À morte de um canalha, por Mario Benedetti

À morte de um canalha, por Mario Benedetti

(Em 2006, em “homenagem” à morte de Pinochet, o grandíssimo Mario Benedetti (1920-2009) escreveu o poema que segue em tradução livre encontrada na rede).

À morte de um canalha, por Mario Benedetti

Vamos festejá-lo
venham todos
os inocentes
os lesados
os que gritam à noite
os que sonham de dia
os que sofrem no corpo
os que alojam fantasmas
os que pisam descalços
os que blasfemam e ardem
os pobres congelados
os que amam alguém
os que nunca se esquecem
vamos festejá-lo
venham todos
o crápula morreu
acabou-se a alma negra
o ladrão
o suíno
acabou-se para sempre
hip-hurra´
que venham todos
vamos festejá-lo
e não-dizer
a morte
sempre apaga tudo
a tudo purifica
qualquer dia
a morte
não apaga nada
ficam
sempre as cicatrizes
hip-hurra´
morreu o cretino
vamos festejá-lo
e não-chorar por vício
que chorem seus iguais
e que engulam suas lágrimas
acabou-se o monstro prócer
acabou-se para sempre
vamos festejá-lo
a não-ficarmos tíbios
a não-acreditar que este
é um morto qualquer
vamos festejá-lo
e não-ficarmos frouxos
e não-esquecer que este
é um morto de merda

.oOo.

A la muerte de un canalla

Vamos a festejarlo!
vengan todos!
los inocentes, los damnificados
los que gritan de noche
los que sueñan de día
los que sufren el cuerpo
los que alojan fantasmas
los que pisan descalzos
los que blasfeman y arden
los pobres congelados
los que quieren a alguien
los que nunca se olvidan
vamos a festejarlo!
¡vengan todos!
el crápula se ha muerto!
se acabó el alma negra!
el ladrón
el cochino
se acabó para siempre
hurra!
que vengan todos
¡vamos a festejarlo!
a no decir: la muerte siempre lo borra todo
todo lo purifica cualquier día
la muerte no borra nada!
quedan siempre las cicatrices
hurra!
murió el cretino
vamos a festejarlo!
a no llorar de vicio!
que lloren sus iguales y se traguen sus lágrimas!
se acabó el monstruo prócer!
se acabó para siempre!
vamos a festejarlo!
a no ponernos tibios!
a no creer que éste es un muerto cualquiera
vamos a festerjarlo!
a no volvernos flojos!
a no olvidar que éste
es un muerto de mierda

Por Mario Benedetti
Montevideo, 11 de diciembre 2006.

Mario Benedetti (1920-2009)