Dia 4: Londres e chegada em Praga

Foi um dia perfeito iniciado em Londres — para onde voltaremos sexta-feira — e finalizado em Praga. Começamos pelo Museu de História Natural que não tínhamos conseguido ver no sábado. Realmente, o número de pessoas do Museu é muito menor nas segundas-feiras e conseguimos fazer uma visita muito satisfatória, explorando coisas que eu não consegui em novembro de 2011. Então, uma dica: segundas-feiras às 10h, Charles Darwin está livre, sem grande ocupação. Digo isso porque é uma visita imperdível com seus incríveis dinossauros e animais em extinção. Duvido que qualquer criança que o visite — e por lá há hordas delas com suas professoras — saia dali pensando que o criacionismo seja algo sequer a ser considerado. Vale por mil aulas de biologia e os ingleses aproveitam, largando meninos e meninas que correm felizes pelo museu, principalmente quando veem o T. Rex se mexendo, efeito que as fazem urrar de felicidade. Lindo, lindo.

Depois voltamos para o hotel e pegamos nossas coisas para vir à Praga. Tudo certo. A easyJet foi pontualíssima. A chegada ao aeroporto de Praga vem com uma dica nossa: você pode tomar um táxi no aeroporto mesmo, eles não são muito caros. Porém, aqui em Praga, nunca tome táxis na rua (eles cobram o que querem, a cidade é famosa por isso, infelizmente). Sempre marque táxis por telefone ou pela internet (do aeroporto não é necessário, eles estão sempre lá e basta você achar um da companhia AAARadioTaxi . Meu amigo, o compositor erudito Gilberto Agostinho, que mora em Praga há vários anos, ensinou: “a AAA é ótima e te traz do aeroporto até o hotel por volta de uns 40 ou 50 reais – 10 coroas = 1 real). Vale a pena, principalmente porque éramos dois e pagaríamos a mesma coisa se comprássemos duas passagens de ônibus.

Nosso hotel, o Waldstein, revelou-se muito antigo e inteiro o suficiente para tocar nosso coração, além de ter um Wi-Fi impecável, excelente banheiro e calefação. Estamos muito bem instalados ao lado da ponte Carlos e a cidade vista do carro me pareceu espantosa. Logo após largar as bagagens, fomos ao restaurante indicado pela dona do hotel, o U Mesenase. Era uma coisinha de nada, a cinco minutos do hotel e, quando fomos para lá, erramos o caminho e, após menos de cinco minutos, entramos na sem querer na Ponte Carlos… Demos meia volta e encontramos o restaurante. Estamos muito bem localizados.

A comida era maravilhosa e a Bárbara chegou a dizer para a dona — It was REALLY good! — e tinha sido mesmo. O prato dela era algo de se comer de joelhos e o meu quase isso. O da babi era um filé com molho de espinafre muito bem temperado. O meu era uma truta. Mas os elogios não param por aí, pois hoje bebi a melhor cerveja de minha vida. Não sou um especialista para poder dizer que a cerveja de Praga é a melhor do mundo como muitos dizem, então fico por aqui: foi a melhor que já bebi e, pasme, a garrafa de água custa 110 coroas – 11 reais, um absurdo – e a de cerveja custa 90. Entenderam as possibilidades matemáticas da coisa?

O dinossauro preferido da Bárbara quando criança… O tricerátops!
O T. Rex que se mexe. As crianças ficam arregaladas, piram, é melhor olhar para elas do que para o bicho.
Como ele se mexe demais e a máquina não é boa, já viram.
Esse é um dos peixas mais sacanas que existem, o tamboril.
Na parte mais calma, minerais e minerais com bichos incrustados neles.
Uma tartaruguinha de milhões de anos…
O dinossauro da entrada do Museu, chamado carinhosamente de Dippy.
Só que o tamanho da cabeça de Dippy não nos faz pensar em muito cérebro, né?
E um estupendo final de dia no improbabilíssimo U Mesenase.

3 de fevereiro: Londres (Camden Town)

Hoje, fomos à Feira de Camden Town. Logo de cara, a Babi saiu dizendo que “estou achando isso aqui muito a fudê”. Ficamos por umas cinco horas em Camden Town. A feira vende comidas de todas etnias, roupas para punks, roqueiros e clássicas, mas antes de tudo é um lugar muito alegre e original. (A linha está caindo e não sei se terei muito tempo para explicar). Ela comprou algumas roupas bem no seu estilo, mas o principal, acho, foi ter conferido o quanto uma cidade pode ser viva, cosmopolita e com muitas coisas acontecendo em diversos locais da cidade ao mesmo tempo.

Depois, caminhamos por Piccadilly Circus e Charing Cross Road, ou seja, pelo centrão de Londres, sempre lotado de gente, apesar de estar uns 5 graus. E me despeço antes que a linha caia.

Em Camden Town, um rapaz lê a Odisseia de Homero para o público.
Metros e metros da gastronomia de todos os lugares do mundo.
As antigas estrebarias de Camden são usadas pela feira.
Na Royal Academy of Arts, uma exposição de Manet que devemos ver.

2 de fevereiro: Londres

O rebote do dia anterior fez-nos começar mal o dia 2. Acordamos só às 11h. Fomos direto ao Museu de História Natural, templo de Charles Darwin. Havia muita gente na entrada, mas como ele é imenso, achamos que ia dar para uma boa visita. Engano. Deu para uma caminhada curta, poucas fotos e para um lanche. Só. Era tanta gente que mal conseguíamos caminhar. No restaurante, conhecemos dois goianos que moram em Londres, o Edson e a Andréa. Estão satisfeitos na cidade, ele mais do que ela, pois tem emprego fixo num supermercado e ganha bem. Então, como o Museu estava um atrolho e era sábado, digo-lhes que este dia da semana é inviável no Museu de História Natural.

Na entrada, minha filha Bárbara, observava: “Essas pombas daqui são do bem, se aproximam numa boa. As de Porto Alegre estão formando gangues. Qualquer hora dessas, a ZH vai noticiar que há pombas assaltantes em Porto Alegre. Classe média sofre, pai”.

Adiamos a visita à Darwin e formos ao Victoria and Albert Museum, bem ao lado. Maravilha. Uma bela e necessária ida a um Museu fundamental da cidade. Como os ingleses trouxeram tudo aquilo demonstra um apetite para a pilhagem que vou lhes contar. E há o British para ver, ainda.

Depois saímos para uma caminhada, Zara e metrô até a Igreja de Saint-Martin-in-the-Fields — em frente à Trafalgar Square — , onde assistimos a um concerto perfeito que constava de uma única peça, a Pequena Missa Solene de Rossini. Executada com a instrumentação original e com cantores e coral impecáveis, saí de lá nas nuvens. A Bárbara me disse que achou bonito, reconheceu a notável qualidade acústica do local, sentiu que os caras cantavam bem demais, mas que aquilo tudo não chegava a emocioná-la. Preferia algo apenas instrumental. Já eu fiquei ao lado dos ingleses que aplaudiram muito — dentro de seu contido padrão habitual — ao grupo.

E depois terminamos o dia num pub, o primeiro da Bárbara.

(As fotos da máquina da Bárbara, a boa, estão indisponíveis. Ela esqueceu do recarregador em Porto Alegre. A qualidade das fotos vai baixar…).

Vista do The National Gallery desde a Trafalgar Square.
Fish and Chips and Guiness
O primeiro pub a gente nunca esquece…
O consumo de álcool tem efeitos conhecidos.

1º de fevereiro: Roma e uma pequena aventura em Londres

Dia complicado e cansativo, nossa! Eu e minha filha Bárbara tínhamos saído de Porto Alegre no dia 31. Neste dia tivemos que chegar ao aeroporto cedo, muito cedo, a pedido da Casamundi. Acho que foi excesso de zelo, mas tudo bem, melhor o excesso do que a falta. De Porto Alegre, fomos ao Rio de Janeiro e de lá saímos para Roma pela Alitalia. Não é que estivesse quente dentro do avião, é que era o verdadeiro inferno. A Bárbara mal dormiu, eu consegui umas duas horas de sono. Queria tirar a camiseta que usava e ficar sem camisa, mas temia que aqueles italianos — incrivelmente de terno — me jogassem para fora do avião.

Chegamos a Roma 40 minutos antes do horário previsto. E demos graças ao Diabo pela franquia destes preciosos minutos. A sugestão de pegarmos o serviço de ônibus da TerraVision revelou-se sensacional. Pegamos o ônibus antes do previsto e a viagem de Fiumicino a Roma foi absolutamente rápida e confortável. Chegamos a Cidade Eterna pelas 8h da manhã e, talvez pela raiva pela péssima noite, resolvemos fazer um turismo doido. Saímos do terminal de ônibus da via Marsala e decidimos: vamos fazer todos os principais monumentos a pé. E começamos a infantaria: Coliseu, Piazza Navona, Fontana de Trevi, Panteon, Vittorio Emmanuelle (aquela máquina de escrever horrível) e ainda fomos ao Musei Capitolini, que eu desconhecia e ao qual fui indicado pela Bárbara. Valeu muito a pena.

O resultado de alguns quilômetros de caminhada e de alguns equívocos de percurso, mais a noite mal dormida, foi um enorme cansaço. Além disso, a Babi estava com as pernas doloridas e eu com dor nos pés… Mas chegamos de volta à via Marsala e depois ao aeroporto de Fiumicino. O voo para Londres — novamente pela Alitalia — foi também a uma temperatura de banho, mas sem água.

Londres começou com uma missão ao estilo 007, só que jamais a imaginávamos. Chegamos no horário previsto das 23h05, mas a imigração, as malas e o enorme aeroporto fizeram com que nós ficássemos liberados quase à meia-noite. Quando perguntei pelo serviço de trem que nos levaria a Paddington Station, fiquei sabendo que este não existia mais, mas que poderia ir a Earl`s Court, local de nosso hotel, de modo muito mais tranquilo, pelo metrô, que aqui é chamado simpaticamente de Underground para diferenciar dos outros trens. Melhor ainda, não? Claro, só que eram 23h57 e o último trem sairia de Heathrow às 24h. Até agora não sei como conseguimos correr até o guichê automático — pois não havia mais atendentes na estação –, enfiamos o cartão Diners na máquina que cuspiu duas passagens e entramos a tempo no trem. Não sei. Só sei que um funcionário do metrô se compadeceu de nós e não apenas operou o equipamento como abriu todas as cancelas até a porta do trem. Isto é, compramos as passagens, mas não as utilizamos. Sim, estamos entre polite, and very good people. Se não fosse a política externa deles…

Então, aí vai a nossa segunda dica — a primeira foi a TerraVision: nunca chegue tão tarde a Londres, a não ser que queira gastar os tubos com um táxi de Heathrow até a cidade.

A 1h da madrugada estávamos chegando ao fim de nossa longa viagem: entrando no easyHotel, hotelzinho de quartos diminutos, mas de preço muito bom, daqui em Earl`s Court. Olha, nunca um banho foi tão libertador.

A Bárbara ornamentada por uma lasca de Coliseu.
As lojas de moda eclesiástica. Presenteie seu padre preferido.
Essa foto deu certo, né? É do teto do Panteon.
O Panteon por fora.
Jornalismo Sul21; protesto dos funcionários da RAI. Eles estão amordaçados, mas um deles ainda fala.
E como!
Sem Anita Ekberg e com demasiada luz.
O que é IMU?
Olhei, olhei e não sei como o cara fica ali. Não há fios, nada.

Férias

Estarei em viagem entre os dias 31 de janeiro e 19 de fevereiro. Vou dar uma volta com a Bárbara. Acho estranho viajar só com minha filha e lamento muito o fato de que meu filho Bernardo chegue de sua longuíssima turnê pela América do Sul — está fora desde 20 de dezembro — apenas no dia primeiro, o que fará com que eu fique dois meses sem vê-lo, algo inédito desde o dia 4 de janeiro de 1991.

Os acontecimentos de Santa Maria também influenciam. Nunca vi tamanha comoção, nem um prefeito tão anão frente a ela. O caso é para pedir renúncia, mas talvez ele jamais se dê conta disso.

Imaginem que nem olhei a programação de concertos em Londres, cidade onde há ingressos de todos os tipos e dá acesso à cultura como nenhuma outra que conheço.

Vou levar um netbook. Não é dos melhores, mas deve servir para que eu deixe aqui algumas fotos e comentários para meus sete leitores durante o período. Como dizia nosso amigo, Dr. Herbert Caro, vamos fugir da canícula em Roma (2 dias), Londres (12 dias) e Praga (4 dias), tudo por obra das milhas de minha cara-metade e do booking.com, onde reservamos alguns hotéis bem em conta.

Praga é assim, dizem.

Em La Paz, depois de Copacabana

Meu filho Bernardo está viajando desde o dia 20 de dezembro, mais ou menos. Volta em 1º de fevereiro. Foi de avião para Rio Branco, no Acre. Era o único trecho que faria via aérea. Depois, só ônibus e sola de sapato. Ele e seus dois amigos foram em seguida de  ônibus para o Peru, onde fizeram a trilha inca caminhando 90 Km em 5 dias. Pegaram neve no Natal, devem ter visto trenós incas dirigidos por índios com enormes sacos de coca, puxados por lhamas. E ontem ele me ligou do Titicaca.

Voz tranquila e macia, típica de quando está descansado, disse que passou três dias em Copacabana, uma praia do lago que está a quase 4000 m acima do nível do mar e onde o celular pegava mal. Neste ínterim foi para a Isla del Sol, uma ilha do Titicaca. O lado é enorme, comprido, tem 90 Km de comprimento e uns 25 de largura. Ele me diz que, no meio do lago, não se enxerga nenhuma margem. Pergunto sobre a respiração e ele disse que, mesmo na caminhada nos Andes, sentiu-se bem. Ia pegar um ônibus para La Paz, onde já deve ter chegado. Com o Facebook, fica fácil de monitorá-lo. Afinal, lá pela meia-noite, ele escreveu: “La Paz, fetos de lhama nas esquinas. Muito afudê”.

Não sei se vão ter tempo de ir ao Chile ou se descerão pela Argentina. Acho uma pena que o Bernardo não goste de escrever. Deve voltar com um monte de histórias que vai contar aos poucos. Espero que tenha tirado muitas fotos, porque isso ele faz muito bem. Ele estagia como fotógrafo no Sul21. Gostaria de ter visto a cara dele ao pedir 40 dias de férias. Ele sabe ser sedutor quando precisa, o filho da puta. Putz, espero que volte bem. Nem li os detalhes daquele brasileiro que sumiu no Peru. Não quero fantasiar coisas ruins. Prefiro pensar que ele está entre montanhas, lhamas, indiazinhas feias e coloridas e que caminha sem parar, olhando tudo.

Sim, esta é Copacabana, porta de entrada do Titicaca e centro de peregrinações desde os tempos pré-colombianos.
A Isla del Sol no Estreito de Yampupata
Índios Aymara na Isla del Sol. Todo lo que necesito / tengo a mis pulmones / respirando azul clarito / la altura que sofoca / Soy las muelas de mi boca, mascando coca.

As canonizações seculares

No centro de uma quadra de Londres, há uma das coisas mais simples e bonitas que vi até hoje: o Memorial to Heroic Self Sacrifice. Trata-se de uma grande ideia: ele serve para lembrar pessoas comuns que, em atos heroicos, morreram para salvar vidas. O objetivo é o de não serem esquecidas. O Memorial aparece com destaque no filme Closer, pois a personagem de Natalie Portman assume o nome fictício de Alice Ayres, uma das pessoas lembradas no Memorial.

Foto: Milton Ribeiro

É um local pequeno e aprazível, não chega a ser uma atração turística para a maioria das pessoas, mas revelou-se muito sedutor.

O memorial foi inaugurado em 1900 e abriga 120 placas de cerâmica. Quando da inauguração, havia apenas 4. Hoje, há um espaço auxilar ao telhadinho original.

A ideia foi de um religioso, o vigário George Frederic Watts. O governo britânico dava tradicionalmente pouca atenção aos pobres, mas na esteira da Revolução Industrial, as atenção para com as classes mais baixas foram mudando. Estranhamente a nossos olhos do século XXI, Watts via o propósito de seu Memorial como exemplos para a educação das classes mais baixas.

É uma espécie de canonização de pessoas que não fizeram milagres ou que os realizaram dentro dos limites permitidos a nós, seres humanos. Um monumento humano e — por que não pensar assim? — ateu. Gosto muito.

As pessoas vão ali e deixam flores para seres humanos reais e vão embora. Permanecemos por uma hora no local e não vimos ninguém rezar. Um monumento de incrível bom gosto, pois.

4 diazinhos

De quinta-feira a domingo, o blog estará na praia, inútil, comendo frutos do mar e banhando-se ao final da tarde. Sim, é o melhor horário. Talvez, entre uma caipirinha e um camarão, escreva uma resenha sobre o belíssimo Ribamar, de José Castello, ou sobre os geniais Aforismos de Karl Kraus. Mas acho que deixarei para depois. O que é certo é pretendo começar a leitura da tradução de Rubens Figueiredo para Anna Kariênina. Durante a viagem, ouvirei Bruckner ou Bach no carro. Na boa, mereço. Na volta, só quero escrever matérias complicadas como essa.

Fui.

Ah, porra, esqueci. A fundamental matéria foi encontrada por Igor Natusch (sim, dois links).

Direto de Paris: Hitler e minha modelo

A história da foto abaixo, quero dizer, de segunda foto, é curiosa. Eu estava descendo as escadas em direção à Torre Eiffel quando vi a modelo. Na sua frente, havia uma equipe de fotógrafos cheios de máquinas, etc. Eram umas 10 pessoas. Então, eu parei ao lado deles e tirei a foto. A modelo caiu na risada, dizendo para eles algo assim em francês: “Viram? Ele recém chegou e já tirou a foto, vocês estão aí se enrolando!”. Ganhei um belo sorriso, fiquei todo bobo, fiz umas gracinhas pra ela e fui embora. Hoje, navegando na blogosfera, vi Hitler mais ou menos na mesma posição …

Foto: Milton Ribeiro

Paris: Shakespeare and Company ou Morre George Whitman

Foto: Milton Ribeiro

Publicado com os devidos cortes — feitos por mim mesmo — no Sul21 na última segunda-feira. Copio aqui só para acrescentar algumas fotos mesmo.

Num fim de semana onde os obituários estiveram cheios de celebridades — Christopher Hitchens, Cesária Évora, Sérgio Britto, o Santos, Joãosinho Trinta, Václav Havel, Kim Jong-il — a morte de George Whitman passou quase em branco. Whitman, dono da mítica livraria Shakespeare & Company, localizada na margem esquerda do Sena, em Paris, morreu aos 98 anos em seu apartamento. Ele sofrera um derrame em outubro, mas recusou-se a ficar no hospital, exigindo ser levado para casa, que fica no andar de cima da livraria.

Fazer uma referência a uma livraria de Paris que só vende romances e ensaios literários em inglês pode parecer produto do mais puro elitismo, mas não pensamos ser o caso.

A livraria foi aberta em 1951 e — além de ser um extraordinário sebo e livraria — serve de abrigo a escritores em início de carreira para que tenham teto e/ou trabalho até que terminem seus livros. Lá também ocorrem chás literários e encontros com autores, quaisquer autores.

Whitman nasceu nos Estados Unidos em 1913, Viveu parte da infância na China. Mudou-se para Paris em 1948. Segundo ele, na época, uma bicicleta e um gato eram suas únicas posses. Em 1951, abriu a livraria Le Mistral, rebatizando-a como Shakespeare & Company em 1964, em homenagem a Sylvia Beach, proprietária da Shakespeare & Company original, responsável, por exemplo, pela primeira edição de Ulisses, de James Joyce. Quando falecera, em 1962, Sylvia Beach deixara para Whitman os direitos de uso do nome e livros.

James_Joyce com Sylvia Beach na Shakespeare & Co original (Paris, 1920)
Uma das estantes da livraria que fazem referência a Sylvia Beach | Foto: Milton Ribeiro

Imediatamente famosa no meio literário, a loja virou ponto de encontro de escritores como Arthur Miller, James Baldwin, Samuel Beckett, Anaïs Nin, Lawrence Durrel, William Burroughs, Gregory Corso, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e rota turística para os apaixonados pela literatura. No andar de cima da livraria vivia não apenas Whitman e família, mas diversos candidatos a escritores. Reza a lenda que, desde 1964, lá dormiram mais de 40 mil pessoas diferentes entre os livros. O pagamento pela hospedagem era escrever, ler e varrer a livraria. Alguns também atendiam no balcão e na cozinha. Outra lenda diz que Whitman aconselhava a saída de autores que estavam lá há mais de ano…

Whitman viva de acordo com o lema retirado de um poema de W. B. Yeats e que está pintado numa das paredes internas –“Não seja inóspito para estranhos pois eles são anjos disfarçados.”” (tradução de Débora Birck). Durante o final de semana, velas, flores e romances foram depositados na porta da Shakespeare, fechada pelo luto. Bilhetes de homenagens foram colados com agradecimentos e elogios.

Hoje, há prateleiras em torno da citação | Foto: Blog Hipsters & Company

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A Shakespeare and Company é o sonho do bibliófilo. Os livros — normalmente revelantes ou raros — podem ser vistos em toda parte: nas paredes, no meio da loja, nas escadas, em todo canto, sobrando pouco espaço para a circulação. Para completar, no espaço atulhado ainda há alguns locais com cadeiras e bancos para leitura. Também há um piano, sobre o qual pode ser lido um cartaz sugerindo que se toque apenas música erudita ou jazz. Os outros cartazes pedem para que os leitores nunca, jamais sejam perturbados, fato que faz com que o som da livraria seja um complicado contraponto de passos e sussurros. Na escada para o andar de cima, só uma pessoa passa de cada vez. Na verdade, a mais famosa livraria do mundo é apenas um pequeno caos onde se vende livros bem escolhidos, onde há cadeiras confortáveis e onde há a promessa de solidariedade. Nada de mega-ultra-hiper. O teto não é pintado há anos e é difícil imaginar como poderia sê-lo sem a retirada dos volumes. A atmosfera é tão acolhedora que o visitante tem a fantasia de que o conhecimento que está nos livros, sob alguma forma misteriosa, entra-lhe pelos poros quando está na livraria.

A livraria, que já era administrada pela filha de George, Sylvia Beach Whitman, seguirá ativa.

O que há bem na frente da Shakespeare? Ora, a Catedral de Notre Dame, mas, para alguns, há dúvidas sobre quem é mais catedral. Abaixo, mais fotos da livraria de Whitman:

A entrada principal
A porta auxiliar da livraria
O grande homenageado | Foto: Milton Ribeiro
Uma das vitrines que dá para a Catedral de Notre Dame
O caos interno | Foto: Blog Hipsters & Company
Sylvia Beach Whitman e seu pai, George
Do lado direito, vê-se uma nesguinha de porta. É onde morava George Whitman no segundo andar da Shakespeare and Co.
Eu estou fotografando a epígrafe de Daniel Martin, do grande John Fowles
A epígrafe de Gramsci | Foto: Milton Ribeiro
O Dario diz que os livros têm o poder de me deixar quieto. Sei lá, eu SOU quieto!
A localização da Shakespeare em relação à capelinha medieval de Notre Dame
Comparar Notre Dame com a Shakespeare… Piada, né?
Sylvia, a filha. 30 anos. Bonita, não?

Londres: a música ou a Música imbatível da cidade

Um dia, quando já estávamos em Paris, passamos na frente de um bar onde havia música ao vivo. Era horrível. Nos olhamos: “Dificilmente ouviríamos algo tão ruim em Londres”. A gente se acostuma rapidamente com o que é bom. Em Londres, há boa música até nas lojas. Em sua maioria, trata-se apenas e simplesmente de música popular inglesa — nova e antiga. Camden Town e Portobello Road, sobre os quais falarei depois, são festas sonoras e, comprovando que as músicas legais ou de qualidade acima do normal circulam mesmo, dobrando uma esquina, havia uma loja de camisetas punk tocando Essa moça tá diferente, de Chico Buarque…

Mas minha área é a da música erudita. Eu já sabia, claro, que o movimento de música erudita em Londres era muito grande, mas não imaginava aquilo que (ou)vi. Muitos concertos de alto nível, todos lotados ou quase, todos com várias opções de preços. No luxuoso Queen Elizabeth Hall (capacidade para 900 pessoas), por exemplo, os ingressos custam 35, 28, 21, 14 e 7 libras, sendo que comprando os de 7 libras a gente senta lá atrás, quase na última fila, porém a acústica é tão boa que o som que nos chegava do Hagen String Quartet não nos fazia invejosos de quem estava lá na frente. Como podemos ver pela foto abaixo, o QEH é imenso, mas o som dos dois violinos, da viola e do violoncelo eram ouvidos com muita clareza, de uma forma como nunca se ouve em Porto Alegre, em sala nenhuma, pois nossos construtores se esquivam de considerações acústicas mesmo nos empreendimentos novos e novíssimos.

O concerto do Hagen Quartet no Queen Elizabeth Hall teve programa com Haydn, Shostakovich e Brahms. O bis foi o divertido Allegretto pizzicato do Quarteto Nº 4 de Béla Bartók. Uma noite perfeita. Abaixo, o Amadeus toca a peça de Bartók com menor de brilhantismo:

A 8ª Sinfonia de Mahler, que vimos no Royal Albert Hall, não é nada rotineira fora dos circuitos onde a múisca erudita trafega com naturalidade. Bem, na estreia, sob a regência do próprio Mahler, havia 1023 pessoas no palco, entre oito solistas, coro duplo e coro infantil, orquestra duplicada e órgão. Veni Creator Spiritus (Vem, Espírito Criador!), canta o coral no início, dando música ao poema medieval do monge Hrabanus Maurus. Mahler fazia retornar de forma muito particular e original a voz a suas sinfonias, o que depois ele faria ainda melhor em A Canção da Terra.

Abaixo, um jovem Bernard Haitink rege a obra, provavelmente no Concertgebouw de Amsterdam com os incríveis coro e orquestra de lá.

http://youtu.be/ickPLWzJOwQ

Assistimos embasbacados. Quando do início da música — trecho acima — , meus olhos se encheram de lágrimas. Não, não sou disso. Tudo tremia e eu também. Fiz a contagem de quantos estavam no palco. Contava cada fila de músicos e cantores e, a cada dez, memorizava o cabelo do último contabilizado. Multiplicou as filas, somou tudo e chegou a 870. O palco estava lotado, o teatro idem.

Na noite anterior nós tínhamos assistido a ópera La sonnambula, de Bellini, no Royal Opera House (capacidade para 2300 pessoas), que fica no Covent Garden. Montagem, cantores e orquestra luxuosas; preços camaradas. No intervalo, vimos um monte de gente fazendo piquenique nos corredores. Como os ingleses jantam cedo e a ópera era às 19h30 — como quase todos os concertos noturnos da cidade — , às 21h eles estão starving. Então, muitos levam um farnelzinho improvisado, sentam nos corredores e matam a fome. O curioso é que trazem tudo em caixinhas organizadas, sem esquecer do cálice de vinho e de um guardanapo para por no pescoço. Ficamos nos sorvetes…

E o que dizer da igreja St. Martin-in-the-Fields, uma igreja esquecida de suas inglórias funções e que se tornou um enorme café em sua cripta, oferecendo concertos praticamente diários no andar de cima? O que há de especial é sua extraordinária — verdadeiramente estupenda — acústica. E quem se apresenta lá, é claro. As coincidências ajudam. Eram 19h20 quando eu e minha cara-metade passamos na frente de uma igreja que tinha um estranho “olho torto”.

Quando demos a volta pensando em ir para a Trafalgar Square, vimos um cartaz cujo texto era mais ou menos assim:

London Musical Arts at St. Martin-in-the-Fields
John Landor, reg.
Beethoven — Symphony #3
Vocês têm só 10 minutos para comprar os ingressos
e chegarem a seus lugares

Esta orquestra é verdadeiramente fantástica e mereceram cada aplauso quando finalizaram a sinfonia. Ali, durante a Marcha Fúnebre, eu ouvi o melhor som de contrabaixo que registro em minha memória. Dois dias depois, voltamos lá a fim de assistir o Réquiem de Fauré com The Locrian Ensemble, London Chorale e mais Kevin Kenner ao piano, pois havia a um concerto para piano de Mozart no início do programa. Regência de Stephen Ellery. Neste concerto, houve um momento mágico: Ellery desculpou-se pelo fato da orquestra ter chegado cansada do Japão e de não ter podido ensaiar a Pavana de Fauré que fazia parte do programa. A peça substituta seria apresentada pelo pianista Kenner. E, logo após o concerto de Mozart, o próprio anunciou Peace Piece, de Bill Evans. A execução, iniciada num improviso de poucos dedos que não poderia lembrar mais o autor, seguida do tema e de nova improvisação, foi de notável sensibilidade. Quando o cara terminou, a plateia ficou por alguns segundos meio hipnotizada, demorando a aplaudir ou desejando que aquele momento se mantivesse um pouco mais. Coisa de louco. Só isso já valeu as 10 libras investidas.

http://youtu.be/RjM8G4VwAqY

Em resumo, para os melômanos, Londres vale a pena MESMO. Alguns de nossos ingressos foram comprados na internet com cartão de crédito. Os da Saint Martin foram adquiridos na hora. A oferta de música se renova a cada semana, dando-nos a vontade de nunca mais sair de lá. Só posso amar a cidade. Mas virão mais motivos.

As fotos são minhas. Apenas as fotos diurnas do QE Hall e o RA Hall foram roubadas por aí.

As novas edições da Penguin dos romances de Jane Austen

Ei, Raquel Sallaberry! (Todo mundo sabe, mas não custa repetir que a Raquel possui este belo sítio).

Vi a nova coleção na Shakespeare and Company. Te mete…

Milton Ribeiro examina os livros, mostrando a bunda para seus sete leitores

As fotos são de minha autoria, o que significa dizer que são uma merda. Para piorar, elas são proibidas dentro da Shakespeare. Então, tirei-as velozmente. Desculpa, Raquel. Falei para a minha mulher quando do ilícito: “Tenho que tirar. Essas fotos são para o Jane Austen em Português“. As capas de tecido são lindas e boas de tocar.

Se alguém quiser ampliar a ruindade das fotos, basta clicar sobre elas. Ah, e por falar em Penguin, ela comprou 45% da Companhia das Letras, sabiam? Amanhã voltamos a Londres, OK?

Londres: a Catedral Evolucionista de São Carlos, mais conhecida como Museu de História Natural

Quando acordamos em nosso primeiro dia de Londres, fomos direto para o Natural History Museum. Talvez seja uma curiosidade interessante a de sublinhar que, no caminho até o Museu, feito a pé por mais ou menos 12 quadras, não vimos nenhuma outra igreja. A frente é imponente como convém a uma entidade religiosa:

Todos os museus tem a simpática característica de serem gratuitos e de estarem cheios de crianças e de professores explicando tudo o que se vê. Aliás, tudo está cheio em Londres — concertos (mesmo os eruditos menos populares), assim como feiras, shows, museus e pubs. Também surpreende o tranquilo controle dos pequenos, não há descontrole, gritos ou correria, as crianças ficam bem comportadas e interessadas, coisa que não costumamos ver no Brasil. E, pasmem, nem ostentavam sinais de torturas.

Logo à entrada, vemos o esqueleto de Dippy, um dinossauro de 32 m, assim conhecido por ser um Diplodocus carnegii. O da frente, bancando o elegante, é outro gênero de dinossauro.

Na foto acima, na parte de trás da espaçosa nave central do templo, está a figura excelsa de São Carlos, padroeiro e santo protetor deste blogueiro. Tive pudor — o que mais me resta neste mundo? — de apresentar-lhes uma foto que me incluísse ajoelhado frente ao santo. Vai então esta aqui, menos devocional, mais contida e secular.

Meus caros sete leitores, tenho que lhes dizer uma coisa. Tenho centenas de fotos do museu e estou me segurando para não fazer um PHES Darwinista. Então, pausa para o chá. Tomamos um tea for two para nos acalmar; afinal, passei anos contando a mesma piada: Shakespeare foi o maior gênio do século XVII, Bach o do século XVIII, Darwin o do XIX, Freud o do XX e Celso Roth o do XXI. (OK, esqueçam. Tem mais graça quando dramatizado). Mas chega de tergiversações e falemos sobre o que há no Museu.

O Museu de História Natural de Londres foi fundado em 1881 como parte do Museu Britânico, mas atualmente é um organismo à parte, mantido pelo Ministério da Cultura. Há um prédio novíssimo agregado ao prédio histórico, o espetacular Darwin Center. Há de tudo, mas o principal, em minha opinião, são os espécimes coletados por São Carlos. A biblioteca contém extenso material que inclui livros, jornais, manuscritos e coleções de arte ligadas a pesquisa científica (fantásticas!). Mas o que faz a alegria das crianças e, OK, nossa, é a exposição permanente de esqueletos de dinossauros. Porém, nós, intelectuais maduros, elitistas e arrogantes, escolhemos o local para rezar e agora faremos uma pequena excursão por alguns locais santificados.

Enquanto caminhamos, lendo a respeito da história da vida em nosso planeta e observando fósseis e figuras, é impossível não olhar para o alto a fim de admirar os detalhes do prédio e da decoração.

Querubins?
Anjinhos?

Tais figuras ficam sobre as galerias do deslumbrante Museu. Vejam que legal a foto abaixo.

Os três níveis do prédio vistos do segundo andar. Nos detalhes, mais serafins

Como funciona a visita? Há a visita à evolução propriamente dita, incluindo imagens, animais empalhados, fósseis e amostras colhidas por Darwin e outros, com explicação de origem geográfica e “posição evolutiva”. Depois existe uma parte infantil onde há um Tyrannosaurus Rex movimentando-se e emitindo sons terríveis — gostei muito! — e o Darwin Center, onde ficam os pesquisadores. Na área de exposições do DC, é explicado o método científico de identificação de novas espécies de animais e plantas, assim como daqueles em risco de extinção. Fica inteiramente desnecessário qualquer discurso ecológico. Os fatos falam por si.

Sob o sol londrino, o blogueiro posa desajeitado na entrada do Darwin Center

Para finalizar este despretensioso relato, fotos de crianças desenhando “tartaruguinhas” no Museu e do terrível T. Rex.

Sentadas, observando a Criação
Desenhando o bicho, certamente para um trabalho de aula
As camisetas da catequese
Numa sala escura e enfumaçada, o T. Rex ruge e dá rabanadas para espanto e gritos das crianças

E, na saída, as cores do outono londrino que, segundo minha esposa, combinam com a camisa deste daltônico que vos escreve.

Londres: os pubs

Vou começar uma pequena série sobre nossa viagem a Londres e Paris. Aos apaixonados por Paris já vou dizendo que gostei mais de Londres. Paris é mais bela e monumental, mas Londres é vida pura. Bem, mas não adiantemos o que, penso, será explicado ao longo dos posts. Como primeiro fomos a Londres, comecemos por um aspecto dela que certamente não é o melhor, os pubs.

Há 58 mil public houses na Inglaterra. Em Londres, nas zonas não apenas residenciais, é difícil caminhar três quadras sem esbarrar em um. O pub é um estabelecimento licenciado para servir bebidas alcoólicas. Há pequenas diferenças entre pubs, bares, botecos e tavernas, mas isto não nos interessa agora. Fizemos obviamente várias excursões aos pubs próximos de onde nos encontrávamos, na West Cromwell Road, quase na esquina com Earl`s Court Road, próximo à estação de metrô de mesmo nome, Earl`s Court. Pois, saindo diariamente da estação do metrô e caminhando em direção à West Cromwell, passávamos por dois pubs, e também por dois supermercados, três restaurantes (dois italianos e um português), lavanderias, enfim.

O segundo pub do caminho era o mais bonitinho e típico. Logo o elegi como “nosso pub“. Fomos ali na primeira noite londrina. Como todas vezes em que entramos num, deparamo-nos com um ambiente civilizado, bonito e alegre. Como no Brasil, o bar é uma extensão da casa. Entra-se aos berros, falando em futebol, em sexo ou qualquer coisa. Muitos clientes entram com seus cães, coisa que ridiculamente não fazemos. Foi uma noite de Guiness, Amstel e de comermos fish and chips, pois queríamos comer o que eles comem.

Bem acompanhada, minha cara-metade estuda Londres

A primeira surpresa foi com a sistemática do pub. Se vocês chegarem e sentarem esperando pelo atendimento, ficarão chupando o dedo. Há que ir ao balcão a fim de fazer o pedido. Mais, há que pagar previamente. Aliás, tudo é acertado antes. Há um meio-garçom que serve apenas para entregar os pratos de comida e levar talheres, essas coisas. A bebida você a leva para sua mesa logo após o pagamento. Gostei do modus operandi. É muito mais rápido, eliminando a espera pelo garçom, pela conta e pelo troco. A coisa é prática e, do ponto de vista do pub, segura. Nenhum bebum negocia sua conta na saída. E só bebe após pagar. O famoso fish and chips é algo de constrangedora simplicidade. Consiste em peixe frito envolvido em polme (espécie de à milanesa), acompanhado por batatas fritas. Como sou um dos raros seres humanos que é indiferente à batatas fritas, comi o peixe — que era bem gostoso — e digeri as batatas junto com a cerveja na intenção de não ficar excessivamente bêbado.

O fish and chips

Se vejo-me obrigação de elogiar os civilizados pubs, critico o maldito english breakfast, também servido neles. Os pubs abrem normalmente às 10h da manhã — horário em servem o delicado café da manhã a ser descrito adiante — e fecham tarde da noite. A cozinha fecha às 22h30, mas o pessoal segue bebendo. Não vi nenhum deles com horário para fechar, o que achei estranho, pois narrativas de amigos falavam nisso.

Sempre achei natural que levássemos nossos cães em bares e ônibus. Os ingleses levam.

Aliás, assim como a alimentação, os horários deles diferem dos nossos. O dia inicia com o breakfast. Então, ali pelas 13h, eles matam um sanduíche nos parques. Estes podem ser boníssimos. Eu devorava os de salmão defumado ou camarão, que são coisas de louco. O jantar é comido por volta das 18h e os concertos — parte importante de nossa vida londrina — , começam às 19h30. Mas enfrentemos o english breakfast.

O traditional english breakfast custa 5,99 libras (aproximandamente R$ 21) na maioria dos locais e, numa bela manhã dominical — ou, de forma mais realista — , em nosso único domingo na cidade, fomos comê-lo. Na ida, já sabia que ia odiar, mas tinha que conhecer a merda. E, bem, é uma merda: trata-se de uma insana gordurama.

Flagrante do horror 

Uma pequena descrição do que vemos acima: em sentido horário, começaremos com o feijão branco abaixo. Ele vem meio durinho e o molho de tomate acima é açucarado. Vem açucarado. É um horror. Seguindo nossa rota, vemos à esquerda um cogumelão muito gostoso que é a única iguaria decente no prato. OK, além do tomate. Depois há um ovo, que comemos com o pão; somados a dois salsichões pra lá de gordos que são complementados por dois bifões de bacon. Tudo isso vem acompanhado de chá ou chá com leite — este um vício que adquiri na eletivamente britânica Buenos Aires. Quando saí de lá, pensava com devoção no Dr. Hilário Wolmeister, meu cardiologista, sempre preocupado com meu descontrolado colesterol que costuma bater nos 300. Eu sentia a gordura entupindo minhas veias, matando meu coração e criando coágulos que acabariam por visitar pontos fatais de meu corpo. Saí do pub louco para caminhar, correr, sonhava com uma salada.

E os ingleses amam o tal breakfast e outras coisas que são, sem dúvida, a origem dos sanduíches do MacDonald`s. Não os comentarei aqui porque não os comi.

Gostei muito das noites nos pubs, claro. Cervejas extraordinárias, sidras monumentais, um ambiente alegre e várias mulheres enchendo a cara sozinhas, coisa que atribuo a costumes bem mais livres que os nossos. Mas o povo londrino é papo para outro dia.

Boa cerveja. O copo que está atrás é de Bailey`s.

Voltaremos em 2 de dezembro

Ter uma mulher que viaja muito tem suas vantagens. A primeira é que as ausências dela ajudam a não desgastar a relação e até fazem com que a gente sinta saudades, eventualmente, um do outro. É saudável. A segunda é que ela acumula milhas. E são tantas que às vezes sobra pra gente. Então, este blog viajará entre hoje e o dia 1º de dezembro. O destino não é nada humilde, vamos para Londres — interessante cidade onde os museus são gratuitos e se paga para entrar em igrejas — e Paris — onde temos amigos a visitar e pães a consumir. Os planos são simples e rotineiros: muitos concertos e intermináveis caminhadas.

Antes de sair, ainda encontrei este site inspirador.

O Coração de Olenka, Queridinha ou Minha Querida, de Anton Tchékhov, vira peça teatral

Há duas ou três semanas atrás não pude ir à Montevidéu. Minha mulher tinha um compromisso lá e meu gasto se resumiria às passagens. Tinha combinado minha ausência com a chefe, só que no ínterim ela pediu demissão e, quando notei que criaria um belo problema se mantivesse a viagem, preferi ficar em Porto Alegre sem avisar ninguém. Foram-se parte de minhas milhas, mas a verdade é que gosto tanto do lugar onde trabalho que nem me importei tanto. O único problema foi criado por uma narrativa de minha mulher. Em Montevidéu, ela assistiu a uma peça que eu realmente queria ter visto. Oh, pecado, pecado, vou mais à teatros de Montevidéu do que de Porto Alegre e os motivos são, via de regra, literários. Vejamos.

Depois de me contar a coisa, ela escreveu no Facebook:

… vi o monólogo Mi Querida, de Tchékhov, no teatro Circular (super-interessante a experiência, cabiam uns 60 expectadores e estes tomavam chá e comiam biscoitos servidos pela personagem enquanto ela contava sua vida)…

Eu sei que ela não fez isso para acabar comigo, mas… Porra, logo me dei conta de que se tratava do conto Queridinha, Minha Querida ou O Coração de Olenka. Mais, notei que era uma grande ideia levar o texto ao palco e que uma atriz que servisse biscoitos salgadinhos e chás ao público seria perfeito, pois Olenka apenas preocupa-se com os outros, em amar e servir e adotar as opiniões de alguém. E fui ficando cada vez mais entusiasmado achando que não fora apenas um grande ideia mas algo Genial passar para o teatro o notável conto de Tchékhov que tantos títulos recebeu nas traduções brasileiras. É uma coisinha simples, daquelas que a gente, quando descobre que alguém realizou, logo pensa: “Mas isso estava caindo de maduro!”.

Não vou contar a tristíssima história do contista, novelista e dramaturgo russo, nem vou dar spoilers que prejudiquem a leitura de quem não conhece este conto perfeito, mas o detalhe das bolachas e do chá servido aos assistentes é arrasadoramente significativa. Tanto que fui buscar em jornais uruguaios os detalhes.

O que li em três ou quatro lugares foi mais ou menos isto: a atriz Isabel Schipani traz o monólogo Mi Querida, obra da dramaturga argentina Griselda Gambaro. Mi Querida é baseada em uma história de Anton Tchékhov. Uma mulher idosa olha para trás em sua vida, uma dessas vidas simples que os grandes personagens da Rússia mantém permanentemente entre a ansiedade e o humor (boa observação). Mi Querida é um convite para partilhar um chá na casa de Olga (Olenka), a mulher que quer contar como não pode viver sem amar a alguém e muito menos pode aceitar a solidão. “Sem amor eu não existo”, diz Olenka. O texto fala calma e delicadamente do sofrimento de quem vive a necessidade de sempre se apegar a alguém ou a algo, e de como sua visão do mundo é alterada ao longo da existência em função do amor. No conto, tudo é descrito na forma de um retrato condensado do cotidiano desta criatura. Gambaro demonstra que a essência do homem é sempre a mesma. Griselda Gambaro — muito prazer! — ,aliás, é uma das figuras centrais da escrita dramática platina e sua peça é um espelho para muitos. Para o que queremos e não queremos ser. Tudo numa reunião à hora do chá.

OK, dito isso, vou ali no cantinho me matar.

Queria deixar o conto disponível para meus sete leitores, mas só encontrei isso aqui, que está QUASE completo.

Anton Tchékhov e sua esposa Olga Knipper

Corações prisioneiros no dia dos namorados

Na fonte em frente ao Café El Facal, na Plaza Cagancha, em Montevidéu, os apaixonados aprisionam seus corações. O uso é democrático e não há espaço para homofobia, racismo ou idade. São cadeados que vêm gravados, escritos a caneta, arranhados, enferrujados, de qualquer jeito, sempre deixados por namorados, todos com o desejo do amor eterno, do para sempre, da felicidade.

Voltei do tratamento

Inhotim, Congonhas, São João del-Rei (segundo o site da prefeitura é assim que se escreve…), Tiradentes, Lavras Novas, Ouro Preto. Um belo tratamento com o Dr. Claudio Costa e sua Amélia — ele, psicanalista; ela, psicóloga. Fiquei encantado com os resultados. A foto abaixo registra um momento especialmente difícil. Estávamos na Pousada e Restaurante Pimenta Rosa, em Lavras Novas. Encontro-me entre centenas de fotos repletas de amizade e carinho.

Abaixo, nossos amigos.

E aqui, a reafirmação de que Claudio Costa é mais um atleticano simpático à causa colorada. O que fazer, né?