Dois tópicos cinematográficos

AUTO-AJUDA ENTRE SEMIDEUSES E A CAIXINHA BERGMAN. Tenho desmedida admiração por Ingmar Bergman e Johann Sebastian Bach. O que não sabia, até anos atrás, era da admiração que Bergman nutria pelo alemão. Nos livros do diretor sueco, há referências diretas a Bach. Não são observações triviais ou meramente elogiosas, são observações de profundo conhecedor, de alguém que estudou inclusive o complexo simbolismo numérico que perpassa várias obras.

Ele diz ter utilizado a música de Bach nas cenas mais importantes de seus filmes ou, pelo menos, naquelas em que achava que a atenção do espectador pudesse ser dividida com a música. A escolha era quase sempre entre Bach ou o silêncio. No livro “Lanterna Mágica”, Bergman transcreve uma longa conversa que teve com o ator Erland Josephson. Nela, nos revela que, nos momentos de maior desespero, costuma contar para si mesmo uma história vivida por Bach.

Johann Sebastian havia feito uma longa viagem de trabalho e ficara dois meses fora. Ao retornar, soube que sua mulher Maria Barbara e dois de seus filhos haviam falecido. Dias depois, profundamente triste, Bach limitou-se a escrever no alto de uma partitura a frase que serve para consolar Bergman: Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim.

Bergman escreve em A Lanterna Mágica:

Eu também tenho vivido toda a minha vida com isto a que Bach chama “a sua alegria”. Ela tem-me ajudado em muitas crises e depressões, tem-me sido tão fiel quanto meu coração. Às vezes é até excessiva, difícil de dominar, mas nunca se mostrou inimiga ou destrutiva. Bach chamou de alegria ao seu estado de alma, uma alegria-dádiva de Deus. Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim, repito no meu íntimo.

Às vezes eu, o limitado e ateu — tal como Bergman — Milton Ribeiro, repito esta frase. Ela me emociona, me acalma e me faz pensar que minha alegria ainda está ali comigo, tem de estar. É um grito infantil que reconheço facilmente e que ainda não me abandonou.

Deve ter sido um íntimo grito infantil o que bradei quando vi uma caixa com 4 filmes de Bergman à venda na videolocadora. Fiquei louco e arrematei O Sétimo Selo, Morangos Silvestres, A Fonte da Donzela e Gritos e Sussurros. São filmes que conheço quase cena a cena. Só não entendo uma coisa: por que a caixa traz 3 filmes do final da década de 50 e um filme de 71? Por que esta confusão? Ao final dos 50, Bergman fez 5 filmes de enfiada que são a maior seqüência que um cineasta já realizou:

1955: Sorrisos de uma Noite de Verão,
1956: O Sétimo Selo,
1957: Morangos Silvestres,
1958: O Rosto e
1959: A Fonte da Donzela.

Então, por que tirar 2 e substituí-los por Gritos e Sussurros? Gritos está entre os meus 10 mais de todos os tempos, mas qual a razão desta falta de critério? Poderiam ter feito outra caixa com, por exemplo:

Gritos e Sussurros (1971),
O Ovo da Serpente (1976),
Sonata de Outono (1977),
Da Vida das Marionetes (1979),
Fanny e Alexander (1981) e
Infiel (que foi dirigido por Liv Ullmann mas possui texto, cor e pedigree deste grupo de filmes bergmanianos).

E outra com os muito citados e pouco vistos:

Através do Espelho (1961),
O Silêncio (1962),
Persona (1965),
A Hora do Lobo (1966) e
A Paixão de Ana (1968).

Chega de delírios!

INDICAÇÃO DE FILME BOM. Quero elogiar um tremendo filme. Trata-se Reconstrução de um Amor, criativa tradução de Reconstruction, filme dinamarquês de 2003, dirigido por Cristoffer Boe. A sinopse do filme nos leva a pensar em algo já visto: “Homem e mulher se conhecem e tentam se desvencilhar de seus relacionamentos para ficarem juntos.” O inédito do filme são os artifícios utilizados na montagem. Não pretendo estragar o prazer de ninguém, mas prestem atenção à voz do narrador quando ele diz: “Tudo aqui é montagem, mas mesmo assim dói”. Alguns comentaristas compararam o papel do escritor que há no filme (representado pelo ator Krister Henriksson) com alguns personagens de Bergman. Pode ser… É, talvez não tenha sido tão casual o fato de eu ter lembrado tanto do velho Ingmar nos últimos dias…

A dona do Clarín adotou seus dois filhos em maio e julho de 1976, só que…

… a fundadora do movimento Avós da Praça de Maio, Chicha Mariani, suspeita que Marcela Noble, filha de Ernestina Herrera de Noble, dona do grupo Clarín, seja sua neta Clara Anahí, cujos pais foram sequestrados por militares em sua casa, em novembro de 1976. A Câmara Federal de San Martín determinou a realização imediata de exames de DNA.

De acordo com o registro da adoção, de 13 de maio de 1976, a viúva de Roberto Noble compareceu perante a juíza Ofelia Hejt com uma bebê a qual chamou Marcela. Ela disse que a tinha encontrado onze dias antes em uma caixa abandonada na porta de sua casa. Ofereceu como testemunhas um vizinho e o zelador da casa ao lado. Em 2001, o suposto zelador Roberto Antonio García disse ao juiz Roberto Marquevich que nunca trabalhou como zelador em sua vida. Seu trabalho durante quarenta anos, foi como um motorista de Noble e da viúva. García acrescentou que Noble nunca morou na casa que onde foi encontrada a criança, fato confirmado por registros oficiais. Alías, nem o alegado vizinho, ja falecido, morou lá.

A adoção do outro filho, Felipe, também é suspeita. Seus registros de adoção dizem que sua mãe, Carmen Luisa Delta, colocou-o à disposição da mesma juíza Hejt em 7 de julho de 1976. No mesmo dia, sem maiores considerações e sem determinar as circunstâncias do nascimento, a juiza concedeu a adoção. Hoje, sabe-se que Carmen Luisa Delta nunca existiu.

Aqui, o imbroglio completo no Pagina 12. Na Argentina, as coisas são investigadas, as pessoas são punidas. É uma gente curiosa, né?