido “Uá”. Eram 9h40 do dia 4 de janeiro de 1991 e, por toda esta calma, não ganhou nota 10 no índice de vitalidade Apgar, ficou com 9 . Entregaram-me o pacotinho de menos de 3 Kg, levei-o para junto da mãe. Ele não chorava, não dormia, apenas revirava os olhos buscando a luz do teto. Se Goethe morreu pedindo mais luz e Victor Hugo acusando o aparecimento de uma luz negra, Bernardo nasceu fazendo acrobacias por luz. Não adiantava revirá-lo no berço, ele se voltava sempre para as lâmpadas acesas. Quando eu dava por mim, estava cantarolando Vida, de Chico Buarque, principalmente o trecho:

Luz, quero luz
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, vela
E pulsa, pulsa, pulsa
Pulsa, pulsa mais

Mas estava apavorado. Era meu primeiro filho e eu não sabia o que fazer com aquela criança magra que tinha dificuldades para mamar e que em seus primeiros dias arrumou uma hérnia intestinal e retornou ao hospital, desta vez para a mesa de operações. A hérnia e outras complicações só serviram para amarrar mais fortemente seus vínculos com os pais. Fiquei orgulhoso quando ele, ainda bebê, escolheu-me num quesito fundamental: para dormir, preferia o colo do pai.

(Duas fotos. Quais seriam?)

Quase 13 anos separam as duas fotos acima. Quando as vejo assim juntas, dá-me vontade de rir, pois possuem os mesmos elementos, exceto o indefectível patinho. A fragilidade desta imagem contrasta com a segurança adolescente da outra. Na época da primeira, eu tinha a modesta esperança de poder criar uma boa pessoa, um cara legal, só isso; secundariamente, esperava também estar ganhando um companheiro para uma ou duas de minhas maiores paixões – futebol, música, cinema e literatura, em qualquer ordem. Na segunda, vejo retratado o quanto minhas expectativas eram modestas. É certo que ganhei mais do que esperava, recebi um oceano. É difícil imaginar minha vida sem sua atenção e carinho. A presença deste interlocutor muito inexperiente e inteligente faz-me repensar os conceitos fundamentais sob os quais vivemos. É alguém sempre disposto a falar, discutir e opinar – torna-se até chato algumas vezes! Porém, a observação da segunda foto me dá uma tranquilizadora sensação de intimidade e penso que ali talvez esteja a pessoa que mais conheço no mundo. É alguém cheio de argumentações sedutoras, mas também dotado de um humor anárquico, incontrolável e inoportuno que aprecio muito e que aprendeu nem desconfio onde… Quando saímos juntos, chegamos a um tal grau de entendimento que talvez seja nauseante para quem se detenha a assistir; é como se estivéssemos dentro de um seriado da TV americana dos anos 60, do gênero “Papai Sabe Tudo” ou “Os Waltons”, mas… puxa vida, sabem que é bom conviver assim? Creio que isto vá mudar nos próximos tempos… Penso ainda possuir uma influência avassaladora sobre suas decisões e opiniões, mas a adolescência está chegando. Talvez todo o carinho que recebo hoje vá reduzir seu fluxo para só retornar plenamente depois dos primeiros amores do garoto. Fui assim com meus pais e penso que provarei do mesmo remédio. Estou preparado.

Ele é muito informado e seus professores elogiam o acesso que seus pais lhe dão à cultura. Delicio-me com o elogio, mas sei que é uma meia-verdade, pois ele é autônomo. É só não atrapalhar. Adora explicar o que sabe – e é muito! – e o faz com clareza. Acostumado a vencer discussões, às vezes torna-se teimoso quando não tem razão, mas tudo o que sei sobre astronomia e biologia, por exemplo, foi ensinado por ele em sessões acompanhadas de farta bibliografia comprobatória.

Talvez não devesse contar a história e seguir, pois nela eu brilho tanto ou mais do que ele, mas ela serve para ilustrar um tipo de indignação muito presente no caráter dele. Ele fica louco de raiva quando vê ou é vítima de uma injustiça. Passa a não compreender o mundo, mas luta.

Na primeira série, quando tinha 7 anos, um colega roubou-lhe uma lapiseira. Bernardo queria recuperá-la e os dois estavam gritando um com o outro. Bateu a sirene do recreio e, para por fim à discussão, a professora – bastante tola, por sinal – determinou que o objeto era do outro colega. Resultado: foi seguida pelos protestos de um Bernardo indignado. Depois, ela me chamou para uma conversa.

– Eu sei que ele tinha razão, mas ele não podia vir atrás de mim no corredor discutindo. Foi um desrrespeito.
– Mas a senhora pegou a lapiseira dele e deu para outro menino!
– Eu errei, mas não interessa. Ele foi muito veemente, me seguiu até a sala dos professores. O senhor deve adverti-lo.
– Não vou fazer isso.
– Não vai fazer isso?! Mas ele não pode sair desafiando professores pelo corredor.
– Olha, Rosaura, eu era o maior cagalhão na idade dele e sofria por isto. Acho admirável que ele tenha te enfrentado; afinal, quem tinha a razão? Não vou fazer nada.

Abaixo, uma foto do Bernardo injuriado. Tinha acabado de discutir com sua irmã e a mirava cheio de raiva.

Sempre gostou muito de ciência e tecnologia. Uma vez, com três anos, chegando à escolinha, viu o pessoal do Departamento Municipal de Esgotos abrindo um buraco no meio da rua e perguntou:

– Pai, são paleontólogos?

Logo que começou a falar, demonstrou ser um cético mirim. Quando o maternal escolheu como tema religião, voltou para casa preocupado.

– Não quero deixar a tia chateada, pai.
– Por que, Bernardo?
– Ela falou que no céu tem anjos, Deus, um monte de coisas.
– E daí?
– Daí que eu andei de avião e vi que lá em cima não tem nada, só nuvens. Mas não vou dizer prá ela, ela pode ficar triste ou braba…
– É, deixa assim.

Como todo menino, ele adora as piadas e os sons escatológicos. É capaz de fazer maravilhas, principalmente com arrotos. Obrigou-me a baixar uma lei aqui em casa, a qual não é muito respeitada. A lei reza que É vetada a emissão de ventosidades por determinados orifícios corporais, mormente os traseiros. Com o tempo, o texto da lei não ficou mais coloquial mas ficou resumido a Não são admitidas flatulências ou eructações! Ignoro o que faz os homens acharem os arrotos e peidos coisas engraçadas. O Bernardo tem que ser advertido a cada reunião formal sobre a última frase grifada, pois parece pensar que os outros podem se divertir com a eufonia (é eufonia mesmo) de suas emissões.

Ganhou o apelido de Dado de sua irmã menor, Bárbara, que achava mais seguro dizer isto em lugar daquela forma complicada cheia de erres. Mas tem todos os apelidos do mundo. Para alguns tios americanizados é Benny ou Bernie, para outros é Bê, no colégio é Bena e, para algumas amigas da Bárbara, é Matagal, alusão clara a seu inacreditável “corte” de cabelo. Aliás, o cabelo é um capítulo à parte: antes queria parecer um roqueiro, depois um jogador de futebol argentino e agora está em fase de pleno experimentalismo. Está experimentando, bem entendido, o fundo do poço estético. Está com um cabelo que, apesar de limpo, raramente é cortado e nunca é penteado. Não sou nada conservador, critico exclusivamente a estética. Porém, deixemos o rapaz viver sua vida.

Apesar da cara de selvagem mal dormido, ele não morde, tem cuidado em nunca ofender as pessoas, em ser sempre gentil, etc. É claro que isto não funciona muito com os de casa, mas funciona com o resto, inclusive comigo. Preocupa-se com os problemas dos outros e não os esquece, voltando sempre depois ao assunto. Aplicou grandes doses de companheirismo durante a separação – o que me foi de grande consolo.

Nos últimos tempos, notei que ele queria introduzir um assunto importante. Desembuchou dizendo que sua mãe tinha um namorado. Deixei-o falar. O detalhe que mais me interessou foi saber que os dois tinham saído em plena terça-feira pela manhã com a finalidade de jogar tênis. É um bom sinal. A única coisa que me importa é que meus filhos estejam bem.

A mesma aceitação ele tem em relação à minha namorada. Como exemplo da abordagem cuidadosa do Bernardo, busco um trecho do e-mail que mandei em 11 de julho de 2002 para meu amigo Marcelo Backes, época em que estava pensando em apresentar a Claudia a meus filhos.

Fiquei me preparando uns dez dias até chegar no Bernardo para contar. A reação dele foi a seguinte:

– É claro que vou sentir muitos ciúmes, mas acho que tu é legal e merece isto.

É possível ser mais correto e sincero?

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Reflexões (ou memória) pós-separação (III)

Publicado em 29 de julho de 2003

Lá por julho do ano passado, comecei a namorar a Claudia. Como dormia sempre na casa dela e minha cama só me via quando estava com as crianças, resolvi falar da novidade para elas. Preparei-me bastante, escolhi bem as palavras para que não houvesse choque nem rejeição. Reuni os dois e contei-lhes a história.

Bernardo, com 11 anos na época, foi muito racional. Disse-me:

– É claro que vou sentir muitos ciúmes, mas acho que tu é um cara legal e merece isto.

A Bárbara, com sete anos, não disse absolutamente nada. Uma semana depois, voltou subitamente ao assunto:

– Eu vou ter duas mães?
– Não, a tua mãe é a Laura. Tu vais ter mais uma amiga.

Então, ela abriu um sorriso e disse que queria conhecê-la logo, saber como ela era, etc. O Bernardo tinha pedido um tempo para se acostumar com a idéia, mas a Bárbara queria ver logo como era “a nova amiga”. Quem é pai sabe o quanto as crianças sabem ser insistentes. Numa manhã de domingo, quando estava com os dois, a Bárbara veio me acordar e, utilizando todo o seu arrasador poder de sedução junto a mim, fez-me prometer que eu a apresentaria à Claudia ainda naquela manhã. Convidamos o Bernardo, mas ele queria mais tempo.

Pois bem, levei-a até o apartamento da Claudia, onde tivemos uma das mais curiosas cenas de timidez de que vi até hoje. Minha filha, que é uma loira crespa linda, escondeu-se atrás de seus cabelos e de um livro e, através do pouco espaço útil disponível, espreitava minha namorada quando esta não a estava olhando. Não queria conversar, só olhava. Depois, pediu-me uma folha para desenhar e fez um casal cuja mulher tinha enormes mãos. Acho que ela – apesar da timidez – deu uma grande demonstração de coragem. Hoje, as duas são companheiríssimas.

Bernardo conheceu-a depois. Pediu-me que fosse numa reunião com mais gente presente. Foi atendido. Fizemos uma apresentação quase formal. Cumprimentaram-se como dois embaixadores de potências inimigas. Mas a formalidade logo foi dando lugar à naturalidade. Eles também se relacionam bem.

Fico pensando o quanto podem ser diferentes dois irmãos.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Grêmio, isso ainda vai ser grande no Brasil

Argumentos dramáticos e indiscutíveis para elevar a autoestima tricolor.

Ou clique aqui.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Manifesto contra o desmatamento do púbis

Por ANDRÉA MORAES (encontrado aqui).

Uma das coisas mais irritantes que escuto das minhas amigas é essa moda de depilar o púbis.

Caraca! Se tantos poetas já chamaram aquilo de flor, por que arrancar o jardim, a vegetação em volta da caverna? Considero isso a mais absoluta falta de romantismo.

Fala sério! O homem que gosta de xana depilada está revelando uma indisfarçável vocação para a pedofilia. Pois se até Lolita tinha pelos, por que exigir que uma mulher adulta os arranque?

E vamos combinar que esses desenhinhos esculpidos com as pinças dos designers de pentelhos, tipo bigodinho de Hitler – argh, que coisa de nazista! – coraçãozinho, estrelinha e quetais são uma prova de falta de imaginação, recurso de quem tem repertório mental mais estreito do que de filme pornô exibido em motel (ainda se vai a isso?) de quinta categoria.

A mulher que se submete à tortura da cera quente e à lâmina que talha sua pele até encravar seus pelos, criando perebas que detonam visualmente o presente que Deus lhe deu, tá precisando de relho. Já que gosta de sofrer pra gozar, então, que apanhe de verdade, nas mãos de uma dominatrix.

Outro dia, uma conhecida me confessou que depila até o ânus. Meu, se o teu marido tem coragem de te fazer a curra, por que iria amarelar diante de uns pelinhos?

Voltando ao púbis, não me venham dizer que deixá-lo careca ou penteado é uma forma de limpeza. Dispenso a assepsia da gilete. Pelo é proteção natural e nada mais garantido do que uma buceta coberta por muitos deles.

E depois, macho que é macho não quer saber nem se você lavou. Costuma ir direto ao ponto. De preferência, o G.

Na hora do oral, é mentira que pelo atrapalha. A gente que é mulher aguenta os deles. Homem que não pode encarar nossos pentelhos tem que chupar com canudinho. Pelo, no oral, é expressão de igualdade entre os sexos.

Essa história de que pelo saindo pra fora do biquini é indecente também não cola. Meu marido mesmo já se queixou que muito homem fica olhando pra minha cara na praia. Aí o ciúme aparece e com ele o impulso agressivo, a cópula tão desejada.

A última vez que depilei a xandanga foi no hospital, antes do parto, cesariana. Então, depilar é coisa de doente, de cirurgia, bisturi, carnificina.

Eu prefiro preservar minha ancestralidade não me rendendo à opressão sexual imposta pelas minhas rivais. Pois se tenho coragem de assumir meus pelos publicamente, imagina o que não sou capaz de fazer entre quatro paredes.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Festa de Aniversário & As Olimpíadas

Publicado em 30 de agosto de 2004

A festa de meu aniversário deste ano foi diferente. A Claudia escureceu um pouco a sala e colocou um data-show projetando DVDs de jazz e de qualquer coisa que fosse muito boa. O Festival de Newport de 1958, um inacreditável show da Blue Note de 1986 e a segunda gravação das Variações Goldberg por Glenn Gould foram projetados por sobre as cabeças dos comensais. Não sei se o resultado foi bom para todos, mas vi muita gente de pescoço torcido ouvindo e vendo música da melhor qualidade no intervalo entre as conversas. A aparência geral de quem estava lá era de felicidade, exceção feita a meu adorável sobrinho que pedia para acendermos as luzes a pleno, porque, afinal, ele precisava ver com toda a clareza o que estava comendo e, segundo ele, já tínhamos demonstrado a todos que éramos mesmo muito sofisticados… Estou pondo este sobrinho à venda. No final da noite, ficamos eu, a Claudia, a Jussara, o Branco, a Helen, o Alejandro e o Bernardo ouvindo, comentando e conversando sobre música, sobre a fraca temporada cinematográfica e sobre qualquer coisa, enquanto Gould fazia misérias sobre Bach e um quarteto executava Borodin (Quarteto Nº 2). Filipe, não adianta, fingimos ser assim todo o tempo…

Creio que a Claudia não se incomodará se algum de meus 7 leitores quiser organizar festa análoga. É só pagar royalties. Posso fazer a intermediação…

Agora, falando sério: esta festa está se tornando uma necessidade, pois há queridos amigos que vejo exatamente uma vez por ano. E, já que a rotina e o trabalho são algozes tão eficientes na separação de amigos, precisamos agendar o contra-ataque. Fico feliz que este se realize em minha data.

~~~~

Passei esta semana mobilizado vendo as Olimpíadas. Robert Scheidt, Daiane dos Santos, o volei feminino e seus 6 match points perdidos, Torben Grael e seu companheiro de que não lembro o nome (Marcelo Ferreira?), o volei de praia com o Emanuel e o Ricardo, o volei masculino, o futebol feminino e seu pênalti não marcado e o absurdo final da Maratona com o anônimo e surpreendente Vanderlei Cordeiro de Lima sendo atrapalhado por um maluco mas levando o bronze. Tudo isto além dos outros.

O problema enfrentado por Vanderlei Cordeiro de Lima pode ser bem compreendido por mim, que há muitos anos (desde 1978) costumo correr pelas ruas e pistas da cidade. De forma amadora, já participei de corridas de rua de 10 e 20 Km e sei o quanto a concentração é fundamental para completarmos qualquer prova. O sentimento de euforia que sentimos ao terminar uma corrida é algo muito bom, porém podemos desistir do esforço pelos menores problemas. Uma pequena queda, uma dorzinha, um mal estar, o fato de que às vezes parece que todas as bundas participantes estão andando mais rápido ou simplesmente a falta de alguém para correr conosco, qualquer motivo pode fazer-nos desistir. Converso com outros e é a mesma coisa. Muitas vezes, depois de percorrermos um ou dois quilômetros, paramos e voltamos para a casa ou para tomar banho no clube. Imaginem então o que este Vanderlei deve ter sentido quando aquele idiota o segurou e o empurrou da pista para a área destinada à assistência. Compreendo perfeitamente a cara de dor e choro que ele fez quando voltou a correr. Não se enganem, sua reação para chegar ao bronze foi coisa de herói.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Niemeyer 103 e viagem

Oscar Niemeyer fez 103 anos anteontem e eu gostaria de ter montado um post bem legal e bonito, cheio de fotos de obras dele. Não houve tempo. Viram que ele inaugurou um Centro Cultural em Avilés na Espanha? Os espanhóis, que para bobos não servem, inauguraram o Centro Cultural Internacional Oscar Niemeyer no dia do aniversário do mestre. Ele participou da festa conectado em rede ao evento. O que isto significa? Simplesmente a consolidação de Avilés em rotas de turismo internacionais. E usaram a grife do genial arquiteto no nome do Centro Cultural.

O comunista Oscar Niemeyer desarma qualquer complexo de vira-latas, é um grande brasileiro e acho que nossas cidades deveriam aproveitar até as anotações de sua lixeira para construir obras suas pelo país. Vejam no filme promocional abaixo o que é o Centro Cultural inaugurado esta semana.

No dia do aniversário, durante a festa, Niemeyer resumiu o ambiente em poucas palavras:

— Estou feliz, meus amigos estão aqui e isso é muito bom!

É uma definição perfeita de Festa, penso. E é uma grande sorte que este homem tenha a saúde que tem, lúcido aos 103. Que permaneça conosco o quanto puder!

Ou clique aqui.

Sim, é deslumbrante, mas não pensem que não vi o Paul Rabbit.

Ah, o blog ficará sem atualização até segunda-feira à noite. Seu dono fará uma pequena viagem.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Odone e Yeda

Sou inteiramente a favor de tirar sarro de gremistas e vice-versa, claro. Talvez a maioria de meus amigos seja gremista. Fizeram, coitados, esta triste opção numa idade em que não tinham discernimento… Mas anteontem, o novo presidente do Grêmio apequenou-se de forma muito severa ao fazer um discurso de posse onde falava mais de nós do que da instituição que estava assumindo. E não foram referências elegantes como as que recebi de meus amigos, foram coisas assim: “Vamos voltar ao Mundial e goleiro algum vai debochar da gente arrastando a bunda no chão”, disse,  em referência à estranha dança comemorativa do goleiro Kidiaba. Depois falou em fiasco, uma verdade que fica mal na boca de um presidente, e voltou a falar na superiodade tricolor, etc. Aqui está um pequeno resumo da coisa. Sim, pequeno resumo, porque ouvi o discurso e houve frases como “perder para um clube africano é mais vergonhoso do que um rebaixamento para Série B”… Frase pra lá de duvidosa e em mais de um sentido.

Fico tranquilo apenas por achar que isso não aconteceria no Inter. Ao menos em discurso de posse.

Ontem mesmo, Fernando Carvalho respondeu à Odone, ex-secretário especial da Copa de 2014 nomeado por Yeda, a quem dediquei o post abaixo. Odone e Yeda são semelhantes, não? Carvalho poderia ter respondido melhor, mas ficou aceitável se pensarmos na pessoa a quem era dirigido o discurso. Uma prova de que há fiascos e fiascos.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Yeda, a louca

No melhor estilo Thelma e Louise, a desgovernadora Yeda Crusius inovou na inauguração da RST-471. Pegou um Mercedes-Benz conversível e fez-se filmada em ação, como se fosse uma estrela cinematográfica. Eric Clapton e B. B. King são os inocentes responsáveis pela trilha. Será que os donos dos direitos sobre as músicas foram consultados? Duvido muito. Infelizmente, o carro era bom e fez todas as curvas normalmente, contornando cada precipício. Yeda Crusius está viva e depois do passeio tuitou alegremente para o Rio Grande:

Há muito eu pedia para substituir as cerimônias formais de inauguração por uma celebração. Merecemos. Que estrada, que dia!

A estrada é importante, claro. Mas… A desgovernadora, que responde processo movido pelo Ministério Público Federal por formação de quadrilha, celebrou bem celebrado. E, no filme abaixo, aparece como uma celerada fugitiva, alegre e aventureira.

Este post é dedicado a cada um dos gaúchos que tomaram a tresloucada atitude de votar em Yeda no ano de 2006. Parabéns! Agora vejam abaixo o retrato da austeridade que, dizem, foi a tônica dos últimos 4 anos. Som na caixa! Ah, o vídeo foi capturado no site do Governo do Estado.

O alegre senhor de longas melenas brancas é o marido da escritora de autoajuda Lya Luft, não? O título da canção é Riding with the (crazy) King (Queen), informa @icarohistoria.

Ou clique aqui.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Celso Roth, vai

Ou clique aqui.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Inter dá fiasco, perde para o Mazembe e está fora do Mundial

Alexandre Lops
Foto: Alexandre Lops

Publicado originalmente no Sul21

Em Porto Alegre, estouram foguetes e ouve-se buzinas. De gremistas. O que era considerado impossível, mera fantasia de torcedores do tricolor, aconteceu. O Internacional perdeu para o Mazembe, do Congo, por 2 a 0 nesta terça-feira (14), no Estádio Mohammad Bin Zayed, em Abu Dhabi (Emirados Árabes), vendo o sonho do bicampeonato transformar-se numa triste disputa de terceiro lugar.

O campeão da Libertadores, que era favorito absoluto antes do jogo de hoje começar, perdeu várias chances do gol e mereceu perder, com gols de Mulota Kabangu, aos 7min, e Dioko Kaluyituka, aos 40min, ambos da segunda etapa.

Com a vitória, o time do Congo se torna a primeira equipe a quebrar a tradição da decisão ficar entre um time da América do Sul e outro da Europa. Esta será no próximo sábado, contra o vencedor de Inter de Milão e Seongnam, da Coreia do Sul, que se enfrentam nesta quarta. Também no sábado, o clube gaúcho disputa o terceiro lugar contra o perdedor da semifinal de amanhã. Paradoxalmente, este resultado finalmente justifica a posição da FIFA de colocar todos os continentes na disputa pelo Mundial.

O jogo começou com o Inter bem melhor em campo. O colorado valorizava a posse de bola e chegava com perigo. Em dois minutos de bola rolando, Rafael Sobis e Wilson Matias já haviam desperdiçado boas chances. Aos 10min, a equipe de Roth por muito pouco não abriu o placar. Alecsandro tabelou com D’Alessandro e cruzou na medida para Sobis, que chutou para grande defesa do estranho e espetacular goleiro Kidiaba.

Mais preocupado em marcar (a exemplo das quartas de final, contra o Pachuca, o time abusou de faltas), o Mazembe assustou pela primeira vez apenas aos 12min em chute de longe de perigoso Kabangu, defendido por Renan em dois tempos.

Na parte final da primeira etapa, porém, o Mazembe começou a mostrar que não estava a passeio em Abu Dhabi — ao poucos, passou a controlar o Inter, que, por sua vez, mostrou-se impotente para reagir.

Como desgraça pouca é bobagem, a defesa colorada começou o segundo tempo insegura. Logo no primeiro minuto, Kaluyituka girou para cima da marcação e bateu para fora. Aos 7min, o inesquecível Kabangu dominou absolutamente livre na área e bateu com categoria no canto esquerdo de Renan para abrir o placar.

O Inter respondeu debilmente. Aos 15min, Rafael Sobis pegou sobra da zaga, mas novamente parou em Kidiaba. Demonstrando muito nervosismo no banco desde o começo do jogo, Roth fez duas trocas: a de sempre, Alecsandro por Leandro Damião, e a incompreensível, Tinga por Giuliano, em vez de tirar um de seus volantes.

Aos 19min, D’Alessandro cruzou e Sobis cabeceou para fora. Quando o Inter acertava o alvo, o tremendo Kidiaba brilhava. Aos 25min, o goleiro fez excelente defesa após chute forte de Giuliano. Com os colorados mostrando ansiedade e nervosismo, D’Alessandro perdeu o gol mais feito do universo, chutando meio de rosca, uma bola limpa, recebida na marca do pênalti.

Roth ainda fez uma tentativa ridícula sacando Sobis e mandando o juvenil Oscar para o campo aos 30min. Oscar, recém vindo do time B e ainda encantado com a novidade da viagem, agradeceu a chance e nada fez. Apos 40, Kaluyituka carregou pela esquerda em contragolpe, pedalou e driblou na entrada da área e chutou forte no canto para confirmar um dos maiores feitos do futebol africano e um abissal fracasso colorado.

MAZEMBE (2) — Kidiaba, Nkulukuta, Kimwaki, Ekanga e Kasusula; Mihayo, Kaluyituka, Bedi e Kasongo; Kabangu (Kanda) e Singuluma. Técnico: Lamine N’Diaye

INTERNACIONAL (0) — Renan, Nei, Bolívar, Índio e Kleber; Wilson Matias, Guiñazu, Tinga (Giuliano) e D’Alessandro; Rafael Sobis (Oscar) e Alecsandro (Leandro Damião). Técnico: Celso Roth

Árbitro: Bjorn Kuipers (Holanda). Auxiliares: Berry Simons (Holanda) e Sander Van Roekel (Holanda).

Gols: Kabangu, aos sete, e Kaluyituka, aos 40 minutos do segundo tempo.

Cartões amarelos: Nkulukuta (Mazembe); Índio (Inter).

Estádio: Mohammed bin Zayed, Abu Dhabi (Emirados Árabes). Público: 22.131 torcedores.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Se jogar direitinho, chega à final

É óbvio, é claro. É só jogar direitinho hoje às 14h. O Mazembe é perigoso, mas também é daqueles times que correm de forma desordenada, numa agitação quase caótica, chegando atrasado nas bolas e cometendo muitas faltas. São rápidos, chutam muito e bem e o envelhecido Índio pode sofrer com a correria deles. Porém, insisto, precisamos apenas fazer nosso jogo.

O futebol mudou. O gold standard voltou a ser o estilo Rinus Michels-Cruyff-Rijkaard-van Gaal-Guardiola-Barcelona de fazer a bola rodar e rodar pelo campo até que se abra uma brecha. Nem todos têm um Xavi para fazer a abertura das portas, mas a coisa funciona mesmo conosco. O Inter talvez seja o time brasileiro com maior aptidão para fazer a bola ir de lá para cá, com aquele falso desinteresse de quem pega o dinheiro sem contar, mas é preciso ter uma calma e categoria imensas para isso e calma é hoje tudo o que não sinto. Porque hoje é o “Dia de se livrar do fiasco”, muito mais ameaçador do que o sábado — o “Dia de tentar ser bi mundial”. Lembro de um ditador da Indonésia (Sukarno?) que nomeava os anos: “este é o ano-em-que-deixaremos-de-passar-fome”, “este é o ano-de-desenvolver-a-indústria, aquele é o “ano-de-viver-perigosamente”, ou seja, de eliminar fisicamente a oposição… Ah, os gremistas.

Eles estão mais assustados ainda. Se o Inter for campeão, passamos à frente deles em títulos internacionais de peso, engatamos uma quinta, ganhamos a Recopa do Independiente no meio do ano e adeus tia Chica. A decadência deles em relação a nós neste século ficará muito clara, clara demais, ofuscante, como sempre desejamos… Para completar, eles ontem perderam a primeira posição no ranking da CBF com o reconhecimento dos campeonatos nacionais pré-1971. O novo líder é o Santos, seguido do Palmeiras, e só a RBS poderá criar uma forma de salvar o tricolor, talvez com um “Ranking Monumental”.

Nossa chefe aqui no Sul21 não nos liberou do trabalho, mas haverá uma TV na redação. Até lá, tenho muitas coisas para fazer e, confesso, não terei muito tempo para exercitar meu nervosismo. Melhor assim. O ócio é um algoz torturante, nunca gostei muito dele.

Agora, leiam abaixo como foi a terrível semifinal de 2006 (post de 14 de dezembro de 2006):

Com Alguma Sorte

Para quem não sabe, o dono deste blog está assoberbado de trabalho – sim, aquele que garante sua sobrevivência com razoável dignidade – e, secundariamente, mobilizado pelo inédito Campeonato Mundial que seu time, o Internacional, disputa esta semana no Japão. Calma, mesmo assim, teremos o “Porque hoje é sábado”.

Pois meu dia de ontem começou com a visão de uma Porto Alegre parada, assistindo ao quase-fiasco do Inter contra o Al Ahly. Jogamos muito mal. Os egípcios exerceram forte marcação e nosso time sentiu muito. Alexandre Pato e Iarley ficaram isolados na frente, brigando inutilmente contra os três bons zagueiros adversários, sem o auxílio de Fernandão e Alex, que travavam outra batalha inglória mais atrás. Com todos bem marcados, as tarefas de armação acabavam ficando para os dois volantes de contenção Edinho e Wellington Monteiro, eficientes em suas funções defensivas mas péssimos criadores.

Ora, é sabido que, para jogar futebol, é adequado ter a posse da bola. Os egípcios marcavam bem, recuperavam a bola e então aparecia o outro grande problema. Nosso meio de campo, formado por Edinho, Wellington, Fernandão e Alex, apresentava enormes deficiências de marcação. Alex está fora de forma – é óbvio que deveria jogar Vargas em seu lugar – e Fernandão está desacostumado à posição, pois passou o ano jogando como primeiro e segundo atacante. Então, recuperar a bola era um parto. Não sei como ganhamos o jogo. Ou sei? Foi com muita sorte, com um zagueiro do Al Ahly atrasando uma bola no pé do Pato e com outro um gol de Luís Adriano, um sujeito que nunca tinha feito nada de positivo no time titular e que, mesmo depois do gol, seguiu no padrão de suas péssimas atuações.

Já contra o Barcelona, os problemas serão outros. O Barça joga mais, marca menos e é provável que nosso jogo apareça. Mas, é claro, me preocupa a recuperação da bola. À exceção de Ronaldinho, o Barcelona joga quase sem drilbles, tocando a bola de primeira e com rapidez, em ação coletiva. Se nossa marcação no meio de campo estiver tão deficiente quanto esteve no primeiro jogo, nem precisamos entrar em campo: é derrota certa. E precisamos atacar (ou contra-atacar com perigo), pois não podemos só ficar lá atrás com o Barcelona tranqüilo, rondando nossa área.

Sugiro a todos uma olhada na última Trivela. Há um artigo de Ubiratan Leal que mostra como José Mourinho (Chelsea) e Fabio Capello (Real Madrid) anularam Ronaldinho e venceram seus últimos jogos contra o Barça. Os dois conseguiram atacar e anular Ronaldinho. Concordo que ambos têm times superiores ao do Inter, mas há, embutida no artigo, uma importante lição.

Providência 1 (Ronaldinho): um lateral dedicado à marcação com um volante na sobra. Ceará e Edinho? Ceará e WM?

Providência 2 (a ajuda à Ronaldinho): ambos colocaram atacantes pelo lado direito de ataque – o Chesea botou o Shevchenko e o Real, Robinho – para que os laterais esquerdos Silvinho e Gio (Giovanni von Bronckhorst) não pudessem auxiliá-lo com tranqüilidade.

Providência 3 (forçar o Barça a se defender): ter dois armadores ativos no meio de campo. Como o Barça atua com apenas um volante (Edmílson), isto obrigará Iniesta e Deco a ajudarem na marcação, deixando o ataque dos catalães desconectado do resto do time.

Essas providências – e mais umas poucas outras – fizeram o Barça desaparecer. Mas para que o volante adversário tenha diversão, Fernandão e Alex terão que jogar… e muito! Eu retiraria Alex ou Iarley do time para fazer Vargas entrar. É incrível a consistência que o colombiano dá a nosso meio de campo. Sua presença foi fortemente sentida pelo Al Ahly no final do jogo de quarta-feira. Sua experiência de anos no Boca Juniors ensinou-o a não se omitir, a valorizar o passe e a complicar luta pelo meio de campo, seja jogando bola, seja cometendo faltas. É um jogador precioso que não conta com a simpatia do muitas vezes tolo Abel Braga, um técnico que dá boa dinãmica ao time mas que tem o hábito de fazer escolhas baseadas nas suas preferências pessoais.

Outro fator de preocupação é a má forma física de Alexandre Pato. Logo após fazer embaixadas com o ombro (ver aqui), ele sentiu cãibras, o que já havia ocorrido no jogo contra o Palmeiras. Ou seja, seu prazo de validade atual é curto e ele só joga até os 15 minutos do segundo tempo.

Tenho certeza de que podemos fazer uma partida bem melhor do que a que se viu ontem e que podemos ganhar. Porém, é óbvio que o favoritismo é catalão.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Na época em que existia Fórmula 1…

… eu, sempre do contra, torcia para Piquet, não para Senna. Desejar a vitória de Senna era como torcer pelo politicamente correto. Lembro que adorei ver ao vivo isso aqui. Não lembro da reação de Galvão Bueno, mas deve ter sido muito divertida, pois ele dizia que neste autódromo era impossível ultrapassar.

Ou clique aqui.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Pela complexidade

Ontem, estourou uma bombinha no twitter: uma irritação feminista contra um texto publicado no blog do Luiz Nassif que citava a palavra feminazi para caracterizar certo gênero de feminismo. É claro que o mau gosto é evidente e que a analogia entre feminismo e nazismo é infelicíssima, até porque, até onde sei, só existe um tipo de nazismo e este é terrível.

A briga no twitter e nos posts levam todos a posições exageradas e falsas. As feministas passam a demonstrar ojeriza e incompreensão para com o jornalista. Ele, dias atrás tão legal, avançado e “de esquerda”, transformou-se num monstro. Em resposta, ele e seus defensores tiram sarro, adotando pontos de vista cada vez mais machistas. Os dois grupos correm para os extremos, empurrados pelas figurinhas carimbadas de sempre. Não penso que nenhum dos dois grupos seja tão enlouquecidamente equivocado. Mas tornaram-se nas últimas horas. É claro que “os machistas” não têm razão, digamos, primária na questão — pois nem eles acreditam que a expressão discutida seja justa — , mas foram levados a defender-se em função dos ataques.

Casualmente, estou deliciando-me com Um teto todo seu, de Virginia Woolf. OK, não é um livro feminista tal como entendemos a palavra hoje, apesar de ser um texto que deixa muito claras as injustas posições da mulher na sociedade das primeiras décadas do século XX — seu tema, na verdade, é “As Mulheres e a Literatura”. Mas a lição de equilíbrio e a noção de que há camadas e mais camadas de complexidades sob o tema fica desnudada no livrinho de VW (138 páginas, na edição que leio). Isso é tudo o que não acontece na briga de bugios (*) ora observada. É notável como os grandes autores que permanecem como referência maiores, são aqueles que não têm soluções ou palavras definitivas. Dostoiévski mostra todos os lados das questões sem escolher nenhum; Tchékhov dá uma sucinta aula cada vez que demonstra que há paixão e motivos profundos até num passar da faca na manteiga; Virginia é mais explícita e parte para o intimismo a cada linha, expondo uma confusão que chega ao ponto de ser gloriosa; Freud é humilde e costumava retificar-se e dar a cara ao tapa a cada duas páginas… E há mais exemplos, muitos mais. Mas os contendores de ontem têm certezas absolutas.

O importante é ofender, é amassar o adversário. Não deixa de ser curioso.

(*) Diz-se da briga ou discussão acalorada entre duas ou mais pessoas, onde o xingamento, o palavrão e as ofensas mais pesadas são usadas contra o outro. Os bugios, quando brigam, usam a própria bosta para atingir o adversário.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O Noticiário Enlouquecido

Publicado em 11 de maio de 2007

Ler o jornal pela manhã pode ser uma experiência bizarra. A gente acaba tendo contato com diferentes gêneros de loucura.

Hoje, desci para pegar o jornal e li a manchete principal:

Papa fala aos jovens: “Façam da castidade um baluarte”. Em São Paulo, ele defendeu a contenção sexual como condição para a realização pessoal mesmo no casamento. Em discurso de meia hora, foi interrompido 24 vezes por aplausos e gritos entusiasmados. Puro gozo religioso. Só imagino a crise no setor moteleiro paulistano.

Bem mais razoáveis, membros da comunidade gay carioca fizeram um protesto. Em frente a uma igreja de Nova Iguaçu, uma drag queen vestida como Bento XVI distribuía folhetos pregando a liberdade sexual. Só há um problema. A fala de Bento estava na capa do jornal, o tíimido contra-ataque estava em letras bem pequeninas, na página 7.

Então, virei o jornal e, na contracapa, deparo-me novamente com a loucura…:

“Gremista mata a facadas o marido, torcedor do Inter.” Parece que o marido começou a dar pontapés na mulher quando viu o time do comediante Muricy Ramalho perder para o Grêmio. Meu colega de sofrimento descontrolou-se ao ver que o São Paulo não repôs Mineiro, Fabão, Lugano e Danilo, deixou na reserva Jorge Wagner e Dagoberto e ainda escalou Leandro, Jadilson e Richarlyson. Colorado, identificou-se demais com o São Paulo, foi gozado pela mulher (gozo futebolístico), tentou matar e acabou morto. Seria mais simples matar-se logo.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O Questionário de Proust (XIX) – Responde Luigi Augusto de Oliveira

Publicado em 14 de março de 2007

Sim, pedi-lhe uma mini-bio. Recebi como resposta:

Olá, Milton.
Veja se serve a minha biografia oficial. Normalmente não serve, mas é a oficial… Nessa Era de Kali-Google, talvez seja até excessiva:

“Luigi Augusto de Oliveira é mineiro.”

Bem, aí está. Porém, fui ao Kali-Google e, de cara, encontro Luigi Augusto de Oliveira (Brasil, 1969). Poeta e romancista. Autor de livros como Dalma, na rede (1997), Solo para ti (2001), e Crucial e vão (2001)..

Tento de novo e leio Luigi Augusto Oliveira foi vencedor na categoria romance do 1º Prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira, que teve como júri o romancista Cristóvão Tezza e os escritores André Sant´Anna e Bernardo Ajzenberg. Também fico sabendo que ele foi menção honrosa no Concurso de Narrativas Breves Haroldo Maranhão.

E há coisas como esta e esta por aí. Conheço-o apenas de e-mails trocados. Suas respostas são excelentes. Confiram.

Ah, e seus livros também estão por aí.

Qual é o defeito que você mais deplora nas outras pessoas?

Não creio em defeitos. Creio em atitudes e omissões, adequadas ou não a um contexto.

Como gostaria de morrer?

Sem sofrer senão o imprescindível, mas sem inconsciências ou distrações. Não quero perder o espetáculo, afinal é único e exclusivo.

Qual é seu estado mental mais comum?

A esperar. Mas sem saber o quê, e sem nunca ser o que eu supunha que seria, ou como seria, quando posteriormente me ocorre imaginar que eu supunha algum objeto um pouco menos impreciso. Desculpem a confusão: é frustrante para mim também, e assim eu comunico um pouco desse estado.

Qual é o seu personagem de ficção preferido?

Menos o preferido que o mais obsedante: eu.

Qual é ou foi sua maior extravagância?

Entre as que continuam a ser, a biblioteca exagerada que não viverei pala ler/reler bem. Entre as finadas, ter um dia levado a sério o que a grande mídia (e as menores que apenas a acompanham) considera ser a cultura, a arte, o merecedor de atenção.

Qual é a pessoa viva que mais despreza?

Não desprezo pessoas, mas atitudes e omissões, e nem sempre por serem inadequadas ao contexto: ao contrário, tendo a admirar estas e a desprezar as demasiado adequadas, eficientes, as que dão “sucesso”… já que o Grande Contexto é um fracasso em todos os sentidos.

Qual é a pessoa viva que mais admira?

Não admiro pessoas, etc.

Se depois de morto tivesse de voltar, em que pessoa ou coisa retornaria?

Um violoncelo.

Em quais ocasiões costuma mentir?

Só quando falo ou escrevo.

Qual é sua idéia de felicidade perfeita?

Quando já nem sequer ocorrerá pensar nisso, ou desejá-lo ou a seus subterfúgios.

Qual é seu maior medo?

Que nada mude. Nem mesmo para pior. Que na velhice eu veja que nem um pouco “disso” que aí está sequer começou a acabar.

Qual é seu maior ressentimento?

Não ter sabido mais cedo e jovem das coisas que eu devia desprezar – e isso era quase tudo.

Que talento desejaria ter?

Ouvido absoluto. Menos pelo ouvido que por ter algo concretamente absoluto.

Qual é seu passatempo favorito?

Desprezar passatempos e cada vez mais aprender a enxergar como quase tudo que nos é ofertado fazer é mero passatempo.

Se pudesse, o que mudaria em sua família?

O mesmo que em todas as demais: a visibilidade. Maria Zambrano disse que, pela etimologia, família são aqueles que enfrentam a fome juntos. Mas as fomes só podem ser bem enfrentadas na quietude, na moita, o que se torna a cada dia mais difícil e condenável socialmente.

Qual é a manifestação mais abjeta de miséria?

A sofreguidão por passatempos ou por diversão, ou por visibilidades (o “vejam que eu também estou a fazê-lo!”), se não for tudo a mesma coisa.

Onde desejaria viver?

Na mais ensolarada entre as cidades da Escandinávia, mas não das grandes nem das lembradas em qualquer mapa.

Qual a virtude mais exagerada socialmente?

Inteligência. Cada vez mais inútil e mesmo prejudicial, socialmente e para o indivíduo em sua inserção social.

Qual é qualidade que mais admira num ser humano?

Não creio em qualidades etc.

Quando e onde você foi mais feliz?

No ventre. O “mais” da pergunta é dispensável.

Próximo: Marconi Leal

Obs. do Milton: Sobre a última pergunta, a grande Iris Murdoch diz o seguinte: “A tranqüilidade de espírito, a ausência de ansiedade, a ausência de medo: são estes os ingredientes da felicidade.” Retirado deste excelente blog.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O Questionário Proust (XVIII)– Responde Marconi Leal

Publicado em 19 de março de 2007

O fim de semana acabou. Finalmente! Eu não aguentava mais. Ah, o trabalho, os compromissos, os telefonemas, a mesa de trabalho bagunçada, a falta de dinheiro, a correria… Pode haver coisa melhor? Estou feliz, enfim! Bem, aí estão as respostas do Marconi Leal. Muito boas, muito boas. Talvez para me agradar, ele responde que gostaria de viver aqui. Só que é exatamente onde eu também queria estar.

Marconi Leal nasceu no Recife, a 30 de janeiro de 1975. Não por vontade própria, mas por puro esquecimento. No caso, esquecimento de sua mãe, que não tomou a pílula. Atualmente, reside em São Paulo, onde desenvolve o trabalho de redator, revisor e escritor, além de uma asma alérgica motivada pela poluição. É autor de O Clube dos Sete,Perigo no Sertão,O País Sem Nome, entre outros. Considera “entre outros” o melhor deles.

Qual é o defeito que você mais deplora nas outras pessoas?

O fato de elas não serem eu.

Como gostaria de morrer?

Respirando.

Qual é seu estado mental mais comum?

O aparelho em jambo me sucede ontem.

Qual é o seu personagem de ficção preferido?

Deus.

Qual é ou foi sua maior extravagância?

Certa vez votei no PFL.

Qual é a pessoa viva que mais despreza?

Fosse ele uma pessoa, desprezaria o Bush.

Qual é a pessoa viva que mais admira?

Os imitadores de Paulo Francis. Não têm talento, mas são persistentes.

Se depois de morto tivesse de voltar, em que pessoa ou coisa retornaria?

Numa atendente de telemarketing, pra me vingar.

Em quais ocasiões costuma mentir?

Declarando o IR.

Qual é sua idéia de felicidade perfeita?

O William Bonner decapitado.

Qual é seu maior medo?

Medo, nenhum. Pavor: baratas voadoras.

Qual é seu maior ressentimento?

Não tenho ressentimentos. E me ressinto muito disso.

Que talento desejaria ter?

O de ouro.

Qual é seu passatempo favorito?

Discutir com a televisão.

Se pudesse, o que mudaria em sua família?

Só os parentes.

Qual é a manifestação mais abjeta de miséria?

Recolher amostra para exame de fezes.

Onde desejaria viver?

Dentro de certa crônica sobre um cinema Marabá.

Qual a virtude mais exagerada socialmente?

Virtude no âmbito social? Desconheço.

Qual é qualidade que mais admira num ser humano?

O fato de que ele dura no máximo 100 anos.

Quando e onde você foi mais feliz?

Aqui em casa, diante do computador, minutos atrás, antes do Milton Ribeiro me mandar esse questionário.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O Questionário de Proust (XVII) – Responde Allan Robert

Publicado em 13 de março de 2007

Não sei vocês, mas eu me divirto muito com este questionário. E há os bastidores. Pedi uma mini-biografia de 5 a 10 linhas para o Allan, ele começou o texto dizendo que tinha pouco a dizer mas escreveu 20 linhas ou mais… Tá bom. O Allan mora em Piacenza e é o grande autor do Carta da Itália. Encontrei-o quando estava em Trento, lá em dezembro de 2005. É inacreditável que ele, tão gentil e tranqüilo no meio daquela neve, tenha sido alguém que, na juventude, trocasse socos por quaisquer motivos, como confessa abaixo.

Tem muito pouco a ser dito a meu respeito. Não que eu seja simplório ou modesto, mas raramente me sinto bem no papel de protagonista. Carioca, Flamengo, nascido e crescido em Copacabana até os 13 anos. Depois, Embu, em SP, onde minha mãe, pintora, participou do nascimento do movimento artístico daquela cidade. Passei muito tempo na Via Dutra, morando ora no Rio, ora em SP. Não me formei em Propaganda e Marketing, nem em Economia. A curiosidade me levou a diversos cursos: fotografia, piloto de avião, canto, judo, batik, joalheria, capoeira. Mas nada levado muito a sério, só buscava algumas respostas e diversão. Era capaz de mudar de humor com um olhar errado e trocar socos com qualquer um. Com o tempo aprendi a respeitar o ponto de vista alheio, até porque os socos doem. Casado com a Eloá há vinte anos, pai da Bianca há 14 e da Luiza há 12, sou fiel aos amigos e aos animais. Meu blog começou a partir da necessidade de manter laços que me são caros e dos e-mails que enviava semanalmente aos amigos deixados no Brasil. Não tenho paciência de editar nada do que escrevo e o meu solecismo fica explícito na cacografia que produzo (gosto de pensar que ninguém precisa da gramática para ser criativo, mas no fundo é preguiça mesmo). Já produzi e expus quadros, esculturas e jóias e vendi tudo. Uns trocados com fotografia, mas prefiro tomar água de coco na praia. Quando tinha 17 anos pensava que era fácil ser poeta, mas não me empenhei. Vim para a Itália em 1999 pensando em ficar uns 4 ou 5 anos, mas pensando morreu um burro. Meus melhores momentos acontecem quando estou dormindo: tenho cada sonho. Prefiro ser um observador. Às vezes privilegiado, como um voyeur que, protegido pela porta, se diverte a olhar dentro das casas que as pessoas constroem na alma.

Qual é o defeito que você mais deplora nas outras pessoas ?

A arrogância.

Como gostaria de morrer?

Quem disse que eu gostaria de morrer?

Qual é seu estado mental mais comum?

Costumo me perder em divagações e sou muito distraído .

Qual é o seu personagem de ficção preferido?

Não gosto de listas de preferências. Acho que elas reduzem os horizontes.

Qual é ou foi sua maior extravagância?

Charutos, se tiver que escolher algo material, mas ainda acho que a maior extravagância do ser humano é estar vivo.

Qual é a pessoa viva que mais despreza?

A lista seria muito longa .

Qual é a pessoa viva que mais admira?

Admiro muitas pessoas do meu círculo pessoal. Entre as pessoas famosas não admiro ninguém de maneira especial, mas poderia citar Amyr Klink.

Se depois de morto tivesse de voltar, em que pessoa ou coisa retornaria?

Um tigre, uma gaivota, um professor de literatura .

Em quais ocasiões costuma mentir ?

Qualquer ocasião é boa para mentir. O importante é não perder a oportunidade.

Qual é sua idéia de felicidade perfeita?

Uma casa de campo na beira do mar.

Qual é seu maior medo ?

Sobreviver às minhas filhas.

Qual é seu maior ressentimento?

Descobrir que a humanidade não retribui a consideração que tenho por ela.

Que talento desejaria ter?

Poder voar como os pássaros. Ter o dom da escrita.

Qual é seu passatempo favorito ?

Ler e caminhar por lugares desconhecidos.

Se pudesse, o que mudaria em sua família?

Acredito que os defeitos fazem parte das pessoas tanto quanto as qualidades.

Qual é a manifestação mais abjeta de miséria?

Viver da miséria ou ignorância alheias.

Onde desejaria viver?

Numa casa de campo na beira do mar.

Qual a virtude mais exagerada socialmente ?

A humildade.

Qual é qualidade que mais admira num ser humano?

A lealdade. Por pessoas, idéias ou ideais .

Quando e onde você foi mais feliz?

No Rio, em Salvador, em Ilhabela e em Macaé. Enfim, em qualquer cidade de praia.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!