Para mim, uma decepção. Este é um livro sobre uma livraria, só que não fala em livros, fala da dificuldade de estabelecer uma empresa do gênero em uma pequena cidade costeira na Inglaterra. Talvez o problema seja eu, talvez tenha errado ao esperar outra coisa.
A viúva de meia-idade Florence Green tem energia de sobra e decide abrir a única livraria de Hardborough. Porém, Florence passa e enfrentar certa oposição a seu projeto. A influente “dona da cidade” Violet Gamart tinha outros planos para a centenária casa que Florence escolheu para a livraria e deseja que ela se mude. Ou suma de uma vez. Ela faz de Florence sua inimiga. Num ambiente de inveja e pequenas maldades, o romance narra a luta de Florence.
Na superfície, A Livraria é apenas isso — uma história sobre a vida em uma pitoresca vila à beira-mar, mas também é algo completamente diferente. Embora haja aqueles toques da vida pitoresca e aconchegante da vila inglesa, em sua essência, o livro é principalmente sobre o rancor e o rancor que sobe à superfície da vila quando Florence Green, uma viúva que acaba de se mudar para Hardborough, decide abrir uma livraria. Enquanto no final da década de 1950, tal abertura poderia ter sido vista como um acontecimento para a pequena vila, logo se torna óbvio que não é o caso. Muitos veem Florence como tendo ultrapassado os limites sociais ao comprar um prédio que era procurado para outros fins e esse fato resulta em muito sofrimento para essa viúva de bom coração.
Com algo de um conto melancólico, A Livraria é, em última análise, mais do que sobre apenas uma livraria. É uma história sobre moral, sobre como tratamos os outros, sobre a vida em uma pequena vila e as questões e complexidades que surgem.
Ah, a revisão da Bertrand Brasil não atrapalha a leitura do livro, mas há vários erros pelo caminho.
Penelope Fitzgerald (1916-2000): conto melancólico
Chega amanhã às livrarias na França uma pérola: o romance “Guerre”, de Céline, escrito em 1934, e cujos originais estavam esquecidos (ou escondidos?) há quase 90 anos não se sabe onde. O polêmico escritor francês, de quem eu traduzi 3 livros editados pela Companhia, teria escrito “Guerre” por volta de 1934, e o guardou em casa por dez anos, no apartamento de Montmartre. Em junho de 1944, Céline, que colaborara abertamente com o ocupante nazista e publicara infectos panfletos antissemitas, deixou a França às pressas antes que fosse preso por colaboracionismo com o inimigo. Não teve como levar todos os manuscritos. Seu apartamento foi logo invadido por vizinhos que lutavam na Resistência e que, por sua vez, tiraram de lá umas 6 mil laudas — entre elas, as de “Guerre”.
Depois, ninguém sabe o que aconteceu com esse tesouro literário. Sessenta anos mais tarde,, foram entregues (por quem? por quê?) a um jornalista, que contactou os herdeiros, que não quiseram saber dele. Então o jornalista entregou os manuscritos à polícia.
A editora Gallimard, sabendo disso, logo se interessou em publicá-los. Amanhã sai o primeiro inédito. “Guerre” conta a história de um soldado na Primeira Guerra Mundial, salvo por um inglês e que, depois da convalescença, vai para Londres. O próprio Céline participou da Primeira Guerra.
“Londres”, aliás, será o segundo romance dessa série de inéditos.
O trabalho de edição, feito por um historiador, não foi fácil. Céline era médico e tinha “letra de médico”, aqui e ali ilegível, e o manuscrito trazia abreviações, rasuras, acréscimos entre as linhas, palavras e trechos impossíveis de decifrar, e que por isso virão entre colchetes.
Uma dúvida que cerca essa história é por que Céline não teria publicado o livro? Afinal, em 1934 já era o bem-sucedido autor de “Viagem ao fim da noite” (1932). E pouco depois publicaria o segundo romance, ‘Morte a crédito” (1936). Não se sabe a razão. Mas o mistério chegou ao fim e descobriu-se um grande texto, diz a imprensa. Um romance “breve, vivo, trágico e lúbrico, a ser posto ao lado das obras-primas do escritor”, escreveu o Le Monde.
1. Torre das Guerreiras e outras memórias, de Ana Maria Ramos Estevão
2. Um itinerário íntimo pela psicanálise lacaniana, de Luciano Mattuella
3. Faróis do Rio Grande do Sul — Um Registro Histórico e Fotográfico, de Cláudio Tarta
4. Sobrevidas, de Abdulrazak Gurnah
5. Como cuidar de um familiar com Alzheimer e não adoecer, de Leandro Minozzo.
6. Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus
7. O Avesso da Pele, de Jéferson Tenório
8. Os Supridores, de José Falero
9. Tudo sobre o amor, de Bell Hooks
10. Torto Arado, de Itamar Vieira Junior
Caprichamos! Desta vez sugerimos dois romances de mulheres que envolvem desejo. Desejo e mais desejo. E, ao menos em um dos casos, repressão ao desejo. Um da consagrada canadense Rachel Cusk e outro da brasileira Nara Vidal. Para complementar, uma obra clássica sobre cinema que tinha recebido apenas traduções parciais. Sim, caprichamos.
Uma excelente semana com boas leituras!
Corre para garantir seu exemplar aqui na Bamboletras! Faz teu pedido na Bambô De segunda à sábado, das 10h às 21h. Domingos, das 15h às 21h. Pede tua tele: (51) 99255 6885 ou 3221 8764. Confere o nosso site: bamboletras.com.br Ou nos contate pelas nossas redes sociais, no Insta ou no Facebook!
M, escritora de meia-idade e de pouca expressão, está em chamas. O fogo é uma das imagens a que ela recorre para tentar explicar os acontecimentos que abalaram a vida pacata que leva ao lado do marido na propriedade em que moram, às margens de um pântano. Quem incendiou a rotina familiar foi L, um artista plástico que se hospeda na cabana em que o casal costuma receber artistas — a segunda casa. M está obcecada por L, e deposita nele expectativas diversas. A relação intrincada dos dois se desenvolve durante essa espécie de residência artística, compartilhada também por Brett, moça que L leva consigo, e pela família de M. Num relato retrospectivo, M conta episódios da estadia de L no pântano, temperando a narrativa com reflexões e experiências do passado. No lugar da observação atenta de Faye, narradora da trilogia (Esboço, Trânsito e Mérito) que garantiu a Cusk lugar de destaque na prosa contemporânea, vemos neste romance uma mulher se contorcendo com sua subjetividade, lançando dúvidas sobre si mesma.
Autor de clássicos como a série Kino-Pravda (1922-25) e o longa-metragem O homem com a câmera (1929), Dziga Viértov (1896-1954) foi pioneiro de uma linguagem própria para o cinema e um dos principais nomes da vanguarda soviética. Durante toda a sua vida praticou e defendeu o lema de seu amigo Maiakóvski, segundo o qual não há arte revolucionária sem forma revolucionária. Embora seja um dos diretores de cinema mais influentes do século XX, Viértov teve pouquíssimos escritos publicados em nossa língua e quase sempre em traduções indiretas. O presente volume busca reparar essa lacuna, reunindo noventa textos, vários deles inéditos, entre manifestos, roteiros, artigos, projetos, cartas e poemas, todos traduzidos diretamente do russo pelo organizador Luis Felipe Labaki, acompanhados de mais de cem imagens da Coleção Dziga Viértov do Österreichisches Filmmuseum de Viena. Uma joia!
Eva tem o diabo no corpo. Segundo corre na família, seu nome atrai maldade e pecado. Desde criança o demônio se manifesta: no jeito que ela anda, no jeito que olha e em tudo que faz. Sua infância é uma sucessão de benzimentos e rezas, sempre na tentativa de expurgar o diabo, que teima em possuí-la. Sob o cerco e o julgamento da avó e da mãe, Eva corre pelas ruas como quer. A saia é curta demais, a blusa marca demais os peitos, a perna aparece demais. Na cidade, acredita-se que em suas veias corre sangue do demônio. A dependência afetiva de Eva pela figura materna controladora manifesta-se como padrão para os relacionamentos abusivos que a narradora vive quando adulta. Situado entre a evocação do passado e o embate com o presente áspero, Eva é um romance magistral sobre a perda, mas também sobre o acúmulo de controle e violência que pode caber na relação entre mães e filhos e entre amantes.
Sobre o Exílio não chega a ser um grande texto ou pelo menos é um texto muito de circunstância. Quando Joseph Brodsky tinha apenas 24 anos, foi acusado de parasitismo social. O julgamento foi antológico e Savelyeva, o juiz, ficou para a História.
— Qual é a sua profissão?
— Poeta.
— E qual é a sua ocupação permanente?
— Julgava que era uma ocupação permanente.
— Quem lhe deu autorização para ser poeta?
— Ninguém. E quem decidiu que eu pertencesse à raça humana?
Condenado a cinco anos de trabalhos forçados na tundra gelada de Norinskaya, uma variante da Sibéria, Brodsky foi para sempre impedido de “exercer uma profissão para a qual não tinha as qualificações necessárias”. A sentença correu mundo e o escândalo abreviou-lhe a pena.
O evento obrigou-o a deixar sua terra natal, Leningrado (ou a atual São Petersburgo), seus amigos e sua família. Ajudado por ninguém menos que W. H. Auden, Brodsky foi viver uma nova vida nos Estados Unidos. Apesar de sua juventude, antes de sua emigração, ele já estava se destacando como um talentoso poeta e artista. Foi reconhecido por ninguém menos que a grande Anna Akhmátova, que se tornou sua mentora antes da repentina expulsão. Nos Estados Unidos, ele alcançou enorme sucesso. Recebeu o Nobel de Literatura em 1987, em recompensa por uma prolífica carreira escrevendo poemas que hoje são considerados clássicos.
Um homem com bom gosto, especialmente literário, é menos suscetível aos encantos e amarras de qualquer versão da demagogia política. O ponto, aqui, não é que a virtude constitua uma garantia para a criação de uma obra de arte, mas sim que o mal, principalmente o mal político, é sempre um péssimo estilista. Quanto mais substancial é a experiência estética de um indivíduo, mais sólido é seu gosto, mais afiado é seu foco moral, portanto, mais livre ele é, mesmo que não seja necessariamente mais feliz.
Seus poemas e escritos falam do tédio do exílio e da tristeza pela ruptura entre sua antiga vida e a nova. Durante anos, ele permaneceu banido na Rússia — nunca retornou –, embora tenha permanecido muito amado por lá, com pessoas compartilhando seus escritos no circuito underground, com poemas sendo distribuídos em samizdat ou em cópias impressas e manuscritas à mão. Isso ainda era motivo de grande tristeza para Brodsky, que foi citado como tendo dito em uma entrevista à Paris Review : “Para um escritor, não ser publicado em sua língua materna é tão ruim quanto um final ruim.” Se, como disse Adorno (1903-1969), não poderia haver poesia após Auschwitz, para o escritor russo é impossível que o exilado consiga novamente sentir-se em casa.
Como não há leis que possam nos proteger de nós mesmos, nenhum código penal é capaz de prevenir um verdadeiro crime contra a literatura; apesar de podermos impedir ameaças materiais a ela — como a perseguição de escritores, atos de censura, a queima de livros –, não temos poder algum em relação à pior das violações: a de não ler livros. Por esse crime paga-se por toda a vida; quando o violador é uma nação, ela paga com sua história.
O livro é dividido em 3 ensaios — “A condição chamada exílio”, “’Uma face incomum’” e “Discurso de aceitação”. O melhor, disparado, é o segundo, que é o discurso que Brodsky proferiu ao receber o Nobel. É aqui, com tema livre, que ele se esbalda e todas as citações que aqui coloco foram tiradas dele. O terceiro ensaio são quatro páginas bem simpáticas onde ele diz “OK gente, eu aceito o Nobel”
Não tenho dúvida de que, se houvéssemos escolhido nossos líderes tomando por base suas experiência de leitura, e não seus programas políticos, haveria bem menos sofrimento no mundo. Parece-me que o mestre em potencial de nossos destinos deveria ser inquirido, primeiramente, não em relação ao que ele imagina que deveria ser o curso de sua política externa, mas quanto às obras de Stendhal, Dickens, Dostoiévski.
A primeira coisa que chama a atenção neste livro é sua original e brilhante diagramação. Tudo está muito claro e a leitura flui como poucas vezes em uma peça de teatro, pois é disso que se trata. A coisa foi tão bem bolada que nem precisamos ir aos rodapés. (Odeio rodapés). E eles são muito necessários, assim como toda a contextualização histórica e a cronologia preparada pelo excelente tradutor Irineu Franco Perpétuo.
Os Dias dos Turbin é uma peça de teatro de Mikhail Bulgákov baseada na história da Ucrânia durante a Revolução Bolchevique. A peça deriva de seu romance A Guarda Branca. Não adianta ler a peça se não soubermos, por exemplo, quem foi Petliura ou o Hétmã de toda a Ucrânia ou a participação da Alemanha no forrobodó. Isto está muito bem explicado na cronologia e nos comentários de Irineu. Fui atraído para ler Os Dias não somente por seu genial autor como por ter sido a peça de teatro preferida de Stálin, que a assistiu 16 vezes. Sua admiração por Bulgákov — um inimigo, um russo branco, um anti-bolchevique — fez com que ele salvasse a vida do escritor, dando-lhe um emprego no teatro enquanto todos os seus assessores políticos diziam que o tratamento adequado para Bulgákov era o Gulag. Se Stálin era um psicopata, também era um inteligente admirador das artes, o que o torna um ser menos imbecil do que, por exemplo, Bolsonaro. Stálin dizia que o drama sobre a família burguesa Turbin durante a guerra civil demonstrava que os bolcheviques eram invencíveis. Se quisermos, a leitura nos abre esta janela. Faz sentido.
Mas não pensem que a vida de Bulgákov foi aquele mar de rosas criado por Stálin. Ele apenas não foi morto nem condenado a trabalhos forçados. Tudo lhe foi proibido. “Estou na miséria, acossado, em completa solidão. Nos últimos sete anos, concluí dezessete obras de diferentes gêneros, e nenhuma delas foi publicada. Semelhante situação é impossível, e em nossa casa há trevas e uma completa falta de perspectiva”. Contudo, escondido, escrevendo para a gaveta, o escritor preparou sua obra-prima O Mestre e Margarida (1, 2, 3, 4 e 5), a qual foi publicada clandestinamente apenas em 1966, 26 anos após sua morte.
Em Os Dias dos Turbin, o confortável mundo tchekhovniano dos Turbin é esmagado pelo pecado da ignorância sobre o que estava acontecendo no império ao seu redor. Ou, melhor dizendo, pela crença de que ninguém tocaria em seus privilégios. Se eles não fossem ignorantes, teriam sido virados de cabeça para baixo de qualquer maneira, só que neste caso haveria menos graça. A genialidade da peça é sua honestidade impiedosa, não importa o lado. O mundo da traição e dos boatos têm sempre dois lados. É sempre inusitado vermos personagens com pouca maldade real, mas com falhas humanas — ganância, deslealdade, orgulho — que explodem aqui e ali. Os Dias do Turbin prenunciam O Mestre e Margarida. Em O Mestre e Margarida, Satanás pune Moscou e aqui há Vermelhos punindo Kiev. Bulgákov odiava os bolcheviques, mas deve ter notado que somente os pequenos atos de resistência interior eram possíveis contra eles.
Aqui temos duas histórias em que os governantes são varridos do poder. E há espaço para o humor de Bulgákov. A fuga dos brancos provavelmente será acompanhada de suas risadas, caro leitor. É o mundo de Bulgákov. Triste, implacável e engraçado.
Cansado de tudo isso eu clamo pela morte,
Vendo aos pobres faltar a moradia e o pão
E ao ricos amorais caber a boa sorte,
A fé servir aos maus em pífia exploração,
E a mais pura honradez de todo desprezada
A hombridade estuprada e morta pelo vício,
E a perfeição em mau feitio desnaturada,
A força convertida em monstruoso artifício,
E a arte calada com brutal autoridade,
O parvo a comandar o honesto e o diligente,
A verdade curial tida por falsidade
E o cativo servindo ao Capitão demente:
De tão cansado era melhor querer meu fim
Se a morte não roubasse o meu amor de mim.
Por mais que tentemos evitar, muitas vezes os preconceitos mais idiotas se imiscuem em nossos pensamentos. Acho que acontece com todo mundo. Quando soube que Tito Leite, autor deste Dilúvio das Almas, era um monge beneditino, logo pensei na personagem de Isabelle Huppert na quase-comédia Amateur, de Hal Hartley. Lá, ela era uma ex-freira ninfomaníaca, porém virgem, que escreve contos que seriam pornográficos, mas que acabam por serem (má) poesia. Quando recebi o livro da editora Todavia e li as primeiras páginas, surpreendi-me com a alta qualidade do texto, com a sem-cerimônia de falar em sexo — sem grandes descrições, mas sem recuos — e com a firmeza de um excelente narrador.
O livro inicia de uma forma bastante cronística com várias histórias sendo jogadas no papel. Não sabemos onde Tito quer nos levar, mas quando o cenário fica completo, podemos dizer que o romance embica e voa. Leonardo retorna ao Nordeste, mais exatamente para a ficcional Dilúvio das Almas, cidade onde nasceu, após de muitos anos vivendo de todas as formas em São Paulo. Ele é um andarilho, um sujeito relativamente culto que faz de tudo, que trabalha tanto como pedreiro como faz artesanato. Parece não exigir muito da vida. Quer a boa amizade, os bares, as mulheres, seu dinheiro curto e está bem assim. Ah, também quer ir e vir livremente. Quando volta ao sertão, é bem recebido pela mãe e nem tão bem pelo padrasto. E fica por lá para viver ao seu estilo, certamente por uma curta temporada. Mas o retorno lhe mostra claramente a violência e a injustiça que o afastaram dali. E ele muda.
Faz parte da catequese do lugar. Em cara de homem não se bate. Se vai começar uma confusão, que mate logo, e que o serviço seja bem-feito.
O clima do livro vai lentamente se alterando nas mãos hábeis do autor. Como num faroeste, passamos a sentir uma grande tensão escondida sob diálogos curtos e secos. Algumas pessoas morrem, coisa comum no local. Não acontece nada com os assassinos. Com o texto encharcado de realidade, Tito nos demonstra a impossibilidade de não ser tragado pelo ambiente horrível.
Minha opção sempre foi a dos excluídos (…) e ser minoria é o melhor de mim. Minha falta de apego é o que me torna leve e arejado. No entanto, já faz algum tempo que ando como quem usa sapatos de chumbo. Só hoje percebi: já não sou um homem de passos leves.
Não pensem que há algo de Torto Arado no livro de Tito. Há a região e a opressão, mas a forma do texto e da opressão são outras. Sem tirar os indiscutíveis méritos do livro de Itamar, Dilúvio das Almas parece mais profundamente enraizado na tradição literária nordestina. É um Graciliano atualizado, um Jorge Amado dos primeiros romances, um José Lins, um Erico transposto, mas também há muito de Faulkner na prosa de Tito. É um romance curto, sem narrativas paralelas desnecessárias, cada detalhe conta, com tudo contribuindo para o potente clímax, o qual é montado com cuidado ao fazer a liberdade enfrentar os preconceitos, o belo lutar contra o feio. O final você descobre. E descobre que Dilúvio é muito, mas muito, atual.
Não há nada de divino no horror. A cada disparo, é parte de mim que também morre aqui. Hoje, eu também morro. Já não sou um estrangeiro na minha terra. Já não sou um deslocado. Sou apenas mais um dos seus filhos. Agora estou em casa.
Três livros bem diferentes. Sem bossa não há quem possa descreve os antigos bailes do interior e seus causos. Quando deixamos de entender o mundo é um grande sucesso editorial ao perfilar cientistas que perderam a razão (Karl Schwarzschild, Erwin Schrödinger, Werner Heisenberger e outros). O livro tem mais ou menos a mesma proporção de ficção e não ficção. A ficção aponta a estranheza, a ambiguidade, que a História, a ciência e a não ficção não admitem. Já Exílios e Poemas é uma demonstração do talento poético e da dramaturgia de James Joyce. Sim, foi muito difícil encontrar algo que una estes livro que não seja a (alta) qualidade.
Uma excelente semana com boas leituras!
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Imagine reunir em um mesmo lugar as melhores orquestras do Brasil e do exterior e as mulheres mais bonitas, elegantes e charmosas da região. Festas com atrações desse nível marcaram gerações. Em General Câmara, o glamour, a alegria e a diversidade dos bailes atraíam casais para a famosa pista do Cassino dos Operários. Tempo de romance ao som de inocentes marchinhas de carnaval, danças de rosto colado e troca de olhares que poderiam significar muito mais do que uma simples paquera. Neste livro, além e acima de tudo, o leitor se divertirá com relatos inéditos e engraçados, contados a rigor e a passeio. Pequenos flashes que exaltam lembranças que os anos não apagam.
Em 2012, o matemático japonês Shinichi Mochizuki publicou artigos provando uma das mais importantes conjecturas da teoria dos números. Quando sua prova foi considerada impossível de entender pelos maiores especialistas da área, Mochizuki terminou por se excluir da sociedade, evocando o autoexílio de outro matemático, o lendário Alexander Grothendieck. Haveria alguma conexão enigmática entre esses dois homens? Esse é o ponto de partida de “O coração do coração”, uma das narrativas que o chileno Benjamín Labatut reuniu neste livro que o tornaria uma sensação mundial. Elementos parecidos figuram nos outros textos: cientistas tão geniais quanto atormentados perseguem suas ambições ao custo da saúde física e mental, enquanto os desdobramentos pessoais e históricos de suas descobertas atravessam o tempo e o espaço. Baseando-se em biografias e teorias reais, mas recorrendo à ficção para produzir efeitos estéticos e associações de ideias, o autor explora em seus relatos o entrelaçamento entre a vida íntima e o desbravamento científico. Com um estilo em que ouvimos ecos de W. G. Sebald e Roberto Bolaño, o leitor pode sentir que está diante da montagem hábil de um belo quebra-cabeças.
Este volume reúne toda a poesia publicada em vida por James Joyce, a peça “Exílios” – que contém temas posteriormente explorados em Ulysses – e um conjunto de notas elaboradas pelo autor durante o processo de escrita. Antes da publicação de Ulysses, James Joyce lançou a peça Exílios em 1918. Nela, o autor explora temas que aparecerão em sua obra magna, como as relações complexas de adultério e desejo. Neste volume estão reunidas a peça e também sua produção poética, sendo possível ter uma visão mais ampla das ideias do autor não só sobre o exílio, como também sobre a própria literatura.
Além da peça e dos poemas, esta edição conta com um conjunto de notas que Joyce elaborou durante o processo de escrita e alguns fragmentos de diálogos não incluídos na versão final do texto.
Olá! Mais um mês chega ao final – já estamos em abril, é inacreditável – e com isso temos a lista dos livros mais vendidos da Bamboletras em março!
1 – Faróis do Rio Grande do Sul, de Cláudio Tarta.
2 – A Vida Disfarçada de Contos, de Sandro Farias.
3 – Violeta, de Isabel Allende.
4 – Dicionário de Porto-Alegrês, de Luís Augusto Fischer.
5 – Os Supridores, de José Falero.
6 – O Avesso da Pele, de Jéferson Tenório.
7 – Tudo é Rio, de Carla Madeira
8 – Mas em que Mundo tu Vive, de José Falero.
9 – Banzeiro Òkotó, de Eliane Brum.
10 – Marrom e Amarelo, de Paulo Scott.
Não foi planejado, simplesmente aconteceu de sugerirmos três excelentes livros de mulheres: a clássica Marguerite Duras, mais Elisabeth Roudinesco e Ana Maria Ramos Estevão. Duras vem com seu Hiroshima meu Amor, nunca dantes traduzido em nosso país e que deu origem ao filme de Resnais. Roudinesco analisa As lutas identitárias que, segundo ela, reduziram suas áreas de atuação, isolando-se. E o livro de Ana Maria Estevão fala da chamada Torre das Donzelas (argh!), o local onde ficavam as presas políticas da ditadura militar brasileira. Ana foi uma delas.
Uma excelente semana com boas leituras!
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Publicado pela primeira vez em português, Hiroshima meu amor foi concebido originalmente como roteiro para o filme dirigido por Alain Resnais. O filme foi aclamado internacionalmente após seu lançamento em 1959, tendo recebido o Prêmio da Crítica Internacional no Festival de Cannes e o Prêmio da Crítica de Cinema de NY. A história de um caso de amor entre um arquiteto japonês e uma atriz francesa que visita o Japão para fazer um filme sobre a paz apresenta uma dupla dimensão: uma íntima e uma histórica. Essas duas dimensões se sobrepõem através da evocação à memória, ao passado, ao esquecimento e ao trauma. Alain Resnais e Marguerite Duras tematizam Hiroshima a partir da premissa de que isto seria impossível após os horrores da bomba atômica. E nessa tentativa de captar algo que testemunho nenhum pode comunicar, que está na essência do sentimento da perda e do trágico, eles realizam uma obra-prima única, de um lirismo incomparável. Este livro apresenta o roteiro e os diálogos originais do filme, que realizam magistralmente o pedido de Resnais feito a Duras: “Faça literatura. Esqueça a câmera.”
Ao fazer um balanço do tempo presente e das várias definições de identidade hoje possíveis, a historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco analisa neste livro a natureza e os perigos do que chama de derivas identitárias. Depois de vinte anos, os movimentos de emancipação parecem ter mudado de direção. Já não se perguntam como transformar o mundo para que ele seja melhor, mas dedicam-se a proteger as populações daquilo que as ameaça: desigualdades crescentes, invisibilidade social, miséria moral. As pessoas exibem seus sofrimentos, denunciam as ofensas, dão livre curso a seus afetos, como marcadores identitários que exprimem um desejo de visibilidade. Em contraponto, consolida-se uma outra maneira de submeter-se à mecânica identitária: o isolamento. O Eu soberano é um livro provocador em que a autora se pergunta: o que fez com que os engajamentos emancipadores de outrora, notadamente as lutas anticoloniais e feministas, se fechassem de tal forma sobre si mesmas? À luz de Freud e Lacan, das obras de Sartre, Simone de Beauvoir, Aimé Césaire, Fanon, Judith Butler, Foucault e Derrida, Roudinesco tece os fios que unem os debates acerca de identidade, gênero, raça, interseccionalidade, pós-colonialismo, nacionalismo, República, extremismo e religião.
1970, São Paulo, Presídio Tiradentes: na ala dos presos políticos, as mulheres eram encarceradas num prédio alto, conhecido como a Torre das Donzelas. Foi lá que Ana Maria Ramos Estevão, estudante de Serviço Social envolvida com o movimento estudantil e a organização Ação Libertadora Nacional (ALN), passou nove meses de sua vida. Semanas antes, havia sido capturada pelos órgãos de repressão da ditadura brasileira, passando por torturas e interrogatórios. Ao longo de sua trajetória como militante, conheceu tanto os agentes do regime, como o delegado Sérgio Paranhos Fleury e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, quanto seus oponentes, como Paulo Freire, que se tornaria referência mundial em educação, e Dilma Rousseff, presidenta do Brasil três décadas depois. Este livro reúne as memórias de uma mulher que subverteu a delicadeza das “donzelas”, vivendo como guerreira num dos períodos mais sombrios da História do Brasil.
Um livrinho estupendo. Pelo nome, não parece, mas Nurit Bensusan é brasileira, bióloga, e tem alguns livros publicados e premiados — sempre sobre questões socioambientais. Este é seu primeiro livro de ficção e ele não trata diretamente de problemas ligados à biologia ou ao ambiente.
No Alto de Pinheiros — bairro da elite paulistana –, um sem-teto chamado Raimundo vive solitário numa praça próxima a uma sinagoga e a edifícios residenciais. Como não incomoda, mora na praça também sem ser importunado. Mas um dia ele pede para que o rabino distribua alimentos para os pobres. A proposta é aceita. É um estranho pedido de quem não fala com quase ninguém, parece viver de ar e que passa seus dias escrevendo em cadernos e mais cadernos. A aceitação por parte do rabino também é inesperada. A partir deste ponto, a ação bondosa vira problema, pois os habitantes do bairro nobre não veem aquilo com bons olhos.
É esquisita aquela gente que vem pegar comida, eles sujam tudo e, mesmo que o rabino contrate pessoas para fazer a limpeza diária, não adianta, os moradores querem o fim daquilo. Ou seja, a fila de famintos tem que ser retirada dali. Mesmo as domésticas e diaristas acham que aquilo não é para aquela região. Ou seja, o preconceito de classe é algo mais complexo e enraizado do que parece. Acionado, o poder público, representado pela subprefeitura, manda acabar com a distribuição de alimentos sem maiores explicações. Claro, no Brasil há um acordo tácito de tratar de modo diferente as pessoas em razão de sua situação econômica e acesso a bens de serviço. As pessoas de baixa renda “não devem” ter acesso aos mesmos espaços daquelas que são das “classes mais altas”, os pobres devem viver em isolamento social, não precisam ser vistos. O livro também explora o rabo preso de religiosos e alguns dos moradores dos elegantes edifícios. E mais não conto…
Com quantos rabinos usa a primeira pessoa do singular, porém com muitas vozes solistas, à exceção do personagem principal, que só escreve em seus cadernos e não tem revelados seus diálogos com os rabinos — um verdadeiro achado na construção do clima. A polifonia é geral, a dissonância idem. O curioso é que poucos gritam, tudo é um sufoco surdo, é como se estivéssemos assistindo um bando de mímicos em ações não tão cômicas assim. Bensusan rege seu coral com um grande virtuosismo, fazendo com que a ficção efetivamente arranhe a realidade. E, curioso, há espaço para humor no livro.
Talvez pela primeira vez na história desta newsletter, não colocaremos nenhum livro de ficção em nossas sugestões, culpa dos bons lançamentos em outras áreas. O primeiro é uma suma dos ensaios sobre literatura de Philip Roth. É imperdível, garanto-lhes. O segundo é um belo estudo visual sobre o grafitti porto-alegrense. E o terceiro, mais uma narrativa do extraordinário Wolfram Eilenberger, desta vez sobre o principal grupo de filósofas que surgiu na primeira metade do século passado.
Uma excelente semana com boas leituras!
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Reunindo mais de trinta ensaios, entrevistas e discursos, Por que escrever? traz aos leitores um Philip Roth raro e igualmente excepcional. Fora dos artifícios do romance, ele aqui está mais próximo de si mesmo. Philip Roth foi um dos mais notáveis escritores de língua inglesa do século XX. Dono de uma carreira literária incomparável, dedicada sobretudo à ficção, ele ainda nos legou uma extraordinária coleção de textos não ficcionais — muitos deles para responder a provocações de toda natureza, agradecer o recebimento de algum prêmio ou chorar a morte de um amigo. O resultado dessa produção é uma série de declarações e comentários sobre seu trabalho e dos escritores que admirava, seu processo criativo e a cultura americana. Último volume da obra completa do autor publicado pela Library of America antes de sua morte em 2018, Por que escrever? traz o indispensável de sua não ficção, reunida pela primeira vez em livro: estudos sobre a obra de Kafka e os judeus na literatura, palestras sobre os seus romances mais polêmicos e balanços de uma vida dedicada à escrita.
O livro celebra a capital dos gaúchos a partir do registro de sua arte urbana, principalmente graffitis, que foram captados pelo celular do autor. Nesse sentido, Poalaroides faz um inventário de dez anos de registro fotográfico, com uma variedade de autores e formatos que representam hoje o que a cidade tem de mais significativo nessa arte. O que iniciou como um registro solitário, cotidiano, no final contou com a curadoria visual do artista visual Luís Flávio Trampo, uma referência na arte do graffiti porto-alegrense. O curador comenta a força desse movimento cultural no sul do Brasil. “Essa arte sem fronteiras tem como uma de suas principais características a fácil integração de seus adeptos, que são como agentes multiplicadores dessa manifestação popular. As intervenções nas ruas de Porto Alegre vão além da tinta spray. Muitos artistas (ativistas) usam diversas técnicas e suportes para registrar sua arte, seja colando adesivos e cartazes, seja pintando de uma forma livre. Muros que embelezam e denunciam, expressando uma cidade que pulsa e vibra.”
A década de 1933 a 1943 marcou um dos capítulos mais tenebrosos da humanidade. Em meio ao horror da ascensão do nazismo e da carnificina da Segunda Guerra, quatro mulheres — Simone de Beauvoir, Simone Weil, Ayn Rand e Hannah Arendt — libertaram-se dos grilhões do gênero e provaram que a emancipação do pensamento podia ocorrer mesmo em meio a situações extremas. Com grande habilidade narrativa e um equilíbrio magistral entre a apresentação biográfica e a análise acurada de ideias, Wolfram Eilenberger nos oferece a história de quatro vidas hoje legendárias que, em meio à convulsão, mudaram nossa forma de entender o mundo e lançaram as bases para uma sociedade muito mais livre. Seus reflexos chegam até os nossos dias em temas como gênero, identidade, religião, liberdade, sexo e autonomia.
Mo Yan (1955) foi o primeiro autor chinês a ganhar o Prêmio Nobel da Literatura, em 2012. Seu nome verdadeiro é Guan Moye. O pseudônimo significa “Não fale” e surgiu durante o período revolucionário da década de 1950, quando seus pais o instruíram a não falar tudo o que pensa quando em público. Curiosamente, ele costuma ser descrito como “um dos mais famosos, banidos e pirateados escritores chineses”. Sem piratarias, foram publicados dois de seus livros no Brasil. O excelente Mudança (Cosac Naify) e este As Rãs (Cia. das Letras).
As Rãs fala de um tema especialmente complicado para o chineses: a gestão e a aplicação da política de controle da natalidade na China — apenas um filho por casal, sistema imposto por décadas. As mulheres grávidas do segundo filho eram forçadas a abortos, muitas vezes sofrendo perseguição policial. Os casais que conseguiam se esconder e tinham mais de um filho eram punidos com severas multas. Como consequência, existem, hoje, cerca de 90 milhões de filhos únicos na China. Eles são conhecidos como “pequenos imperadores”. Em outubro de 2013, no entanto, o governo chinês aboliu a lei em razão do envelhecimento da população, passando a permitir até dois filhos por família. Mas as regras anteriores ofereciam uma série de exceções e ambiguidades. Por exemplo: em grande parte da China rural, a maioria das famílias podia ter um segundo filho, se o primeiro fosse mulher…
O sistema quebrou a tradição chinesa de grandes famílias, fato que, segundo o governo, perpetuava a pobreza no país. Em razão da implementação da política, o número de casos de aborto e abandono de crianças aumentou significativamente, principalmente aquelas do sexo feminino. O governo, porém, preferiu não levar em conta os desdobramentos negativos do programa, apenas se importando com os números. A ordem era de reprimir. Famílias foram arruinadas, casas que escondiam mulheres grávidas foram literalmente destruídas e muita gente morreu nas mãos de autoridades locais que cumpriam as políticas de planejamento familiar de forma cruel e violenta.
Paradoxalmente, Mo Yan descreve tudo de forma simples e bem-humorada, até com certo afastamento, misturando habilmente a para nós curiosa tradição e cultura locais com dramas humanos universais. Nas mãos de um mestre, tal composto resulta em grande e impactante literatura, que percorre a história da China desde a invasão japonesa (1937) até o boom econômico do século XXI.
Em As Rãs, o narrador é o sobrinho de uma enfermeira do Partido Comunista que é capaz dos maiores esforços para evitar o nascimento de segundos filhos numa comunidade rural do interior do país. O autor dirige sua narrativa a um professor de literatura japonês que o incentiva a escrever uma peça de teatro sobre a tal tia. No geral, o relato aponta — sem julgamentos — o problema. A tia é o tremendo braço do poder naquela localidade. “Não me importo de ser a malvada, alguém sempre terá de ser a malvada. Sei que vocês já me condenaram ao inferno! Uma comunista não acredita nessas coisas, uma materialista de verdade não tem medo de nada!”, diz a tia.
Mentira. O arrependimento dela aparece aqui e ali, principalmente em sua velhice, delineando algumas dúvidas de ordem moral. A linguagem de Mo Yan é falsamente ingênua, contando tudo a certa distância e como se não entendesse bem o que diz. Mas o naive vai ganhando tons escuros e estranhos. Coisa de mestre. Coisa de quem não fala, mas diz. Diz muito e com alta arte.
Recebemos quase 100 exemplares do livro sobre os Faróis do Rio Grande do Sul e vendemos todos em 4 dias! O livro é deslumbrante! Neste nosso “recomenda”, este livro é acompanhado pelo relançamento de um romance do Prêmio Nobel de Literatura de 1983 William Golding e pelo surpreendente Cinco ou seis dias, um grande achado da Dublinense. Sim, o recomenda de hoje está muito bom!
Uma excelente semana com boas leituras!
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Um livro lindo e um grande sucesso! Este projeto aborda a iluminação das rotas náuticas costeiras e lacustres e o seu papel no desenvolvimento regional e econômico desde a época da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. O extenso registro fotográfico dos faróis da região, com enfoque nos seus aspectos artísticos e paisagísticos, além dos detalhes de sua estrutura interior e dos seus equipamentos seculares de iluminação, demonstra, de maneira inédita em nossa literatura, a preocupação com uma obra completa e que contribua para a preservação desses patrimônios históricos e arquiteturais. O livro traz, ainda, entrevista com o último descendente em atividade de uma geração de faroleiros que marcou a história do Rio Grande do Sul, resgatando essas figuras míticas que, anonimamente e com muita dificuldade, vêm dedicando suas vidas ao árduo e solitário trabalho de iluminar o caminho dos navegantes.
William Golding — Prêmio Nobel e autor do clássico O Senhor das Moscas — mergulha fundo na alma humana para revelar seu lado mais sombrio. Em Ritos de passagem, vencedor do Booker Prize em 1980, o autor mescla a forma epistolar à narrativa histórica para mostrar as fissuras que surgem das diferenças de classe e de cultura. Um romance extraordinário. Em uma viagem à Austrália, no início do século XIX, Edmund Talbot mantém um diário, no qual narra suas aventuras para entreter o tio que ficou na Inglaterra. Talbot é um jovem com uma carreira promissora à frente, no serviço público da Coroa Britânica. Cheio de mordacidade e algum desprezo, ele relata o dia a dia dos marujos e oficiais e descreve os emigrantes em busca de uma nova vida. A bordo de um navio da Marinha inglesa, tripulantes e passageiros têm de conviver em um espaço exíguo, e a tensão entre eles parece cada dia maior. E, aos poucos, os companheiros de viagem começam a exibir sua verdadeira — e sombria — natureza. A situação se agrava quando o jovem e aparentemente ridículo reverendo Colley atrai a antipatia e animosidade dos marinheiros, e a vergonha e humilhação podem se tornar mais perigosas do que o próprio oceano.
Um livro muito interessante sobre juventude e escolhas. João e Dante são dois amigos recém-saídos da universidade no despertar dos anos 2000. São idealistas e cheios de planos. Enquanto Dante acredita que pode fazer sua parte através de uma empresa inovadora, João tenta entender o mundo a partir da vivência nas ruas. De um lado, a ideia de que uma mudança real possa acontecer de dentro do sistema; do outro, o estado de constante vigilância e o medo de quem decidiu se juntar ao elo mais frágil da sociedade. Entre ideais compartilhados e ações opostas, os dois tentam manter a amizade e os sonhos enquanto lidam com a… falência das suas escolhas.
Novamente, três notáveis livros com pouco a ver entre si. O primeiro é um lançamento, uma estreia de autor gaúcho. O segundo é um clássico esquecido — foi publicado há sete décadas e caiu no limbo. E o terceiro é a revisão da vida de um gênio absoluto.
Uma excelente semana com boas leituras!
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Mosaico é uma arte feita com pequenos pedaços de materiais que são minuciosamente encaixados para formar um todo. Como num mosaico, A Vida Disfarçada de Contos tem oito contos (ou episódios) com ligações entre si e que conduzem o leitor a caminhar sobre a fronteira entre veracidade e fantasia. Paixões mal resolvidas, rodas de samba, apostas feita na mesa do bar, amizades, a magia da cidade grande ou as lendas do Partenon em Porto Alegre — estes são alguns dos elementos que o autor explora. Com prosa coloquial, Farias apresenta histórias que puxam o leitor para dentro do livro, criando um ambiente onde ele, repentinamente, vê-se torcendo por uma aposta, escrevendo cartas de amor ou desejando o improvável.
Publicado em 1946, A rua, de Ann Petry (1908-1997), tornou-se rapidamente o primeiro romance de uma autora negra a bater a marca de 1 milhão de exemplares vendidos nos Estados Unidos – e bateu com folga: vendeu 1,5 milhão de cópias. A autora nem sempre foi devidamente lembrada, apesar de ter alcançado um equilíbrio raro: uniu observação social implacável a características do melhor thriller, sendo comparada a clássicos do romance policial como Raymond Chandler e Patricia Highsmith. Mais de sete décadas depois de sua primeira edição no Brasil, o romance de Ann Petry recebeu nova tradução. A maior parte do enredo se desenvolve em uma rua, a 116th Street, que tem papel-chave na vida da protagonista, Lutie Johnson, que tenta sobreviver com um filho de 8 anos no tumultuado bairro nova-iorquino do Harlem. Nas palavras de Tayari Jones, “a 116th Street é a resoluta antagonista e representa a intersecção entre racismo, sexismo, pobreza e fragilidade humana”.
Denis Diderot foi um dos intelectuais mais vibrantes que existiram. E é cada vez mais nosso contemporâneo. O pensador e escritor francês foi petulante ao desafiar muitas verdades de seu tempo. Nesta biografia, Andrew S. Curran descreve a relação atormentada de Diderot com Jean-Jacques Rousseau, sua curiosa correspondência com Voltaire, seus casos apaixonados e suas posições frequentemente iconoclastas. Este livro revela de maneira brilhante como a turbulência pessoal do escritor foi uma parte essencial de seu gênio e de sua capacidade de ignorar e superar tabus, dogmas e convenções. Numa prosa viva e muito bem embasada em pesquisas, Curran traça o itinerário intelectual de Diderot.
Em uma carta a Joseph Twichell, 13 de setembro de 1898:
Não tenho o direito de criticar livros, e não faço isso, exceto quando os odeio. Muitas vezes quero criticar Jane Austen, seus livros me enlouquecem tanto que não consigo esconder meu frenesi do leitor. Portanto, tenho que parar toda vez que começo. Toda vez que leio Orgulho e Preconceito, quero desenterrá-la e espancá-la no crânio com sua própria tíbia.
Do fragmento incompleto de Twain, intitulado “Jane Austen”:
Sempre que pego ‘Orgulho e Preconceito’ ou ‘Razão e Sensibilidade’, sinto-me como um barman entrando no Reino dos Céus. Quer dizer, eu me sinto como ele provavelmente se sentiria. Tenho certeza de que sei quais seriam suas sensações e seus comentários. Ele certamente torceria o nariz vendo aqueles presbiterianos boníssimos, que iriam rejeitá-lo com autocomplacência. Porque eles não eram da sua turma. É isso.
Mais um livro da ficção memorialística da excelente Annie Ernaux. Este tem início em 1963, quando Ernaux, então uma estudante de 23 anos, engravida do namorado que acabara de conhecer. Sem poder contar com o apoio dele ou da própria família numa época em que o aborto era ilegal na França, ela vive praticamente sozinha o acontecimento que tenta destrinchar neste livro quarenta anos depois. Também sugerimos o último lançamento de Isabel Allende — mais uma história super bem contada de mulheres — e também a surpreendente poesia de Guilherme Gontijo Flores.
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Em 1963, Annie Ernaux, então uma estudante de 23 anos, engravida do namorado que acabara de conhecer. Sem poder contar com o apoio dele ou da própria família numa época em que o aborto era ilegal na França, ela vive praticamente sozinha o acontecimento que tenta destrinchar neste livro quarenta anos depois, quando já é uma das principais escritoras de seu país. Com a ajuda de entradas de seu diário e de memórias há muito guardadas, Ernaux reconstrói seu périplo solitário para realizar um aborto clandestino. Ao refletir sobre a onipresença da lei e seu imperativo sobre o corpo feminino, Ernaux nos apresenta mais uma face da mescla indissociável do íntimo e do coletivo tão característica de todo o seu percurso literário. A jovem acaba na ala de emergência de um hospital. Anos se passam sem que ela tenha coragem de revisitar o episódio.
Violeta nasceu em 1920, a primeira menina de uma família com cinco filhos, quando ainda era possível sentir os efeitos da Grande Guerra a da gripe espanhola, que chegara ao seu país pouco antes do seu nascimento. A família saiu ilesa destas crises, mas não conseguiu enfrentar a seguinte. A Grande Depressão transformou totalmente a vida urbana que Violeta conhecia. Sua família perdeu tudo e foi forçada a se mudar para um local remoto. Lá, ela cresceu e terá seu primeiro pretendente. Violeta narra sua história em uma carta dirigida à pessoa que mais ama, contando decepções e casos amorosos, momentos de pobreza e riqueza, perdas e alegrias, tendo por pano de fundo grandes eventos históricos: a luta pelos direitos das mulheres, a ascensão e queda de tiranos e, afinal, não uma, mas duas pandemias.
Potlatch é uma palavra chinook, uma família de línguas indígenas da América do Norte. Ela define uma cerimônia em que membros do grupo investiam numa troca violenta de oferendas e presentes. O título deste livro de Guilherme Gontijo Flores de alguma maneira define sua própria lírica — ao menos neste conjunto luminoso de poemas. Dividido em quatro seções — “A parte da perda”, “Colheita estranha”, “Três estáticas” e “Cantos pra árvore florir” —, Potlatch é o breviário portátil de poemas tão meditativos quanto sensuais, tão afiados quanto encantatórios; tão pessoais quanto marcados por uma visão contundente da História e da nossa relação com a natureza que insistimos em destruir.
Um livro engraçadíssimo na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na cachaça e na cerveja. Sim, verdade! Autopornografia? Nem tanto assim. O cineasta e escritor Otto Guerra disse que escreveu este livro de memórias antes “antes que a bebida levasse todos os seus neurônios”. Pelo descrito no livro, faz sentido. Pela lógica do autor, não. Ele disse mais, disse que seu livro “é um estudo sobre como ser álcooldidata no cinema”. OK, ele gosta de trocadilhos — eu também! –, só acho que o segundo parece ser mais verdadeiro que o primeiro.
Nem doeu tem 130 páginas. Não é, portanto, algo como Em busca do tempo perdido nem em postura nem em proporções. Otto respeita a cronologia, mas só nos apresenta os melhores e decisivos lances, refletindo, de forma sempre hilária, sobre sua vida, trabalho e amores — materiais e imateriais. Já na epígrafe, Otto dá o tom, citando o grande Domingos de Oliveira: “O humor é a única forma de falar sério da vida”. E a única forma para Otto viver seria desenhando. Desde pequeno ele fazia isso e quase apenas isso dentro de uma família onde o padrão era ser médico, advogado ou engenheiro. Só que o menino Otto conseguiu levar o quarto da infância — cheio de papel e lápis de cor — para a vida. E depois tratou de animar seus desenhos.
Otto é autor de diversas animações como Rocky & Hudson- Os Caubóis Gays (baseado nas tiras de Adão Iturrusgarai), Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll (baseado nos personagens do cartunista Angeli), Até que a Sbórnia nos Separe e A Cidade dos Piratas. Sua produtora faz tanto comerciais quanto animações para o público adulto.
As histórias contadas em Nem doeu mostram claramente uma trajetória coerente, se bem que muito alcoolizada. Sua vida artística e profissional são a mesma coisa. A pessoal também. Ele conta que desanimou nos anos 90, quando fez cerca de 600 comerciais. Mas que seu cinema embalou com Wood & Stock e não parou mais.
Bem, mas tergiverso: o que interessa no livro é o documento humano e o texto extremamente cômico para contar os sucessos e desgraças de uma vida de 65 anos. Não, isto não é para qualquer um.
O sexo? A autopornografia? OK, há bastante, mas acho que aqui ele se superestimou…
Eu gostei e recomendo!
Otto Guerra, o alcoolista lúcido / Foto de Marcelo G. Ribeiro para o JC
Em carta a G. H. Lewes (amante de George Eliot), 12 de janeiro de 1848:
Por que você gosta tanto da senhorita Austen? Estou intrigada. O que o induziu a dizer que preferia ter escrito Orgulho e Preconceito ou Tom Jones do que qualquer um dos romances de Walter Scott? Eu não tinha lido Orgulho e Preconceito até ler essa sua frase, e então peguei o livro e estudei. E o que eu encontrei? Um retrato daguerrotipado (de daguerreótipo, antigo aparelho fotográfico inventado por Daguerre 1787-1851, físico e pintor francês) preciso de um rosto comum; um jardim cuidadosamente cercado e altamente cultivado, com bordas próximas e flores delicadas — mas nenhum vislumbre de uma fisionomia vívida e brilhante — sem campo aberto — sem ar fresco — sem colina azul — sem nada bonito. Eu dificilmente gostaria de viver entre suas damas e cavalheiros em suas casas elegantes, mas confinadas. Essas observações provavelmente o irritarão, mas eu correrei o risco.
Agora, eu posso entender a admiração por George Sand. Ela é perspicaz e observadora.