20 anos da morte de meu pai

20 anos da morte de meu pai

Hoje faz 20 anos que meu pai morreu. Estou afastado das fotos de família, tudo a que tenho acesso está num disco externo que tenho aqui comigo e que possui o conteúdo do HD de minha ex-casa. Mas lá tenho uma mala e uma frasqueira — sim, isso mesmo — com muitas fotos não digitalizadas, em papel, e hoje me deu vontade de fuçar naquilo. Mas é só simples desejo, passa. Há pouco, conversando com a Elena na cozinha, notei que leio livros como ele o fazia com seus jornais, marcando as linhas com um caneta. Como alguém consegue ler sem uma caneta, hein? Os jornais do Dr. Milton… Aprendi a ler no colo dele, pela manhã, enquanto tomávamos café com o Correio do Povo. Claro que a primeira palavra que li foi a do nome do jornal do Dr. Breno Caldas. Mas sua maior herança, aquela que grudou em mim, foi mesmo a música. Ele passava as noites ouvindo seus discos em uma louca sequência. Sempre misturava erudito e popular, Pixinguinha e Beethoven, Chopin e Chico Buarque, chorinho e tango, mazurca e polca, em sucessões que nunca me perturbaram, pois nasci com elas.

Meu filho Bernardo, eu e meu pai. Ele se chamava Milton Cardoso Ribeiro; eu, Milton Luiz Cunha Ribeiro
Meu filho Bernardo, eu e meu pai em meados de 93. Ele se chamava Milton Cardoso Ribeiro; eu, como alguns sabem, sou Milton Luiz Cunha Ribeiro.

Ele reclamava que eu o fizera voltar ao futebol. Ele me fez colorado, mas logo eu passei a amar o futebol muito mais do que ele, passei a amá-lo como ele amava o turfe. E nós, eu e o Sylvio, marido de minha irmã — fizemos com que ele voltasse aos estádios de forma tão cabal que ele assistiu a final do Brasileiro de 1975 e eu não, pois estava estudando para o vestibular. Acho que eu não precisava me punir daquela forma — passei fácil no exame, glória juvenil — mas ele me contou que, quando Figueroa fez o gol que nos deu o título, ele se sentou com as mãos na cabeça na arquibancada do Beira-Rio, enquanto todos comemoravam, culpando-me por tê-lo tornado aquele fanático que quase morreria com cada chute de Nelinho — e defesa de Manga — nos minutos seguintes.

Talvez pela identificação, ambos homens e pais, penso muito no Dr. Milton. Acho que ele gostava mais de minha irmã do que de mim, assim como minha irmã escolhia minha mãe e esta a mim, que preferia meu pai. Nunca tinha pensado nisso! Será que era mesmo assim? Vamos organizar: Dr. Milton que amava Iracema que amava Maria Luiza que amava Milton (eu) que amava o Dr. Milton? Na verdade, acho que nós todos nos adorávamos, mas penso que as afinidades eletivas eram as que citei. Ou não? Tenho que consultar minha irmã a respeito.

schubert abbado sinfonia #9E, bem, o dia 11 de dezembro de 1993 foi o mais triste que vivi até hoje. No dia 10, à noite, tínhamos nos encontrado no Zaffari da Ipiranga. Ele comentou uns discos que comprara, dentre eles uma gravação da Nona Sinfonia de Schubert, a Grande, sob a regência do Abbado. Estava animado, feliz. Na manhã seguinte, às 6 horas de um sábado, minha mãe me ligou dizendo que ele estava caído no banheiro. Um ataque cardíaco fulminante, um velório num fim-de-semana, lotadíssimo. Fiquei inconsolável, mas nada ficou de mais terrível do que o último beijo que lhe dei. Aquilo me estragou para sempre. Ele estava frio, totalmente esquecido dele, de mim, de Schubert e do gol de Figueroa.

As Duas Águas do Mar, de Francisco José Viegas

As Duas Águas do Mar, de Francisco José Viegas

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Na capa do livro está escrito policial, mas isto é muito enganador. As Duas Águas do Mar não pertence de claramente a nenhum gênero literário, não se trata de forma alguma de um exemplar típico de romance policial. Sim, OK, é um whodunit, porém, antes disso, é um romance prazeroso de ser lido, descansado e hedonista, com dois policiais meio confusos que procuram de forma pachorrenta ligar dois assassinatos ocorridos a longa distância. (Pretendemos ir até o final sem spoilers, certo?). Os homens da lei, Jaime Ramos e Filipe Castanheira, são gourmets sempre dispostos a discorrer de forma original e interessante não somente sobre os crimes, mas também sobre as delícias da mesa, da vida e sobre suas paixões. Os charutos, os vinhos, as receitas e o amor fazem parte da trama tanto quanto os assassinatos, diria até que há mais molho do que sangue no livro. A vida pessoal dos detetives ocupa mais páginas do que a dos envolvidos nos crimes que investigam. Por outro lado, As duas águas do mar é uma história muito bem contada de uma desilusão amorosa ligada à mortes. Aliás, também os detetives têm vida amorosa em descompasso: Jaime Ramos namora Rosa, que reside no andar de cima e que não parece compartilhar muito de seus prazeres. Para piorar, ela o manda dormir em casa, pois ele ronca. Filipe, tem — ou teve — Isabel.

Ou seja, temos um romance policial sem correrias, perseguições, onde quase não há tiros, somente o(s) necessário(s) cadáver(es), a gastronomia, as viagens e uma tremenda indefinição. Poética, a narrativa caminha lentamente pelas 382 páginas do volume da Record. Estranha, a trama usa elementos nada usuais para justificar as mortes de Rui Pedro Martim da Luz e de Rita Calado Gomes. Minucioso, o romance leva embutidas a cena inesquecível do jantar preparado por Filipe para Isabel e as descrições de Finisterra, localidade considerada erradamente por anos o ponto mais ocidental da Espanha e, antes de Colombo, o ponto extremo do mundo conhecido. E várias coisas encontram lá seu fim.

Vale a pena ler este romance de Francisco José Viegas.

Cabo Finisterra

A única forma de Giovanni Luigi Calvário encher os colorados de felicidade

A única forma de Giovanni Luigi Calvário encher os colorados de felicidade

De forma talvez involuntária, dormi das 15 às 19h de ontem. Digo “talvez” porque acho que foi o modo como que me protegi de ver Inter x Ponte Preta. Mais preocupada com a Copa Sul-Americana e já rebaixada, a Ponte jogaria com os reservas, mas nada indicava que o Inter pudesse sequer enfrentar esse time. Em verdade, tudo indica que o Inter não pode, hoje, enfrentar qualquer time. Como escreveu alguém no Impedimento, “O Internacional só não foi rebaixado porque não havia mais campeonato”. A degradação da qualidade do futebol tornou-se inexorável no segundo turno. Em outras palavras, o discurso vago e tolo da direção entrou no vestiário e lá permaneceu.

O ambiente é de pasmo. A direção do clube fica abismada e diz que gastou, que contratou e que pagou em dia, passando — para quem é bom entendedor — o bastão da culpa aos jogadores e à comissão técnica. Tudo o que foi previsto pelos múltiplos avisos de gente como eu, que anunciei no twitter — coisa que não cumpri — uma demissão do cargo de torcedor pelo prazo que durasse a segunda gestão Luigi, aconteceu. Tudo, tudinho, pois nunca acreditei numa Segundona Vermelha. O homem não entende nada de futebol, mas não se afasta dele. Ontem, já declarou que novidades virão, que 2014 será um grande ano.

A única novidade que Giovanni Luigi Calvário poderia trazer e que encheria de felicidade os colorados seria a que segue. Com a palavra, Giovanni Luig):

Colorados! Vou passar 2014 só administrando as finanças e nosso novo e belo estádio. Foi minha maior e única realização. Já que nos 36 meses em que estou no cargo, minha gestão futebolística mostrou-se deletéria, entregarei o futebol para quem dele entende. Afinal, está na cara que, sob minha influência, acabaremos na Segunda Divisão e não desejo isso. Aliás, nas minhas entrevistas nem vou mais falar sobre futebol a fim de não criar desassossego em nosso torcedor. Cumpra-se!

Enquanto isso, na mesma cidade:

Poster criado por FM, o número sete
Poster criado por FM, o número sete

Um local da cidade: Bamboletras — a pequena aldeia gaulesa do Nova Olaria

Um local da cidade: Bamboletras — a pequena aldeia gaulesa do Nova Olaria
Sem auto-ajuda, vampiros e tons | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Publicado em 30 de março de 2013 no Sul21

Cercada por megalivrarias e sem nenhuma poção mágica a que possa recorrer, a irredutível Bamboletras resiste. Alheia ao modelo triunfante de livrarias onde os livros são procurados em terminais de computador — Vou ver se tem, poderia soletrar para mim?, diz o atendente, dirigindo-se a um terminal livre — , na pequena Bamboletras a resposta vem imediata e a caminhada é até a estante. Com um dedo, o livro é puxado e mostrado e, se o usuário perguntar, poderá ouvir uma opinião a respeito. Os livros do acervo não são quaisquer. Tudo é escolhido e conhecido pela dona e seus funcionários. Pois quem entra na Bamboletras sente que ali a literatura não está pressionada (ou demolida) sob pesadas cargas de auto-ajuda, vampiros e tons.

A dona e responsável pela pequena e acolhedora Bamboletras (R. Gen. Lima E Silva, 776, Centro, Porto Alegre, tel 51 3221-8764) é Lu Vilella, a jornalista com pós-graduação em literatura que a criou há 18 anos. “Quando eu estava na pós, enquanto meu gosto ia ficando mais requintado, notei que todos os títulos que eu queria ou precisava ler não estavam nas livrarias. Então eu pensei que Porto Alegre precisava de um local especializado em literatura”.

“Se a comunidade não demonstrasse interesse numa pequena livraria de qualidade, nós simplesmente fecharíamos” | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

No começo, o foco era a literatura infantil como o nome denuncia: Bamboletras, bambolê de letras. “E comecei a vender livros infantis. A Bamboletras era a única onde as pessoas podiam escolher entre um Ou isto ou aquilo de Cecília Meirelles, ou um Drummond, um Quintana, um Guimarães Rosa ou um Erico para seus filhos”. A livraria foi fundada na Rua da República, 95, onde permaneceu apenas um ano. Depois mudou-se para onde está hoje, no Nova Olaria. “O lugar da Bamboletras é aqui. Recebi convites para abrir filiais em todos os shoppings que abriram, mas meu lugar é aqui”, conta Lu. Logo ampliou seu acervo para abarcar a literatura nacional e estrangeira, o ensaio, a poesia e o que se vê hoje é uma espécie de crescente acervo básico, onde os bons livros são substituídos assim que vendidos. “Quem é apaixonado ou viciado em literatura, aqui na cidade, já foi levado a visitar a Bamboletras por um motivo ou outro, tenho certeza”, completa com simplicidade.

E as megalivrarias? “Quando a Livraria Cultura apareceu em Porto Alegre, a Bamboletras sentiu o impacto”. Naquela época, Lu reuniu sua equipe e disse que teriam que melhorar em tudo: na organização do espaço, no acervo, no atendimento e na atenção para as boas novidades. “Porém, se a comunidade não demonstrasse interesse numa pequena livraria de qualidade, nós simplesmente fecharíamos, pois, se é para vender qualquer coisa, prefiro fechar. Eu só vendo o que conheço e gosto”.

Os banquinhos culturais da Bamboletras | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

O primeiro ano de convivência com as megalivrarias foi complicado. Houve um mês de dezembro – mês de colheita para os livreiros – em que as vendas caíram muito. “Eu me desesperei, porém, lentamente, os clientes retornaram em função das sugestões, da orientação, da conversa, do antigo vínculo, da amizade. Nosso público é o da literatura. Aqui não tem 50 tons de nada. Às vezes, entram umas pessoas aqui atrás de best sellers. Neste caso, ou o cara se adapta — e há muitos que se apaixonam por nós — ou vai embora. É que aqui nosso banquinho é da Frida ou da Tarsila, os marcadores são do Dali, os imãs de geladeira são de Tchékhov, Kafka ou Klimt, os livros são diferentes do comum. Às vezes, boto em destaque livros de poesias da Sophia de Mello Breyner Andresen, por exemplo. Então o cara que entra se pergunta que porra é essa, optando por ficar ou não. Já o cara da área, o que já curte cultura, se sente em casa”.

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Cem anos

Cem anos
Relígio astronômico de Praga
Relógio astronômico de Praga

Eu e Elena somamos cem anos. Eu tenho 83; ela uns 17, claro, quem imaginaria outra coisa? Então, são cem anos, um século. Acho que já somei números maiores, mas, desta vez, iniciamos nossa história de maneira centenária. Minha mãe dizia que, na sua época, os homens dependuravam as chuteiras entre os 40 e os 50 anos. Hoje, eu e meus companheiros desbravadores não queremos nem saber — ainda estamos ainda marcando, armando e buscando o jogo, desafiando o técnico e o tempo. Como o Índio. Se há motivos para sê-lo, este é um dos motivos pelo qual não sou apocalíptico — se é certo que o homem destrói o mundo, também é certo que ele é extremamente egoísta e se trata.

Não reclamo da vida, tenho muita sorte, na verdade. E penso diariamente na morte. Todos os dias. E me acalmo. Ignoro se a idade me deixou mais sábio ou se pensar na morte revela sapiência, medo ou desespero, o que sei é que estou em período de gostar da vida e até de seus problemas. Quando me separei, meses atrás, a Elena me aconselhou cultivar a tranquilidade. Faço isso todo o dia. Eventualmente a coisa escapa, porém, até o momento, não houve o dia em que ambos se encontravam nervosos ou, pelo menos, sempre um de nós estava pronto para puxar o outro a um patamar mais acima.

Sorte, certamente. Bem, foi o que me ocorreu escrever neste tablet emprestado que não sei mexer. O problema agora é passar o textinho para o blog. Qual o trabalho que terei até esta coisa improvisada chegar a meus sete leitores é o que verei agora.

Preparando-me para mais um ano com Giovanni Luigi Calvário

Preparando-me para mais um ano com Giovanni Luigi Calvário
Foto retirada do Blog Vermelho,onde ele é chamado de  Luigi Joker.
Montagem retirada do Blog Vermelho, onde ele é chamado de Luigi Joker.

Os colorados devem iniciar logo sua preparação para 2014. Será um ano duríssimo. Por um lado, teremos a grande alegria de rever o Beira-Rio lotado; por outro, teremos o ocaso de uma das administrações de futebol mais pífias e caras de todos os tempos. Pois nosso presidente Giovanni Luigi Calvário (sim, seu nome completo é muito mais transparente) é apenas bom nos negócios extra-campo. Fechou lentamente e de forma competente o contrato de reforma do Beira-Rio com a Andrade Gutierrez e costuma — apesar da morosidade — aplicar bastante dinheiro no departamento de futebol. Também é educado e honesto. É um bom homem para administrar uma empresa convencional, sem dúvida. É cuidadoso, não se atira. Não serve para o futebol.

Seus principais problemas são os fatos de que gasta muito e mal, de que fala muito e mal, de que centraliza muito e mal, de que rumina muito. Dentro do vestiário é igualmente calmo e tragicamente centralizador. O problema de colocar um sujeito lento no futebol do clube é que ele tratará de fazer-se cercado por pessoas do mesmo estilo. Pessoas que jamais criticarão seu ritmo adágio, sua indireção e falta de critério. Afinal, o sistema é presidencialista. Ele está protegido pelo cargo. No vestiário, Luigi é tipo do cara que espera que as coisas se resolvam por si mesmas, gosta de sentar sobre os problemas para refletir e, eventualmente, dormir. Isso talvez funcione na Rodoviária de Porto Alegre — também administrada por ele e onde a pressão é ínfima, comparada a de um clube de futebol. Quando resolve agir, costuma jogar dinheiro fora. O nosso dinheiro, aquele que é pago por sócios como eu.

Uma pena que Roberto Siegmann tenha agitado a coisa de tal forma que se tornou o Inimigo Nº 1 do mais tranquilo dos mandatários. O melhor caminho para um bom 2014 — caminho no qual não acredito — seria a renúncia de Luigi. Em três anos e mais os que foi diretor de futebol, só conseguiu demonstrar sua falta de critério. Não conhece futebol, simples assim. O que determinou que Roth recebesse de presente uma renovação de contrato dias depois do episódio Mazembe? O que norteou a contratação em sequência de Falcão, Dorival, Fernandão, Dunga e Clemer? E o que dizer de sua mania de trazer velhos ídolos de volta a fim de serem massacrados? Mesmo que a negociação com a AG tenha sido um sucesso, seu atraso deixou o Inter sem jogar todo o ano de 2013 no Beira-Rio. Como escreveu o Blog Vermelho “O mais básico em futebol é entender um pouco do assunto. Quem é bom, quem é ruim, quem está velho, quem ainda joga, onde estão as carências. Claro que tudo isso é subjetivo pois o “entender de futebol” depende do ponto de vista de cada um. Mas quando os resultados não acontecem em um, dois, três anos se percebe claramente onde está a origem do problema. Não posso dizer que esse ou aquele dirigente não entende do assunto, mas os resultados sim”.

Os méritos de Luigi são sua educação e honestidade — não é um cara louco por vender jogadores, não é louco por comissões e beiras… Mas seus deméritos são muito maiores: não sabe contratar jogadores nem comissão técnica, é totalmente destituído de senso de urgência e de ideias para o futebol. Não serve para o cargo. Seria uma bênção de renunciasse. Espero um 2014 morno. Se for quente, talvez seja a Segundona. E voltemos logo para o Beira-Rio, por favor.