Sayad diz que a TV Cultura perdeu qualidade, e tornou-se cara e ineficiente

O estranho é a falta de inteligência do pessoal do PSDB. Então, após 8 anos de adminstração do estado de São Paulo — leia-se José Serra — , o presidente da TV Cultura João Sayad vem à público e, numa nota oficial que é uma confissão de incompetência, avisa que a Cultura é altamente deficitária — sempre foi, não? — e que vai demitir 1400 funcionarios para ficar com 400, número que considera “mais do que suficiente”. Juro que não entendo esta atitude ao apagar das luzes, principalmente se considerarmos que a lei, por causa das eleições de outubro, o impede de demitir antes dezembro.

Além da ineficiência, há o grave problema de ordem social, pois são 1400 funcionários que serão colocados no olho da rua. Eu também admito que, provavelmente, 1800 seja um número alto de profissionais, mas pensemos: Sayad, em sua nota, fala em “perda de audiência e qualidade”. Meu caro Sayad, aí tem segunda e terceira intenção. Em primeiro lugar, a TV Cultura nunca competiu com as TVs comerciais, em segundo lugar, se a Cultura é hoje uma porcaria — e é — é por culpa do abandono de projetos que, um dia já foram muito bem-sucedidos. Não preciso dizer que meus filhos adoravam o Castelo Rá-tim-bum e o notável e educativo O Mundo de Beakman.

Meu caro (e ineficiente) Sayad, com 1800 funcionários, com estúdios, alguma inteligência e pouco dinheiro, qualquer um monta dezenas de programas como o americano Beakman, algo baratíssimo que divulga ciência às crianças de forma divertida. Mais: com boa negociação, um dos seus 1800 funcionários poderia fechar contrato com a OSESP (também estatal) a fim de registrar, divulgar e até vender DVDs de concertos. Com outro grupo, o Sr. poderia refazer o Cartão Verde dos domingos, não?

Se houvesse um mínimo de boa vontade, o Sr. proporia o que propõe em sua nota …

uma “revitalização dos programas admirados, a modernização dos processos administrativos, bem como dos equipamentos, e contando com os talentos que a emissora possui e com a contratação de novos apresentadores e jornalistas.”

… ANTES das demissões e não depois.

Há toda uma cultura de descarte em nossa sociedade, mormente nas pessoas de direita. Eles não veem que reconstruir coisas pode ser ecológico para a alma e para os seres humanos. E… Nossa, Sr. João Sayad, o Sr. detesta o Serra, hein? Eu também! Que fanfarronice!

O brilhante João Sayad preparando o enterro da TV Cultura

Da truculência de Veja (sobre o pobre de espírito Augusto Nunes)

Apesar de pasmo, fico feliz que seja assim. Por obras do Twitter, me passaram os endereços de alguns posts do Sr. Augusto Nunes, colunista de Veja. Quem me passou, aprovava o jeitinho meigo do articulista e foi imediatamente excluído de minha lista de pessoas que sigo. Motivo: choque.

Augusto Nunes, que deveria ser alguém articulado, comporta-se como um menino indignado da 5ª série. Parece que não quer ser lido nem convencer ninguém. Aqui, após chamar Celso Amorim de chanceler de bolso, diz que o governo Lula é um otário internacional. OK, apesar do termo ofensivo, digamos que o fato de ser ou não otário internacional seja matéria de opinião. Mas e o “chanceler de bolso”? Augusto Nunes realiza aqui algo que não vejo meus pares de esquerda fazerem: ofender alguém por uma característica física. Mais um passo e ele poderá ofender os negros por serem negros, por exemplo. Aqui, ele segue na mesma linha, chamando Amorim de “Anta em miniatura”. Por mim, ele pode continuar fazendo isso. Apenas perderá leitores — e seu candidato Serra,  eleitores — , num país onde quem grita e ofende fica pior do que o foco das ofensas. Na verdade, abismo-me com o que o colunista faz para agradar seus patrões. E, de seus patrões, assusta-me a burrice, pois não adianta nada manter em suas linhas alguém tão sem argumentos. Ah, demonstrando parco manejo do colorido da língua portuguesa, no link a seguir Augusto ataca a Bolívia, qualificando-a de Reino das Antas.

Pelo visto, ele simpatiza o animalzinho.

Da dose diária de ficção e não ficção

— O Datafolha divulgou hoje uma pesquisa onde Serra dispara 9 pontos percentuais em relação à Dilma.

— A mesma pesquisa mostra que Dilma ultrapassou Serra e até mesmo Lula na consulta espontânea. Tsc, tsc, tsc… Acho que alguém do instituto será brandamente demitido.

— Há uma grave de professores estaduais em São Paulo. Ontem houve manifestação. A polícia do popularíssimo Serra baixou o pau. Clayton de Souza conseguiu uma bela “cristalização do fugidio” ao registrar o momento em que um manifestante retirava do campo de batalha uma policial militar ferida.

Absurdo do dia: Felipe Vieira processa o jornalista e blogueiro Marcelo Träsel

Eu sugiro que, hoje ou qualquer dia desses, vocês liguem o rádio na FM 99.3 ou, mais exatamente, na Band News de Porto Alegre, entre as 9 e 11h, de segunda a sexta. Há um programa apresentado pelos jornalistas Felipe Vieira e Diego Casagrande. É um programa muito ruim, pobre de ideias, miserável mesmo. Os dois amigos ficam trocando piadinhas espertas, comentando notícias, fazendo entrevistas, sendo que Felipe Vieira, de voz grave e baixos profundos, não abre muito a boca para falar; sua voz é uma espécie de ronco. O conteúdo é aquele conhecido de quase todas as emissoras gaúchas: a confusa defesa dos governos Fogaça e Yeda e ataques Millenium styled.

Talvez Marcelo Träsel — que além de jornalista é professor e coordenador da especialização em Jornalismo Digital da Famecos/PUCRS — , tenha exagerado se chamou Felipe Vieira de canalha e o acusou de participar de tramoias. Se tiver provas, tudo bem, mas será que tem? Observando os patrocínios do site de Felipe — uma nada sedutora espécie de clipping — , nota-se que há a Prefeitura de Porto Alegre, o Simers (Sindicato médico), o Sistema Farsul, o Sindicato de Lojistas e o CDL. Parece que há outros, não me detive. É engraçado, a Prefeitura e a Farsul patrocinam um jornalista que aprova suas atuações e isto forma uma espécie de faixa própria.

Acredito ter ouvido uma entrevista de Felipe Vieira com Carlos Sperotto (presidente do Sistema Farsul – Federação de Agricultura do Estado) em que o apresentador e o entrevistado tratavam-se como amigos, mantendo com dificuldade uma pauta objetiva — ou talvez tenha sido no programa de Lasier Martins, eu estava dirigindo, mais atento ao tráfego. Quando falo em “Faixa própria”, quero demonstrar o seguinte modus operandi: Felipe entrevista Carlos para gáudio dos poucos ouvintes do programa, os quais certamente concordam com o conteúdo dos comentários do primeiro. Não conseguem, desta forma, espraiar muita coisa, a não ser entre quem concorda com o jornalista. É o de sempre. Eles pensam estar polinizando qualquer coisa, a gente finge que está atento.

Aqui está o conteúdo do processo contra Marcelo Träsel. É uma besteira, uma coisa que deveria ser respondida ao vivo ou discutida num telefonema ou por e-mail, mas alguns acham melhor intimidar com indenizações. Injúria? Ora, basta ler as notícias pinçadas pelo clipper de Vieira… Aquela simples escolha também não constitui injúria? Ah, é jornalismo? Tá bom. Porém, o principal problema parece estar localizado na frase “jornalista processar jornalista é coisa de maricas”. Esta configuraria “abuso da liberdade de expressão”. Meus caros, na minha opinião, isto é ofensa de sexta série do Ensino Fundamental, nunca difamação.

E vou trabalhar.

Eliseu Santos ou A metamorfose de um morto

Li a Zero Hora de sábado. A notícia principal do jornal era o assassinato do Secretário da Saúde Eliseu Santos à saída de um culto evangélico. Sim, sei que é preconceito, mas tenho para mim que homens ricos que frequentam cultos evangélicos — e Eliseu era contumaz em sua “fé” na Assembleia de Deus — são, na maioria dos casos, perfeitos idiotas ou políticos em busca de votos. Dizem que Eliseu sempre ia a estes lugares… Talvez satisfizesse minhas duas condições, o que sei eu? O fato é que já ouvira e lera a respeito de uma lista de preços de propinas do Santo Homem, algo entre 10 e 30 mil de entrada, acompanhada de mensalidades. Há até um vídeo no YouTube que o acusa.

O fato é que, no dia anterior, Eliseu, o puro, tinha sido chamado pela Polícia Federal (Operação Pathos) a fim de prestar esclarecimentos sobre o desvio de R$ 9 milhões em sua secretaria. E no dia seguinte apareceu com três tiros, tendo alvejado seu assassino com outros dois, porque santo que se preza anda armado e Eliseu, ao sair do culto, já estava imbuído de Cristo e pronto para sacar. O que surpreende a todos é a transformação de homem e político agitado e até truculento (ZH de sábado) em São Francisco de Assis (ZH de hoje). Como se não bastasse, o crime também mudou, passou de político a comum… Vejamos, um homem sai de um culto imbecil com sua mulher e filha. As duas entram no carro, o homem se atrasa. Repentinamente, sem dizer nada — a mulher e a filha disseram que não ouviram nada — o homem chega à porta de seu carro e é atingido por um criminoso que está a alguns metros. Assalto? Estranho, mas é o que está sendo comentado. Eliseu Santos estava muito tenso nos últimos dias, relataram amigos e companheiros de partido. Tudo porque previa um assalto, sem dúvida! Deus talvez o tivesse avisado.

Flagrante de Deus avisando Eliseu: “Você será assaltaaado, pegue sua aaarma”.

Quem fez esta interpretação das atitudes de ZH é o Diário Gauche. Aqui e aqui. Será que a “limpeza” do nome político do prefeito Fogaça — único nome viável para enfrentar Tarso Genro nas eleições para Governador — vale tanto assim? Céus, vão matar meio Rio Grande!

O caso do blog "Não gosto de plágio"

O excelente e combativo Não gosto de plágio foi processado por ter acusado… mais um plágio. Há um gênero de trapaça pouco conhecida e muito, mas muito sacana. É o plagiador (ou copiador) de traduções alheias. Imaginem que o plagiador, normalmente o próprio editor ou um funcionário, faz a tradução de uma obra de, digamos, Philip Roth; porém, em vez de traduzir a obra, pega uma edição portuguesa, dá uma “tropicalizada” e manda bala.

Denise Bottmann foi processada por denunciar uma tradução suspeita. Trata-se de uma tradutora  profissional que apenas deseja manter o espaço que é dos tradutores autênticos, daqueles que suam para compreender e mimetizar um autor. Minha mulher faz traduções do italiano e já me mostrou livros que continham 10 erros — de todo gênero — por página. Erros incríveis, que talvez fossem herança de um mau tradutor de primeira mão. O que Denise apontou afeta muito a mim: uma versão da editora Landmark para Persuasão, de Jane Austen…

Neste post, Denise nos dá detalhes sobre o que seria um indiscutível crime. O tradutor é o Sr. Fábio Cyrino, um dos proprietários da Landmark; sua versão do clássico apresentaria grandes semelhanças com a tradução portuguesa de Isabel Sequeira, publicada pelas edições Europa-América em 1996. Ao que tudo indica seria mais um caso de editor que rouba mercado de trabalho de quem sabe traduzir — e cobra adequadamente por isto. A Landmark costuma editar principalmente obras sobre maçonaria, mas também gosta de ornamentar seu marasmático catálogo com coisa mais divertidas e inteligentes como A volta do parafuso e O morro dos ventos uivantes. Espero que James e Brontë estejam tranquilos em seus túmulos. Tenho pena de Jane Austen, que deve estar louca por um chá de camomila, preocupada com o destino de nossa heroína Anne Elliot.

Como vocês sabem, tenho alguma vivência nestas coisas de processos contra a blogosfera. Já digo que não vai dar em nada e peço a quem concordar comigo que dê o devido destaque ao caso. Também sugiro à Denise que publique ipsis litteris a inicial em seu blog. Afinal, o juiz declarou o processo como público — contra a posição do advogado do Sr. Cyrino — e penso que as pessoas ainda podem amparar-se em pressupostos morais como este: quem processa outrem deve estar pronto para sustentar e defender os motivos alegados em qualquer lugar e ocasião.

P.S. — A blogueira Raquel Sallaberry, do Jane Austen em Português, também está sendo processada pela editora.

P.P.S. — Sabem o que o Sr. Cyrino pediu? A retirada imediata do blog, além de uma indenização de 400 salários mínimos por calúnia e difamação. 400 mínimos? Retirada do blog do ar? O pior é que Denise vai perder tempo, gastar uma grana em advogado, etc. Tudo para nada.

Bóris Casoy – terrorista de extrema direita em 1968

O Cloaca News volta a ESTARRECER O MUNDO. Sempre atrás dos coliformes fecais de nossa imprensa de esgoto, o Cloaca foi buscar uma reportagem da revista O Cruzeiro de 9 de novembro de 1968. A reportagem completa pode ser lida aqui. Deixo algumas imagens a seguir. Publicada dias antes do AI-5, tem como tema o CCC – Comando de Caça aos Comunistas.

Casoy entra na última página, a qual tem este título:

A gente examina e tem a surpresa:

Oh, mas temos de virar a página:

A data da publicação:

E, na primeira página da reportagem, o focinho de Casoy:

Mais uma vez parabéns ao Cloaca. Como ele mesmo me disse um dia pelo telefone, “esgoto é o nosso negócio”!

Leia, mas antes multiplique por -1

Abaixo, o editorial da Folha de São Paulo do último domingo. Esclarecimento: jornalismo independente e apartidário é o deles, claro. Enviado por e-mail pelo Diário Gauche. Os comentários abaixo também são do Cristóvão.

Mais: a Folha está acusando os golpes. Sente-se ameaçada por todos os lados. Manifesta temor pela ameaça representada pelos operadores de banda larga (chamada exageradamente de Leviatã). Provavelmente esteja se referindo à entrada do grupo Vivendi (comprou a GVT), o maior grupo midiático e de entretenimento da Europa. Teme também a entrada do grupo Prisa (El País, de Madri), que faz um jornalismo menos rançoso. As teles — OI, Vivo, etc. — também se preparam para operar na web, tv a cabo e informação. O impasse é o conteúdo, que poucos têm, pelo menos para fazer frente à crise do jornalismo impresso e a erosão de credibilidade no rádio e TV.

Outro temor: a vitória de Dilma em 2010, ou seja, mais uma caquerada de anos sem a proximidade aconchegante do poder.

É duro!

Direito à informação

Práticas desleais na internet colocam em risco as bases que permitem o exercício do jornalismo independente no país

DEMOCRACIAS tradicionais aprenderam a defender-se de duas fontes de poder que ameaçam o direito à informação.

Contra a tendência de todo governo de manipular fatos a seu favor, desenvolveram-se mecanismos de controle civil -caso dos veículos de comunicação com independência, financeira e editorial, em relação ao Estado. Contra o risco de que interesses empresariais cruzados ou monopólios bloqueiem o acesso a certas informações, criaram-se dispositivos para limitar o poder de grupos econômicos na mídia.
Essas salvaguardas tradicionais se veem desafiadas pelo avanço da internet e da convergência tecnológica nas comunicações – paradoxalmente, pois esse mesmo processo abre um campo novo ao jornalismo.

Apesar da revolução tecnológica e do advento de plataformas cooperativas, a produção de conteúdo informativo de interesse público continua, majoritariamente, a cargo de organizações empresariais especializadas. O acesso sistemático a informações exclusivas, relevantes, bem apuradas e editadas sempre implica a atuação de grandes equipes de profissionais dedicados apenas a isso. Essas equipes precisam ser remuneradas -ou o elo se rompe.

Quando um serviço de internet que visa ao lucro toma, sem pagar por isso, informações produzidas por empresas jornalísticas, as edita e as difunde a seu modo, não só fere as leis que resguardam os direitos autorais. Solapa os pilares financeiros que têm sustentado o jornalismo profissional independente.

Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga -a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como os de TVs, revistas e jornais -, alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados e atores que não lhe sejam convenientes. A tendência a discriminar concorrentes se acentua no caso brasileiro, pois os mandarins da banda larga são, eles próprios, produtores de algum conteúdo jornalístico.

Quando autoridades se eximem de aplicar a portais de notícias o limite constitucional de 30% de participação de capital estrangeiro, abonam um grave desequilíbrio nas regras de competição. Veículos nacionais, que respeitam a lei, têm de concorrer com conglomerados estrangeiros que acessam fontes colossais e baratas de capital. Tal permissividade ameaça o espírito da norma, comum nas grandes democracias do planeta, de proteger a cultura nacional.

Contra esse triplo assédio, produtores de conteúdo jornalístico e de entretenimento no Brasil começam a protestar.

Exigem a aplicação, na internet, das leis que protegem o direito autoral. Pressionam as autoridades para que, como ocorre nos EUA, regulamentem a banda larga de modo a impedir as práticas discriminatórias e ampliar a competição. Requerem ao Ministério Público ação decisiva para que empresas produtoras de jornalismo e entretenimento na internet se ajustem à exigência, expressa no artigo 222 da Carta, de que 70% do controle do capital esteja com brasileiros.

A Folha se associa ao movimento não apenas no intuito de defender as balizas empresariais do jornalismo independente, apartidário e crítico que postula e pratica. Empunha a bandeira porque está em jogo o direito do cidadão de conhecer a verdade, de não ser ludibriado por governos ou grupos econômicos que ficaram poderosos demais.

O peso relativo das palavras no Judiciário

Digamos que as palavras tenham seus pesos determinados não por sua densidade ou consistência, nem por sua massa multiplicada pela aceleração da gravidade, mas pela quantidade de leitores atentos que elas possam obter durante sua vida útil. Peço aos meus sete leitores que comparem a “perenidade dos livros” com o número de pessoas paradas e atentas em frente a um dazibao. Se, após editado, uma palavra dentro de um livro obtiver 500 leitores que passarão os olhos por ela e a compreenderão, ela terá peso menor que outra, chinesa, que terá 10.000 leitores no jornal mural chinês e que amanhã será substituída por outra. Aqui, neste texto, não me interessa a beleza ou a razão, mas o número de leitores compreensivos — adjetivo que uso na acepção que Herbert Caro utilizava em nossas manhãs musicais de sábado na King`s Discos, onde compreensivo era o intérprete ou tradutor que demonstrava empatia para procurar sempre entender o autor. Deste modo, uma palavra dita no rádio para 50.000 ouvintes também teria peso superior a de qualquer palavra escrita por um bom e ignorado escritor brasileiro.

Curioso, este assunto me ocorreu quando estava na presença de um psiquiatra forense. Tive duas sessões com ele, cada uma de quase três horas. A finalidade era a de saber se eu poderia obter a guarda de minha filha, ou seja, a de saber se eu era louco ou não. Sua opinião foi muito benigna a meu respeito e, ao final da segunda sessão, ele me comentou que achara meu processo confuso e mal montado. Montado? Ele me explicou que num processo o mais importante é a montagem e o motivo era simples. Os juízes não liam os processos, apenas davam davam um “vistaço”. Vistaço? Ah, sim, folheavam os processos, liam os títulos, algumas frases de um ou outro item e decidiam. Como? Ora, através da experiência. Os juizes então liam os processos como lemos um livro que estamos detestando, mas do qual, meio de má vontade, queremos vagamente descobrir o final? Sim, só que eles não avaliam a qualidade, apenas têm pressa.

O ambiente psiquiátrico é dos mais civilizados que conheço. Peço desculpas a meus amigos terapeutas, mas aquilo é pura diversão para alguém que nunca precisou de tratamento. A gente vai lá e tem uma boa conversa com um sujeito especializado em conviver e manipular, fazendo-nos mudar de assunto ou penetrar em coisas que nem sempre apreciaríamos, mas que ali, bem, ali vale tudo. É como uma dança. O terapeuta faz uma forcinha para um lado sugerindo uma mudança de rumo ou ritmo e nós vamos atrás; se quisermos comandar, vamos ter de enganá-lo ou convencê-lo, tarefa bem complicada, pois ele tem interesses muito definidos e normalmente dá mais importância à nossa insistência em comandar do que ao conteúdo que desejamos introduzir. Sempre saí leve das poucas consultas que fiz, pois era agradável ser “levado” numa dança em que tudo o que não precisara fazer era pensar. Deixava-me ser manipulado e gostava. Mas aquilo que ouvira era demais! Por isso, mudei de posição na cadeira e comecei a questionar. A partir do momento em que ele dissera que eu não era doido varrido e não daria muito dinheiro às pessoas de sua profissão (sim, ele O disse), eu, bem, poderia me mostrar ao natural… Então, resumindo, o processo tem de ter bons títulos, que fossem sedutores ou escandalosos o suficiente para chamar a atenção do apressadinho? Sim, claro. E letras bem grandes? Evidentemente. E os textos deveriam ser curtos e grossos? You got it.

Naquele momento, eu descobri duas coisas: (1) que perderia um outro processo e (2) que qualquer advogado de inteligência mediana saberia que não adianta escrever laudas e laudas citando Pontes de Miranda, Ortega y Gasset e milhões de artigos perdidos na teia de fios em curto circuito do “sábio legislador”, quando o melhor seria a abertura de um processo twitter, que receberia inclusive a simpatia de um incompreensivo (ainda na acepção de Caro) juiz.

Cheguei em casa e liguei para meu advogado. Perguntei-lhe quantas páginas ele escrevera (um monte!), o tamanho da fonte (10, imaginem!) e o número de títulos de itens (poucos). Stendhal dizia ironicamente que sonhava escrever como um advogado, pretendia que seus livros saíssem direto do cartório para o prelo, pois admirava a exatidão jurídica — hoje nem lida… Ali, as palavras eram exploradas em seu preciso significado, as metáforas estavam varridas, mas Stendhal, o imenso, seco, esquecido e genial Henri-Marie Beyle, faleceu em 1842, estamos quase dois séculos adiante e, apesar de os advogados tentarem manter a utilização de palavras etimologicamente corretas… hoje escrevem para não serem lidos.

Então, quando anunciam como grande coisa a informatização do Poder Judiciário, com a eliminação daquelas montanhas de processos, só posso pensar que é um caminho naturalíssimo. Há milhões de processos mal analisados atravancando as salas e agora tudo ficará registrado, e não lido, em discos rígidos. Ah, mas os juízes terão acesso mais rápido aos textos? Pode ser, porém você tem de considerar o novo suporte.

Os monitores e as janelas têm características físicas que favorecem o Reino da Desatenção que é a Internet. Tudo no computador favorece o “scanning”, a busca de palavras-chave ou trechos de interesse. Há a ansiedade da informação, há a janela em background piscando ali embaixo, tudo é difuso. Como diz este interessante site, Manifesto contra a leitura desatenta, a leitura rápida é útil, mas só leitura rápida é fútil. Eu reformularia a frase do Fred, só que a rima iria para o saco (expressão impensável juridicamente — a que saco Vossa Senhoria se refere?). A leitura não será como a do músico que lê a partitura em clusters (conjuntos, pencas) de notas conhecidas e que as toca todas. A qualidade do “vistaço” será menor ainda nos vídeos, pois a ele associa-se a pressão das janelas abertas e do fazer tudo ao mesmo tempo agora.

Então, meus caros advogados, eu sugiro que vocês deem peso a suas palavras treinando no twitter. Ou que tuítem direto com os juízes. Claro que estou brincando. Mas acho mesmo que o sucesso do twitter deve-se à diluição da atenção provocada pelo suporte onde trafegam textos que são só mais ou menos lidos. 140 caracteres é um bom número para um “vistaço”.

Obviamente, tudo isso NÃO passou pela minha limitada cabeça enquanto estava sentado na frente do psiquiatra forense, até porque, ainda que estivesse arguindo, estava com resquícios daquele clima bom de dança. Todavia, fiz-lhe as perguntas decisivas, aquelas duas óbvias, as que não iriam calar. Como então eles decidem? Ora, pelo senso comum, sem atentar a detalhes. Essa era a resposta que temia ouvir e suas consequências nefastas dariam assunto para vinte posts. Poderia abrir um curso para advogados, pois o peso, a importância de suas palavras será diretamente proporcional à aderência, fingida ou não, ao senso comum. Quem estiver mais perto de nossa tradição cultural, de nossos costumes e do Programa Raul Gil irá vencer. Meu curso prometeria aos advogados que suas palavras teriam o insustentável peso de uma palavra de juiz. E fiz-lhe a outra pergunta. Juízes fazem psicanálise? Sentem-se culpados? Eu achei que ele apenas riria e já até olhava para um canto qualquer quando ele, rindo muito, cruzou as pernas e respondeu com uma frase avassaladora. Não precisam, a maioria vai à igreja.

Eu não era louco, mas me deu um desejo incrível de morder o pé do psiquiatra, que balançava satisfeito, disponível, bem na minha frente, divertido.

Eu e Alfredo Southall

Atendendo ao pedido de Charlles Campos e de outros amigos que sublinharam a gravidade, a tristeza e a importância do caso, além de relatarem que estes fatos são inteiramente desconhecidos no centro do país, faço retornar este post à capa do blog. Ele ficará aqui também amanhã. Agradeço a leitura de quem veio e vier aqui, assim como o verdadeiramente extraordinário grupo de comentários.

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— Alfredo Southall é o dono da cidade. Todo mundo pede bênção a ele. Não há, na região, quem não lhe obedeça — disse o cara da Itautec. — Se ele gostar, venderemos lá como água.

— Arrã — sempre o mesmo papo de vendedor, pensei.

Foi assim que ouvi falar pela primeira vez, em 1994, na figura de Alfredo Southall. Nós tínhamos uma pequena empresa de desenvolvimento de software e nossa nova parceira, a Itautec, queria fazer negócios em São Gabriel. Eu não queria, pois se toda nossa equipe estava com muitíssimo trabalho em Porto Alegre, como iríamos atender a 400 Km de distância? Mas fui voto vencido. Meu sócio tinha a fantasia de que a Itautec iria nos deixar cheios de clientes e, bem, devíamos ir.

E lá se foi Milton Ribeiro, um funcionário e o vendedor da Itautec para São Gabriel. Entramos na sala de reuniões dos Supermercados Southall e esperamos uma hora pela entrada do Imperador. Ele apareceu de botas de fazendeiro, bem sujas, e o maior séquito de baba-ovos já visto por mim. Era um sujeito enorme, daqueles que não se sabe o quanto tem de músculos ou gordura, com cabelos precocemente brancos e uma postura de chefia que disparou todos os meus sinais de alerta. Posso comprovar que identifico problemas em poucos segundos. Era o caso.

Junto com ele, vinham os gerentes de cada um dos supermercados, o advogado, o contador, alguns responsáveis pelas fazendas, o chefe do RH, havia de tudo, não sabia para quê. Afinal, nosso sistema controlaria apenas os pedidos, o estoque das lojas, o contas a pagar, etc. Mas logo soube o motivo de toda aquela gente. Alfredo precisava de uma platéia para suas demonstrações de poder; além disso, gostava que rissem de suas gracinhas. A cena montada me irritou ainda mais. Depois de um longo discurso a respeito de como gostava de negociar — acompanhado por assentimentos imediatos de sua claque –, ele passou a palavra ao advogado. Este disse que gostaria de fazer algumas objeções à proposta que eu apresentara. A primeira era um erro de português que o documento continha. Todos riram. O homem disse que o verbo “acessar” não existia. Dei-lhe razão, era um neologismo. Completou reclamando que eu utilizara a palavra inglesa “back-up” e não “cópia de segurança”. OK, concordei que os documentos tinham de ser escritos em vernáculo. E o que havia além disto? Nada, era só aquilo. Foi minha vez de rir, pensando no motivo que levara a ele me expor ao ridículo.

O problema é que rábula ligou o que tenho de pior: o humor ácido. Eu estava louco para pegá-lo. E o fiz segundos depois.

Ele seguiu falando que precisava de “quatro frente de caixa” em cada supermercado. Eu disse que ele tinha razão ao dizer “quatro frente de caixa”, pois, em língua portuguesa, só se usa o plural quando são seis ou mais (*). A claque toda riu, Alfredo também, mas o advogado e o vendedor da Itautec ficaram vermelhos de ódio. Meu parceiro achava ou sabia que aquilo fora um grave erro. Depois, ninguém mais se aventurou a falar, apenas Alfredo, eu e meu vendedor. Alfredo queria instalar o sistema para testes por 60 dias, sem pagar nada. Eu era contra, pois sabia muito bem o valor do nosso trabalho, do treinamento de todos os funcionários, das estadias e desconfiava do velho. Mas estava claro que meu parceiro estava disposto a tudo para agradar. Houve um intervalo para o almoço. Não nos convidaram para almoçar.

Então, eu e o cara da Itautec discutimos. Eu dizia que aquele não era nosso jeito de trabalhar e que tínhamos clientes referência aqui e ali. Eles que fossem visitá-los a fim de fazer a compra com maior segurança. Só que, ao final, deixei-me dobrar e, durante a tarde, não abri a boca na continuação do ato público com a multidão gabrielense. Voltei para Porto Alegre à noite, mas nosso funcionário ficou por lá, instalando o sistema para os testes. Fui obrigado a voltar ainda uma vez para nova reunião. Com toda a cena remontada — um monte de gente, piadas, etc. — Alfredo Southall avisou que não queria o sistema. Sinceramente, achei maravilhoso e desinstalei o aplicativo. Ele me convidou para almoçarmos; o advogado foi junto. Foi um encontro amigável. Eles me contaram que o foco era o Supermercado Southall. Dava muito mais lucro. As terras — ele era dono de hectares, hectares e mais hectares — seriam vendidas bem aos poucos, quando valesse a pena.

Um dia, passados dois meses, eu estava trabalhando sozinho num sábado, pois tenho o hábito de procurar os horários de silêncio para me organizar. Tocou o telefone e um cara efetivamente apavorado começa a dizer que dera um problema grave. Que problema? Ora, aparecia na tela a mensagem “Entrar em contato com o telefone 51 XXXX XXXX”. Expliquei calmamente que não entendia como ele tinha aquela versão do sistema, pois era uma versão de teste que expirava em 60 dias. Perguntei de onde ele falava. A resposta vocês já imaginam: ele falava de São Gabriel, do Southall. Alguém tinha copiado o sistema, mas não contara que ele possuísse a mais banal das seguranças.

Disse-lhe que nosso aplicativo estava instalado indevidamente, mas que segunda-feira eles poderiam entrar em contato conosco a fim de comprar o sistema e receber a cópia definitiva. Segunda-feira, nova ligação. Era o contador deles, me perguntando muito irritado o preço. Disse-lhe que considerava nossa proposta ainda válida. Ele me disse que ligaria em dez minutos. Nossa empresa já fechou e ainda aguardo o telefonema.

Depois, a Fazenda Southall ficou famosa. Pequena parte dela foi para a reforma agrária, a área mais interessante ficou com Alfredo e sua pouca vontade de trabalhar. A fazenda tornou-se símbolo da resistência dos grandes latifundiários e foi “vítima” de várias invasões do MST, algumas sangrentas.

O ápice ocorreu na última sexta-feira. Ao rechaçar mais uma invasão, o sem-terra Elton Brum da Silva, que tinha dois filhos e 44 anos, foi morto com tiros nas costas …

… por alguém do alto escalão da Brigada Militar. Tão alto que ninguém pode saber quem foi. Pelas marcas nas costas, mais parece um fuzilamento.

A promotora Lisiane Villagrande, do Ministério Público de São Gabriel, foi muito rápida e considerou “extremamente profissional” a ação da Brigada. Logo ela que, em 2003, numa reunião de fazendeiros da região, leu sob aplausos o despacho da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulava a desapropriação das fazendas Estância do Céu, Santa Adelaide, Caieira, Posto Bragança e Salso Fazenda (13,2 mil hectares), de propriedade de Alfredo Southall. Lisiane é proprietária de terras na cidade.

Sábado, enquanto a Zero Hora estampava a manchete “MST ganha seu mártir” e o comando da Brigada caía, a imprensa gaúcha esquecia de falar sobre a improdutividade das fazendas e muito menos pensavam em Elton Brum da Silva ou em sua família.

Obs.: Escrito com auxílio do RS Urgente e de Zero Hora.

(*) Obrigado, Bia!

Yeda e Lya, Lya e Yeda

Na última sexta-feira, 13, a desgovernadora convidou os participantes do Festival de Gramado para um convescote. Ninguém foi, ou melhor, foram uns gatos pingados. Procurem alguém de alguma importância para o cinema brasileiro na foto geral da claque participante do evento (baixar aqui em alta definição — 961 KB de desprazer).

Deixo-vos de presente hoje um detalhe muito interessante da foto, na verdade um Cavalo de Troia dominical.


Prestes a afogar suas mágoas em bom espumante, Yeda Crusius pousa envolvida em corrupção, adornada pela solidariedade do arroz de festa Lya Luft.

O Crime e Castigo da Lya que leu mas não entendeu

O leitor André Luiz Zambom resolveu me dar uma alegria: pediu que eu lesse a última crônica de Lya Luft na Veja. Eu sou um cara obediente e logo fui à banca comprar a coisa. O título da crônica é Crime e Castigo e este fato indignou o André. Pus-me a caminhar pela rua enquanto lia Lya. Nossa, que falta de horizontes e informação, que bisonhice. Lya fala da forma mais simples que se possa imaginar sobre “nossa sociedade enferma”. Atira para todos os lados sem fixar-se em nenhum: nossas crianças não recebem educação de boa qualidade, formamos criminosos ou inúteis, os pais não lhes dão limites e são dominados pelos primeiros, os professores são cheios de falsas teorias e parecem existir apenas para enfiar ideologias nas cabeças dos pobrezinhos dos alunos, as ruas são locais de descontrolada criminalidade e há que mudar tantas leis quanto possível, precisamos de autoridade e de punições justas.

Em um momento, a autora perde aquele tom messiânico que a auto-ajuda lhe deu e parece gritar com o leitor: “Antes de mais nada, é dever mudar as leis — e não é possível que não se possa mudar uma lei, duas leis, muitas leis. Hoje, logo, agora!”. Ela tem objeções que não acabam mais, só não consegue propor nada.

É um texto indigente demais para merecer uma das melhores grifes de São Petersburgo, trata-se de uma mera exposição de lugares-comuns, é de chorar de ruim. Pretendo chegar à Raskólnikov, mas primeiro seria adequado dar uns raquetaços nos argumentos da Lya que lia e até se informava, uma dia. Lya, tu que carregas o nome do grande Celso Pedro Luft devias saber isto: aquilo que reprime o crime não é o tamanho da punição, mas a INFABILIDADE da pena, ou seja, uma justiça de braço longo e correto. A atividade criminal é tão apreciada em nosso país não pela inexistência de leis, mas pela forma obtusa, eletiva e errática com que são aplicadas. Quanto aos professores e pais: será que antes — quando os alunos eram punidos, ameaçados e até apanhavam — era melhor? Sobre a sociedade enferma: houve acaso alguma época em que ela foi considerada sã? “Sociedade enferma” é um daqueles truísmos que querem silenciar o debate. Ora, essas expressões são tão úteis quanto dizer que o governo X “não fez nada” (assim como o Y e Z), que os todos os governantes estão lá para se locupletar, que os negros agridem e roubam, que os judeus só roubam, etc. São coisas do mais baixo senso comum, ficam ridículas num texto.

Eu ainda acho que uma revista de circulação nacional devia se preocupar com a qualidade do conteúdo e chamar à razão os articulistas que espalhassem — “avalizassem” talvez fosse um verbo melhor — as tolices do senso comum. Mas, sei, é pedir demais para a Veja, cujo maior produto de venda é a confirmação das impressões que assaltam as mentes dos brasileiros médios, principalmente as paranóicas.

Crime e Castigo… Todos os alentados volumes de Dostoievski deveriam se revoltar e cair na cabeça da Lya sem ley. O que tem a ver uma das mais belas histórias inventadas por um ser humano com o lastimável texto de Lya Auto-Ajuda? Vejamos. O livro trata do estudante Rodion Raskólnikov. Ele é paupérrimo como o texto de Lya e, tal como ela, tem a certeza de que é um ser extraordinário. Acontece com muitos, só que Raskonikov age. Cheio de teorias confusas sobre a superioridade de uns sobre os outros, acha-se no direito de utilizar quaisquer meios para cumprir seu destino de grande homem. Tem sempre em mente o nome de Napoleão, cuja biografia seria a comprovação de que é preciso agachar-se, chafurdar na lama e mesmo matar com a finalidade de tomar o poder — o dinheiro, no caso de Raskolnikov. E ele resolve tomá-lo de uma agiota, uma velhinha que além de inútil ainda era um câncer social. Para fazer este trabalho de corrigir Deus, faz-lhe uma visita acompanhado de um machado, porém a coisa começou a se complicar quando a sobrinha Lisavieta chegou repentinamente e viu a tia caída num mar de sangue enquanto Raskolnikov pegava a grana. O que fazer senão matar também Lisavieta? E pimba nela também!

As motivações de Raskólnikov nada têm a ver com aquelas explicadas por Lya, mas e o Castigo do título? O Castigo é o mais curioso. O investigador Porfiri Pietróvitch tem diversas entrevistas com Rodion, que se compromete a cada conversa. Porfiri sabe perfeitamente que Rodion é o assassino, mas nega-se a prendê-lo. Na verdade, ele passa a admirar o pobre estudante e faz questão que ele se entregue. Diz-lhe várias vezes: “Estou esperando você na delegacia com a confissão dos assassinatos; não me faça prejudicá-lo. Sua pena será MENOR se você se entregar”. Bem, aqui a analogia da Lya Louca Por Punições se desmancha inteiramente. Assim como os professores e pais tentam compreender seus filhos, Porfiri vai com consideração e — por que não dizer? — amor à humanidade deste rapaz inteligente e cheio de febres e confusão. A pena é inevitável, o erro é irreparável e Raskolnikov irá para a Sibéria, mas o que Porfiri quer e aposta é em dobrar o estudante, dando-lhe de presente uma pena do tamanho que um ser humano pode suportar e não um castigo perpétuo. Há no livro tudo o que falta à crônica de Lya: compreensão, amor e respeito pelo ser humano. Piedade. Fica claro que o Castigo que Porfiri impõe a Raskolnikov é o de dobrar-se e admitir o erro, saindo do episódio como um homem melhor, sem as teorias alucinadas que justificaram o ato de matar (“Se não há Deus, tudo é permitido”). Tudo isso ocorre em diversos diálogos de fantástica qualidade e ironia. Eles são de compreensão bastante simples para qualquer leitor, apesar do subtexto.

(Estou passando por cima de personagens importantes como Sônia, Svidrigáilov, Lújin e outros para ficar só com o cerne da história).

Agora, eu pergunto: será que Lya Luft — a que diz “que só tudo piora” (não que eu ache que “tudo só melhora”) — não prejudica e confunde ao exigir Autoridade, Punições e Leis mais fortes, atribuindo a seu texto a grife de um marco de nossa cultura? Será que o castigo inteligente e interessado de Porfiri Pietróvitch serviria para a Valquíria da Vingança? Claro que não! O que há naquela crônica é um pensamento superficial acompanhado de um substrato de profunda ignorância. Pobre do Brasil que tem Lya Luft escrevendo para milhares, talvez milhões, de leitores. É de chorar.

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A Valquíria Punitiva finaliza seu texto assim…

Muito crime, pouco castigo, castigo excessivo ou brando demais, leis antiquadas ou insuficientes, e chegamos aonde chegamos: os cidadãos reféns dentro de casa ou ratos assustados na rua, a bandidagem no controle; pais com medos dos filhos… usw.

… e tira fotos assim:

Galeria de Horrores: José Serra, Ariano Suassuna e católicos do Paraguai

Este é o ex-Ministro da Saúde (!?) José Serra tranquilizando o país sobre a gripe suína. Este homem é candidato à Presidência da República…

Se a imagem não aparecer, clique aqui para pasmar-se.

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É sabido por poucos que o Secretário de Cultura do Estado Ariano Suassuna é um fascistóide. Mas é. As pessoas insistem em achá-lo engraçadinho fora do estado de Pernambuco. Talvez ele até seja, desde que distante 3000 Km ou mais. Experimente viver com quem MANDA na cultura e pensa que Antonio Carlos Jobim, por exemplo, é um “compositor sem especial importância” e “José de Alencar é mais importante do que Joyce”. Ontem, Fernando Monteiro publicou o post abaixo na Kriterion:

“DIFERENTEMENTE DA MAIORIA”
Fernando Monteiro

Ariano Suassuna concedeu entrevista ao “Personalidade”, programa da TV Câmara. Participaram da entrevista a antropóloga da Universidade Federal de Pernambuco, Aparecida Nogueira, autora de vários textos sobre a obra do escritor paraibano, e os jornalistas Cláudio Ferreira, da TV Câmara, e Amneres Pereira, diretora do Jornal da Câmara. Entre outras “pérolas” recolhidas das respostas do atual secretário Ariano Vilar Suassuna, pincemos esta aqui, de uma franqueza (reconheçamos) que em nada disfarça – realmente – o pensamento “alinhado” que faz sucesso (?) não só entre os conservadores, como-nunca-antes-por-este-país afora:

“Sou um intelectual que, diferentemente da maioria, nunca falei mal das Forças Armadas. Apoiei, durante um tempo muito difícil, generais patriotas como Euler Bentes Monteiro e Antônio Carlos de Andrada Serpa, porque via neles uma preocupação de defender o País. Acho que nós, intelectuais, temos o dever de começar a relembrar que o Brasil precisa muito de uma aproximação nossa com as Forças Armadas e com o clero neste momento em que vivemos.”

Quem quiser conferir o resto, acesse este endereço.

É a ditabranda Versão Armorial.

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Para finalizar, começou no Paraguai a campanha anti-Lugo, o comedor de criancinhas. E a Justiça? Intervém acusando-o de algo ou o cara será incinerado pela imprensa?

É foda.