Promoção relâmpago!

Descobri que tenho dois livros duplicados de Bolaño: Noturno do Chile e Putas Assassinas.

Ganha Noturno do Chile aquele que responder corretamente ou acertar o maior número das questões abaixo. Em caso de empate, o primeiro a comentar leva.

— Quantas sinfonias Mozart escreveu?
— Quantas variações há nas Variações Goldberg?
— E quantas há nas Diabelli?
— Havia muitos Johann na família Bach. Johann Sebastian era o … (primeiro, oitavo, quadragésimo?)
— Quantos e quais foram os sinfonistas que bateram as botas após a nona e não iniciaram ou completaram a décima?

Ganha Putas Assassinas aquele que responder corretamente ou acertar o maior número das questões abaixo. Em caso de empate, o primeiro a comentar leva.

— Qual foi o primeiro livro escrito por Dostoiévski após a prisão?
— Qual é o romance de Machado de Assis que Milton Ribeiro mais ama?
— Qual é o autor gaúcho que é leitura obrigatória para o vestibular da Univ. Federal do Espírito Santo?
— Qual é o nome da pesquisadora que participa de um ménage à trois em 2666?
— Qual é o romance de James onde os personagens principais mudam-se pouco a pouco dos EUA para a Inglaterra, enquanto os que estavam na Inglaterra vão para os EUA?

Promoção válida até as 23h59 de hoje! Neste horário, publicarei o gabarito…

A loteria na Babilônia, conto de Jorge Luis Borges

Numa semana meio maluca de reformas em casa e necessidade de trabalhar fortemente fora do trabalho habitual para reforço financeiro, fui hoje a um café acompanhado do fantasma de Borges dentro de uma edição argentina de Ficciones. Ele, logo de cara, no conto La Lotería en Babilonia, envia um recado a quem lerá a narrativa.

…nadie había ensayado hasta entonces una teoría general de los juegos. El babilonio no es especulativo. Acata los dictámenes del azar, les entrega su vida, su esperanza, su terror pánico, pero no se le ocurre investigar sus leyes laberínticas, ni las esferas giratorias que lo revelam.

Em seguida, outra curiosidade: a “interpolación del azar” é semelhante à teoria do Barão de Itararé citada por Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere? Passemos a palavra a Graciliano, que chamava o Barão pela junção de seu nome, Apporelly (Aparício Torelli):

Apporelly sustentava que tudo ia muito bem. Fundava-se a demonstração no exame de um fato de que surgiam duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. Ali onde vivíamos, Apporelly afirmava, utilizando seu método, que não havia motivo para receio. Que nos podia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findava aí. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois esta desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela.

Mas, falemos um quase nada sobre minha leitura: é claro que a parábola proposta por Borges extrapola sua função de ser uma realidade menor que representa uma maior. A loteria É a própria realidade da Babilônia. Ou seja, é a própria vida. A loteria e seus acasos é análoga à vida e vice-versa, regulada por suas regras, condições e infinitas contingências.

A relação mais óbvia que me ocorreu nesta rápida leitura enquanto tomava café é aquela entre a Compañía e a Igreja com suas “ventas de suertes”, o funcionamento silêncioso de Deus, “seu carácter antiguamente plebeyo” e com o total desprezo a quem não participa de sua… loteria.

Porém, o que interessa mesmo a mim é o conto extremamente irônico e divertido, que mostrou-me que posso fazer uma leitura fluida de Borges em sua língua e que isto é um enorme privilégio para quem vem de uma língua materna que produziu literatura bastante inferior…

Noite de autógrafos e mais

Sexta-feira, Marcos Nunes deixou este conto nos comentários deste blog. Eu não estou dizendo que aqui os comentários são habitualmente melhores do que o post?

Noite de autógrafos

Olhava para todos que entravam na livraria, ele ali, sentado numa cadeira estofada velha, posto atrás de uma mesa, tendo à sua direita dezenas de exemplares de seu último livro, cujo lançamento se dava naquela noite, mas parece que não, ou pela divulgação ruim, ou pelo desinteresse dos leitores pelo volume, ou ainda pelo próprio e quase anônimo autor.

Pagara pela edição, pequena, enviara algumas cartas, convencera alguns amigos a comparecer, contava com algumas presenças, mas as poucas que vieram foram rapidamente embora, sob um constrangimento às vezes desalmado, ora piedoso, mas o comentário mais regular era “Será que ele não desistirá nunca?”

Seu segundo romance, depois de um primeiro volume de poemas e outro de contos. Alguns elogios, principalmente aos contos, alguns do volume, não todos. O primeiro romance não teve êxito, ele mesmo reconheceu. Mas apostava tudo nesse segundo, escrito com vagar, revisto dezenas de vezes, corrigido, reduzido ao mínimo, escrita seca, com um mínimo indispensável de adjetivos, trama complexa, densa. Um amigo escreve um prefácio super elogioso, e o investimento desta vez valeria a pena.

Assim pensava antes dessa noite. Depois de algumas vendas, mais ninguém. Pudera, não servia-se nem cafezinho neste lançamento! Pela livraria circulam pouquíssimas pessoas. Entre elas, percebe um sujeito pequeno, pele um pouco morena, cabelos encaracolados vastos, castanhos com fios brancos, óculos redondos sobre sobrancelhas grossas entre um nariz algo grande e caído sobre os lábios murchos. Parecia um estudante daqueles eternos, que freqüentam os bancos escolares à fuga das responsabilidades da vida adulta. Teria vindo para o lançamento e encontrava-se perdido, sem entender que o escritor era ele, tão óbvio, sentado atrás de uma mesa antiquada, repleta de volumes novos, ainda cheirando a tinta?

Um tipo esquisito. Fuçava um livro e outro, lendo, lendo… Sorriu e pronunciou alto o nome “Carver!” quando se deparou com o volume recém-lançado. Malditos norte-americanos! Escrevem qualquer coisinha e vendem aos milhares, milhões! E o que são afinal Fritzgerald, Hemingway, Faulkner? Bah, evocadores da barbárie! Voltou a olhar o cara, mas ele não estava no mesmo lugar. Reencontrou-o, mas sem qualquer livro na mão. Prestou atenção: sob as vestes largas, havia coisa ali. Tomara que seja pego, o salafrário. Ladrãozinho de meia tigela, e ainda por cima com um péssimo gosto.

Cansou de esperar. Pegou um volume dos seus, sobre a mesa, e o pôs entre as páginas do jornal do dia, que carregava consigo por conter um aviso do lançamento. Uma pequena nota. Foi andando devagar, tentando representar o papel de um freqüentador qualquer da livraria. Terá o ordinário notado na sua presença anterior à mesa? Sabe-se lá. Mas chegou perto dele, sorrindo com simpatia mas mantendo um ar de conspirador. O outro também sorriu para ele, mas com um ríctus de dor. Sofrerá alguma doença? Estará de ressaca? Será que ele não comeu hoje? Chama-o com um olhar, e o outro se aproxima com naturalidade, enquanto ele age da forma mais suspeita possível. Quando estão bem juntos, o escritor passa para o outro o jornal e, dentro dele, um exemplar de seu livro.

— Vai, leva. É novo. Lançado hoje. Coisa boa.

Com a maior pachorra do mundo, o outro saca o livro do meio do jornal, folheia, lê o prefácio em poucos segundos, fazendo uma vista d’olhos, devolve o volume para o escritor e guarda consigo o exemplar do diário.

— Me gusta robar libros, fala com extrema simpatia o leitor, certamente lotado de exemplares surrupiados sob suas roupas (deve ter livro até na bunda, pensou o escritor).

– Me encanta se alguien se arriesgar a robar un libro mio, respondeu o escritor.

Mais uma vez o outro sorriu, e se foi. Cara esquisito, nem brasileiro é. Desgraçado. Prefere o idiota do Carver, o idiota do…, o idiota do…, inventivava, ficando possesso, quando notou que não estava mais com o próprio livro na mão. Grandessíssimo filho de uma puta, pensou consigo mesmo, mas se deu conta que não, falara a frase, e bem alto. Continuou então no mesmo tom, sorrindo às escâncaras. Grandessíssimo filho de uma puta, grande cara! Que ao menos o desgraçado leia o que me roubou – foi com essa frase que terminou sua explicação ao dono da livraria sobre a razão daquele sonoro escândalo. Lágrimas nos olhos de tanto rir, não sei.

Aos amigos, tudo.

-=-=-=-=-=-

No dia anterior, Cassionei Petry publicara aqui trecho de uma entrevista de Roberto Bolaño:

R. Me gusta robar libros. Aunque ya no puedo robar, sería bastante vergonzoso ser atrapado, pero cuando era inédito, robé muchísimos. Pero muchos, muchos… Una vez con un amigo –que también era un buen robador de libros- hicimos una apuesta en la Avenida Corrientes, cuando había muchas librerías (creo que todavía hay bastantes): fuimos a Corrientes y Callao y nos pusimos uno de cada lado de Corrientes, y la idea era llegar hasta Cerrito habiéndonos robado por orden los siete tomos del En busca del tiempo perdido de Marcel Proust en librerías sucesivas.

P. ¿Lo lograron?

R. Sí, yo lo logré. Él no. Él creo que robó cuatro, tres, no llegó. […] De todas maneras, me doy cuenta de que perdí el don. Lo más extraño de cuando robaba libros es que yo sentía, físicamente, una especie de aura que me hacía invisible, y que efectivamente era así, porque he salido de librerías con libros de este porte (indica con sus brazos un tamaño enorme), así, al hombro, y no me veían. Era una cosa que tal vez, la gente me miraba y decía “no, no puede ser que se lo esté llevando de una manera tan evidente”… Pero ahora ya no lo siento más. […] Uno de los momentos más gratificantes fue ver a una persona robándose un libro mío cuando yo estaba en una Feria del Libro y que viniese a que yo se lo firmase. Cuando se lo firmé le dije “te agradezco mucho que te hayas robado este libro”, pero también le dije “está todo bien, genial”. Me encantó. Me encantó que alguien se arriesgara a robar un libro mío.

(entrevista de Bolaño a Rodrigo Fresán)

Arturo Belano, seu alter-ego, no romance “Los detectives salvajes” também rouba livros. Se bem me lembro um outro escritor ensina a Belano esta arte.

Mais Bolaño, citado pelo mesmo Cassionei logo após o dia do aparecimento do conto de Marcos Nunes:

Los libros que más recuerdo son los que robé en México DF, entre los dieciséis y los diecinueve años. […] En México había una librería extraordinaria. Se llamaba Librería de Cristal y estaba en la Alameda. Sus paredes, incluso el techo, eran de vidrio. Vidrio y vigas de hierro. Examinada desde fuera, parecía imposible poder robar un libro allí. Sin embargo, la tentación de hacer la prueba pudo más que la prudencia y al cabo de un tiempo lo intenté. El primer libro que cayó en mis manos fue un pequeño tomo de Pierre Louis… […] Pero fue una novela la que me sacó y me volvió a meter en el infierno. Esta novela es La caída, de Camus […] Después de Camus todo cambió. Recuerdo el ejemplar: era un libro de letras muy grandes, como un primer abecedario, de pocas páginas, de tapas duras, con un dibujo horrendo en la portada, un libro difícil de sustraer y que no supe si ocultar bajo la axila o en la espalda, pues no se amoldaba a mi americana de estudiante cimarrero, y que al final saqué a vista y paciencia de todos los empleados de la Librería de Cristal, que es una de las mejores formas de robar y que había aprendido en un cuento de Edgar Allan Poe.”

P. ¿Ha robado algún libro que luego no le gustó?

R. Nunca. Lo bueno de robar libros (y no cajas fuertes) es que uno puede examinar con detenimiento su contenido antes de perpetrar el delito.

Goodbye Pork Pie Hat, de Charlie Mingus, com letra de e interpretado por Joni Mitchell (e mais)

Dica do Vinicius (sem acento).

Ou aqui. Um show bobinho de 1980 com Jaco Pastorius, Pat Metheny, Michael Brecker… Uf! Logo abaixo, repetida, a lindíssima letra escrita por Joni. E, lá embaixo, como extra, coloco o célebre solo de Pastorius que seguia Pork Pie no show.

Goodbye Pork Pie Hat

When Charlie speaks of Lester
You know someone great has gone
The sweetest swinging music man
Had a Porkie Pig hat on
A bright star
In a dark age
When the bandstands had a thousand ways
Of refusing a black man admission
Black musician
In those days they put him in an
Underdog position
Cellars and chittlins’

When Lester took him a wife
Arm and arm went black and white
And some saw red
And drove them from their hotel bed
Love is never easy
It’s short of the hope we have for happiness
Bright and sweet
Love is never easy street!
Now we are black and white
Embracing out in the lunatic New York night
It’s very unlikely we’ll be driven out of town
Or be hung in a tree
That’s unlikely!

Tonight these crowds
Are happy and loud
Children are up dancing in the streets
In the sticky middle of the night
Summer serenade
Of taxi horns and fun arcades
Where right or wrong
Under neon
Every feeling goes on!
For you and me
The sidewalk is a history book
And a circus
Dangerous clowns
Balancing dreadful and wonderful perceptions
They have been handed
Day by day
Generations on down

We came up from the subway
On the music midnight makes
To Charlie’s bass and Lester’s saxophone
In taxi horns and brakes
Now Charlie’s down in Mexico
With the healers
So the sidewalk leads us with music
To two little dancers
Dancing outside a black bar
There’s a sign up on the awning
It says “Pork Pie Hat Bar”
And there’s black babies dancing…
Tonight!

Ou aqui.

Introdução à leitura de "2666", de Roberto Bolaño

Sim, eu não suportei a angústia. Quando fui a Montevideo, ele estava bem na entrada da Puro Verso. Abri o livro de 1125 páginas, vi que era de leitura confortável, com pontos de parada a cada duas ou três páginas; pensei que um livro daquele tamanho poderia ser mais um problema ortopédico do que literário para o leitor, mas que se repetiria na tradução brasileira. Ademais, para que serve o espanhol que conheço se recuasse ante o original de um escritor que amo? Comprei 2666 e voltei, não sei por quê, direto para o hotel. Abri o livro na primeira página e li a epígrafe:

Um oásis de horror em meio a um deserto de tédio.

CHARLES BAUDELAIRE

Oásis de horror… E, na página seguinte, a importante Nota Explicativa que traduzo a seguir da original:

Nota de los herederos del autor

Ante la posibilidad de una muerte próxima, Roberto dejó instrucciones de que su novela 2666 se publicara dividida en cinco libros que se corresponden con las cinco partes de la novela, especificando el orden y periocidad de las publicaciones (una por año) e incluso el precio a negociar con el editor. Con esta decisión, comunicada días antes de su muerte por el propio Roberto a Jorge Herralde, creía dejar solventado el futuro económico de sus hijos.

Después de su muerte y tras la lectura y estudio de la obra y del material de trabajo dejado por Roberto que lleva a cabo Ignacio Echevarría (amigo al que indicó como persona referente para solicitar consejo sobre sus asuntos literarios), surge otra consideración de orden menos práctico: el respeto al valor literario de la obra que hace que de forma conjunta con Jorge Herralde cambiemos la decisión de Roberto y que 2666 se publique en un solo volumen, tal como él habría hecho de no haberse cumplido la peor de las posibilidades que el proceso de su enfermedad ofrecía.

ou

Nota dos herdeiros do autor

Diante da possibilidade da uma morte próxima, Roberto deixou instruções para que seu romance 2666 fosse publicado em cinco livros correspondentes às cinco partes do romance, especificando a ordem e a periodicidade das publicações (uma por ano) e até mesmo o preço para negociar com o editor. Com esta decisão, enviada dias antes de sua morte pelo próprio Roberto a Jorge Herralde, pensava deixar resolvido o futuro econômico de seus filhos.

Após sua morte e depois da leitura e estudo da obra e do material de trabalho deixado por Roberto, Ignacio Echevarría (o amigo que indicou como seu conselheiro literário) surgiu com outra consideração de ordem menos prática: o respeito ao valor literário da obra, que faz com que, em conjunto com Jorge Herralde, alteremos a decisão de Roberto e que 2666 seja publicado primeiro em um só volume, como o autor teria feito se não tivesse sido cumprida a pior das possibilidades que oferecia seu processo de doença.

(Trad. sem muita revisão feita por mim)

Então, lembrei de que estava em Montevideo e que seria interessante, além de econômico, voltar a comportar-me como um turista e não como um literato inveterado que fica lendo em seu hotel não obstante a viagem. Eu que deixasse a leitura para Porto Alegre. Retornei à 18 de julho e à Puro Verso, sabendo que o tesouro estava guardado no hotel e combinei o almoço com a Claudia no Panini`s da Travessa Bacacay, na Cidade Velha, bem perto da outra Puro Verso, a de seis andares. Neste ínterim, não fiz muita coisa que não fosse fuçar em alguns antiquários em busca do Spica perfeito.

Quando a Claudia chegou, comemos o maravilhoso almoço de sempre do Panini`s, lembro que falamos  no preço das roupas, no estado das meus blusões e, levados pelo Cabernet Sauvignon, em John Kennedy Toole. e sua mamãe. Na verdade, bebemos tanto que foi necessário um pit stop no hotel. onde ele, 2666, estava.

E agora estou lá pela página 140, faltando umas 900 para ler. Meu estado é: maravilhado. É curioso: em minha opinião, estou fazendo uma leitura fundamental para quem queira acompanhar a cena literária contemporânea, mas não há, no Brasil, meu ambiente, grande ressonância a Bolaño. Aliás, não há ressonância a nada que não seja perecível, efêmero. É nosso país. Para nossa sorte, há o Uruguai e a Argentina aqui perto. E há os blogues portugueses. Lá, faltam 9 dias, 14 horas, 39 minutos e vinte e seis segundos para 2666 ser lançado. Há um blog que acompanha o pré-lançamento e toda a reação ao livro. Ele faz uma contagem regressiva atá a data de lançamento, 26 de setembro de 2009. Há comentários por toda a blogosfera lusitana, parece haver autêntica expectativa, debate, existem tentativas talvez exageradas de arranjar-lhe um bom lugar na história da literatura, divulga-se opiniões de gente que leu (por mais amalucadas que sejam) e a cultura parece ser até assunto de conversa nas ruas. Isso em Portugal.

Para viver bem do Brasil, há que se acostumar com nossa estupidez. Quando a Cia. das Letras lançar o livro haverá matérias amadorísticas naqueles mesmos jornais, a Cultura dará desconto para quem fizer a compra antes do lançamento, vão chamá-lo de Livro do Ano, o bom Sérgio Rodrigues vai publicar uma crônica provocativa a seus leitores lançando a dúvida — Bolaño é superestimado ou não? — e será uma pequena confusão de leitores e não-leitores (a maioria) a iniciarem o enterro uma obra que, puxa, deveria ser ao menos debatida. E estamos, por incrível que pareça, na América Latina. E o livro lida com personagens e problemas muito, mas muito mesmo, latino-americanos. E com licença que vou ler mais um pouco.

Desgoverno Yeda pega fogo

O dia cheio da desgovernadora: abriu um blog de grande relevância, apareceram novas gravações, mais do que comprometedoras, e quase virou churrasco para a peonada. Uma bela carne de pescoço.

Vamo queimá uns arquivo, tchê Yeda?

Oigaletê, que deu certo!

Uia que fogo bonito! Chega de queimá arquivo no Paranoá!

Governadora? Lhe saltou alguma fagulha? A senhora tá em chamas?

Saudades de Robert Altman (1925-2006)

Eles vendem sapatos, eu faço luvas. Mas isso não é nada. Apenas estamos em negócios ligeiramente diferentes.

ROBERT ALTMAN, sobre os grandes estúdios de Hollywood

Quando Robert Altman faleceu, em 2006, o mundo ficou mais burro. O mestre, autor mordaz de filmes polifônicos e que se contrapunham às convenções narrativas de Hollywood, deixou-nos acompanhados de seus oitenta filmes, sendo que alguns estão dentre os melhores que vi: Short Cuts (1993), McCabe and Mrs. Miller ou Onde os Homens são Homens (era este o título no Brasil?) (1971), M.A.S.H. (1970), Nashville (1976), O Jogador (1992), Kansas City (1996), O Exército Inútil (1983), Três Mulheres (1977), Quinteto (1978) e Assassinato em Gosford Park (2001). São filmes que ficarão. Há também o maravilhoso Brewster McCloud – Voar é com os pássaros, de 1970, com aquele vertiginoso voo da câmera entre as nuvens. Diretor especialmente querido entre os atores americanos — para quem costumavam trabalhar em seus pequenos papéis recebendo o piso da categoria –, sua ausência está sendo sentida por mim. Não podemos dizer que não foi reconhecido, como pode ser conferido na lista abaixo. Foi um diretor de cinema que eu amava por ter feito da desigualdade entre seus filmes um método — nunca se sabia como seria o próximo –, por ter dado notável importância à linguagem dentro de um esquema tão industrial e por fazer filmes seríssimos e artísticos, ao lado do maior dos deboches.

Talvez seus maiores seguidores sejam o Paul Thomas Anderson de Magnólia e, curiosamente, o Quentin Tarantino de Pulp Fiction, que utiliza narrativas paralelas análogas às que Altman às vezes apresentavam, além dos longos diálogos em livres-associações.

Dia desses, revi o incomum Três Mulheres na Net. Altman faz as três atrizes principais — Shelley Duvall, Sissy Spacek e Janice Rule — renderem como nunca, principalmente Duvall. Apesar do parentesco com Persona: a silenciosa muralista vivida por Janice Rule, o ritmo da narrativa, a absorção da personalidade da personagem de Duvall por parte de Spacek, Três Mulheres é o mais americano e crítico dos filmes. Suas cenas de cowboys e policiais sobre motos, a rejeição do que não é cool, o uso do automóvel com a repetida ironia do vestido, a amostragem de um país cafona e engraçado que impõe comportamentos e posturas infantis ou idiotizadas. Sim, é um filme difícil de descrever. Ao lado de passagens que parecem de sonho, construídas por um Tarkóvski cheio de inspiração, há a mais deslavada comédia, na atuação patética e exata da grande Shelley Duvall. Creio que há ambientes e estados de alma que podem apenas ser criados pelo cinema e Três Mulheres é único em seu clima corrosivo, kitsch e humano, filmado com a maior elegância formal. OK, perdi. Altman me deu uma surra nesta tentativa de descrever seu filme. Mas continuo louco para rever suas principais obras.

Abaixo, então, uma prova do surpreendente reconhecimento que Altman recebeu em vida:

– Ganhou a Palma de Ouro, no Festival de Cannes, por “M*A*S*H*” (1970).

– Ganhou o prêmio de Melhor Diretor, no Festival de Cannes, por “O Jogador” (1992).

– Ganhou o Leão de Ouro, no Festival de Veneza, por “Short Cuts – Cenas da Vida” (1993).

– Ganhou em 1996 um Leão de Ouro especial no Festival de Veneza, em reconhecimento à sua carreira.

– Ganhou o Urso de Ouro, no Festival de Berlim, por “Oeste Selvagem” (1976).

– Ganhou o Prêmio FIPRESCI, no Festival de Berlim, por “Secret Honor” (1984).

– Recebeu 5 indicações ao Oscar, na categoria de Melhor Diretor, por “M*A*S*H*” (1970), Nashville (1975), “O Jogador” (1992), “Short Cuts – Cenas da Vida” (1993) e “Assassinato em Gosford Park” (2001).

– Recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Filme, por “Nashville” (1975).

– Ganhou um Oscar honorário em 2006, em reconhecimento à sua carreira no cinema.

– Recebeu 4 indicações ao Globo de Ouro, na categoria de Melhor Diretor, por “M*A*S*H*” (1970), “Nashville” (1975), “O Jogador” (1992) e “Assassinato em Gosford Park’ (2001). Ganhou por “Assassinato em Gosford Park”.

– Recebeu uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Roteiro, por “Short Cuts – Cenas da Vida” (1993).

– Recebeu uma indicação ao BAFTA de Melhor Filme, por “O Jogador” (1992).

– Recebeu 3 indicações ao BAFTA de Melhor Diretor, por “M*A*S*H*” (1970), “Cerimônia de Casamento” (1978) e “O Jogador” (1992). Ganhou por “O Jogador”.

– Recebeu uma indicação ao BAFTA de Melhor Roteiro, por “Cerimônia de Casamento” (1978).

– Recebeu 4 indicações ao César de Melhor Filme Estrangeiro, por “Nashville” (1975), “Cerimônia de Casamento” (1978), “O Jogador” (1992) e “Short Cuts – Cenas da Vida” (1993).

– Ganhou o prêmio de Melhor Diretor no Independent Spirit Awards, por “Short Cuts – Cenas da Vida” (1993).

– Ganhou 3 vezes o Prêmio Bodil de Melhor Filme Americano, por “Nashville” (1975), “O Jogador” (1992) e “Short Cuts – Cenas da Vida” (1993).

– Ganhou o Prêmio do Público na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, por “Jazz’34” (1996).

Obs.: Fonte consultada para os prêmios de Robert Altman: Adoro Cinema

Fim de semana

O som insuportável da TV; o toque do telefone que nunca ouço por estar longe; a volta do esquema chama-derrota de Tite — deu certo!; os fones a toda altura em meus ouvidos para escapar ao barulho de TV; a cadelinha vira-latas parada na sala, olhando para o nada; o almoço bom com truta e alcaparras com a menina na porta do restaurante entregando a senha — sua cara de desgosto; a terrível chuva que parou; a vitória perfeita do injustiçado Rubens Barrichello; a postagem e a leitura dos comentários ao Porque Hoje é Sábado; as refeições sempre acompanhadas de vinho; o gerente do supermercado perguntando se encontrei tudo o que precisava; o telefone que toca sem parar no vizinho; os Concertos para Piano de Mozart ouvidos um atrás do outro nos fones; o som insuportável da TV chegando até meus ouvidos quando a música fica tranquila — como poderá ser tranquila com a intromissão estúpida da TV? –; a ida à competição de hipismo no meio do barro, meus tênis molhados e a vontade de encontrar umas galochas quaisquer; a vitória da Bárbara, as fotos no podium, sua queda de bunda no barro; a frase do professor dizendo que a Claudia é a responsável por ter mostrado o hipismo a minha filha; a ótima tarde de sábado ouvindo Corelli e lendo o Pamuk que fez bem ao Nobel; o sumiço do meu filho — Pai, domingo, vou almoçar no restaurante húngaro com uns amigos, para facilitar já durmo lá… –; o cheiro de pipoca combinando com a infantilidade da TV; os machucados nas mãos de minha mãe por ter feito a cadeira de rodas andar; a enfermeira dela nos pedindo leite desnatado — Não temos, não temos, só semidesnatado ou natural, Semidesnatado então, por favor –; a pizza boa do sábado à noite; o vinho no fim; a indisposição da Claudia após comer e elogiar o pudim; minha dor de cabeça por ter lido sem óculos — por que repito sempre esta merda? –; o ir dormir com ela (a dor de cabeça) bem cedo; o acordar sem dores com Pamuk e Barrichello; a revisão sobre o que escrevera Vinícius Jatobá acerca do livro, minha concordância; a Bárbara acabando o percurso com cara de sonhadora sobre o cavalo; a beleza das bergamotas compradas por R$ 0,75 o quilo quando vi que tinha apenas R$ 2,00 na carteira (agora tenho R$ 1,25); o ter levado comida do restaurante para o jantar de domingo — uma espécie de truta à belle meunière mais canelones muito bem feitos –; a Roma fazendo dois a um no Siena; o jogador que morreu; o dia cinza, mas já sem chuva; meu filho que estudou sábado pela manhã, sumiu e agora volta apressado porque tem que estudar, ou não; o curativo nas mãos de minha mãe, ela me olha sorrindo, mostrando que nunca compreenderá que tem que tirar as mãos das rodas; algo me incomodando muito, a TV sempre ligada emitindo vozes excessivamente alegres; a impressão de que Brendel comeu uma nota no Concerto Nº 23, Não, não, sim, comeu sim, penso; os cocôs da cachorra no andar de baixo; a reorganização dos 1200 discos de vinil, as decorrentes dores nas costas que incomodam menos que o som da TV; os 3000 CDs fora de ordem, depois os livros, Vou morrer; a chegada de meu filho aos berros pela casa; o almoço de sábado em minha sogra, mais vinho, inevitável com aquela comida…; o café feito por minha concunhada; os erros de Guiñazu entregando o jogo; o MSN apitando; a raiva de meu filho — tapas insistentes nas pernas, Puta merda!; os beijos melados em meu afilhado, que tem a convicção de que sou louco; minha irmã chegando para visitar a mãe; a tosse da Bárbara; a indisposição da Claudia; os ferimentos de minha mãe, agora na cama; minha melancolia; o desejo de conhecer Istambul.

Charles Mingus – Goodbye Pork Pie Hat

Sugestão de meu filho Bernardo, novamente. Aquele Marsalis de três domingos atrás também foi sugestão dele.

Ao vivo no Festival de Jazz de Montreux de 1975: Charles Mingus [baixo] Don Pullen [piano] George Adams [sax] Gerry Mulligan [sax barítono] Benny Bailey [trompete] Danny Richmond [bateria]. Falta o nome de um dos músicos, penso.

Atualização de segunda-feira, 7h42: Não falta mais: é Jack Walrath [trompete]. Obrigado, Vinicius (sem acento).

Ou aqui.

Logo após a morte de Mingus, Joni Mitchell lançou o espetacular disco Mingus, onde punha letras e interpretava “canções” de Charlie Mingus. Aqui está a bela letra que recebeu Goodbye Pork Pie Hat, escrita pelo baixista em homenagem a Lester Young.

Goodbye Pork Pie Hat

When Charlie speaks of Lester
You know someone great has gone
The sweetest swinging music man
Had a Porkie Pig hat on
A bright star
In a dark age
When the bandstands had a thousand ways
Of refusing a black man admission
Black musician
In those days they put him in an
Underdog position
Cellars and chittlins’

When Lester took him a wife
Arm and arm went black and white
And some saw red
And drove them from their hotel bed
Love is never easy
It’s short of the hope we have for happiness
Bright and sweet
Love is never easy street!
Now we are black and white
Embracing out in the lunatic New York night
It’s very unlikely we’ll be driven out of town
Or be hung in a tree
That’s unlikely!

Tonight these crowds
Are happy and loud
Children are up dancing in the streets
In the sticky middle of the night
Summer serenade
Of taxi horns and fun arcades
Where right or wrong
Under neon
Every feeling goes on!
For you and me
The sidewalk is a history book
And a circus
Dangerous clowns
Balancing dreadful and wonderful perceptions
They have been handed
Day by day
Generations on down

We came up from the subway
On the music midnight makes
To Charlie’s bass and Lester’s saxophone
In taxi horns and brakes
Now Charlie’s down in Mexico
With the healers
So the sidewalk leads us with music
To two little dancers
Dancing outside a black bar
There’s a sign up on the awning
It says “Pork Pie Hat Bar”
And there’s black babies dancing…
Tonight!

Porque hoje é sábado, Catherine Zeta-Jones

Tenho certeza de que, quando jovem, …

… jamais Catherine Zeta-Jones imaginaria casar com um ser tão repugnante como este:

Anyway, tudo o que a gente não quer presumir é que ela seja uma débil mental.

OK, ela não chegou ao absurdo de casar com Nicholas Cage, …

… mas sua escolha ficou próxima ao nível mais baixo da evolução humana (Cage).

Ela, que poderia fazer-se acompanhar de qualquer um de nós — todos belos espécimes…

… cheios de inteligência superior –, escolheu logo aquele ser.

Para completar minha incompreensão, acabo de saber que ela aniversaria no mesmo dia de Shostakovich e de minha filha.

A julgar pelos precedentes, é genial!

O País de Gales recebeu seu mais belo rebento em 25 de setembro de 1969, em Swansea.

Ela esteve intoleravelmente linda em Chicago, filme pelo qual ganhou um Oscar. Realizou excelente trabalho.

Fez o bom Traffic, onde teve pequena e inesquecível participação.

Depois, foi a única atração do ridículo O Terminal, ao lado do picolé de chuchu Tom Hanks.

Sempre as más companhias masculinas, Cathy.

Você é lindíssima, você merece muito mais que aquele nojento, querida.

Você merece alguém que esteja lendo 2666 e cuja mulher esteja na Argentina.

É minha opinião.

Espingardas e Música Clássica, de Alexandre Pinheiro Torres

Se todos fossem ateus, o Diabo ficava sem emprego.

ALEXANDRE PINHEIRO TORRES, em Espingardas e Música Clássica

Nenhum de meus amigos conhecem este autor e acredito que a maioria de vocês nem imagina quem seja Alexandre Pinheiro Torres (1923-1999), escritor português nascido em Amarante. Mas deveriam. Romancista, poeta, importante crítico literário e professor universitário na Universidade de Cardiff, Alexandre viveu por curto período no Brasil após ser obrigado a exilar-se. O fato que o levou ao exílio está entre os gestos de que mais se orgulhava: em 1965, nomeado membro do Júri do Grande Prêmio de Ficção, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores, propôs a atribuição do prêmio ao livro Luuanda, de Luandino Vieira, que na época estava preso pela acusação de terrorismo. A atitude levou Salazar a proibi-lo de ensinar em Portugal, o que o levou primeiro ao Brasil e logo após à Cardiff, onde tornou-se catedrático de Literatura Portuguesa e Brasileira. Em 1970, fundou a primeira cadeira independente de Literatura Africana de Língua Portuguesa em universidades inglesas.

Mas esses são detalhes biográficos, vamos ao livro encontrado num balaio da Feira de Livro de Porto Alegre no ano passado ao preço de R$ 2,00. Espingardas e Música Clássica foi escrito em 1962 e só pode ser publicado após a queda de Salazar, pois seria impossível, naquela época, publicar um romance que se passava entre os dias 19 de dezembro de 1961 e 2 de janeiro de 1962. Na primeira data, a União Indiana de Nehru invadiu e ocupou em definitivo, para nenhum espanto do mundo, as possessões da chamada Índia Portuguesa (Goa, Damão e Diu). Em Goa quase não se ouviram tiros; de forma calma, inteligente e talvez pouco patriótica, os militares e marinheiros portugueses que deveriam opor-se à invasão escolheram depor as armas. A ação narrativa do romance se conclui em 2 de Janeiro de 1962, quando do assalto ao quartel de Beja.

Durante este período, a Emissora Nacional portuguesa transmitiu ao longo de todo o tempo música clássica. Sua intenção era suavizar ou esconder a verdade e aí está a explicação do estranho título que, aliás, foi o que me fez comprar o livro. Mas a curiosidade não pára aí.

Este livro altamente político tem sua história baseada no lacrimoso clássico de Camilo Castelo Branco Amor de Perdição. Mas está longe de ser um pastiche, pois a história contada supera em muito a simplicidade do modelo, seja em número de personagens, seja em visão de mundo, seja no interessante trabalho de linguagem, seja na tremenda e densa porção de sarcasmo que apresenta com elegância. A intriga não se constrói ao redor de um “amor de perdição”, mas antes de um amor de salvação ou de libertação, porque Teresa e Simão visam outros interesses. Porém, o fato de sobrepor personagens e situações se por um lado facilita a complexa trama ficcional do romance — o romance de Camilo não precisa ser lido, pois as concidências de nomes e circunstâncias são comentadas ao longo do romance pelos próprios personagens –, por outro avisa o leitor de os tempos são outros e que o final será muito diferente neste Portugal de Salazar.

O romance realiza um contraponto entre o final do período colonial nos anos 50 e 60 e a vida no interior de Portugal no mesmo período, com os agentes da Pide (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) e da GNR (Guarda Nacional Republicana) procurando, prendendo e torturando “agitadores” e “comunistas”. Espingardas em silêncio lá fora, espingardas ativas aqui; o mundo mudando lá, o mundo silenciado aqui; Goa caindo quase sem luta para vergonha e indignação de Salazar, Angola em guerra para desespero e fuga dos jovens portugueses. Tudo isso enquanto os ingleses, por exemplo, já aceitavam a irreversibilidade da História entregando o Quênia.

Um grande livro.

Bibliografia: o próprio Espingardas e alguns sites como este.

Ensino, novamente: o importante é isto aqui

E viva Correa! Só espero que não ensinem religião a partir de agora… (refiro-me a meu post anterior)

Unesco declara Equador zona livre de analfabetismo

A cerimônia de declaração da Unesco ocorre dois anos depois que o presidente Rafael Correa estabeleceu a meta de reduzir o índice de 9,3% de equatorianos analfabetos maiores de 15 anos no país. Somente nas áreas rurais, foram contratados 12 mil alfabetizadores que tiveram a ajuda de 190 mil estudantes secundaristas, cujo trabalho de alfabetização converteu-se em requisito para a obtenção do título de aprovação. Em apenas dois anos, a taxa de analfabetismo foi reduzida de 9,3% para 2,7% da população.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) declarou o Equador como país livre de analfabetismo, após dois anos de esforços para a alfabetização de aproximadamente 420 mil pessoas no país. A cerimônia oficial ocorreu na província de Manta, na costa do Pacífico, a 25 dias do prazo de dois anos fixado no dia 14 de agosto de 2007, quando o presidente Rafael Correa anunciou a meta de reduzir o índice de 9,3% de equatorianos analfabetos maiores de 15 anos. O programa foi implementado dias depois em Monjas, província de Chimborazo (centro do país) e, hoje, comprova-se uma redução de quase sete pontos percentuais, restando apenas 2,7% da população sem saber ler e escrever.

Segundo a Unesco, um país está pronto para solicitar essa declaração em escala internacional quando sua população analfabeta não supera 3,9% do total de habitantes. A diretora de Educação Popular do Ministério de Educação equatoriano, Mery Gavilanes, explicou à imprensa que em províncias como Chimborazo, Cotopaxi, Bolívar e Manabí havia cerca de 19% de pessoas analfabetas quando a campanha começou. Na implementação da mesma, foram criados cinco subprogramas: Manuela Sáenz, dirigido à população mestiça; Dolores Cacuango, para comunidades indígenas e campesinas; Vontade, para presos; Cordão fronteiriço, para habitantes desse setor; e de Capacidades diferentes, para pessoas portadoras de necessidades especiais.

Inicialmente, nas áreas rurais, foram contratados 12 mil alfabetizadores que tiveram a ajuda de 190 mil estudantes secundaristas, cujo trabalho de alfabetização converteu-se em requisito para a obtenção do título de aprovação.

O programa Manuela Sáenz ensinou a população mestiça com material em espanhol. Foram distribuídos 500 mil livros em todo o país. O programa Dolores Cacuango só educou em kichwa, segundo idioma mais falado da família das línguas quéchuas empregadas no Equador, mas está em processo de elaboração de materiais em outros idiomas maternos, para diferentes nacionalidades. Já o Vontade, foi desenvolvido em 34 centros de reabilitação social do país. O Cordão fronteiriço trabalhou nas nove províncias localizadas na fronteira com Peru e Colômbia. No caso das pessoas com deficiência visual, foram adotados materiais como o ábaco e o sistema Braille.

Tradução de Katarina Peixoto
Enviado a mim por Helen Osório

Ensino religioso em estado laico: mais atraso e discriminação para o Brasil

Sob protestos do PSOL e do PPS, o plenário da Câmara aprovou na noite de quarta-feira, 26/08/2009, a ratificação do acordo entre o Brasil e o Vaticano, que prevê a instituição do ensino religioso em escolas públicas, isenções fiscais e imunidade das instituições religiosas perante as leis trabalhistas. Assinado no final do ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Papa Bento XVI, o acordo prevê também a manutenção, com recursos do estado, de bens culturais da igreja católica, como prédios, acervos e bibliotecas.

Criticado por amplos setores da sociedade, como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o texto acabou aprovado em votação simbólica após a costura de uma negociação com a bancada evangélica, muito forte no Congresso, para estender os privilégios às demais religiões. O acordo seguirá agora para apreciação do Senado.

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Segundo Aude Valérie Bumbacher, da Anistia Internacional e da Graduate Institute of International Studies de Genebra, geralmente, em países onde a religião faz parte da vida civil pública, há pouco espaço para o desenvolvimento da educação para os direitos humanos. As crianças não têm escolha em deixar de participar de sermões religiosos e a escola não abre espaço para os direitos humanos. Frequentemente, até mesmo a educação cívica não é ensinada, porque é vista como uma concorrência à educação religiosa.

E vai além: a França, por exemplo, tem uma definição e aplicação desse conceito muito restrita. Símbolos religiosos são proibidos na esfera pública, portanto nem professores nem estudantes podem portá-los, como acontece com o uso do véu por mulheres muçulmanas. Praticar ou exibir esses símbolos é possível apenas na esfera privada ou nas comunidades religiosas específicas.

Organizações internacionais como as Nações Unidas, por meio do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, desenvolveram diferentes programas, treinamentos e materiais voltados especificamente para educadores e professores de direitos humanos. Desde a metade dos anos 1990, educação para os direitos humanos tornou-se uma preocupação no sistema das Nações Unidas como uma tentativa para encontrar a paz e a tolerância no mundo.

Enquanto isso, nosso país, baixando as calças para o Vaticano e os evangélicos, vai entronizando mais atraso e ignorância onde não há bem educação. O que fazer? Em minha opinião, a religião é algo a ser adotado por quem precisa dela, não uma obrigação ou sugestão do Estado. Com a finalidade de obter o apoio do rebanho de imbecis de Edir Macedo, Ratzinger e assemelhados, vamos ter professores formando hordas de carolas? É de perder as esperanças.

Fonte: Jornais e Revista Educação.

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Mais:

Aprovada na semana passada pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o texto tem 20 artigos que criam um estatuto jurídico e legitimam direitos que a igreja católica detém há décadas no Brasil. Entre outros pontos, o acordo regulamenta a forma do ensino religioso nas escolas públicas e prevê que o casamento oficiado pela igreja, caso siga também as exigências do direito civil, tenha valor jurídico.

A ratificação do acordo deve suscitar ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o deputado Regis de Oliveira (PSC-SP). Ele fez um apelo para que o texto fosse retirado de pauta para maior discussão. “Não se pode votar matéria dessa gravidade no escuro”, disse. “Estamos entrando em terreno perigoso porque o Brasil é um estado laico e não podemos interferir nisso”, explicou.

Coube ao deputado Chico Abreu (PR-GO) encaminhar votação contra o acordo. “Embora sejamos um país católico, o ensino religioso não pode ser uma imposição na rede pública”, criticou. Ele considerou também que o texto cria privilégios à igreja católica em relação às demais religiões.

Para o tresloucado deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), todavia, o acordo respeita o ordenamento jurídico brasileiro e em nada fere a Constituição, uma vez que apenas consolida diversas normas já praticadas no Brasil. Ele lembrou que outros estados laicos, como a Itália, aprovaram acordo semelhante com o Vaticano e outras religiões. Além disso, conforme destacou, o Congresso “tem legitimidade para convalidar tratados e acordos internacionais”.

O ponto mais polêmico do acordo com o Vaticano é o parágrafo primeiro do Artigo 11, que institui o ensino religioso facultativo nas escolas públicas de ensino fundamental. “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”, afirma.

Arrã. Se neste momento, se neste minuto de minha vida estou sendo discriminado por ser ateu — futuramente, darei maiores detalhes — imaginem o que farão esses fascistas conosco?

Relatório Franciel

Quando chegamos ao estádio Olímpico — eu, meu filho e o Butragueño de Amaralina –, tomamos uma enorme vaia que encarei com bom humor. Nada demais, apenas palavrões. Quando entramos é que houve o primeiro choque: atendendo a seus arbóreos, finos e calosos torcedores, o Grêmio viria sem Tcheco. Mas aquilo era só o primeiro prato, pois logo veríamos um prato principal que outro não era senão a famigerada linha de quatro jogadores no meio-campo: Souza, Adílson, Rochemback e Douglas Costa. Ou seja, Souza e Douglas Costa estariam a quilômetros de distância. Quando vi aquilo, pensei de imediato neste parágrafo, nas inevitáveis críticas a Autuori, na futura entrada às pressas de Tcheco e no entusiasmo que isto causaria. O único grave problema encontrava-se no fim do túnel de meus pensamentos — lá estava novamente Dante Sasso dizendo inexoravelmente que não curtira o parágrafo.

Era uma experiência nova aquilo de ficar numa arquibancada vazia protegido pela polícia de Yeda Crusius. Chamei um guarda para um papo. Avisei e ele que, apesar de ocuparmos um latifúndio improdutivo e quase silencioso, não éramos do MST. Mostrei-lhes minhas mãos de dândi e eles baixaram as armas. Mas um brigadiano mais arguto desconfiou de meu sotaque, obrigando Franciel a intervir:

— Esse porra faz a porra de dez anos que vive na porra desse estado e perdeu um sotaque da porra que fazia a porra da madeira gemer — disse ele no mais irrepreensível sotaque Elevador Lacerda.

O primeiro policial garantiu, com ar de inteligência:

— Ele parece a Sônia Braga de Dona Flor, deve ser baiano mesmo.

E o segundo lhe cochichou:

— Sim, os cabelos são os mesmos.

E em voz alta:

— Podem ver o jogo.

Em campo, eu torcia para um time que não conhecia direito. Acreditem, é pior. Há anos não ficava nervoso num estádio. Não tenho mais idade para essas angústias, mas o fato de só conhecer Magal, Viáfara, Apodi e Leandro Domingues estava me deixando maluco. Apodi via pela primeira vez em sua vida dois laterais para impedir-lhe a passagem: Douglas Costa e Lúcio. Lúcio olhava para a frente e pensava em como fazer um overlapping educado em Douglas para chegar à linha de fundo. Douglas não sabia se abria espaço para Lúcio passar, se atacava ou se marcava Apodi. O mesmo impasse triângular ocorria do outro lado. Souza pensou que talvez devesse telefonar para Douglas Costa a fim de marcar um encontro. Mandava-lhe recados através de Adílson, que os repassava a Fabio Rochemback. Este estava muito ocupado em desfilar sua elegância algo exagerada e esquecia-se de avisar Douglas.

Enquanto isso, o Vitória marcava, desarmava, tocava a bola com tranquilidade e divertia-se perdendo gols, coisa na qual não víamos graça alguma. O excelente Neto Berola mostrou que não era Luís Fabiano ao tocar por cima do gol em jogada idêntica a que seu modelo converteria horas depois. Roger… Bem… Roger… Melhor não falar. Quase morremos na arquibancada. Não se mira no pobre zagueiro que está dentro do gol quando temos o gol aberto, mas diversão e lazer é um direito previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Cônscio do fato, Réver resolveu colaborar com a brincadeira de perder gols do Vitória, mas Neto, demonstrando que não se deve confiar em baianos, fez o gol. Sacanagem.

No intervalo, recebemos um arbóreo torpedo dando conta de que tínhamos sido observados aos pulos, subindo e descendo as escadarias do Olímpico. A RBS mostrou que sempre MENTE ao relatar a seus ouvintes que havia 14 torcedores do Vitória assistindo à partida. Mentira! Havia 35,71% a mais. Éramos DEZENOVE, caraglio.

No segundo tempo, mais brincadeiras. Aos 21 segundos, Leandro Domingues chutou no poste esquerdo de Marcelo Grohe e, aos 4 minutos, Neto Berola fez o mesmo, tentando mostrar que aquele poste era, em verdade, seu. Então Autuori refletiu sobre as vaias que ouvia e conjeturou sobre como seus arbóreos, finos e calosos torcedores eram volúveis: eles agora babavam pelos lindos peitos de Tcheco. O moço entrou e tivemos finalmente chances de ver o futebol dos azuis. Claro, ele não deveria ter entrado. Mesmo sem ser arrasador, víamos bolas mais inteligentes chegando ao ataque gremista. Aquilo perturbou Magal, que acabou expulso por não cometer uma falta. Apavorado por ficar com menos um volante, Vagner Mancini tirava um atacante por minuto, trocando-os por volantes.

Quando tínhamos vinte e seis volantes rubro-negros em campo, Jonas — o qual deveria ser multado por pensar em chutar de primeira aquele passe de Tcheco impossível de acertar — fez um golaço. É aquela coisa, se antes nos tivessem dito que seria 1 x 1, correríamos pelos campos e colheríamos flores, felizes como a Noviça Rebelde. Só que levar um gol daquele jeito nos deixara a certeza de que estávamos destinados a morar até o fim dos dias com a madrasta da Cinderela.

Franciel passou bem. A hospitalização foi rápida e mesmo que o marca-passo tivesse parado às quatro e trinta e cinco da madrugada por defeito numa pilha paraguaia, teve a sorte de encontrar um doador argentino vitimado por Kaká. Nunca vi ninguém mais nervoso. Ele pergunta o tempo de jogo a cada trinta segundos, mas não usa relógio. Ele quer saber dos outros resultados, mas não usa rádio. Ele quer entabular arbórea conversação, mas não usa celular. Como vingança, levei-o ao Parque da Harmonia e mandei-o contar todas as piadas de gaúcho de seu repertório, também mostrei-lhe a arquitetura dos Supermercados Zaffari, visitamos a Vila Cruzeiro e tomamos banho no Guaíba. Como compensação, deixei-o fazer livremente a opção entre comida vegetariana e Mac Lanche Feliz. Nada de carne vermelha. Amanhã, terá moqueca podre.

Gustav Mahler – Sinfonia Nº 2 "Ressurreição" – 3º Movimento: Scherzo

Antes de assumir a Filarmônica de Berlim, Simon Rattle permaneceu 18 anos regendo a lendária CBSO (City of Birmingham Symphony Orchestra). Abaixo, um argumento de Rattle para assumir Berlim: em dois filmes, o Scherzo da Ressurreição, uma das mais belas músicas há inventadas pelo homem.

(ou aqui) e

ou aqui.