Vermelho-goiaba, de Alexandra Lopes da Cunha

Vermelho-goiaba Alexandra Lopes da CunhaNo evento da foto abaixo, estivemos eu, a autora de Vermelho-goiaba Alexandra Lopes da Silva e mais Camila von Holdefer e Laila Ribeiro. O tema da discussão era a crítica literária (in)existente hoje. E tanto a Camila como a Laila disseram que era complicado escrever sobre autores locais porque eles reagiam às vezes agressivamente, perdia-se amigos, tinha-se que andar com cuidado pelas ruas, etc. Isto é mais ou menos verdade, garanto-lhes, mas não creio que a gentil Alexandra vá tentar furar meus olhos com uma caneta Bic na rua. Até porque gostei de seu pequeno livro de contos (86 páginas), lido ontem durante os intervalos do dia e já ostentando algumas páginas sujas de café.

Já que é quase feriadão, vamos a uma gonzo-resenha. A primeira qualidade da coletânea é a variação de narradores e estilos, dando-nos a impressão de uma escritora desalojada do próprio umbigo, qualidade rara entre jovens escritores. No início da leitura, a constante referência a animais de estimação e a outros bichos me incomodou um pouco. Amo os cães e estava achando que as histórias com cachorros fossem um golpe baixo. Porém, a música caótica dos excelentes contos Almôndegas e Instantâneos acabou por assentar o estilo de Alexandra na minha cabeça. Celebração me pareceu desnecessário — quase uma introdução de um romance talvez inexistente–, mas a sequência formada por Águas Brancas, A panelinha de alumínio e A natureza invade sua casa me deixaram muito feliz.

São 3 contos muito bem realizados e, para mim, evocativos. (Avisei que hoje acordei informal e gonzo?). Águas lembrou minha mãe e sua dificuldade em nomear as coisas ao final de sua vida. Pedi muito que ela me contasse fatos de nossa pequena família, mas a mera tentativa de organizar seus pensamentos a fazia parar. Ocorre o mesmo com a personagem de Alexandra, o que me deixou muito pensativo. Foi neste momento que derramei café no livro. A panelinha de alumínio é cheio de reviravoltas e surpresas muito bem realizadas. O inesperado machismo do descolado personagem principal — que perturba-se com a evolução profissional da mulher — é abordado com saboroso humor por Alexandra. Grande final. 

Também excelente é A natureza invade sua casa, onde uma contra-traição é montada a partir de uma suposta descoberta e de fatos corriqueiros. Dei risada pensado que quem faz a dedetização em minha casa é um velhinho de uns 70 anos que vem sempre com sua mulher. Disse que fiquei feliz e é verdade. Acabei o dia cantarolando Deixa a Menina, do ontem atacado Chico Buarque. Ou tire ela da cabeça / Ou mereça a moça que você tem.

Recomendo a leitura.

A autora e um débil mental na Palavraria | Foto: Alexandre Alaniz
A autora e um débil mental na Palavraria | Foto: Alexandre Alaniz

4 comments / Add your comment below

  1. Olá, Flávio.

    Em primeiro lugar, obrigada pelo interesse. O Vermelho-Goiaba foi editado pelo IEL, que é o Instituto Estadual do Livro aqui do RS. Ficou bem bonita, mas a distribuição é um pouco limitada.

    Se te agradam os livros digitais, a Editora Bestiário lançou uma versão em ebook pela Amazon com o mesmo título.

    Mas, se preferes a versão impressa, entre em contato comigo via email ([email protected]) ou via Facebook que providencio para que recebas um exemplar aí em SP.

    Abraço e feliz Natal.

  2. “… disseram que era complicado escrever sobre autores locais porque eles reagiam às vezes agressivamente, perdia-se amigos, tinha-se que andar com cuidado pelas ruas, etc.”
    *
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    QUARTO DE RELÂMPAGOS
    by Ramiro Conceição

    O óbvio é o mais difícil
    de se detectar. Por isso
    que o óbvio não é óbvio,

    pois pra pensar-sentir e vê-lo
    é necessário, antes, livrar-se
    dos pré-conceitos… óbvios:

    aqueles ensinados no quando
    o óbvio era feito de um tempo
    pequenininho  em um quarto
    repleto de relâmpagos.

    Eis a dificuldade:
    para onde foram o menino
    e a menina que cresceram?

    Como desvencilhar-se dos nós
    em nós que nos aprisionaram?

    Como desconstruir tal labirinto
    passo a passo, inocentemente?

    Esse é o óbvio a ser superado.

    1. PSEUDOEDUCAÇÃO
      by Ramiro Conceição

      Chega um tempo, se queira ou não,
      nos fechamos – nus – para balanço
      (ao menos isso ocorre com alguns).

      O resultado no geral é catastrófico:
      o número de estupidezes é, quase sempre,
      no mínimo, uma ordem de grandeza maior
      do que aquele – associado às sensatezes.

      Somos além dos macacos, parece indicar
      a natureza… Mas, então, como explicar
      essa sabedoria que ao invés de construir
      destrói, paulatinamente, qualquer
      probabilidade mínima… à beleza?

      ALÉM DOS MACACOS
      by Ramiro Conceição

      Em algum lugar me escondi
      com um baita medo de mim.
      Em algum lugar… me perdi.

      E agora? Voltar não posso,
      pois o tempo é uma catraca
      que marca além dos macacos.

      O comboio chegou…
      A passagem caducou…
      Não importa mais meu destino.

      Só sobrou-me… agora… instantes…
      Resta-me… então… enfeitar esse trem
      aos infantes que não serão reis e nem

      rainhas, mas gente
      que, simplesmente,
      caminha.

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