Os Funerais da Mamãe Grande, de Gabriel García Márquez

Ganhei este livro do casal mais legal do mundo: Nikelen Witter e Luiz Augusto Farinatti. A capa não é a que está ao lado, é uma bem novinha, daquelas bem desinteressantes com as quais costumam ser agraciados os Prêmios Nobel. Os oito contos do volume  — A sesta de terça-feira, Um dia desses, Nesta cidade não existem ladrões, A prodigiosa tarde de Baltazar, A viúva de Montiel, Um dia depois do sábado, Rosas artificiais e Os funerais de Mamãe Grande — passam-se em ou próximas a Macondo, a habitual e visitadíssima cidade ficcional do autor.

Apesar de ser um admirador do colombiano, ainda não tinha lido a Mamãe e o fiz pelo Método Milton Ribeiro de leitura, isto é, em ônibus, salas de espera, banheiros e refeições. Sei lá, estou passando por um período severamente musical e minha cabeça anda muito sinfônica, não obstante estar ouvindo agora as Triosonatas para órgão solo de J. S. Bach. E o órgão não é quase sinfônico? Bem, não há muito espaço para muita coisa. Mas voltemos ao que interessa.

Há belos contos aqui. Minha preferência total vai para o que título ao livrinho. A história da soberana de Macondo é contada com enorme talento e ironia. Tudo, mas tudo serve para empurrar a vertiginosa narrativa que mais não faz do que demonstrar a estrutura de um poder feudal nada afastado de algumas regiões latino-americanas.

Os seus bens, que datavam da época da conquista, eram incalculáveis. Abarcavam cinco municípios, 352 famílias e também a riqueza do subsolo, as águas territoriais, as cores da bandeira, a soberania nacional, os partidos tradicionais, os direitos do homem, as liberdades dos cidadãos, o primeiro magistrado, a segunda instância, o terceiro debate, as cartas de recomendação… Demorou três horas a enumeração dos bens terrenos da Mamãe Grande.

Eu me apaixonei, assim como também pelo estupendo e minimalista conto de abertura A sesta de terça-feira. Nesta cidade não existem ladrões, A prodigiosa tarde de Baltazar, A viúva de Montiel ficam um degrau abaixo talvez apenas pelo gosto pessoal deste leitor um tanto desorganizado.

Pássaros que caem mortos, viúvas ressentidas contra quem não entende os méritos do marido morto, ladrões que não têm o que fazer com o produto roubado, o dentista que arranca dentes de poderosos, a belíssima gaiola de Baltazar, Cem Anos de Solidão, La Mala Hora,  tudo isso serviu para gravar Macondo na memória de milhões de leitores e para que alguns habitantes de Aracataca, cidade natal do autor, tentassem mudar o nome da cidade. Gente sem graça, gente sem graça. Macondo é uma catetral imaginária. OK, também é uma cidade em Angola, mas isso é casual. A Macondo latino-americana é ficcional e  assim deve permanecer em sua glória.

Um post onde brilho um tanto imodestamente, mas que me deixa feliz

Há nove anos, ocorreu uma história incrível. Uma amiga minha foi acusada por um jornal de ter planejado o sequestro de uma figura pública. O sequestro deveras acontecera, só que… Ela tomou um susto e acabou fugindo para o Chile, onde ficou em casa de amigos. Na hora, não soube defender-se e, talvez assustada, sumiu, perdendo grande parte de suas relações por aqui, que provavelmente acabaram acreditando na notícia. Eu fiquei pasmo e à princípio dei crédito à coisa. Algumas horas depois, pensei melhor e cheguei à conclusão clara de que não era possível, mas que com o passado político de minha amiga, poderia haver alguma má vontade do jornal para com ela. Escrevi-lhe um longo e-mail, aproveitando o fato de seu endereço ser pirandello@xxxx.com, algo que automaticamente faria com que eu não a denunciasse. Começamos a nos comunicar e ela me disse que estava contratando um advogado para processar o jornal. Ganhou o processo, claro. Espero que aquelas duas páginas inteiras, cheias de invenções, tenham recebido a vingan$$a merecida. Hoje, olhando uns e-mais velhos, reli o último que ela me escrevera. Faz tempo.

Querido Milton,

há cinco anos quase exatos recebi um e-mail em que dizias “é bom ter notícias do além…”. Menos de três meses depois, foste a única pessoa com quem pude fazer um desabafo sobre a doença da minha mãe. Eu estava longe. Como em toda aquela troca de “inter-planos”, recebi novamente de volta um consolo nada piegas, apenas fundamental, como foi fundamental cada uma das tuas mensagens daquele período, porque em grande medida foram elas que me permitiram “voltar do além”, servindo como uma espécie de fio condutor para não me perder no limbo. E não há exagero nisso. Gostaria de poder e saber retribuir à altura, mas, como quase sempre, só tenho para dar um abraço apertado e um conta comigo que não é, absolutamente, um cliché.

E pensei que não há retribuição maior do que ler este agradecimento.

O Salário Moral de um Dia Triste

Publicado em 1º de junho de 2006

Comecei o dia lendo no jornal a pior das notícias. Morrera o pai do melhor amigo de meu filho. Acordei-o e dei-lhe a notícia quando saía do banheiro. Fora uma uma longa doença, o fato era esperado, mas ficamos muito tristes, é claro. Daniel Herz era um jornalista e intelectual, mas antes disso era alguém doce, que gostava de conversar e que tinha recebido o Bernardo em sua casa por centenas de vezes, assim como recebemos o Guilherme. Gostava de conversar com ele. Era alguém inteiro.

Macambúzios, descemos antes das sete da manhã para que eu levasse os meninos à escola. Nosso carro, pela primeira vez em anos, não ligou. Bateria, motor de arranque, alternador? Não sei. Fomos de táxi até a casa de minha santa sogra – santa mesmo! – para pegar seu carro emprestado. Os guris chegaram atrasados na aula.

Depois de um compromisso que me tomou metade da manhã, voltei para devolver o carro e fui em casa ver o que tinha acontecido com o nosso. Com meus inexistentes olhos de mecânico, achei tudo normal. Chamei o seguro e fui ver meus e-mails. Havia este:

(Para tudo! Antes tenho que contextualizar meus sete leitores para que compreendam o e-mail:

Um dia, pelo MSN, Paulo José Miranda, escritor português e meu amigo, contou a história de uma pequena grande livraria da cidade de Aveiro, em Portugal. Esta livraria, chamada O Navio de Espelhos não é um estabelecimento comercial trivial. Ela tem como donos pessoas que conhecem livros e que, além de promover encontros entre leitores e escritores em ambiente agradável, patrocinam uma programação diária de serões de narração, noites de poesia, serões de contos, debates, comunidades de leitores, etc., tudo entre chás e bolos. Até aí tudo muito civilizado. O incivilizado começa agora. Ao lado da livraria, foi inaugurado um shopping e, no shopping, uma destas megalivrarias onde não há espaço para nada disso e muito menos para livreiros cultos. Então, Paulo propôs uma reação ainda mais civilizada. Sugeriu que fossem distribuídos aos leitores contos inéditos de escritores amigos da Navio de Espelhos. Aí entrei eu. Completo dizendo que Aveiro – cidade que não conheço – é a cidade onde nasceram meus avós paternos.)

Agora o e-mail que li:

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Caríssimo Milton,

Antes de mais, muito obrigada por nos ter enviado um inédito seu.

Nós imprimimos numa edição caseira, que temos a “petulância” de achar muito bonita. Imprimimos 50 exemplares à vez aqui na nossa “oficina”. Depois vestimos, cantamos, dizemos, pintamos o seu texto e os demais. Fizemos “quase” tudo. Na prática esta ideia do Paulo fez-se gente e está a crescer devagarinho mas de forma preciosa. É uma história dos afectos.

Esta ideia dos inéditos é uma história de amor. Do que se pode fazer quando se quer lutar por alguma coisa incondicionalmente.

Obrigada por participar.

Envie-nos, por favor, a sua morada e nós enviamos o seu inédito impresso por nós e também os outros inéditos, a fazer de conta que nos veio visitar.

Mais uma vez,

Obrigada.
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Fiquei absolutamente feliz, mas não pude responder porque tinha que tratar do carro – que foi rapidamente consertado – e de buscar meu filho a fim de levá-lo ao velório. Foi com um misto de pressa e cuidado que respondi quando cheguei ao escritório.

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Querida Sónia.

Talvez seja difícil imaginar o que esta proposta do Paulo teve de “afetos” também deste lado do mundo. Nunca fui à Portugal, mas meus avós vieram de Aveiro. Tua cidade é a única de Portugal com a qual tenho ligações afetivas. Sempre penso: “E Aveiro? Quando?”.

Quando o Paulo me falou sobre a idéia dos inéditos e tua livraria, aderi imediatamente ao plano e o farei sempre que desejares. Podes (e deves) usar e abusar daquilo de bom (ou ruim…) que eu venha a produzir. Nunca senti tão fortemente aquilo que Borges chamava de “a nostalgia do desconhecido”. Anteontem, o Paulo avisou-me que nossos livros estavam na vitrine (montra) de tua livraria. Logo pensei: puxa, estou em Aveiro. Adoraria – e como! – receber o exemplar de minha modesta farsa de tuas mãos, dentro da tua livraria, mas… Já que não é possível, vamos a meu endereço:

Outra coisa: muitas vezes escrevi – e até comentei certa vez com o Luís Graça – sobre as grandes livrarias sem personalidade, com caras de shopping e com atendentes que parecem nunca ter aberto um livro. São uma praga. Nego-me a fazer compras nestes lugares da pressa e da falta de contato humano.

E mais: se considerares que tens poucos exemplares dos outros inéditos, por favor, não os envie. De forma alguma gostaria de deixar um de teus clientes a ver, por assim dizer, navios. Mas faço questão de ter o meu! Afinal, quero a minha parte nesta história de amor….

Um beijo carinhoso e muito obrigado.
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A expressão “salário moral” do título me foi trazida por outro escritor amigo, o pernambucano Fernando Monteiro. Significa aquilo que ganhamos em centímetros quando um fato nos envaidece. Creio que ele poderia nos explicar melhor nos comentários.

Observações Finais:
1. Não dei o nome da livraria porque ainda não pedi autorização a seus donos para contar esta história.

Up-date das 9h: Recebo outro e-mail de Aveiro:

Milton, venho secretamente trabalhar nos papeis quando o resto da cidade ainda tem a cara encostada ao lençol. É nesse instante que abro o seu e-mail. Bela maneira de começar o dia.

Autorização concedida.

Muito obrigada.
Sónia.

2. O conto que está sendo publicado é uma versão corrigida e ampliada deste aqui. Minha mulher e a revisora não gostam dele. Eu o acho divertido. Aqui no blog está sua primeira versão.

3. Além do site cujo link coloquei acima, a livraria O Navio de Espelhos – nome mais português impossível! – ainda tem um blog aqui.

Aforismos e Minicontos de Primeira Linha

Publicado em 23 de março de 2006

Marcelo Backes acaba de lançar, pela Editora Record, o surpreendente e inclassificável volume Estilhaços. No livro, pertinho do impagável Pequeno Dicionário Nostálgico de Meu Futebol Missioneiro, há, exatamente na página 89, o que segue:

A inteligência vem do berço?

Bernardo, filho do meu amigo Milton Ribeiro
– o melhor leitor não-profissional do Brasil -,
gosta de documentários.
Aos cinco anos de idade,
ao ver três funcionários
do departamento municipal de limpeza urbana
inspecionando as canalizações de esgoto em
Porto Alegre
perguntou:
“Pai,
São paleontólogos?”.

O resto livro também vale a pena. Juro que não há mais elogios a mim… A amizade cria exageros. Uma prova? Bem, na contracapa do livro há isto, simplesmente:

Princípio

Viver
é escrever
para não
matar…

O Acidente de Minha Filha & Festa de Aniversário de Tiago Casagrande

Publicado em 31 de março de 2005

Minha filha Bárbara ama os cavalos. Há quadros de cavalos em seu quarto, há revistas sobre cavalos na bancada onde estuda, há reclamações indignadas quando vê cavalos maltratados em carroças, há manifestações eufóricas quando vai ou volta da aula de equitação, há cômicos comentários (em minha opinião) sobre a vida particular de cada um dos animais da escola, incluindo os cães. Ela diz que será veterinária. Creio que já se faria um veterinário completo com apenas 20% de sua paixão.

Há dois anos atrás, ela convenceu-me a apoiá-la num de seus maiores sonhos. Desejava sair do balé – de que não gostava – e ir para a equitação. Recebeu a adesão da Claudia, minha atual mulher, que também queria fazer aulas. Shakespeare tem razão ao dizer que “Onde não há prazer, não há proveito”. Depois de conseguirmos a concordância de sua mãe, ela começou as aulas e surpreendeu-nos o imediato aumento de sua concentração para os estudos – antes sempre difíceis – e sua nova forma de organizar a vida. Ela melhorou demais. Nunca se saberá o papel exato que o esporte teve nisto, mas não posso evitar a idéia de causa e efeito. Além disto, o pessoal da escola é muito afetivo e sei que ela adoraria passar seus dias lá, mesmo sem aula.

Pois ontem a Bárbara desconcentrou-se e teve uma queda durante um galope. Eu estava na beira da pista, deitado, lendo o Quixote. Não vi a queda. Quando levantei a cabeça, observei que Gabrielito – o cavalo que ela montava – vinha sozinho e que a Bárbara caminhava atrás, limpando-se da areia. Ela não chorou, apenas referiu-se a uma pequena dor nas costas e preparou-se para reassumir cavalo que, segundo ela, tinha disparado. Pediu ao Sílvio – o dono da escola e professor, grande professor – para apenas andar a passo. Sílvio, experiente nestas coisas, respondeu-lhe que a aula continuava normalmente; ela deveria galopar. Bárbara achou graça e a aula terminou tranqüila, entre risos.

Para a Bárbara é sempre uma vitória enfrentar e superar tal gênero de situação. Depois, conta o ocorrido como se fosse a protagonista de uma grande aventura. E quem há de negar? Mais de uma vez, disse-me que só pessoas corajosas faziam equitação. Então, à noite, ela recebeu uma ligação casual de sua mãe e contou-lhe alegremente o caso.

– Mãe, caí do Gabrielito! Mas não houve nada, só estou com uma dorzinha nas costas.

Como resposta, obteve o seguinte:

– Pergunta para o teu pai se ele não consegue se colocar no meu lugar, pergunta sobre como eu vou me sentir se algo te acontecer, pergunta sobre o que vou dizer a ele.

Minha filha murchou no telefone e desligou. Mas… O que importa não é o que a Bárbara sentiria ou o que todos nós sentiríamos? Ou, por acaso, o que importa é como Ela – um ser dotado de natural e justa precedência divina – se sentiria?

É claro que tenho receio (muito receio, cada vez mais receio) de que algo, um dia, possa ocorrer e não precisaria de nenhum auxílio externo para me culpar. Eu mesmo trataria disto, não me faltaria vontade de morrer e talvez o fizesse. Mas não seria criminoso impedi-la de fazer o que gosta? Qual é o percentual de vítimas de equitação? É muito diferente do percentual de quem sai à noite e é baleado? E a auto-estima recém adquirida pela excelente amazona Bárbara, de dez anos de idade? Não conta? E como ficaria a oposição que, hoje, ela consegue fazer a uma mãe de personalidade totalmente diferente da sua e que não aprendeu nem a andar de bicicleta por preferir viver segura e plastificada? Só porque sua mãe vive num laboratório, preferindo evitar o contato com a realidade e as experiências mais dolorosas, não quer dizer que os outros não possam desejar uma vida real.

Sei lá. Fico tão incomodado com estas coisas que me perco. Prometo a mim mesmo estancar o giro da pimenteira sobre o que sobrou de minha relação, mas não consigo.

Ontem, aquele que é verdadeiramente o maior blogueiro do mundo (desculpa, Rafael Galvão), escreveu isto em seu decálogo:

10. Toda blogagem se dará em paz e exercitará a liberdade de expressão inerente a qualquer democracia. A blogagem estará a salvo de perseguição política, religiosa ou doutrinária de qualquer caráter. O blogueiro será livre para dizer o que lhe venha à telha, desde que, obviamente, não cometa com a linguagem crimes de calúnia ou plágio.

Estou salvo. Vamos então a algo feliz.

(Back to Last Thursday)

É simples fazer uma festa legal. Basta que haja um número suficiente de pessoas legais num ambiente legal e elas logo começam a demonstrar sua legalidade. Funciona sempre. A festa de aniversário do Tiago Casagrande foi assim. Apesar da espetacular entrevista que fiz com ele em 20 de janeiro – não deixo por menos -, ainda não o conhecia pessoalmente. Conheci o Tiago, o Gejfin, a Francesca, a Tatjana, o Rafa e muitos outros que o álcool impede de lembrar. Todos ali tinham 20 anos a menos do que eu e 10 a menos do que a Claudia, mas pessoas legais costumam conversar de igual para igual com crianças e velhos e em um minuto estávamos adaptados. O local – o Bongô, bar da Cidade Baixa de Porto Alegre – era perfeito. As cervejas sempre vieram rápidas e dentro da CNTPpC (Condições Normais de Temperatura e Pressão para Cervejas; isto é, geladíssimas). O preço era adequado. A cozinha era tão boa que voltamos no dia seguinte para conferi-la melhor. A decoração, cheia de capas de discos e de partituras de rock coladas às paredes, fez com que o grupo familiar do segundo dia passasse a desejar que o lavabo da casa que estamos construindo tivesse páginas importantes de grandes livros coladas às suas paredes. O cara poderia fazer suas necessidades lendo o trecho em que Sancho Pança chama pela primeira vez Dom Quixote de O Cavaleiro da Triste Figura ou a Parábola do Grande Inquisidor (Os Irmãos Karamázovi, Dostoiévski) ou o oitavo (discussão sobre o Opus 111 de Beethoven) ou o vigésimo-quinto (Adrian Leverkühn e o demônio) capítulos do Doutor Fausto de Thomas Mann ou uma partitura da Oferenda Musical de Bach… Já pensaram? Porém, pecado mortal, tergiverso. Voltemos à festa.

Em meio à conversa, Tiago disse que sou um excelente leitor, pois tinha-o desnudado (é uma metáfora, bem entendido) em sua entrevista, através de questionamentos que o fizeram perguntar a seu analista se ele, por acaso, era transparente. Bondade e elogio dele, é claro. Muito mais que bom leitor, sempre fui tido por excelente observador. Vi, por exemplo, o olhar comprido e nostálgico que ele lançava a certa moça em nossa mesa. A nostalgia é, em minha opinião, algo que manifesta-se não só como saudade do que passou, mas também como saudade do que virá, ou não. Vi também, deliciado, que a amizade que o une ao Gejfin é daquelas coisas que só casamentos ou nascimentos de filhos farão diminuir em freqüência, nunca em intensidade. Vi também que gostaria cultivar amizade com estes dois; são pessoas generosas, inteligentes, tagarelas, agradáveis, que valem a pena. Agradeço ao vasto mundo por fazer existir tão perto pessoas deste calibre.

Entrevista com a Mônica, do Crônicas Mônica

Estava procurando escrever posts menores, mas aí veio-me a idéia de entrevistar minha amiga Mônica. Na primeira versão que preparei havia 15 perguntas; na segunda, exatas 43; na terceira e última, voltei a razoáveis 20. Razoáveis? Olha o tamanho do post! Mas garanto a vocês, vale a pena ler!

Eu e a Mônica não nos conhecemos pessoal ou telefonicamente. Não uso o MSN e nem foto dela eu vi, mas sabia quão incontrolável ela poderia ser. Comprovei quando recebi as respostas. Havia perguntas nas quais depositava grandes esperanças e vieram respostas secas…, que foram compensadas por réplicas antológicas onde não esperava. Para facilitar a leitura de meus 7 fiéis visitantes, esclareço que a Adorável, citada na pergunta 7, é irmã da Mônica, é blogueira e é também conhecida por . Também explico que a única pessoa da blogosfera que desentendeu-se seriamente com a entrevistada foi exatamente… eu (pergunta 18), mas, como ela diz, hoje somos amigos, gostamos muito um do outro e vamos nos casar assim que ela me enviar uma foto. Para terminar (final da pergunta 19), fecho mais uma vez com a Mônica na indicação do CD El Negro del Blanco (Biscoito Fino), dos maravilhosos Paulo Moura e Yamandú Costa. Chega de papo e vamos à entrevista:

1. Que grau de compromisso tens com o Crônicas Mônica? É algo descartável ou deverá ter longa vida?

Não consigo pensar em nada descartável, pelo carinho. Gosto das pessoas e do blog em si. Levo bastante a sério. Mas posso implicar e acabar com tudo em um dia… jeitinho Mônica de ser.

2. O complemento do título do teu blog é “Uma escrita bem humorada sem compromisso literário”. Não consigo encarar este título de outra forma que não seja uma defesa de alguém que é normalmente muito autocrítico, mas que não quer ou pode dedicar-se 100% àquilo.

Bingo! E mal sabia eu que ao postar, pela primeira vez, já estava assumindo um compromisso danado.

3. Acho que as tuas melhores qualidades são a musicalidade e a falsa anarquia de teus textos. Às vezes uma sobrepuja a outra, mas, sob alguma forma, elas sempre estão lá. De onde tanta música? E esta vontade de quebrar tudo?

Sempre vou ter vontade de quebrar tudo; ao mesmo tempo, respeito as pessoas, me acho “meio” incorreta politicamente, então, nunca quebraria absolutamente tudo. A musicalidade? Bom, essa mora dentro do meu peito.

4. A clareza é outra característica tua. Os posts podem ser lidos rapidamente, mas uma segunda leitura sempre me demonstrou haver ambigüidades bem escondidas em tuas histórias que nos levam a rir ou a sentir compaixão por teus personagens. Quanto tempo te toma um post “daqueles”, isto é, daqueles bem trabalhados?

Acredite Milton, de 10 minutos a 2 horas, depende. Sempre tenho começo, meio e fim delineados na mente. O revisar, corrigir, formatar, muitas vezes toma mais tempo do que escrever (um daqueles bons). As ambigüidades são para os inteligentes…

5. Ainda no terreno dos elogios: afirmo que tens notável habilidade para criar climas, muitas vezes constrangedores, sempre engraçados. A Mônica real brinca também assim? És uma piadista nata?

Sou, sempre fui. Minhas filhas vivem dizendo: Comédia, você!!!!

6. Entrando levemente no terreno das críticas: teus últimos posts parecem ser mais descuidados do que os de três ou quatro meses atrás. Concordas com isto? Houve alguma coisa?

Milton, a última coisa que sou é uma pessoa descuidada. Mas cheguei a uma encruzilhada: paro agora (Wandeca) ou faço algo mais ligeiro, sem muita correção, tanta revisão. Não tenho mais tempo, entende?

7. Quais são teus melhores posts? Seria o famosíssimo da Miss Sujinha, aquele em inglês ou outro?

Na verdade, acho que você gosta da “Miss Sujinha”. Eu gosto também, mas depois de pensar em sua pergunta acabo achando que os posts de que mais gosto, não são os mais engraçados. Gosto de: “Quem matou Dana de Teffé” embora muita gente nem lembre de “O Cruzeiro” ou David Nasser; gosto de Tiazinha (Yolanda Penteado), A Moleca e alguns outros. De alguns não gosto e vejo que o leitor gosta.
Tem um não muito antigo, da Lígia, que transa virtualmente e quebra a perna.
Bom querido, eu tinha duas opções: deleteva tudo e deixava um “Gran finale”, um bom post, ou continuava, com menos tempo.
Vivo fazendo isso:
– ADORÁVEL, querida, nem reli! Leia e corrija pra mim, por favor (quando estou mais apelativa, digo; pelamordedeus). Obviamente, ela adora este trabalho, lê com grande prazer e me liga elogiando: arrumei algumas vírgulas bailarinas, alguns errinhos de gramática e está ótimo!!!
Milton, cansei um pouco de pensar, corrigir, revisar, reler e 90% das pessoas não entender nada.
Pense: ser avó, decorar uma casa, reformar uma outra, o apartamento da filha, decorar, enxoval de noiva e bebê, escrever para uma revista, fazer traduções. O fato da maioria não entender muito, desanima.

8. E o que mais te toca?

Palavras, música, às vezes, um olhar…

9. Qual é a freqüência de publicação em blogs que achas adequada para ti?

Penso que dois posts por semana estaria mais que bom, até porque acho que as pessoas sabem que deixo um post longo, algum tempo, propositadamente. O Crônicas Mônica fica pra depois, quando tiverem tempo. Ou seja, ao mesmo tempo que posso aborrecer o leitor com longos posts, dou-lhes tempo para ler.

10. Quando o teu computador não está infestado de vírus como agora, acordas e já vais ver os comentários e e-mails ou dá tempo para tomar um café?

Meu amigo, eu acordo, medito, tomo café e dou uma olhada antes de me enfiar em uma esteira. Geralmente estou on line, por ter uma filha fora de S. Paulo e outra bem barriguda…mas não necessariamente estou no computador.

11. O surpreendente post sobre a posição sexual 69 foi seguido de um meio anormal sobre “elegância”. O superego ordenou um arrependimento acompanhado de imediata reparação, os leitores te propuseram “coisas” ou o Milton está louco?

Milton é muito lúcido, mas aqui vou discordar. O post 69 é de autoria de Maitê Proença. Acho a escrita dela viva e gosto de gente que diz atrocidades com elegância. A Maitê tem aquele fio tênue entre a elegância e a vulgaridade. Gostei do artigo 69, publiquei…então eu pergunto no final (para fazer graça): Vamos lá! Todo mundo se entregando, quem faz? Quem não faz? Uns disseram: eu não me entrego assim fácil não, outros descreveram o ato completo… vai de gosto do freguês, no caso, do leitor.
Taí, eu gostei do post “Elegância”.
Eu me repito, ( já disse isso antes), se falo de amor, falo de novo, se falo de arsênico, em seguida falo de cicuta. Viagem, outra viagem. Doris Lessing disse (já disse isso também), que os personagens, às vezes chatinhos, a perseguiam. Eu me sinto igual. Como achei que, na medida do possível, Maitê foi elegante, falei de elegância, mas não foi para me redimir não, acredite. Foi um pensamento. Até porque não acho deselegante a modalidade.

12. Aquela série deliciosamente maluca, metade autobiografia, metade livre-associação, acabou? Se acabou, já digo: que merda!

Não acabou não, Lavoisier… aliás, comigo nada termina, tudo se transforma.

13. Levas a vida empurrando as coisas com a barriga ou ela é uma aventura jovem e surpreendente?

Uma aventura jovem, cheia de surpresas, e faço ontem o que preciso fazer amanhã. Adoraria ser um pouco inconseqüente e irresponsável, nunca fui…

14. A vida amorosa é tranqüila e linear ou é cheia de som e fúria?

Cheia de som e fúria.

15. E como convives com a jovem avó que está nascendo? (Escuta, o Francisco já chegou?)

Nossa!! Quase morri na primeira semana, choque! Achava que o “status” de avó não combinava comigo, agora amo a idéia e vai nascer em janeiro. Tenho uma barriga linda aqui perto de mim.

16. É paradoxal. A Mafalda Crescida te caracterizou como uma pessoa que dá conselhos, que auxilia. Eu mesmo já recebi vários conselhos teus e reconheço a pertinência – e a inteligência – de todos eles. És uma mãezona ou não? Porém, também opino que tens uma relação demasiado irônica com o mundo para ser aquela mãezona típica.

Ahhhhhhh, provavelmente a primeira palavra que vou ensinar pro neto é um palavrão. Mas tenho a “Lua em Câncer”, sou mãezona mesmo, cuido das pessoas, mimo-as.
Adoro dar conselhos, mas a experiência, me faz pensar duas vezes para aconselhar, o interlocutor pode não querer conselhos. Muitas vezes vejo com tamanha nitidez que preciso falar…

17. Meu Deus! E uma vez me pediste para fazer um link entre tu e a mesma Mafalda, pois, olha Milton, não parece mas sou muito tímida…

E aí, graças a você, conversamos duas vezes e ela é um amor… Sou tímida mesmo, mas acho que todo o ser humano é, cada um na sua área, do seu jeito próprio. Garanto que você, às vezes, é tímido também.

18. Tenho a impressão de que és como uma daquelas bolas de silicone que se usa para fazer exercícios com as mãos, só que com chumbo no centro. Há maciez no trato, mas cuidado! Esta bola pode voar em direção a alguém?

Posso ser. Especialmente se for vítima de alguma injustiça ou se alguém mexer com minhas filhas, mas acho que isso é natural. Normalmente, sou doce e meu limite de paciência é bem grande. Mas, se mandar a referida bola, mando em partes letais, falo baixo e arraso a pessoa.
Tenho verdadeiro horror a briga virtual, comentários maldosos em janelas, nem pensar…
Uma única vez briguei com uma pessoa virtualmente. Trocamos e-mails, a pessoa se desculpou, eu desculpei e hoje somos bons amigos, gosto dele….ele sabe disso.

19. Quem, dentre escritores, cineastas e músicos, te provoca frisson?

Ai! Esta pensei em dizer; sou eclética, gosto de tudo, mas isso não faz parte de mim. Então: palavrório, agüenta….
Escritores: O escritor promove aquilo que dizia Gilberto Freyre: e a carne se fez verbo! Então…
Machado de Assis : Meu preferido, eu acho, é preciso ter uma certa maturidade para entender a ironia de Machado, do Machado pós-1881. Outro dia eu estava lendo umas crônicas dele, numa seleção muito bem feita, da Editora Global. E lia umas crônicas que ele escreveu por volta do dia 13 de maio de 1888. Simplesmente saborosas, mostrando a realidade da escravidão, das relações menos folclóricas entre escravo e senhor.
Escrever é recorrer aos deuses internos e externos, para dizer algo relevante.
As crônicas, por mais ligeiras que sejam, podem e devem ser relevantes. As de Machado são excepcionais neste sentido. Parece que ele deu uma rasteira no deus Cronos e continua cada vez mais atual.
Oscar Wilde sempre amei. Conta-se que o pai dele, médico, recebia como pagamento de consultas, quando o paciente era pobre, histórias que, mais tarde, iria contar ao pequeno filho Oscar antes do menino pegar no sono.
“Se um homem encara a vida de um ponto de vista artístico, seu cérebro passa a ser seu coração.” O. Wilde.
E Ernest Hemingway, sempre tive fascínio – O Velho e o Mar é um exemplo raro de narrativa poderosa, que jamais envelhece, e que fisga a gente!
Cineastas:
Orson Welles, Alfred Hitchcock, Quentin Tarantino, Frank Capra, e (pode rir) Steven Spielberg . Daqui há dez anos ele será reverenciado.
Lembro do meu amado Paulo Francis acabando com Steven.
(Ficou meio parecido com resposta de Miss? Nietzsche, Maiakovsky , Saint Exupéry e Paulo Coelho. Rss)
Músicos??? Milton Nascimento, (os mineiros todos, Clube da Esquina), misturo compositores e intérpretes: Mozart, Mendelssohn, Chopin, Weber, Liszt e Kachaturian; Camargo Guarnieri, Osvaldo Lacerda, Almeida Prado, Edino Krieger, Villani Côrtes, Ernesto Nazareth, Eduardo Souto e Zequinha de Abreu, Villa Lobos, Tom Jobim, João Gilberto, João Donato.
Os cearenses: de Fagner a Belchior…..
Baianos…nem preciso citar, Caetano, Gil, Caymmi, João Gilberto…
Você há pouco tempo comparou Chico e Edu Lobo, então pensei: mas ele compara um poeta e um maestro?! Acho que você comparava a genialidade dos dois…
Elis Regina, Nana Caymmi, Zizi Possi, Adoniran Barbosa, Dominguinhos. Muita injustiça minha, passaria o dia aqui falando de nossos gênios, sem esquecer de Billie Holliday, Quincy Jones, Cesaria Évora, Nina Simone, Ella… Jim Morinson, Miles Davis, Chick Corea (chega, vou te aborecer, vc saberá do que gosto em breve). Ah! Gosto da Grande Fantasia Triunfal do Hino Nacional.
“Frisson”… atualmente quem me causa frisson é seu conterrâneo, Yamandú Costa. O último CD do Paulo Moura e dele é algo…

20. Como te sentiste respondendo a esta série de perguntas cujo único conector lógico é a numeração?

O conector lógico são números. Quem formulou as perguntas, foi alguém querido, adorei respondê-las.

Amizades imprescidíveis que me chegaram através da rede (Parte I)

Publicado em 19 de outubro de 2004

Caetano Veloso já perguntava em “Língua” sobre quem haveria de negar que a amizade é superior ao amor. Não vou discorrer a respeito, até porque ambos nos dão ganhos diferentes e não há motivo que nos impila a uma escolha. Fica-se com os dois e fim.

Tenho um grande amigo virtual na pessoa do escritor pernambucano Fernando Monteiro. Foi ele quem me escreveu primeiro e, ainda hoje, creio ser ele quem mais estimula nossa amizade acrescentando-lhe fatos novos. É que realmente não sou o campeão da auto-estima e fico constrangido de encher-lhe o saco… Tudo começou quando, ao responder em um post antigo (de 2 de agosto de 2003) a algumas questões sobre literatura, sentencei que o livro Aspades, ETs, etc., de Fernando, era um dos poucos livros dos últimos 10 anos que mereceriam a honraria de obra-prima. Então ele leu, descobriu meu e-mail e começamos uma animada conversação.

Neste ínterim, ficamos nos conhecendo um pouco mais e Fernando chegou a me citar numa coluna publicada no jornal literário Rascunho.

Há duas semanas, ele voltou a me surpreender. Recebi mais um presente pelo correio – mandei-lhe 2 e recebi uns 10! – e era uma descoberta estarrecedora. Explico: quem me lê sabe de minha admiração por Johann Sebastian Bach, Ingmar Bergman e Anton Tchékhov, entre outros. Num post anterior, escrevi sobre a curiosa ligação que Bergman tinha com Bach. Pois Fernando me manda um artigo de Hélio Pólvora em que está esmiuçada a relação que o filme Gritos e Sussurros, um pontos mais altos de Bergman, tem para com a obra-prima de Tchékhov As Três Irmãs. Após ler o texto ficamos sabendo que, inequivocamente, são obras… irmãs.

Após receber o mimo, escrevi a Fernando o que segue:

Meu amigo!
Muito obrigado pela lembrança. O artigo do Pólvora abriu meus olhos para uma obviedade de que não tinha me dado conta. Bergman deve ter dirigido peças de Tchekhov a vida inteira, nada mais natural então que se inspirasse nele de vez em quando, assim como fez com Strindberg. Será que há alguma coerência em minha paixão por Bach-Bergman-Tchekhov?
Fernando, tenho tratado muito mal todos os meus amigos; na verdade estou passando por apertos de todo o lado. Falo sobre tempo e dinheiro. Nada muito grave, nada que não possa ser resolvido com um pouco de “mais aperto”, mas fico preocupado, durmo mal, etc. Imagine que minha irmã pediu que eu pirateasse 10 CDs de música a minha escolha para lhe dar de aniversário e ainda não gravei nenhum para ela… que nasceu num 31 de julho!
Tenho que mudar minha vida e já. Este negócio de assumir as minhas broncas, as dos outros, de manter blog, coluna esportiva, de aceitar vários convites, de achar que tenho tempo para tudo, para a Claudia, para os filhos, para os amigos, para ser dono de restaurante e de empresa de informática, para escrever um livro (que está rigorosamente parado, morto lá pela página 30) está me atrapalhando muito.
Está na hora de pensar na vida. Desculpe o desabafo.
Grande abraço e, novamente, muito obrigado.
A propósito: quando é que sai o Graumann II?
Milton.

Recebi como resposta:

Milton amigo:
o Graumann II deve sair neste mês — caso não se atrase mais, na W11. Eu queria que saísse com o três, estava disposto a dar uma “corrida” neste, porém o Wagner Carelli preferiu lançar só “As Confissões de Lúcio”, por ora… o que me deu tempo de trabalhar mais no último volume do que, vá lá, pode ser chamada de “trilogia” graumanniana.
A vantagem de lançar juntos seria principalmente o impacto (?) dos dois livros – porém o Wagner me convenceu de que não se podia contar com a certeza dos distribuidores e/ou livreiros comprarem quantidades iguais de ambos, pra começar.
E eu queria — ao mesmo tempo — mais tempo para o 3.
Tempo, tempo – tudo é tempo. Tenha cuidado com o seu, sem dúvida. Principalmente, não se disperse, porque, depois dos 45, tudo vai se tornando urgente.
Abs, Fernando
PS. Bach-Bergman-Tchekohv são três encarnações do mesmo mistério, claro.
F.

E assim continuamos nossas conversas, eu em Porto Alegre, ele no Recife. Nunca nos vimos.

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Outro amigo virtual: meu primeiro contato com Alexandre Inagaki foi o pior possível. Ele escreveu um comentário apontando que eu tinha escrito um post que utilizava uma idéia que ele, Inagaki, já utilizara. Foi direto ao ponto, sem agressões ou ironias. Só que a idéia utilizada não era de nenhum de nós, mas de François Truffaut e referia-se aos “Grandes Filmes Doentes” (post de 13 de agosto de 2003). O comentário do Ina foi perdido numa destas crises do blogger, infelizmente. Rebater a suspeita foi fácil. Disse-lhe que havia lido a expressão na página X do livro com a grande entrevista que Truffaut fez com Hitchcock. Ele que olhasse no dele. Devo ter sido irônico e creio ter-lhe perguntado se ele não queria que eu mandasse o livro manuseado que possuo como prova… Fiquei irritado, mas a coisa não prosperou; comecei a ler o extraordinário Pensar Enlouquece e ele começou a me visitar. A desconfiança deu lugar ao respeito, o respeito foi superado pelo bom humor e admiração, os quais permaneceram, só que acompanhados pela confiança. Vim conhecê-lo em Parati, durante a FLIP.

Eu o imaginava como os japoneses das piadas, com tudo pequenino e aquilo proporcional. Mas estava enganado (o “aquilo” eu não vi nem quero, Ok?): o cara tem 1,80m, ou seja, é 9 cm mais alto que eu. E não é magro nem longilíneo. Está naquela fase da vida em que temos que optar: vou ser forte ou gordo? Creio que a segunda opção esteja fustigando nosso blogueiro campeão, mas ele ainda resiste.

Quando me apresentei (sim, parei na frente do japa e perguntei se ele era o célebre Inagaki), tive duas primeiras impressões. A primeiríssima era a de que ele inaugurava, na minha experiência, a classificação do “Japonês Baiano”. Nasceu em Campinas – até torce para um time de lá que logo logo irá para a segunda divisão – mas o ar descansado, de quem dorme 12h todas as noites, aquela cara sorridente, aquela malemolência… ah, é coisa que parece ter origem no mar da Bahia. A segunda primeira impressão foi de que ele entrava com méritos numa outra classificação: aquela que distingue as pessoas cuja inteligência parece ser tanta que esta ameaça sair pelos olhos. Não espero ser compreendido, mas quem conhece minha irmã sabe do que estou falando. E, quando começamos a conversar, vi que ela também podia sair pela boca. Porém daquele jeito tranqüilo, lento, baiano.

Conversamos 3 vezes, nunca longamente. Posso testemunhar que o Ina é daquelas pessoas com as quais a gente se sente tão bem que podemos deixar a conversa morrer e renascer sem a menor pressa. Vamos melhorar a frase anterior: o que quero dizer é que Inagaki nos dá tal impressão de calma, gentileza e espontaneidade, que em sua presença não nos sentimos pressionados a atuar, a falar por falar. Ele está ali, disponível, conversando e ouvindo. Gostei do cara.

Quase 4 meses após nossos encontros, ele vem e escreve um testimonial na minha abandonada conta do Orkut. Como 100 % destes textos, trata-se de um elogio. Sei que vocês, meus 7 leitores, vão pensar que a cópia deste texto aqui equivale a um auto-elogio e, como tal, seria um vitupério que lanço a mim. Porém acreditem, esta voz gentil é realmente a dele, a de sua expressão verbal. Leiam lentamente, em ritmo malemolente; imaginem uma voz baixa e sorridente:

Literato, musicólatra, cortês. Milton Ribeiro é um desses caras que tornam a vida da gente mais rica. Quem lê seus textos é constantemente brindado com doses precisas de emoção, bom humor, erudição, talento. Um dia ainda terei o privilégio de receber em mãos um livro autografado desse cara. Ok, eu já sei que na dedicatória Milton me escreverá algo do tipo “um abraço por trás, viadinho”. Tudo zen: esse cara é meu amigo.

Entrevista com Tiago Casagrande, do blog Bereteando

Publicado em 20 de janeiro de 2005

O blog Bereteando (a definição deste neologismo pode ser encontrada vocês imaginam onde) , do portoalegrense Tiago Casagrande, é um dos mais surpreendentes da blogosfera. Tiago – ou Tiagón, como ele gosta – parece ser capaz de escrever em todas as formas com brilhantismo – deve ser um equívoco meu não admirar sua poesia – e desenvolvi naturalmente enorme curiosidade por este talentoso conterrâneo capaz de posts absolutamente impecáveis nos quais podem estar presentes tanto o non-sense, o poético e o cômico, como algo confessional, pessoal e sério, ou irresistivelmente engraçado. Para os exemplos foram utilizados apenas posts recentíssimos.

Tiago, de apenas 26 anos – sendo ainda, sob minha perspectiva, uma criança -, deu-me a belíssima entrevista que transcrevo abaixo. Ele é direto, objetivo e não costuma fugir às perguntas.

Gosto dos blogs que retratam amplamente seus autores, sem atuação ou pose. O teu é assim. Extremamente bem (d)escrita, tua circunstância está ali, dentro do possível completa. Podemos encontrar no Bereteando qualquer coisa, desde reclamações da pindaíba, ficções, piadas do melhor nível da blogosfera, comentários sobre música, loucuras, quadrinhos e ensaios. Qual é o papel e a importância que tem o Bereteando para ti?

O Bereteando mantém minha (in)sanidade! Ele é uma espécie de túnel de vento da minha criatividade. Enquanto estou trabalhando, mantenho um bloco de notas (do Windows) aberto; e à medida em que idéias, frases ou sentimentos vão surgindo, eu escrevo. Depois seleciono, corto e formato. Desse jeito, o Berê nunca se torna um fardo, uma obrigação.
Além disso, meus bereteios também servem para que eu me enxergue, me colecione; faço micro-fotografias (mesmo que muitas vezes cifradas) do meu cérebro no dia-a-dia. Escrevo para os leitores, muitas vezes, mas também me reservo a liberdade de ser confessional e pessoal, porque acho que esse é um jeito de fazer um blog interessante: achar um meio-termo entre o famigerado “diarinho” e o afastamento completo. (E é uma fórmula que tu dominas com maestria!) Até por isso tenho resistência com blogs puramente de contos ou poesia.
Mas me afasto da resposta; o Bereteando tem uma função essencial por ser minha válvula de escape no dia-a-dia. O blog não é apenas um lugar onde me encontro; também me estimula a manter-me escrevendo. Se de vez em quando me arrogo o direito de não pensar no leitor e ser hermético, pelo outro lado, se não fossem os amigos que fiz na blogosfera, não teria escrito dezenas de textos que gosto muito.

Charlie Mingus iniciou sua autobiografia (Beneath the underdog) dizendo que era três. Penso que o mesmo valha para ti. Há o Tiago humorista, o non-sense quase poeta, o sério (seríssimo), o elegíaco, etc. Quem ganha esta disputa? Há quantos Tiagos aí?

Dezenas! Mas eles ramificam-se de dois primordiais, cada qual numa ponta da corda: um é divertido, canastrão, cara de pau, confiante; o outro é romântico, sensível, birrento, fatalista. É como se meu cérebro escolhesse três dessas características para formar o “humor do dia”. Isso se reflete claramente no blog – no conteúdo e no tipo de texto. Durante muito tempo me preocupei, ao ler minha produção (a do Bereteando e a de casa), por não enxergar um estilo; eu fico indo de um lado para o outro ao sabor do meu temperamento. A verdade é que eu sou muito indisciplinado e escrevo só o que tenho vontade… Então que esse seja o “estilo”!
Quem vence a contenda? Espero que uma mistura entre tudo isso… Talvez eu descubra quando tiver alta da análise 😀

Tua produção para o blog é imensa. Há outra produção?

Sim, em casa, que anda muito esporádica; de contos e poesia. Já fui mais aplicado em outras épocas, hoje estou desleixado. Porque sou movido muito pelo entusiasmo (não sou nada esotérico, mas associam essa característica aos de Áries, onde me enquadram) e já não gosto mais dos meus escritos como gostei antes. Não tenho conseguido criar contos “lineares”, como aqueles que estão na gaveta. Mas ultimamente tenho feito alguns experimentos com forma, fiquei contente com os resultados e tenho enxergado aí um viés a explorar.
E tenho tanta vontade quanto medo de escrever um romance, mas essa é uma meta para 2005 – só não determinei ainda de que jeito, pela mesma resposta da pergunta anterior.

A maior surpresa que me pregaste foi aquela de dizer que tu e o Geva (Gejfin) recolheram histórias de pessoas do interior do Rio Grande do Sul com a finalidade de… Que projeto é este?

Eu e o amigo-gêmeo Gejfin partilhamos da mesma fascinação pela memória humana. Pensar que cada pessoa tem uma História pessoal riquíssima, não importa quem seja ou onde vive, nossa – é o que os antigos definem como “muito louco”. Começamos a imaginar quantas histórias não estão enterradas pelas pequenas cidades do Rio Grande (só pra ficar dentro da nossa galáxia), à margem da capital, e logo, dos holofotes. Nossa idéia é compor ficção como patchworks, a partir de memórias diversas, agrupadas por cidades (de no máximo 10 mil habitantes), e junto a isso um ensaio fotográfico. Ano passado fizemos a viagem-piloto, para Agudo, bem no centro do estado. A acolhida foi fantástica, conhecemos o interior da cidade, conversamos com muita gente e recolhemos vasto material. Paramos no ponto em que se monta um boneco para tentar vender – e viabilizar – o projeto. Mas devemos retomá-lo este ano.

Tiveste um conto premiado na Feira do Livro de Porto Alegre, publicaste na Paralelos, foste convidado para a Oficina de Parati… Que reconhecimentos te deixaram realmente feliz em tudo isto? Outros?

Meus dois contos premiados deram a exata noção do quanto heterogêneo é o que eu escrevo. No Revelação Literária Câmara do Livro/Nova Prova 2002, selecionaram um conto difícil, quase sem pontuação, um monólogo num fôlego só (Excrescência, se não me engano enviei para tu leres); ano passado, pelo Habitasul/Feira do Livro, foi um texto cotidiano e engraçadinho. Isso me acalmou na angústia de “pra que lado vou?” Vou para os dois, ora bolas.
Mas sempre fico muito feliz quando consigo me enfurnar, achar um espacinho pra mostrar minha literatura; e quero alargá-lo até conseguir colocar uma cadeira e me sentar confortavelmente. Quero um lugar nessa tal de Nova Literatura!

Disseste estar desiludido com a profissão de publicitário. Do alto de minha inútil experiência, digo que é normal, pois às pessoas criativas raramente é dado o espaço que precisam (ou seriam as empresas que não precisam de – ou não sabem utilizar a – criatividade…?) e dá um imenso trabalho abrir o seu próprio. Creio que teu destino é o de produzir cultura, provavelmente passando por um período infeliz, espero que curto… Para onde gostarias de te direcionar?

Teu poder analítico é sub-atômico, Milton. Já que (ainda) não posso viver da escrita, quero trabalhar nas direções da cultura e da comunicação social. Tenho vontade de abraçar todas as manifestações culturais e artísticas; seja criando, seja trabalhando para que elas sejam acessíveis ao maior número de pessoas. (Se tem algo que me irrita é o distanciamento que se cria entre as pessoas e a arte – quem disse que é preciso ser “erudito” para escrever, pintar, compor? Arte é o sentimento expresso, e todos tem sentimentos a expressar. Depois é que vem a técnica.) Espero poder trabalhar nesse sentido, o de desmistificar e aproximar a cultura das pessoas.
Outra direção que posso tomar o mundo acadêmico. Talvez retornar às ciências sociais e suas implicações com a cultura e as tecnologias… É um caminho possível.

Ao mesmo tempo que és bem anárquico, falas em encontrar a mulher perfeita (a mais bela da cidade?), em casar, ter filhos (aquele afilhado…), etc. Ao lado da amizade e da admiração, havia muito de “queria isso para mim” quando escreveste sobre o casamento do Ander. Às vezes, penso em ti como o intelectual que adoraria ter seus cravos tirados por uma bela mulher na beira da praia, enquanto pensa na próxima história…

Milton, essa cena é tão perfeita que eu não poderia tê-la imaginado!
De fato, eu vivo transitando nessa dicotomia – um pedaço de mim quer mudar o mundo, outro quer encontrar, sim, a garota mais linda da cidade (que minha sensibilidade possa enxergar), casar, ter dezoito filhos e um sobrado no Lindóia. Certo ou errado, por alguma razão essas duas coisas surgem como antagônicas na minha mente; é como se eu precisasse escolher revolução ou amor. Não faço a mínima idéia de onde isso termina; vejamos por quem me apaixono primeiro… Ou quem sabe a garota mais linda da cidade não é também uma revolucionária?

Conheces o What Next da Gramophone? Bem, eu explico. Hoje, chegarás em casa com vontade de ouvir música. Começarás com um CD e ele, por algum motivo, te levará a outro e este a outro e assim por diante. Explique o que ouvirás e por quê.

(Milton, segui tua orientação e não respondi a essa pergunta, porque acho que a maioria dos teus leitores – e dos meus, também, na verdade – não vão conhecer muita coisa do que vou citar… Hoje, por exemplo, comecei com Carcass, passei por Paradise Lost e estou ouvindo Amorphis; tudo heavy metal. Se tu, por curiosidade, quiser publicar mesmo assim, respondo com mais cuidado e detalhamento)

Não falas muito em literatura no Bereteando. Mas sairam elogios a Gogol aqui, referências a Zola ali. Além deles, quem mais merece elogios?

Não falo porque leio vergonhosamente pouco… minha biblioteca não deve chegar a cinqüenta volumes. Gogol está no topo, é pra mim dos mais geniais escritores; Almas Mortas é o livro mais fascinante que já li. Além da obra-prima, os contos fantásticos como O Nariz, O Retrato e O Capote foram possivelmente meu primeiro contato com a não-linearidade. Ainda nos russos, gosto muito de Dostoiévski (o que são os diálogos em O Jogador?) e Tchekhov.
Outro que ocupa destaque é o Bukowski em prosa. A crueza da narrativa me estarrece toda vez que leio.
Um autor que admiro muito é Ray Bradbury – li muita ficção científica, incentivado pelo meu pai. Suas Crônicas Marcianas são absolutamente perfeitas.
Mas o que leio e releio sem cansar são os livrinhos de contos do Woody Allen, publicados pela L&PM. Muito do que escrevo tem fonte ali; Allen consegue fazer a costura perfeita entre a bobagem pura e a citação erudita colocada fora de contexto para criar uma situação engraçada. No humor, também me inspiro muito com P.J. O’Harvey, escritor americano autor de Guia do Solteiro e Etiqueta Moderna (ambos editados por aqui pela Conrad). Puro wit.
Da poesia, gosto dos contemporâneos cariocas, Chacal e Michel Melamed. Viviane Mosé derrete minhas sinapses e, todas as vezes que abro um livro do nosso Quintana, prometo nunca mais escrever outra poesia. (Mas Haroldo de Campos sempre acaba me convencendo de que não preciso parar…)

Aquela citação de Theodor Adorno sobre jazz é das coisas mais absurdas que li. Em minha opinião, demonstra a incompreensão de muitos intelectuais quando tratam de manifestações “seculares”. É o oposto de ti. Das pessoas que tenho lido, tu és o que melhor faz este tráfego entre o profano e o “sagrado”.

Era na sexta série, aula de literatura, quando num texto de, acho, Clarice Lispector, eu encontrei o que julgava ser um erro de português. Perguntei para a professora, e ela confirmou que não era a forma correta da língua – mas que a autora podia, e os alunos não, porque, afinal… ela era Clarice Lispector!
Ora, e será que ela já era Clarice Lispector quando escreveu o “erro”?
O que é “sagrado”? Eu fico me coçando todo quando as pessoas aceitam velhos costumes sem ao menos pensar no que estão fazendo. Não há mais espaço para preconceitos! Por exemplo: quando re-ordenei as categorias do Bereteando, criei uma chamada “poesia” – assim, com aspas, porque temi parecer arrogante afirmando que aquilo lá é poesia, sem aspas. Pouco depois eu me dei conta de que isso é muito besta! É poesia, sim, pra mim e pra quem mais entender que aquilo é poesia. Entender pela forma, pelo conteúdo ou pura e simplesmente pela sensibilidade.
Outro exemplo: durante toda minha adolescência eu acreditava que, já que eu era um “metaleiro”, tinha que odiar tudo que não fosse heavy metal. E odiava e execrava, mesmo. Até que ouvi bebop e meu queixo caiu, levando consigo esses paradigmas cretinos. Hoje eu transito entre rock, metal, jazz, blues e música eletrônica sem nenhuma vergonha, e com duas caipirinhas até axé eu danço!
Misturar Dickens com Patrick Swayze e Pterodáctilo, como fiz no Especial de Natal, pode ter feito o velho escritor revolver-se no caixão – ou conservadores se rebostearem nas cadeiras, enfim. Mas botá-lo no liqüidificador é trazê-lo para perto de todos. Dogma e santidade criam abismos.

A Verbeat Blogs é uma reunião livre de blogueiros ou é algo semi-político no estilo Wunderblogs? Fui convidado por ti para entrar na coisa, indico para todo mundo que tem problemas com seus provedores e irei para lá quando a Blogger voltar a sacanear, mas há algum critério?

Nada político. Quando o Blogger fez aquela sujeira toda com seus usuários, resolvemos juntar meia dúzia de amigos, dividir as despesas de hospedagem e pronto, estávamos a salvo da instabilidade e dos contratempos de tudo que é grátis na internet. Ora, já que tínhamos espaço, porque não chamar os bons de texto? Assim acabamos aliciando pessoas talentosas e próximas a nós na blogosfera, como a pop star espevitada Olivia e o Three Times Blogs of Note Winner Marcão. E tu sabes que o teu lote tem reserva permanente… ainda que, nesse ritmo em que tua popularidade cresce, vais acabar virando pontocom!

E o projeto Poetikaos? Morreu? Alguns sacanas não apareceram? Como é que é?

Ele fica de cantinho, esperando o lugar ideal, ainda. Já tivemos problemas com barulho, com espaço, com pessoas… enquanto a casa ideal para nossos saraus abertos não aparecer, o evento Poetikaos espera. Mas a primeira edição fora do RS deve acontecer em março: na gloriosa Rio do Sul, SC, nova casa do membro fundador Anderson.

Quando vamos nos conhecer? Te convidei para meu aniversário mas não aconteceu nada…

Muito em breve, eu espero! Até porque eu e o Gejfin estamos iniciando um novo projeto, e tu serás o primeiro a conhecer… e, esperamos embarcar conosco!

(É, eu sei; se projetos e idéias malucas dessem dinheiro, eu ia reclamar menos da pindaíba…)

José e Pilar e os outros

Foi um belo fim-de-semana. Começou lá na sexta-feira com o jantar com a dupla Nikelen Witter e Luís Augusto Farinatti e terminou com o esplêndido documentário José e Pilar. Os dois casais foram entremeados por um filme notável: Código Desconhecido, de Michael Haneke, que, se não é o maior diretor de cinema vivo, merece figurar em qualquer lista que utilize a contundência como critério. Este Código e A Fita Branca são filmes de qualidade indiscutível, penso.

Mas voltemos à sexta-feira. Eu estava exausto de um dia de ar condicionado estragado no Sul21, porém a conversa inteligente, o vinho e a gentileza novamente viraram o jogo a favor de todos. Foi tudo muito agradável e civilizado. Minha filha Bárbara fez o resumo da noite dizendo que achava muito bom ouvir pessoas cultas conversarem. OK, só que acho que a sedução que exercemos sobre ela (já me incluí no “exercemos”, né?) é a de que falamos sobre política e temos posições que já são as dela. De certa forma, nós — apesar de não sermos nada grandiosos — mais ou menos justificamos aquilo uma forma de pensar o mundo. Fico me sentindo culpado por não ter feito referência nenhuma à visita do Ramiro Conceição lá no início do ano, mas aquela era uma fase triste de minha história recente…

José e Pilar não é um filme que fale muito da obra de Saramago, fala mais da repercussão dela, da rotina de um Nobel famoso e de seu relacionamento com a mulher amada, Pilar del Río. Olha, é um documentário estupendo como cinema. Resultado de quatro anos de filmagens — entre 2006 e 2009 — tem como pano de fundo a criação da romance A Viagem do Elefante e a doença do escritor. Saramago, absolutamente inteligente e erudito em suas palestras e livros, mostra uma face mais relaxada e íntima no excelente filme de Miguel Gonçalves Mendes. O filme me foi 100% satisfatório, mas tenho a impressão de que o diretor considerou que o público tivesse conhecimento prévio da vida do autor. Fica inexplicada a forma peculiar que tomaram com Saramago as eternas restrições portuguesas e brasileiras àqueles que se distinguem, fica inexplicado o justificado ódio com que Pilar del Río trata um jornalista português — merecia muito mais — , assim como a natureza de certo silêncio que o “Portugal oficial” tratou de cercar Saramago.

A mim isto não fez falta nenhuma, mas talvez um observador inexperiente ou marciano não entenda bem o gênero da estupidez envolvida. O fato é que “minhas mulheres” resumem muito bem tudo. Na saída do cinema, a Claudia, encantada com o filme, disse: “Como é bom a gente ouvir alguém brilhante que pensa parecido com a gente!”.

Finalizando: por falar em estupidez, o cinema nacional agora trata de investir na religião. Os trailers pré-José e Pilar foram todos dedicados a espécimes do novo cinema religioso nacional. Comparados aos argentinos, estamos cada vez mais fodidos — saímos da chanchada para a religião. Nada mais próximo. O contraste dos trailers com os 125 minutos seguintes de Saramago foi absolutamente desconcertante. Para sofrer este choque estético, vá ao Arteplex 2 de Porto Alegre antes que mudem.

Recebendo o Dr. Cláudio Costa

Publicado em 10 de outubro de 2007

Tenho uma história muito feliz de encontros com blogueiros. Boa convivência, gentileza, piadas, amizades. Conheci muitos, dentre quais posso citar de memória Mônica, Tiago, Gejfin, Afonso, Biajoni, Olivia, Sandra Pontes, Marcão, Laura RJ, Mauro Castro, Stella, Rafael Reinehr, Sílvia Chueire, Donizetti, Inagaki, Nelson Moraes, Cynthia Feitosa, Gabriela Franco, Ticcia, Ane Aguirre, Fábio Danesi, Viva, Francisco Viegas, Nora Borges, Flavio Prada, Allan Robert, Fabrício Carpinejar, Nelson Natalino, Alê Felix, Adalberto Queiróz, Helenir Queiróz, Vanessa Lampert, Claudia Letti, Marcos Caiado, Fal, Manoel Carlos, Adelaide Amorim, Doce Maior, Thomaz Magalhães… e certamente muitos outros que esqueci e que ficarão irritados comigo.

Por falar em comportamentos limítrofes, minha mulher fica maluca quando vai receber alguém em casa. Casa? A casa se transforma. Não se sabe de onde nem como surgem toalhas novas, tudo vai para o seu lugar (ou para lugar um inédito, no caso daquelas coisas que nunca encontraram um paradeiro para chamar de seu), os sabonetes deixam de ser arredondados para adquirir sequinhos formatos de paralelepípedos, há fartura de papéis higiênicos nos banheiros — ninguém precisará gritar desesperadamente por ajuda — , fica tudo florido, as roupas DELA somem magicamente de seus habituais lugares para finalmente conhecerem o armário e eu tenho, além de organizar tudo o que é meu, que caminhar mui cuidadosamente pelo apartamento, lentamente, revisando se meus sapatos não trouxeram muito pó da rua e observando bem a nova disposição das coisas para não derrubar nada.

Como já me acostumei, não me incomodou muito a necessidade de levar o armário de CDs de um canto a outro da sala. Seu peso é mais ou menos o de um automóvel americano dos anos 60, porém, como preciso mesmo emagrecer, nem me preocupei com a ausência das rodas nem com o fato de ter alçado a cama de casal do meu filho para o quarto de cima. (Aqui há um interessante detalhe. Quando comprei a cama para o Bernardo, disse-lhe que havia três modelos na loja: No Sex, Stop Fucking e Penis Paralisator. Por profilaxia paterna, escolhi o Penis Paralisator; afinal, ele tem 16 anos, namora uma menina da mesma idade e eu não desvio um centímetro daquilo que está prescrito no Manual do Perfeito Católico: a Castidade é a Pérola das Virtudes.) Bom, então o fato é que nossos convidados, o Professor Doutor Psiquiatra e o escambal Claudio Costa e sua esposa, repousarão sobre o Penis Paralisator. Será um período imaculado na vida de nosso querido doutor. A imobilidade, dizem, além de tornar as pessoas mais espirituais, garante algumas reputações. A dele certamente não será diminuída pela falta dessas efêmeras dilatações. Ou… sei lá.

Algo que é normal lá em casa e que continuará acontecendo durante a estadia do mineiro casal é a comilança perpétua. E olha, é impossível resistir, a gente engorda pacas. Sou cobaia e beneficiário das artes de Claudia Antonini. Devido a ela, expando-me como o universo. Talvez os filhos do Claudio — eliminemos logo o “doutor” de alguém tão amável e sem frescuras –, não o reconheçam na volta, tal o incremento que sua barriga e outras partes expandíveis do corpo humano poderá receber. Mas deixo de lado qualquer possibilidade de incremento sobre o membro discutido no parágrafo anterior. Não há chances. E ele, coitado, fala sobre uma nova lua de mel em Porto Alegre…

Infelizmente, ficarão apenas de hoje até sábado. Quatro quilos? Não sei, se a Ana Letícia pedir muito, a gente pode piorar a comida… Filhos são assim: aposto que ela ficará satisfeita com o Penis Paralisator — pai, vai devagar, na tua idade… — e quererá seus papais comendo de forma equilibrada. Mas nós, que gostamos deles por serem divertidos e legais — não que ela não os ame pelo mesmo motivo — , pretendemos submergi-los em vinhos, massas, carnes e que tais. A vida é assim meio tola mesmo, né, Ana?

Há uns três meses, encontramos o Claudio aqui em Porto Alegre e posso garantir que contraí por ele uma paixão avassaladora — ainda que platônica, bem entendido. Conversamos como velhos amigos, dissemos coisa séria e muita bobagem e, quando soubemos do Congresso de Psiquiatria que ocorreria em outubro, o convite para que ficasse em nossa casa saiu-nos fácil. Ainda bem que ele aceitou nos incomodar. Era, exata e minuciosamente, o que desejávamos.

Comentários do blog anterior:

Ramiro Conceição: Dois comentários: 1) Milton, gostei muito da cinética, da fluidez do texto. 2) Agora sobre esse tal utensílio, denominado de “Pênis Paralizator”, Doutor Cláudio, cuidado!; pois o senhor e a sua senhora talvez estejam adentrado na trama mágica da teia do terrível Periquito da Genitália Grande, sob um surto da “Síndrome de Milton”. Explicando melhor. Como sabemos, quando casais se visitam, sempre, em alguma ocasião, as mulheres ficam com as mulheres e os homens com os homens. Aí, Doutor Cláudio, mora o perigo! O terrível Periquito, em milhares de subterfúgios colorados, tentará atraí-lo para o utensílio da devassidão. Mas, caro Doutor, já será tarde. O senhor ainda tentará o derradeiro argumento: Pera aí: isso não é o “Pênis Paralizator”? Mas aquela voz sedenta e cavernosa, babando de prazer dirá: “Não, querido Cláudio, aqui é o lugar do “Pênis pra Alisador”. Querido Doutor, aí — nem Freud explica!

Meg: Milton será que me colocaste no Index Prohibitorum? Nenhum comentário meu entra. Tamos maus;-) Beijos ao Cladio que deve dizer “Paralisator? antes ele do que o meu” hohoho Estou fazendo graça porque sei que não vai entrar o bendito do comentário Putz! Feliz dia das Crinaças. A começar por ti. M

M: Milton dá um beijo ou manda dar;-) um beijão especial no Claudio e na família dele. E diz que espero ele em Belém do Pará. Ele , como bom psi lacaniano, deve conhecer o inconsciente do Oiapoque ao Chuí, no caso o Oiapoque fica em Belém, mas só neste caso, especialmente para ele. beijos para ti, para a Claudia, tua mulher de verdade;-) e todas as crianças da casa Meg

Viva: Milton, tua crônica está deliciosa, como devem ser os pratos da Cláudia e a prosa do Cláudio. PS: se no domingo você amanhecer com um olho roxo, não vou estranhar. Essa função “casa organizada para as visitas” todo mundo faz. Só que não se conta!!!

Nina – Fenômenos: uhauhauahauhauh passei mal com a cama “penis paralizator”. aqui em casa nao e diferente. qdo tem visita e uma loucura. minha mae só falta nos pedir pra nao respirar. sem falar nos objetos novos que aparecem: talheres do faqueiro que herdou de nao sei quem, copos que eu nunca vi na vida, toalha de mesa bordada a mao (made in ceara). parece que estou em outro lugar!!! sem falar nas comidas. tenho um primo que se diverte qdo a familia inteira esta reunida. ele tira fotos da galera comendo. e so isso que se faz na familia buscape…comer!!! 150 mastigacoes por minuto!! impressionante!!! beijos

Gugala: Pelo jeito vais conseguir que o Dr. participe, solteiro, dos próximos Congressos . ahaha abraços

Cláudio Costa: Olhacá, vamos precisar de algumas laudas para falar de nossa alegria e emoção ao sermos recebidos com tanta fidalguia! Por ora, caríssimos Milton, Cláudia, Bê e Babi, deixamos aqui nosso agradecimento. Depois conto os “podres”, hehehe

Lord Broken Pottery: Milton, Boa companhia e comida farta. “Fartou” alguma coisa? Grande abraço

Flavio Prada: A raridade do encontro somada à raridade dos personagens, faz de tudo isso um momento precioso. Gente da melhor qualidade, e digo isso sem um minimo de confete, é sentido. Beijos a todos.

Ana Letícia: uahahahahaha Amei isso de “penis paralizator”!!! Tadinhos dos pombinhos enamorados, tentando comemorar longe dos “filhotinhos” os vinte e alguns anos de casamento… Crentes que teriam uma lua de mel digna dos “velhos” tempos… hehehe Milton, será que a Cláudia não é parente da minha mãe? Conversem aí e depois me contem, pois aqui em casa quando tem visita é a mesmíssima coisa! 😉 Beijos, obrigada por recebê-los, e adorei o post!

Eduardo: Milton, desejo que tudo corra à contento. Comam bem! Abraços!

Minha filha Bárbara faz 12 anos

Publicado em 25 de setembro de 2006. As fotos se perderam junto com o blog antigo

É tempo de homenagens. Hoje é o centenário de Shostakovich, mas é também o dia em que minha filha completa uma dúzia de anos. Então, publiquei ontem a última parte da série sobre o compositor russo, a fim de abrir espaço para o níver de minha filha. Questão de justiça? Não, questão de amor mesmo.

Querida filha.

O dia 25 de setembro de 1994 foi um domingo. Dias antes, eu tinha assistido a um filme sueco chamado “Crianças de Domingo” no qual dizia-se que as crianças nascidas em domingos eram as mais felizes. Espero que seja verdade. Tu eras esperada para umas duas semanas depois, mas uma bolsa rota determinou que aquele seria o dia. Foi rápido. Chegamos ao hospital por volta das 17h30 e tu foste retirada da barriga da tua mãe às 19h35. Não lembro do que diz na certidão, lembro ter olhado para o relógio ao ouvir um berreiro sensacional de criança saudável e ver que eram 19h35. Lembro da pediatra saindo da sala de parto contigo e que fui atrás, caminhando rápido. Enxerguei uma enorme boca de uma guria vermelha de tanto gritar, adornada de cabelos lisos e pretos. Mas teu irmão era loiro! Eras bem mais morena do que a rigorosa brancura do teu irmão e os cabelos de índia até combinavam contigo. Mas logo os cabelos pretos caíram e, para a surpresa dos familiares, foram substituídos por cabelos encaracolados e loiros. Bárbara, a ex-índia.

Repetia contigo as brincadeiras que fazia com teu irmão, porém contigo elas não faziam muito sucesso. É que eras uma menininha que não gostava de movimentos bruscos e muito menos de ser atirada para o alto. A coisa tinha que ser mais afetuosa e dava ainda mais certo se acabasse em abraços e beijos. Nossa, como tu gostavas de balanço; lembro de ficar sábados e domingos te balançando por horas, horas mesmo! Sabes este Walkman da Sony que tenho até hoje e que levo aos jogos de futebol? Pois é, comprei para ouvir alguma coisa enquanto te balançava. Para mim era meio chato, mas tua cara de felicidade fazia com que eu permanecesse horas te empurrando. Devia ser legal ver o mundo se mexendo para cá e para lá, para cá e para lá; ficavas em silêncio, com aquela cara embevecida, e se eu parasse para ouvir melhor alguma música na Rádio da Universidade ou o jogo do Inter, logo ouvia “quero mais, papai”. Para ir embora, no mínimo uma hora depois, tínhamos que entrar em acordo. Tu querias que eu contasse, um a um, mais mil impulsos no balanço, eu contrapropunha dez e fechávamos por vinte. Pai sacana.

Tempos depois, a brincadeira preferencial era na tua cama, antes de dormir. Ficávamos no escuro, debaixo das cobertas. Tinhas uns cinco ou seis anos e eu te dizia que ia pedir para tu fazeres uma conta, uma conta difícil, tão difícil que ia quebrar tua cabeça. Tu entravas para baixo das cobertas, simulando medo e eu dizia lento e soturno: “treze menos cinco”. Entravas em pânico, dizias várias vezes “Espera!”. Eu ficava ouvindo tua vozinha cochichando os números enquanto contavas nos dedos. Via que tu tinhas dificuldade por não possuir treze dedos e não sei mesmo como fazias para simulá-los. “Espera, papai!”. Talvez concluísses que era mais fácil tirar os três dos cinco e fazer dez menos dois. “Espera, só mais um pouquinho!”. E, olha, Babi, às vezes demorava mesmo… Então descobrias a cabeça rapidamente e eu via vagamente os contornos de um sorrisão e tu respondias sempre, mas sempre com uma pergunta: “Dá oito?”. Claro que eu ficava triste por não conseguir te fazer errar e propunha outra conta terrível que também acertavas. Uma merda, aquilo.

Um pouco antes desta época conheceste a Luísa Cunha. Era uma menina muito alegre e legal e eu tenho a tese secreta de que só pais legais criam crianças legais e que se eu não vou com a cara e com as atitudes de uma criança é porque não vou gostar dos pais. É uma tese tranqüilizadora; nunca fiquei preocupado em te deixar visitá-la. Eu me parabenizo até hoje por ter sempre concordado com essas visitas que acontecem desde o maternal até hoje, quando vocês vão para a praia, durante o inverno, invadir o jardim de casas desconhecidas e fazer soar os alarmes, para fazer aparecer a empresa de segurança enquanto vocês fogem para casa e ficam jogando cartas, olhando a confusão pela janela…

Bem, mas isto é coisa de agora. Estou misturando tudo. Vamos voltar ao fim-de-semana em que aprendeste a ler. Minha apreciada veia pedagógica estava desligada e não me dava conta de como te explicar as sílabas. Tu colocavas uma só consoante para cada letra e dizias “Pronto”. Mandava tu escreveres CASA e tu escrevias CS. Foi então que teu irmão, que estava perdendo minutos fundamentais de sua vida porque não conseguia me fazer jogar futebol com ele, veio ajudar e te disse, com aquela má vontade e indulgência peculiar dos irmãos mais velhos, que uma letra só muito fraca para fazer um som decente, desses de palavras, e que precisava de uma daquelas cinco letrinhas para ajudar. Disse mais, mostrou que o número de duplas de qualquer palavra podia ser descoberto batendo palmas. “Bo-la”, viu? Batemos palmas duas vezes. Pai, diz agora para esta idiota escrever banana!”. Tu bateste palmas três vezes e… deu certo, escreveste ba-na-na! Viste o que a paixão pelo futebol faz?

Ah, tiveste algumas dificuldades no colégio, mas eu também tive no meu tempo. E, também como tu, era um dos mais baixinhos da turma até me estabelecer como médio. Cresci tarde para chegar a meus incríveis 1,71m. Teu irmão também é um ex-anão, né? Só crescemos depois dos quatorze, ele bem mais do que eu. Quando fomos ao médico para ver tua idade óssea deu quase dois anos a menos. Então, acho que vai dar para ganhar da tua tia, das tuas avós e das tias-avós anãs, passando fácil dos 1,60m. Maldade com elas, né?

Olha, li uma vez que, oficialmente, a Unicef considera que a adolescência começa aos doze anos e acaba aos dezoito. Confesso que conheço pessoas que já passaram dos quarenta e que refutam eloqüentemente este cálculo arbitrário, mas consideremos que ele seja verdadeiro. Então, hoje, às 19h35, todo aquele teu mau humor matinal, aquela recusa de dar justificativas para certas atitudes, aquele azedume repentino e inexplicável, aquele choro ou grito que não se sabe o motivo, aquele fechar-se no quarto, tudo, mas tudo mesmo, estará inteiramente esclarecido: será a abominável aborrecência. Ho, ho, ho.

Mas ela não há de mudar assim tão rápido teus sonhos de andar a cavalo todos os dias, de ficar mais tempo comigo, tuas vontades de comer eternamente pastel à noite, de ver filmes de terror com a Claudia, de visitar cemitérios com a mesma doida varrida, de dizer que odeias ler para depois elogiar os livros e sentir pena quando acabam e de criares agendinhas mentais e rotinas para todas as tarefas do dia.

E por falar em tarefas, anote aí. Não esqueça que te busco hoje lá pelas cinco, te dou o presente e vamos ao supermercado comprar as bebidas para a festa de hoje, que terá horário rigoroso para começar e nenhum para terminar e que acabará numa negociação assim:

– Pai, posso dormir uma hora mais tarde hoje?
– Não.
– Então meia hora?
– Não.
– Então, quinze minutos?
– Dez.
– E que horas tu vai me acordar amanhã?
– Às 6h40.
– Ah, eu posso chegar atrasada no colégio amanhã?
– Não.

Ah, as fotos. Como sei que nunca leste o meu blog – apesar de achá-lo “muito massa” –, botei um chamariz, entende? O que é chamariz? É um tipo de propaganda bem direcionada, meio que só para ti, em que vais ver a tua cara e talvez te sintas a fim de ler isto aqui, sua pentelha.

Um beijo do pai, minha linda guloxinha.

P.S. – Ontem, fomos ao jogo só eu e ela. Um diálogo:

– Pai, sobre o que tu e o Dado tanto conversam durante os jogos? – Dado, ou Bernardo, é o irmão.
– Sobre os jogadores, a tática.
– Quero que tu converse também comigo sobre isso.
– Tá bom.

Up-grade: Atendendo a pedidos, uma foto da Bárbara saltando:

A volta do "Ao Mirante, Nelson!"

Logo após Idelber Avelar, temos o retorno de Nelson Moraes à blogosfera. Eram e são meus blogs preferidos. O leiaute do novo Ao Mirante desagrada a este daltônico, mas a verdade é que só me importo mesmo com os textos. Vai para o Google Reader já.

E, para lembrar do cerrado, não esqueçam que Charlles Campos agora tem o seu.

P.S. — Estou absolutamente puto da vida. Cheguei ao trabalho com um monte de coisas para imprimir e a geringonça impressora não sai do offline. Estou louco para reinstalar tudo e perder duas horas enquanto o suporte dorme…

Charlles Campos passa de pedra a vidraça

Um dos maiores e mais queridos comentaristas deste sítio acaba de abrir um blog. Mas espero que ele continue assíduo e pedra neste local. Bem, sem maiores delongas, AQUI está ele em toda sua amplitude de vidraça. Visitem-no! Não esqueçam que as visitas e os comentários são nosso melhor combustível.

Longa vida ao novo blog!

O Espermograma

Por motivos estritamente médicos que não declinarei neste espaço, meu amigo foi obrigado a fazer um espermograma. Sim, era simples. Ele se masturbaria e deixaria o resultado material dentro de um vidrinho. Tudo bem, mesmo para um desajeitado como ele… Foi à clinica indicada pelo médico e contou-me que ficou meio escandalizado com o aspecto demasiadamente próspero do local. Tudo bem, mesmo para um duro como ele…  Entrou, entregou a carteira do plano de saúde e ficou esperando chamarem. Demorou. Tudo bem, mesmo para um impaciente como ele… Tratou de armar sua cara mais séria, mas sabia que qualquer coisinha o faria rir. Uma voz feminina chamou pelo Sr. Samuel Weller (ou Veller, remember Pickwick) e ele se ergueu — refiro-me ao corpo — , desejando que a moça fosse bem séria e mal humorada. Era. E ela lhe entregou um vidrinho e um controle remoto.

— O Sr. suba a escadaria. À frente, há um banheiro.

— Sim.

Meu amigo observou o controle remoto em sua mão e não leu nada como Automatic Mastubator, Penis Control, Erection ou Up. Aquilo seria mesmo uma espécie de facilitador? Era.

— Para que serve isto aqui?

— Se o Sr. quiser ver um vídeo…

Sabe quando alguém está pronto para rir e aí lhe dão uma chance? Pois é, ele explodiu. A moça também. Passada a crise, ele disse OK e dirigiu-se à escadaria. O tal banheiro era minúsculo, havia um LCD dos pequenos sobre a privada, uma pia e o local das toalhas estava crivado de revistas pornográficas. Bem, já que estava rindo… Tudo bem, só que, para um lugar tão fino, o Masturbation Room, segundo meu amigo, era acanhado pacas. Nada daquela decoração de motel, nada. Era um reles banheirinho com TV e revistaria. Folheou a Playboy. Tinha fotos de uma mulher da TV. Uma loira de bom traseiro, mas que não era grandemente inspiradora, contou.  Olhou uma outra. O nome era algo parecido com As Estudantes. Meninas trajando e depois tirando roupas escolares. De última categoria. Pegou outra. Nova decepção. Então, mesmo contra seus rígidos princípios, resolveu apelar para a TV, pensando que não gostava tanto das coisas por demais explícitas.

Lá, uma mulher tão atraente quanto a atendente da clínica atendia ao mesmo tempo dois homens de pênis descomunais  (a frase de medonha musicalidade é uma exclusividade de Milton Ribeiro — serve para indicar que o pênis de meu amigo não apontaria tçao facilmente em riste). Puta merda. Guardou as revistas em seus lugares, desligou a TV e apelou para  sua imaginação. Com a graça do criador, disse-me, sua abençoada fantasia nunca o deixou na mão, mesmo nos momentos mais decisivos. Não pretendo declinar neste espaço com quem meu amigo fantasiou, pois é casado com mulher ciumenta. Mas ele disse que funcionou novamente. Colocou  a coisa no vidrinho frio, tampou bem tampado, pegou seus pertences e saiu.

Uma nazista o esperava lá fora. Perguntou-lhe com voz audível quatro andares acima e dois abaixo (pois o som sobe mais do que desce, sabiam?):

— HOUVE DESPERDÍCIO DE MATERIAL?

A gente sempre fica um pouco sonhador e bobo após o… ato e ele caiu alguns degraus de seu devaneio. Logo pensou naqueles insidiosos pingos que fazem parte da plenitude de uma vida masculina e que tanto incomodam mães e esposas, mas achou que a nazista não merecia explicações tão óbvias quanto alongadas.

— Não, acho que não.

As mulheres sempre parecem querer que a gente torça o dito cujo após o uso! Caralho! Elas esperam que, logo após uma mijada, a gente ponha um algodão na ponta a fim não salpicar a cueca? Que merda. E seguiu seu caminho, sentindo o restante daquilo que os poetas chamam de sêmen marcar suas cuecas samba-canção, pois, assim como eu, prefere assim:  nada de deixar o bicho preso. Afinal, somos democratas.

Narrativa ouvida ontem à noite, após o comício de Lula, Dilma, Tarso e Paim no Gigantinho.

Dia das Mães e das Madrastas

Madrasta, na linguagem do preconceito, é uma mulher má. No dicionário, é como se chama o parentesco de uma mulher casada em relação aos filhos que o marido teve em um matrimônio anterior. Legalmente, é parente em 1º grau por afinidade, seja pela aparência social, seja pela convivência familiar duradoura. Os filhos do pai fazem parte da família da madrasta pelos parentescos socioafetivos e, hoje, tanto estes quanto os biológicos são reconhecidos. São conceitos diferentes, mas não se excluem, ainda mais aqui em casa.

Para os que se prendem a cânones arcaicos, a madrasta é uma figura que passa a existir apenas se a mãe biológica morre. Porém, no cotidiano, é quem conquista com paciência e afeto uma relação delicada, suporta as incompreensões, arca desapegadamente com responsabilidades sobre os enteados e ainda sente orgulho deles.

Creiam, os enteados podem gostar dela sem desgostar da mãe, não é uma competição.

É necessário aceitar que o mundo deu voltas e há novas acepções do conceito de família assim como novas formas de relações sociais. As pessoas se vinculam tanto pelo casamento quanto pela convivência, tanto pela filiação biológica quanto pela socioafetiva, e há que entender que o termo “família” não somente apresenta novas conceituações como são estruturas perfeitamente miscíveis no entendimento dos filhos, que ganham com isto.

Quando há insegurança emocional da mãe biológica, a madrasta deve suportar o desgaste e apoiar os enteados, às vezes repetidamente submetidos a lamúrias que transformam momentos de bom convívio num jogo de culpas desnecessário e destrutivo. E a madrasta, neste caso, faz o quê? Compensa tratando ainda melhor seus enteados e segue doando-se. Os enteados sabem.

A madrasta que mora conosco é assim e, por isso, seria uma violência esquecer dela no dia de hoje. Ela não precisa de um Dia da Madrasta, o das Mães lhe serve perfeitamente mesmo que ela não seja uma. Ou quem sabe é?

Feliz 2010 / Novo Recesso

Então, em vez de pedir pelo paraíso ou gratuitamente pelo milagre da felicidade, que tal aproveitar a virada para pensar eticamente em como fazer as probabilidades moverem-se positivamente em nossa direção, na dos que amamos e, por que não exagerar, na da humanidade? Sim, é bom forçar alguns limites, desde que não sejamos obrigados a abrir mão daquilo que mais nos vale. É possível felicidade maior? Não creio.

Lembrem especialmente que, como disse C. J. Keyser, citado por nosso Magister Ludi, “A certeza absoluta é privilégio de mentes não educadas e de fanáticos” ou como minha irmã, mais sucinta, me ensinou: “Só a ignorância não gera dúvidas”.

Eu simpatizo com alguns rituais. Gosto especialmente da simbologia de renovação e recomeço que há na comemoração do Novo Ano. Por isso desejo que, apesar do calor, degustem com leveza esta época e consigam armazenar energia para manter um ritmo bom até o próximo momento de refletir um pouco — e que não precisa esperar 12 meses.

E que o resultado seja um 2010 endinheirado, saudável, amoroso, cheio de música e literatura para todos nós!

-=-=-=-=-=-

O blog entra novamente em recesso até o próximo dia 4 ou 5.

Amigos

Nossa auxiliar resolveu faltar ontem. Lavei toda a louça, mas a mesa ficou como quando o Marcelo Backes esteve aqui. Foi uma noite de anormal perfeição, daquelas que a gente efetivamente lamenta quando acaba e que depois se agradece a presença através de e-mails um pouco acima dos tons protocolares. Conheço o Backes há mais de dez anos e temos encontros aproximadamente anuais — ele morou muito tempo na Alemanha e agora reside no Rio com a Nina (Saroldi). Então, quase sempre nos encontramos ou por causa da Feira do Livro de Porto Alegre ou em sua passagem para o interior missioneiro de seus pais.

(No RS, quando se vai ao interior, diz-se que se vai “para fora”, o que é mais paradoxal do que o Les Luthiers cantando La Chacarera del ácido lisérgico — también llamada Conozca el interior, tradicional alucinógeno opus 24, de Johann Sebastian Mastropiero).

Em nossos últimos encontros, recebemos consideráveis reforços backianos como o da irmã Ângela e de seu marido Chico, que também conheço faz anos e do qual desconheço o sobrenome. A Ângela revela-se muito, mas muito engraçada. Eu e a Claudia não conhecíamos a Nina que — à parte a surpresa de que um alemãozinho de Paca Norte conquiste carioquice de tamanha beleza — é encantadora. E, nossa, a Claudia matou a pau na cozinha, mas a isso eu e a balança já nos acostumados. Marcelo, nós também passamos o dia de ontem falando a respeito do muito mais que agradável encontro com vocês e, como te falei, eu, a Claudia e o Bernardo ficamos depois sentados na sala, dizendo um para o outro que vocês DEVIAM ter ficado mais. Sim, repetiremos.

No dia seguinte, ontem, havia várias festas coloradas. Havia uma para 50 mil pessoas mais Ivete Sangalo, Fafá de Belém e sei lá mais quem no Beira-Rio, só que a mais importante ocorria na Fnac do Barra Shopping. O Felipe Prestes lançava a revista Invicto 79 – O primeiro, o único, comemorativa aos 30 anos do Campeão Invicto Brasileiro. A publicação é belíssima e está sendo vendida no site do Inter. É uma grande reportagem empreendida pelo Prestes e pelo Luís Eduardo Gomes. Para se guardar e, pra variar, Douglas Ceconello rouba a cena na página 40 ao contar a história do Seu Lauro, garçom da Churrascaria Saci, localizada no Beira-Rio desde a inauguração do estádio em 1969 até o ano de 1980. O detalhe é que o Seu Lauro é pai do Douglas, que tinha quase dois meses quando o Inter foi campeão invicto e que tentava anotar aquelas preciosas informações em sua mente ainda atabalhoada de bebê, certamente tão atento quanto um zagueiro em cobrança de escanteio. Ainda atabalhoada, Douglas? Quer dizer que desde então o tumulto cessou? Curioso.

E hoje à noite tem mais. Francisco Marshall convidou a mim, à Claudia e a um alter ego para este concerto. A julgar pela qualidade dos anteriores que vimos no StudioClio, será mais uma noite gloriosa.

E, nossa, Alma Welt segue bombando.