A construção e a queda do Muro de Berlim

A construção e a queda do Muro de Berlim

No dia 9 de Novembro de 1989, o Muro de Berlim começava a ser derrubado. Ele existia desde 1961 e tem longa história. Após a Segunda Guerra Mundial, o que restou da Alemanha foi dividido em quatro zonas de ocupação, cada uma controlada por uma das quatro potências aliadas: Estados Unidos, Reino Unido, França e União Soviética.

A divisão da Alemanha no pós-guerra | Imagem: Wikipedia

A capital, Berlim, ficava no interior da zona soviética e foi igualmente dividida em quatro setores.

A divisão da capital, Berlim | Imagem: Wikipedia

Nos dois anos subsequentes, ocorreram desentendimentos entre os soviéticos e as outras potências de ocupação, incluindo a recusa dos primeiros a participarem dos planos de reconstrução de uma Alemanha autossuficiente. Enquanto isso, Joseph Stalin foi construindo um cinturão protetor da União Soviética através de países satélites em sua fronteira ocidental. O Bloco do Leste — também chamado de Pacto de Varsóvia e no Ocidente de Cortina de Ferro — incluía Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, Romênia, Bulgária e Albânia (até meados dos anos 60). Fora do Leste Europeu, Mongólia, Cuba, Vietnã e Coreia do Norte, eram algumas vezes considerados como parte do bloco.

Em 1945, Stalin imaginava — e revelou aos líderes alemães sob seu controle — que enfraqueceria lentamente a posição britânica em sua zona de ocupação, que os Estados Unidos iriam retirar sua ocupação dentro de um ano ou dois e que, em seguida, nada ficaria no caminho de uma Alemanha unificada sob controle soviético.

Nada disso ocorreu e, em 1948, Stalin instituiu o Bloqueio de Berlim, impedindo que alimentos, materiais e suprimentos pudessem chegar a Berlim Ocidental. Os Estados Unidos, Reino Unido, França, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e vários outros países começaram uma imensa “ponte aérea para Berlim”, fornecendo alimentos e outros suprimentos à parte da cidade controlada pelo Ocidente. Em maio de 1949, Stalin acabou com o bloqueio, permitindo a retomada dos embarques por terra do Ocidente para Berlim.

Animação: Mao, Stalin e Ulbricht — líder da RDA –, na festa de 70 anos do segundo.

A República Democrática Alemã (Alemanha Oriental ou RDA), a parte da ex-Alemanha controlada pelos soviéticos,  foi instituída em 7 de outubro de 1949. Sua autonomia era realmente limitada. O Ministério de Negócios Estrangeiros Soviético concedeu autoridade administrativa a Alemanha Oriental, mas os soviéticos participavam de forma clara e inequívoca das estruturas de administração, assim como da polícia militar e secreta. A Alemanha Oriental era muito diferente da Ocidental (República Federal da Alemanha), que se originou nas áreas controladas por norte-americanos, britânicos e franceses e que se desenvolveu como um país capitalista.

O crescimento econômico da Alemanha Ocidental a partir de 1950 fez com que o padrão de vida no país melhorasse continuamente e muitos alemães orientais sonhassem com uma mudança de ares. Aproveitando-se da zona de fronteira entre as duas Alemanhas, o número de cidadãos da RDA que se deslocaram para a Alemanha Ocidental totalizou 197.000 em 1950, 165.000 em 1951, 182.000 em 1952 e 331.000 em 1953. Uma das razões para o aumento acentuado em 1953 foi o receio que a sovietização se intensificasse. E, dentro de Berlim, as pessoas continuavam “fugindo” para o lado ocidental.

Não se falava ainda na construção de um muro que dividisse a cidade, mas no começo de 1961 intensificaram-se os boatos sobre uma grande obra em Berlim Oriental. Dois meses antes da construção, uma jornalista da Alemanha Ocidental fez uma pergunta sobre um muro a Walter Ulbricht, líder da RDA na época: “Eu não sei nada sobre quaisquer planos, sei que os trabalhadores da capital estão ocupados principalmente com a construção de apartamentos e que suas capacidades estão sendo inteiramente utilizadas. Ninguém tem a intenção de construir um muro”.

Falando desta forma, Walter Ulbricht foi o primeiro político a referir-se ao muro. Os serviços secretos faziam seu trabalho e sabia-se  que Ulbricht tinha pedido a Nikita Khrushchev, durante numa conferência dos Estados do Pacto de Varsóvia, permissão para bloquear as fronteiras a Berlim Ocidental, incluindo a interrupção de todas as linhas de transporte público.

Construção do Muro de Berlim em 1961

A construção do muro

No dia 12 de agosto, o Conselho de Ministros da Alemanha Oriental decidiu usar as forças armadas para fechar as fronteiras e instalar gradeamentos. Durante a operação, na madrugada de 13 de agosto de 1961, os militares bloquearam as conexões de trânsito a Berlim Ocidental . Eram apoiados por forças soviéticas. Todas as conexões foram fechadas.

No mesmo dia do início da construção do muro, o chanceler da Alemanha Ocidental, Konrad Adenauer, dirigiu-se à população pelo rádio, pedindo calma e anunciando uma resposta à altura daquilo que chamou de agressão. Adenauer tinha visitado Berlim havia apenas duas semanas. O prefeito de Berlim, Willy Brandt, protestou energicamente contra a construção do muro e a divisão da cidade, mas sem sucesso. No dia 16 de Agosto de 1961 houve uma grande manifestação com 300 mil participantes em frente do Schöneberger Rathaus, em Berlim Ocidental, para protestar contra o muro. Nada foi conseguido.

A reação dos aliados ocidentais foi débil. Só 72 horas depois chegou um protesto oficial a Moscou. Em razão disso, circulavam rumores que a União Soviética havia garantido que a ação não afetaria Berlim ocidental.

A solução não é muito bonita, mas mil vezes melhor do que uma guerra, disse John Kennedy, presidente dos Estados Unidos.

Os alemães orientais param o fluxo de refugiados e desculpam-se com uma cortina de ferro ainda mais densa. Isto não é ilegal, concordou Harold Macmillan, primeiro-ministro britânico.

Contudo, Kennedy mandou forças armadas suplementares e o vice-presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, acompanhou as tropas, protestando contra o chefe de Estado da RDA, Walter Ulbricht. Ele reagiu. Os ânimos ficaram exaltados a ponto de o comandante soviético na RDA pedir moderação a Ulbricht. Eram tempos de Guerra Fria.

O Muro pronto

Havia oito passagens de fronteira entre Berlim Oriental e Ocidental e, para passar, era necessário permissão. Morreu muita gente nos 28 anos da existência do Muro. Não existem números exatos porque a RDA não prestava informações sobre incidentes fronteiriços. A ordem era matar quem forçasse passagem. O repertório de mortes é digno de uma tragicomédia. Havia as “mortes convencionais” a tiros durante a corrida. Mas também houve pessoas baleadas após saírem das janelas de seus apartamentos, localizados ao lado do muro, pendurados em cordas. Houve também quedas em balões de gás de fabricação caseira. Por incrível que pareça, esses incidentes eram utilizados pela RDA em sua propaganda para justificar a construção do Muro de Berlim.

De qualquer forma, entre 1961 e 1989, 75.000 conseguiram sair da Alemanha Oriental. A deserção era um crime punido com até 2 anos de prisão. Os membros das forças armadas eram mais severamente punidos, com pelo menos 5 anos de prisão.

Gorbachev: abertura muito além do planejado

O fim do Bloco Socialista

Submetida desde os anos 60 a um longo período de estagnação política e econômica que se explica, em grande medida, pela necessidade de desviar recursos da produção (de implementos, alimentos, etc.) para a indústria bélica, com a finalidade de fazer frente aos EUA, a União Soviética conheceria um rápido processo de transformação a partir da posse de Gorbachev como novo secretário-geral do Partido Comunista, em 1985.

Relativamente jovem em comparação com seus antecessores, Gorbachev tinha 54 anos de idade quando chegou ao poder. Ele lançaria um amplo programa de reformas, visando à renovação política e econômica do país e do bloco comunista. Uma vertiginosa sucessão de acontecimentos, contudo, levaria as mudanças para muito além do que pretendia o próprio Gorbachev.

Seu programa de liberalização apenas tornou mais visíveis problemas que há muito vinham se acumulando: a ineficiência da economia, engessada por um planejamento excessivamente centralizado; o peso dos crescentes gastos militares; a inflexibilidade de uma burocracia estatal de proporções monstruosas, que procurava controlar e regulamentar cada atividade produtiva. Para Gorbachev, só haveria futuro para o socialismo se tal estrutura fosse inteiramente reformulada.

Foi nesse contexto que ele lançou, em fevereiro de 1986, o programa conhecido como Glasnost (“transparência”), visando a combater a corrupção e a ineficiência administrativa dentro do Estado soviético, como parte de um projeto maior de abertura política. E, pouco depois, veio um segundo programa — a Perestroika (“reestruturação”) — visando aumentar a produtividade da economia do país. Além disso, Gorbachev passaria a reduzir gradualmente a ajuda econômica aos países do Leste Europeu e a retirar de lá várias das tropas soviéticas.

Gorbachev e Reagan: sorrisos pra todo lado

A política externa soviética também passou por transformações significativas. Procurando estabelecer um novo padrão de entendimento com os países capitalistas, Gorbachev reuniu-se com o presidente dos EUA, Ronald Reagan, em cinco ocasiões diferentes. Nunca dois dirigentes dos Estados Unidos e da União Soviética haviam mantido tantos contatos diretos. Já no primeiro desses encontros, em novembro de 1985, ambos anunciariam a disposição de reduzir seus arsenais nucleares pela metade, em acordo a ser formalizado futuramente. Reagan, que seguia vendo a União Soviética como “o império do mal”, recuou do compromisso, mas as propostas de desarmamento de Gorbachev lhe valeram uma popularidade que nenhum outro líder soviético havia antes obtido no mundo ocidental. Em sua visita aos Estados Unidos, em dezembro de 1987, ele foi entusiasticamente recebido pelo público norte-americano. Sua esposa, Raíssa Gorbachova, também era personalidade internacional.

Na ocasião, foi assinado um tratado inédito de eliminação de mísseis Cruise e Pershing II norte-americanos, em troca da eliminação de SS-20 soviéticos: tratava-se do primeiro acordo de desativação de toda uma classe de armas nucleares. Um ano depois, em pronunciamento realizado na ONU, Gorbachev anunciaria a decisão de reduzir os contingentes militares soviéticos em 20% — o equivalente a quinhentos mil homens — até o final de 1991.

As reformas de Gorbachev previam também a realização de eleições livres para o Congresso, em março de 1989. Era a primeira vez que os soviéticos iriam às urnas escolher seus representantes. Mas todo esse esforço, que visava a dar novos rumos ao socialismo, passou a enfrentar problemas inesperados: dentro da onda liberalizante, grupos nacionalistas, étnicos e religiosos, sufocados por décadas, voltaram a se mobilizar, reclamando a independência de regiões como a Letônia, a Lituânia e a Estônia. Também nos países do Leste Europeu ressurgiram movimentos a favor da autonomia nacional.

A unidade da União Soviética e do bloco comunista sempre fora garantida por um rígido esquema de centralização política: nas ocasiões em que movimentos colocaram em xeque tal esquema — como na Hungria, em 1956, ou na Tchecoslováquia, em 1968 — os soldados do Exército Vermelho e do Pacto de Varsóvia haviam sido convocados. Agora, porém, isso não parecia mais possível. Um a um, os países do Leste Europeu foram ganhando cada vez mais autonomia em relação à União Soviética, desmontando a ordem construída por Stalin ao final da Segunda Guerra Mundial.

O Berliner Mauer (Muro de Berlim) passava por aqui

A queda do Muro

Depois de 28 anos de existência, o Muro de Berlim começou a ser derrubado na noite de 9 de Novembro de 1989. Antes da sua queda, houve grandes manifestações. Pedia-se liberdade para ir e vir. Além disto, já estava acontecendo um enorme fluxo de refugiados ao Ocidente nos países satélites.

O impulso decisivo para a queda do muro foi um mal-entendido. Um boato de que o Conselho de Ministros da Alemanha Oriental tinha abolido totalmente as restrições de viagens ao Oeste fizeram milhares de pessoas marcharem aos postos fronteiriços, pedindo sua imediata abertura. Nem as unidades militares, nem as unidades de controle de passaportes haviam sido instruídas.

Era um boato, mas os guardas da fronteira não sabiam o que fazer. A fronteira abriu-se no posto da Rua Bornholmer, às 23h. Mais alemães viram a abertura da fronteira pela televisão e marcharam para lá. Como muitas pessoas já dormiam quando a fronteira se abriu, na manhã do dia 10 de novembro havia grandes multidões querendo passar.

Os cidadãos da RDA foram recebidos com grande euforia em Berlim Ocidental. Muitas boates perto do Muro serviram cerveja gratuita. Pessoas que nunca tinham se visto antes abraçavam-se. Cidadãos de Berlim Ocidental pularam o Muro e foram para o Portão de Brandenburgo, até então inacessível aos ocidentais.

No dia da queda do Muro, em atitude inteiramente inesperada, o violoncelista soviético e estrela internacional Mstislav Rostropovich, saiu sozinho de seu hotel em Berlim com uma cadeira e seu instrumento. Não avisou ninguém de sua intenção de tocar trechos de uma Suíte para Violoncelo Solo de Johann Sebastian Bach bem na frente do Muro. Tornou-se um dos principais símbolos daquele dia.

Rostropovich no Muro de Berlim

No mesmo dia, começou a demolição do Muro.

(*) Com compilações de várias fontes. O trecho sobre a decadência do Bloco Soviético foi adaptada a partir de texto do blog História, do professor Sérgio Cabeça.

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Dia Nacional da Consciência Negra: os cartões-postais dos linchamentos da Ku Klux Klan

Dia Nacional da Consciência Negra: os cartões-postais dos linchamentos da Ku Klux Klan

Retirado daqui.
Tradução livre deste blogueiro

A humanidade pode ser pior do que você imagina, muito pior.

Terrorismo é definido como “o uso de violência e intimidação na busca de objetivos políticos”. A mídia ocidental gosta de pintar terroristas com rostos morenos, mas uma das mais horríveis campanhas de terror aconteceu no século passado em solo norte-americano — os estimados 3.436 linchamentos de homens e mulheres negros americanos entre 1882 e 1950, com o objetivo de controlar e intimidar a população negra pouco antes libertada. Não muitas coisas são mais perturbadoras do que ser confrontado com a evidência visual do lado sombrio da humanidade, especialmente quando são evidências de um ódio generalizado e da violência de um ser humano para com o outro. Este ódio veio do medo e foi impulsionado pela religião e pela crença de que os assassinatos são atos de moralidade. Esta violência visava intimidar e suprimir quaisquer aspirações que uma comunidade possa ter por igualdade e um futuro melhor.

Quando me deparei com a coleção de cartões-postais norte-americanos de James Allen e John Littlefield, publicada em um livro intitulado Without Sanctuary: Lynching Photography in America, notei quão importante é conhecer essas imagens, hoje mais do que nunca. Esses cartões-postais foram feitos para comemorar eventos que fizeram muitos brancos norte-americanos se sentirem orgulhosos — de sua raça, de sua superioridade, de sua civilização e de sua inteligência. Eles tiraram fotos de suas realizações nojentas e covardes para serem conhecidas e lembradas. Nas costas, eles escreveram para amigos e familiares numa empolgação de sociopatas. Esses cartões-postais capturam turbas testemunhando com alegria o assassinato de rapazes e moças, cujo crime mais grave foi a cor da pele. Os cadáveres pendurados e carbonizados nesses cartões-postais viviam em um mundo que contava os dias até seu assassinato, a partir do momento em que colocavam ar em seus pulmões infantis. Essa história é poderosa, de revirar o estômago e de importância essencial. E o mais impressionante sobre essas fotos é que elas não apagam os perpetradores como muitas histórias e memoriais fazem hoje, preferindo focar em quem foi vitimado em vez de naqueles que orgulhosamente — e com o apoio do governo — torturaram, estupraram e assassinaram pessoas. Os assassinos nessas fotos estão orgulhosos, são homens adultos olhando para a câmera com a convicção sorridente de que o adolescente que eles acabaram de matar, um contra cem, merecia seu ódio, medo e frustração. Nenhum grande júri era necessário; a lei estava nas mãos dos assassinos. 

A história não é linear. A história está acontecendo ao nosso redor, o tempo todo. Essas fotos são contexto, são realidade, são fotos do terrorismo norte-americano. Esteja ciente de que essas fotos são repugnantes e muito reais.

O linchamento de Elias Clayton (19 anos), de Elmer Jackson (19) e de Isaac McGhie (20), em 15 de junho de 1920, Duluth, Minnesota.

Por James Allen

Eu tenho um brique, sou um catador, um colecionador. É minha vida e minha vocação. Eu procuro itens que algumas pessoas não querem ou não precisam mais e os vendo para outros que precisam. As crianças são catadoras naturais. Eu fui uma delas. Eu brincava com isso desde quando colecionava abelhas em potes.

Meu pai trazia para casa sacos de lona estufados com nomes de bancos, sacos de moedas de cobre ou meio dólar e nós, crianças, sentávamos em volta dos montes de moedas como se estivéssemos em volta de uma fogueira e gritávamos sons de bingo quando encontramos alguma moeda especial.

As mães não aconselham seus filhos a serem catadores. Nenhum adulto deseja ser chamado disso. No Sul dos EUA, é um termo pejorativo. É coisa de gente muito humilde e ignorante, talvez ladra. Tenho tentado trazer dignidade a meu trabalho, viajando incontáveis ​​estradas em meu estado natal, adquirindo coisas que creio serem úteis e reveladoras — móveis feitos à mão, potes feitos por escravos, colchas remendadas e bengalas esculpidas. Muitas pessoas que me vendem estão sobrecarregadas de bens, ou prontas para irem para o lar dos idosos ansiando pela morte. Alguns são vendedores são relutantes, outros ansiosos. Alguns são amáveis, gentis e acolhedores, outros são mesquinhos, amargos e meio enlouquecidos pela vida e pelo isolamento. Nos EUA tudo está à venda, até uma vergonha nacional. Um dia, deparei-me com um cartão-postal de um linchamento. Os cartões-postais pareciam triviais para mim, eram produtos de segunda mão. Ironicamente, a busca por essas imagens me trouxe um grande senso de propósito e satisfação pessoal.

O linchamento de Thomas Shipp e Abram Smith. Este foi um grande encontro de linchadores acontecido no dia 7 de agosto de 1930, em Marion, Indiana. Inscrito a lápis na moldura: “Bo aponta para seu niga.” Fora da moldura está escrito: “Klan 4º Joplin, Mo. 33.” Achatadas entre o vidro e o papel há cabelos da vítima. ”
Este é o cadáver carbonizado de Jesse Washington suspenso em um poste. O verso diz “Este é o churrasco que fizemos ontem à noite, minha foto está à esquerda com uma cruz sobre seu filho Joe.” 16 de maio de 1916, Robinson, Texas.

O estudo dessas fotos gerou em mim um enorme medo dos brancos, medo da maioria, dos jovens, da religião, dos aceitos. Talvez certo cuidado a respeito dessas coisas já estivesse em mim, mas certamente não tão ativamente como após a primeira visão de um frágil cartão-postal de Leo Frank morto em um carvalho. Não foi o cadáver que me impressionou, foram os rostos delgados como cães de uma matilha, circulando atrás da morte. Centenas de mercados de pulgas depois, um comerciante me puxou de lado e em tom conspiratório me ofereceu um segundo cartão, este de Laura Nelson, presa como uma pipa de papel em um fio elétrico. A visão de Laura criou uma camada de pesar sobre todos os meus medos.

Acredito que os fotógrafos destes cartões foram mais do que espectadores dos linchamentos. A arte fotográfica desempenhou um papel tão significativo no ritual quanto a tortura. A luxúria impulsionou sua reprodução e distribuição comercial, facilitando a repetição infinita da angústia. Mesmo mortas, as vítimas não tinham abrigo.

O linchamento de JL Compton e Joseph Wilson, vigilantes. Ocorreu no dia 30 de abril de 1870, em Helena, Montana. A inscrição impressa no canto superior direito diz: “Hangman’s Tree, Helena Montana”. O verso deste cartão afirma: “Mais de vinte homens foram enforcados nesta árvore durante os primeiros dias.”
O corpo espancado de um homem afro-americano, apoiado em uma cadeira de balanço, roupas respingadas de sangue, tinta branca e escura aplicada no rosto e na cabeça. Na parede, há a sombra de um homem usando uma vara para apoiar a cabeça da vítima. Postal de 1900.

Essas fotos provocam em mim um forte sentimento de negação e um desejo de congelar minhas emoções. Com o tempo, percebo que meu medo do outro é medo de mim mesmo. Então, esses retratos, arrancados de outros álbuns de família, tornam-se os retratos da minha própria família e de mim mesmo. E os rostos dos vivos e os rostos dos mortos se repetem em mim e na minha vida diária. Já vi John Richards em uma estrada remota do condado, balançando-se em passadas de cavalinho de pau, cabeça baixa, olhos no chão. Já encontrei Laura Nelson em uma mulher pequena e robusta que atendeu minha batida na porta de uma varanda dos fundos. Em seus olhos profundos, observei uma multidão silenciosa desfilar em uma ponte de aço brilhante, olhando para baixo. E na Christmas Lane, a apenas alguns quarteirões de nossa casa, Leo, um menino pequeno, com a fralda da camisa para fora e o boné descentrado, vai para as orações do sábado.

A silhueta do cadáver do afro-americano Allen Brooks pendurado no arco em Elk, cercado por espectadores. O linchamento aconteceu em 3 de março de 1910 na cidade de Dallas, Texas. Inscrição impressa na borda, “LYNCHING SCENE, DALLAS, MARCH 3, 1910”. Inscrição a lápis na borda: “Tudo bem e gostaria de receber um postal seu, Bill’. O verso do cartão diz “Bem, John – este é um registro de um grande dia que tivemos em Dallas … Um negro foi enforcado por agressão a uma menina de três anos. Eu vi a agressão.”
Os cadáveres de cinco homens afro-americanos, Nease Gillepsie, John Gillepsie, “Jack” Dillingham, Henry Lee e George Irwin com espectadores.6 de agosto de 1906. Salisbury, Carolina do Norte.
Cartão postal do linchamento de Will James, Cairo, Illinois 1909
Bennie Simmons, ainda vivo, embebido em óleo de carvão antes de ser incendiado. 13 de junho de 1913. Anadarko, Oklahoma.
O linchamento de Leo Frank. 17 de agosto de 1915, Marietta, Geórgia. Sobreposta à imagem: “o fim de Leo Frank, enforcado por uma turba em Marietta. Agosto 17. 1915. ”

Imagens do linchamento de Frank Embree, Fayette, Missouri 1899

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Facebook, 10 anos e mais de 1 bilhão de usuários

Facebook, 10 anos e mais de 1 bilhão de usuários
Atrás apenas do Google e da Amazon, por ora | Foto: Facebook/ Diulgação
Atrás apenas do Google e da Amazon, por ora | Foto: Facebook/ Diulgação

Publicado em 8 de fevereiro de 2014 no Sul21.

O Facebook, um vício irremediável, lançado em 4 de fevereiro de 2004, tem o mesmo número de usuários que a internet toda tinha em 2007. Em âmbito mundial, o Facebook já ultrapassou o número de 1 bilhão de usuários.

Traçando um paralelo simplório — pois desconsidera os perfis de empresas e de outras organizações — , diríamos que 14% da humanidade tem conta no Facebook. Proporcionalmente, o Brasil foi o país que mais deu usuários a Mark Zuckerberg nos últimos anos. O país saltou de 35 milhões de usuários em 2011 para 76 milhões. Mais da metade acessa pelo celular. Todos os dias, 61,4% dos usuários que residem na América Latina conectam-se à rede social. Isso representa uma audiência de 47 milhões de brasileiros, 28 milhões de mexicanos e 14 milhões de argentinos, porcentagem é significativamente mais alta que a média dos outros países.

Atualmente, o Brasil está na terceira colocação em número de usuários, perdendo apenas para os Estados Unidos e a Índia (41,3). Se o Facebook fosse um país, seria o segundo mais populoso do mundo, empatado com a Índia e apenas atrás da China, tendo ultrapassado de longe os Estados Unidos da América com seus 310 milhões de habitantes. Recentemente, o valor da empresa foi avaliado em mais de 100 bilhões de dólares, ficando atrás apenas do Google e da Amazon dentre as empresas da Internet. Mark Zuckerberg, principal proprietário da rede social, tem uma fortuna avaliada em 16,8 bilhões de dólares.

Nesta semana, a empresa lançou um novo e bonitinho produto. Como aos dez anos de idade já dá para ser nostálgico, o Recorde Momentos cria um filme com trilha dramática cheio de fotos animadas do indivíduo desde que este entrou na rede social, também mostra as postagens mais curtidas, os melhores amigos, etc. Foi a forma encontrada pela empresa para que os usuários participassem da festa dos dez anos. Ainda que pareça meio emocionado demais.

Recorde momentos:

Parte do pacote de aniversário

Parte do pacote de aniversário
Para saber das últimas, Facebook! | Fonte: FreePik

As razões do sucesso

Se o Google serve como plataforma de pesquisa, se o Twitter é rápido em suas frases e links e se o YouTube aos vídeos, principalmente os de entretenimento, o Facebook dá um importante retorno emocional a seus seguidores.

Estes veem seus pequenos textos e opiniões aprovadas, veem fotos de amigos sumidos, batem papo um com o outro ou em grupo, formam grupos por interesse, pesquisam sobre os amigos dos amigos (“quem será essa pessoa?”) acompanham se aquela(e) amiga(o) está tendo um “relacionamento sério” com outrem (analisamos quem é e examinamos as fotos, se tivermos permissão), reagem quando um destes status se altera (às vezes com alegria, outras vezes com inveja ou ódio), ficam preocupados com a falta de uma resposta (“será que ele(a) não se conecta ou não deseja responder?”), compartilham imagens e textos entre os amigos (“gostei tanto daquilo que meu amigo escreveu que repassei a todos os meus seguidores”) e bloqueiam seus desafetos (“para que ela(e) não saiba nada de minha vida!”).

Surgem com grande frequência notícias que relacionam o site com fatos que parecem saídos de revistas de fofocas do gênero a-mulher-que-descobriu-que-o-marido-já-era-casado ou pai-descobre-filhos-desaparecidos-há-anos, mas o site — concebido justamente para utilização pessoal — também passou a ser utilizado com finalidades políticas e pelos jornais que buscam interatividade com seus leitores e divulgam suas notícias.

A tela de abertura do Facebook original

Mas antes um pouco de história. O Facebook foi um sucesso instantâneo. Mark Zuckerberg, juntamente com Dustin Moskovitz, Eduardo Saverin e Chris Hughes, fundou o “The Facebook” enquanto frequentava a Universidade de Harvard. Era 4 de fevereiro de 2004 e, até o final do mês, mais da metade dos estudantes da Universidade foi registrada no serviço. Então Zuckerberg partiu para a promoção do site e o Facebook ficou disponível também para a Universidade de Stanford, Columbia e Yale. Esta expansão continuou em abril de 2004 com as universidades de Cornell, Brown, Dartmouth, Pensilvânia e Princeton. Logo foi aberto para fora do ambiente universitário e… Bem, o número de usuários chegou ao primeiro milhão em dezembro de 2004, apenas 10 meses após a fundação.

O serviço é gratuito e a receita é gerada por publicidade, incluindo banners, destaques patrocinados na coluna de notícias e grupos patrocinados. Os usuários criam perfis que contêm fotos e listas de interesses pessoais, trocando mensagens privadas e públicas entre si. As pessoas e empresas que estiverem interessadas em serem vistas na timeline de usuários escolhidos por profissão, interesses, região etc., podem pagar uma módica quantia que Mr. Zuckerberg divulga a eles. A visualização dos perfis detalhados dos membros é restrita a amigos confirmados e para membros de uma mesma rede, conforme as opções de privacidade. Há também opções de jogos. Trata-se de uma receita aparentemente perfeita e que faz com que cada usuário tenha uma média de 200 amigos e permaneça cerca de 750 minutos por mês no site.

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30 anos sem a bela, rebelde e perfeccionista Ingrid Bergman

Publicado em 2 de setembro de 2012 no Sul21

Ingrid Bergman em Notorious (1946).

Ingrid Bergman nasceu e faleceu na data de 29 de agosto, tendo vivido entre os anos de 1915 e 1982. A última quarta-feira foi o dia dos 30 anos de sua morte. Seu rosto de impressionante beleza era o cartão de apresentação de uma mulher de muitos predicados além dos visíveis: talentosa, perfeccionista, inteligente, rebelde. Teve quatro filhos, protagonizou várias peças de teatro, estrelou uma relação de filmes europeus e norte-americanos difíceis de bater em quantidade e qualidade, além de colecionar um bom número de escândalos complicados de serem engolidos pela moral da época. Alfred Hitchcock a admirava tanto quanto costumava criticá-la. “É apenas um filme, Ingrid”, era a resposta que dava à extrema dedicação de Ingrid para encarnar seus personagens. “Ingrid, você está totalmente equivocada”, dizia-lhe quando ela sonhava em fazer filmes imortais e de personagens históricos como Joana d`Arc (bem, ele avisou…): “Se quiseres ser lembrada como grande atriz, faça filmes bons e baratos”, acrescentava a seu favor, um tanto desonestamente.

Com Alfred Hitchcock, em Sob o Signo de Capricórnio

Pois Bergman foi uma explosiva mistura de ambição artística e inconformismo. Foi uma atriz que não descuidou do teatro: levou ao palco, mais de uma vez, peças de Strindberg, Ibsen, Turguenev, Shaw e O`Neil. Para a televisão, atuou em textos de Henry James e Cocteau. No cinema, quando chegou a Hollywood, após o sucesso no cinema sueco, ela empilhou uma virtualmente irrepetível sequência de onze bem sucedidos filmes que fazem parte da história do cinema norte-americano:

Com Humphrey Bogart, em Casablanca

1939 – Intermezzo, uma História de Amor (Intermezzo, a Love Story)
1941 – Os Quatro Filhos de Adão (Adam Had Four Sons)
1941 – O Médico e o Monstro (Dr. Jekyll and Mr. Hyde)
1941 – Fúria No Céu (Rage in Heaven)
1942 – Casablanca (Casablanca)
1943 – Por Quem os Sinos Dobram (For Whom the Bell Tolls)
1944 – À Meia-Luz (Gaslight)
1945 – Os Sinos de Santa Maria (The Bells of St. Mary’s)
1945 – Mulher Exótica (Saratoga Trunk)
1945 – Quando Fala o Coração (Spellbound)
1946 – Interlúdio (Notorious)

Dez grande sucessos, um Oscar por À Meia Luz, duas indicações ao prêmio, por Por Quem os Sinos DobramOs Sinos de Santa Maria e uma mega bilheteria, Casablanca.

Compreensivelmente, era a mais requisitada atriz do cinema norte-americano quando cometeu dois erros. O primeiro, previsto por Hitchcock, foi Joana D`Arc (1948), filmado quando era estrela de Alfred Hitchcock. Ela já fizera três de seus filmes — Quando fala o coração (1945), Interlúdio (1946) e Sob o signo de Capricórnio (1949) — e faria tantos quantos quisesse.

No ano seguinte, 1949, quando filmava com Roberto Rosselini, cometeu outro equívoco, este moral, segundo a opinião da época: o de aparecer grávida do diretor, mesmo sendo casada com o médico sueco Petter Lindström. Como Rosselini também era casado, a união causou enorme polêmica. Ambos abandonaram as respectivas famílias para viverem juntos. A filha do casal Lindström-Bergman, Pia, foi deixada com o pai.

Essa paixão fez com que Ingrid fosse acusada de adúltera e de mau exemplo para as mulheres americanas, o que a levou a ficar anos sem filmar nos Estados Unidos. O escândalo que hoje daria apenas algumas manchetes às revistas de fofocas teve o envolvimento de políticos. O influente senado Edwin Johnson, do Colorado, denunciou o comportamento de Ingrid como “um ataque contra a instituição do casamento” e descreveu-a como uma “poderosa influência do mal”. E Ingrid permaneceu alguns anos na Europa.

Ingrid Bergman em Stromboli

Quando a conheceu, Ingmar Bergman chamou Ingrid de anarquista. Foi dentro deste espírito que ela completou sua obra. Numa atitude de puro desafio, casou-se com Rosselini antes do divórcio com Lindström… O casamento com o italiano só foi declarado ilegal quando eles já não eram mais um casal. Além do casamento com Rosselini, Ingrid teve casos com Gary Cooper, Victor Fleming, Robert Capa, Yul Brynner e Anthony Quinn, o que a tornava um prato cheio para as revistas e mau exemplo de comportamento.

Só que bastava ver Ingrid atuando para imaginar o que ocorreria. Ela seria perdoada e, cinco anos depois, ela retornou aos EUA para fazer Anastácia, receber mais um Oscar e namorar Yul Brunner.

Os depoimentos a seu respeito são unânimes. Uma pessoa de grande inteligência e concentração, que deixava todos de alguma forma sob seu domínio. Diferentemente de outras atrizes contemporâneas suas, trabalhou continuamente e permaneceu bela mesmo depois dos 50 anos. Só decaiu com a doença. Antes de morrer, ela declarou que pensava que sua vida tinha sido muito boa. “Nunca tive medo de fazer o que queria e de me aventurar, sempre mantive um grande senso de humor e bem pouco bom senso. Tive uma vida rica”.

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Ingrid Bergman nasceu em Estocolmo, perdeu a mãe aos 3 anos e o pai aos 13, indo morar com uma tia solteira e depois com seus tios paternos. Aos 17, decidiu tornar-se atriz. Logo obteve uma ponta no filme sueco, Landskamp.  No ano seguinte, inscreveu-se no Teatro Real de Arte Dramática, mas, como sempre teve por objetivo o cinema, acabou não concluindo o curso.

Em 1935, trabalhou como atriz coadjuvante no filme Munkbrogreven.  No ano seguinte, recebeu a primeira oportunidade como protagonista de Intermezzo, também sueco. Após vê-la atuando neste filme, o produtor David O. Selznick mandou à Estocolmo um representante da Metro-Goldwyn-Mayer a fim de adquirir os direitos sobre a história e  contratá-la para um remake em Hollywood. Antes de viajar para a Califórnia, Ingrid cumpriu contratos que a obrigavam a mais cinco filmes suecos.

Em 1937, casou-se com o medico Petter Lindström, de quem teve sua primeira filha, Pia Lindström. Em maio de 1939, chegou aos Estados Unidos para fazer Intermezzo. O filme foi um sucesso, recebeu duas indicações ao Oscar e deu início à espetacular série de filmes americanos de Ingrid. Se sua beleza era indiscutível, logo ela mostraria uma versatilidade que a faria a preferida da maioria dos diretores.

Ingrid com as gêmeas Isotta e Isabella Rossellini

O início da 2ª Guerra Mundial fez com que ela e a família se fixassem nos EUA. Quando voltou à Europa para fazer Stromboli (1950) com o diretor italiano Roberto Rossellini houve o escandaloso adultério e a gravidez que já descrevemos. No mês da estréia do filme, nasceu Roberto. Em junho de 1952, ela deu à luz às gêmeas Isotta e Isabella Rossellini.

Entre 1951 e 1955, Bergman e Rosselini fizeram juntos alguns filmes que não foram bem recebidos por líderes religiosos, principalmente dos EUA. Alguns deles representavam grande novidade para a época, como o maravilhoso Siamo Donne, onde há um epísódio em que Ingrid Bergman tem por papel Ingrid Bergman, uma perfeita italiana a reclamar de uma galinha que destruía suas rosas.

Em 1956, Hollywood a chamou novamente. A volta foi triunfante à Hollywood com o filme Anastácia, a Princesa Esquecida, pelo qual recebeu o Oscar.

A partir de então, passou alternar temporadas na Europa e nos Estados Unidos. Logo após Anastácia, foi a França filmar As Estranhas Coisas de Paris (Elena et les hommes) com Jean Renoir. Voltou aos EUA para Indiscreta (Indiscreet), com Cary Grant, e seguiu em filmes menores até, em 1974, receber seu terceiro Oscar pela atuação em Assassinato no Expresso Oriente.

Em 1978, foi a atriz principal de Sonata de Outono, de Ingmar Bergman, seu melhor filme do ponto de vista artístico. Pouco tempo depois, descobriu os primeiros sintomas de um câncer de mama, sendo submetida a uma mastectomia.

O último papel de Ingrid foi na TV, na minissérie A woman called Golda, onde interpretava a primeira ministra de Israel Golda Meir. Já muito doente, com o câncer se espalhando pelo corpo, Ingrid morreu quatro meses após o fim das filmagens no dia de seu aniversário de 67 anos, após uma festa promovida por amigos.

Em Casablanca, olhando para Bogart

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Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): III – Baía dos Tigres, de Pedro Rosa Mendes

Oh, mas quem é Pedro Rosa Mendes para estar numa lista de melhores livros? Bem, em primeiro lugar, o autor é um esplêndido escritor e jornalista português; em segundo lugar, minha lista não guarda ordem de precedência. Agora que já tomei esta medida profilática de me defender de meus sete leitores amantes dos grandes clássicos, vou tratar de explicar porque este livro é IMPRESSIONANTE.

Este livro é sobre coisas simples: a tranquilidade do medo e a vitalidade da morte. (…) A razão para tal projeto era a mais nobre de todas, ou seja, nenhuma em especial. As duas frases grifadas fazem parte da nota introdutória do livro. A que projeto refere-se Rosa Mendes? Em junho de 1997 ele chegou a Luanda, em Angola, às margens do Atlântico, com a ideia de atravessar a África até chegar a Quelimane, em Moçambique. No caminho, as sangrentíssimas guerras tribais e entre os países da região, minas por todo lado, além da pobreza absoluta, tanto material quanto moral. E fome. Para temperar um pouco mais a coisa, o autor descobre duas coisas em Luanda, uma boa e uma ruim. A boa: sua mulher lhe avisa que está grávida em Portugal, mas que ele terá o tempo necessário para a reportagem, pois seu rebento nascerá apenas dali a seis ou sete meses; a ruim: o prognóstico que recebe de todos com quem fala de seu plano: você não sobreviverá.

A voz do autor é serena e elegante. Não é uma história contada em ritmo frenético, o andamento é o do humanista que deseja ouvir e compreender todos os envolvidos. Estive na palestra de Rosa Mendes na Flip de 2005. Ele estava com Jon Lee Anderson — o americano falava sobre a Guerra do Iraque e o português sobre a Guerra de Angola — e Anderson fez uma pergunta curiosa ao português: Baía dos Tigres recebeu muitos prêmios destinados a livros de ficção, por quê? A resposta foi típica da pessoa modesta que pareceu ser Rosa Mendes. Ele deu muitas voltas até dizer que era em função da linguagem do livro. E, diante da insistência de Anderson, ele acabou deixando escapar: ora, é que acharam que era bem escrito e não devia misturar-se a textos jornalísticos. Anderson respondeu com a gargalhada de quem já sabia antecipadamente a resposta.

Para dar ideia do que é este livro — que reencontrei na semana passada numa estante da Siciliano –, vou resumir algumas das histórias. Como a do encontro com um técnico francês que estava no país para testar o efeito das minas. Umas explodiam assim, outras assado. Umas eram cedidas a um grupo e, puxa, matavam mesmo; então recebi outras e repassei ao lado contrário. Essas eram melhores, as pessoas ficavam efetivamente mutiladas, deixavam os caras bem feridos, davam um trabalhão às equipes. Querem mais? Que tal a história das famílias de angolanos que operam suas vacas a fim de tirar-lhe alguns bifes, depois as costuram com alguns pontos e tratam de recuperá-la, pois não podem sobreviver sem elas? Por falar em mutilações, que tais as que são feitas na genitália feminina das africanas? Mas o melhor do livro é a narrativa dos interesses envolvidos. Portugal, Estados Unidos, Cuba, Brasil (Petrobrás e Odebrecht), mais os de grupos armados como UNITA, MPLA, FNLA, FRELIMO, RENAMO, etc. Sobre tudo isso, a total falta de observadores internacionais.

É. Onde não há dinheiro, as “forças de paz” não aparecem e os direitos humanos não interessam. Não ocorre nem a venda da  “democracia salvadora” e de eleições livres. Um grande livro.

De Luanda (imagem recente retirada de um site angolano) ...
... a Quelimane.

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