Bach, Vivaldi, suas mortes e a ironia das datas

Bach, Vivaldi, suas mortes e a ironia das datas
Vivaldi e Bach

Ingmar Bergman, o cineasta que dedicou parte de sua obra a analisar o silêncio de Deus e a solidão do ser humano, morreu em Fårö no dia 30 de julho de 2007, na mesma data em que morria em Roma Michelangelo Antonioni, o cineasta da incomunicabilidade. Miguel de Cervantes faleceu em Madrid na data de 23 de abril de 1616, mesmo dia da morte de William Shakespeare em Stratford-upon-Avon. O fato de a morte dos dois maiores escritores da Idade Moderna ter ocorrido na mesma data apenas é deslustrado por uma verdade que destrói o mito temporal: Shakespeare faleceu sob a regência do calendário juliano, o que empurra sua morte para dez dias depois. Já Johann Sebastian Bach (1685-1750) não morreu no mesmo ano em que Antonio Vivaldi (1678-1741) faleceu, mas há muitas coincidências que ligam os dois maiores nomes da música barroca — para começar, ambos “escolheram” o 28 de julho como data de morte.

Bach e Vivaldi foram compositores totalmente diferentes. Basta uma audição de alguns segundos para que fique identificado um e outro. Eles criaram suas obras numa época especialmente complicada — são compositores do barroco tardio, ou seja, produziam no momento histórico em que se iniciava o período clássico. Eram, portanto, compositores antiquados em seu tempo. Os filhos compositores de Bach já encaravam o pai como alguém do passado e Frederico II, quando o convidou para visitar sua corte, ouviu-o sem o menor respeito, como quem ouve um animal em extinção, apesar do que dizem algumas lendas desinformadas. Já Vivaldi, il prete rosso, sem público em Veneza, vendeu grande parte de seus manuscritos para pagar uma viagem a Viena, onde Carlos VI o admirava, mas o imperador faleceu dias depois de sua chegada, frustrando os planos do italiano. A consequência é que ambos, Bach e Vivaldi, morreram pobres e fora de moda.

Vivaldi: um talentoso padre que não escondia suas relações com mulheres

Se não havia relações de estilo, havia relações musicais entre ambos, ao menos no sentido de Bach ter sido um admirador do estilo italiano e de conhecer profundamente a obra de Vivaldi. Ele fez mais: transcreveu vários dos concertos de Vivaldi para o cravo e o órgão. Alguns concertos para violino do L’Estro Armonico (1712) e de outros ciclos foram transcritos por Bach e certamente interpretados por ele, seus filhos e alunos. Podemos citar também a quase inevitável religiosidade dos dois compositores numa época em que se ensinava religião por mais da metade do horário escolar. Por muito tempo, Bach foi considerado uma espécie de santo, ao menos até Emil Cioran colocar alguns empecilhos, separando Bach e Deus, com vantagem para aquele: Sem Bach, Deus seria apenas um mero coadjuvante. Sem Bach, a teologia seria desprovida de objetivo, a Criação fictícia, o nada peremptório. Se há alguém que deve tudo a Bach, é seguramente Deus. E Vivaldi? Vivaldi era padre. Il prete rosso, o padre ruivo, ou vermelho.

Apesar de sacerdote, Vivaldi teve muitos casos amorosos, um dos quais com uma de suas ex-alunas do conservatório de Ospedale della Pietà, a depois influente cantora Anna Giraud (ou Girò), com quem mantinha também relações profissionais na área da ópera veneziana. As biografias mais pudicas dizem que Anna foi a moça por quem o grande compositor se apaixonou, a inspiradora de suas óperas e a tormenta de todos os seus dias, até a morte. Ela teria muitas vezes beneficiado Vivaldi em troca de papéis adaptados a suas capacidades vocais. Tais trocas levaram outros compositores, como Benedetto Marcello, a escreverem panfletos contra Vivaldi e Giraud. Já Bach teve dois longos casamentos. O amor por suas esposas pode ser depreendido através de suas cartas e dos vinte filhos resultantes — sete com a prima Maria Bárbara e treze com Anna Magdalena, uma cantora profissional com metade de sua idade. O casamento com Maria Bárbara acabou em razão da inesperada morte da mulher e o com Anna Magdalena ocorreu em 1721. Bach tinha 36 anos; Anna, 18.

Bach: evolução permanente e cegueira

Bach escreveu mais de mil obras. Muitas são curtas, mas há mais de 200 Cantatas com duração aproximada de vinte minutos e Paixões com 3 horas de duração. Sua obra completa foi gravada numa coleção da Teldec: são 153 CDs, mais ou menos 153h ou 6 dias e 8 horas de música, sem repetições. Já Vivaldi escreveu 477 concertos — segundo o hostil Stravinsky, tratava-se de 477 concertos iguais — , mais 46 óperas e 73 sonatas. Em seu caso, ainda há muitas óperas não gravadas — porém, considerando o porte das óperas gravadas, é crível que o tamanho de sua obra seja semelhante ao de Bach.

Vivaldi parecia ter nascido pronto, seu estilo de composição variou pouco durante sua vida. Já a música de Bach, se não teve seu estilo alterado de forma radical, foi ganhando qualidade de forma inacreditável. Grosso modo, suas últimas composições foram as Variações Goldberg, A Oferenda Musical e A Arte da Fuga. Estas são monumentos, verdadeiras catedrais construídas em homenagem ao contraponto e à polifonia. No final de sua vida, Johann Sebastian Bach estava em seu auge, criando, se não suas obras mais perfeitas, aquelas que mais recebem tempo e dedicação dos especialistas.

Bach fora míope durante toda a vida e, durante a composição de A Arte da Fuga, sua visão se apagou. Porém, em fins de março de 1750, ano de sua morte, o famoso cirurgião oftalmológico John Taylor esteve de passagem em Leipzig. Ele foi levado até Bach e o operou. Taylor afirmou que em dois os três dias o paciente voltaria e enxergar. Depois de algumas semanas, como o paciente não apresentasse melhoras, houve uma nova operação, além de sangrias, ventosas e bebidas laxativas para limpá-lo. Apareceu um outro médico que brigou com Taylor. Então foi utilizado sangue de pombo nos olhos do compositor, além de açúcar moído e sal torrado. Dizem que em 18 de julho, dez dias antes de morrer, ele voltou a enxergar, mas no mesmo dia teve febre alta e caiu na inconsciência.

Não era alguém importante para a época. Nem sequer seu túmulo foi indicado. O corpo se perdeu. É um fato tristemente cômico que aquilo que está na catedral de São Tomás, em Leipzig, uma espécie de jazigo construído em sua honra em 1950 — por ocasião do bicentenário de sua morte — não sejam seus restos mortais, mas apenas o testemunho de seu esquecimento. Sua obra começou a ser recuperada por Felix Mendelssohn em meados do século XIX. Mas não é mera casualidade o fato de Mozart e Beethoven terem conhecimento de parte da obra do mestre. Eram estudiosos. Tanto que Beethoven escreveu que seu nome não deveria ser Bach (regato, ribeiro) e sim mar.

Túmulo de Bach na Catedral de St. Thomas, em Leipzig: Bach não está aí

Já Vivaldi foi esquecido por muito mais tempo. Sua ressurreição começou apenas em 1939, quando o compositor italiano Alfredo Casella organizou uma exótica Semana Vivaldi. Depois veio a guerra e só em 1947 foi fundado um tímido Istituto Italiano Antonio Vivaldi com o propósito de promover a música de Vivaldi e publicar novas edições de seus trabalhos. O longo inverno vivaldiano começou logo após sua morte. Quando morreu, era um mendigo em Viena. Teria morrido de “infecção interna”.  Em 28 de julho, ele foi enterrado em um túmulo simples no cemitério do hospital de Viena. Seu corpo, assim como o de Bach, foi perdido. Hoje existe apenas uma placa de homenagem na parede da Universidade de Viena registrando um dos possíveis locais do seu túmulo.

Placa indicando a possível localização do túmulo de Vivaldi, em Viena (Áustria)

Amanhã, quarta-feira, às 12h30, a estreia do Kandinsky Trio, do qual trazemos amostras

Amanhã, quarta-feira, às 12h30, a estreia do Kandinsky Trio, do qual trazemos amostras

Pois amanhã teremos pela primeira vez o Kandinsky Trio tocando publicamente. Será no Foyer do Theatro São Pedro, às 12h30, com entrada franca. Eles ensaiaram sempre lá em casa e minha participação foi imensa. Eu lhes trazia guloseimas da rua, fazia café e servia. Além disso, gravei (mal) os dois trechos dos ensaios que estão abaixo. Só assim eles ensaiavam.

André Carrara (piano), Marjana Rutkowski (viololncelo) e Elena Romanov (violino) | Foto: Milton Ribeiro
André Carrara (piano), Marjana Rutkowski (viololncelo) e Elena Romanov (violino) | Foto: Milton Ribeiro

O recital será curto, coisa entre 40 e 45 minutos, conforme exige o TSP para este horário do meio dia. Pena, porque eles têm um Trio de Haydn também. O trio gostaria que o público pensasse que sua denominação fosse derivada dos estudos com cores e sons realizados pelo mestre da pintura Wassily Kandinsky (1866-1944), mas é mentira. A verdade é que o gato da Elena dormiu uma noite ao lado do violoncelo da Marjana e acabou homenageado. Cuidou bem do instrumento. O gato chama-se Wassily Kandinsky em razão da admiração da Elena pelo pintor e por causa de sua cauda, que lembra um pincel.

O trio é formado pelo pianista mineiro André Carrara, pela “minha” violinista bielorrussa Elena Romanov e pela violoncelista porto-alegrense Marjana Rutkowski e o programa terá:

Trio Elegíaco Nº 1 em sol menor
de Sergei Rachmaninov

Trio Nº 1 em ré menor para violino, violoncelo e piano, Op. 49
de Felix Mendelssohn

1 Molto allegro ed agitato
2 Andante con moto tranquillo
3 Scherzo
4 Finale

Minha preferência vai para a obra-prima de Mendelssohn, mas ouvi tantas vezes a obra da juventude de Rachmaninov — ele escreveu este trio aos 19 anos — que acabei gostando dela, com seu início de relógio estragado e sequência de absoluta paixão. O moço tinha sofrido uma desilusão amorosa e estava mal. Foi saudável ao não se matar e escrever um Trio Elegíaco. Já o Mendelssohn é esplêndido e eu gravei os finais do primeiro e segundo movimentos. Estão nas telas abaixo. São três minutinhos de cada um, mas valem a pena.

A Elena não queria que eu divulgasse porque o som está ruim, metálico, duro. A Marjana quis mostrar e o Carrara também mandou botar na roda, mas foi analítico ao dizer que falta equalização à coisa. Ele explicou que tem pouco violoncelo, um pouco mais de piano e violino OK. Disse que o fato da Elena tocar em pé num teto baixo, cria um anteparo reflexivo… Bem, eu não entendo disso. E ele completou dizendo que, diante dessas condições, a gravação era boa.

O Trio Nº 1 em ré menor para violino, violoncelo e piano, Op. 49, de Felix Mendelssohn foi concluído em 23 de setembro de 1839 e publicado no ano seguinte. É uma das obras de câmara mais populares de Mendelssohn e é reconhecida como uma de suas melhores composições. A princípio, o compositor estava inseguro sobre a qualidade do trabalho e pediu conselhos a outro compositor, Ferdinand Hiller, que sugeriu pequenas alterações na parte de piano. A versão revista foi enviada a Schumann, que declarou ser Mendelssohn “o Mozart do século XIX, o mais iluminador dos músicos.”

O Trio Elegíaco Nº 1 em sol menor, de Sergei Rachmaninov, foi escrito entre os dias 18 e 21 de janeiro de 1892 em Moscou, quando o compositor tinha 19 anos. O trabalho foi estreado em 30 de janeiro do mesmo ano, mas a primeira edição Veio à luz apenas em 1947. O Trio Elegíaco não tem número de opus designado e foi concebido em apenas um movimento, em contraste com a maioria dos trios de piano, que têm três ou quatro. Rachmaninov escreveu um segundo Trio Elegíaco em 1893, logo após a morte de Tchaikovsky.

Menahem Pressler, o pianista do Beaux Arts Trio, dá uma genuína masterclass

Menahem Pressler, o pianista do Beaux Arts Trio, dá uma genuína masterclass

Menahem PresslerEu penso que esta masterclass comandada pelo pianista Menahem Pressler, que tocou por 55 anos no mais bem sucedido trio de piano de todos os tempos do mundo, deve ser vista por todos os que se interessam por arte. Ele comprova na prática como tudo são detalhes. Uma pequena mudança no ângulo de abordagem e as partituras se iluminam. O senso de estilo, tão ausente em nossas pobres plagas e tão necessário em todo gênero artístico, aqui ganha o centro do palco.

Primeiramente, cada grupo toda sua versão de um movimento de um trio de Mendelssohn — o último toca Mozart — e depois Pressler vai ajeitando as coisas. A transformação é notável. Acho que este filme é uma oportunidade única de vemos um gênio trabalhando e o resultado de seus intervenções. Sim, são duas horas, mas façam como eu, assistam em três sessões! É uma esplêndida aula, meus amigos! O baixinho não apenas é um intérprete notável como um professor apaixonado.

Uma sabedoria dessas é indispensável.

(Particularmente, adorei quando ele tocou Mozart como uma caixinha de música e disse “This is not music”. E recomeçou a trabalhar.)

Ospa em concerto curto, leve e certeiro

Foto: Pedro Belo Garcia

Cheguei às 19h55 no Salão Negrinho do Pastoreio do Palácio Piratini e ele já estava lotado. Isto é, 35 minutos antes do concerto a sala já estava totalmente lotada. Assisti em pé a um concerto nada pretensioso, nada vulgar e bom, muito bom.

A primeira peça foi a que menos gostei: a Abertura da ópera L’italiana in Algeri, de Gioacchino Rossini. Uma peça bem humorada, simpática e não muito mais do que isso, mas que cumpriu seu papel de abertura para a curiosa obra de Ottorino Respighi, Gli uccelli (em italiano, As Aves, jamais Os Pássaros; afinal, galinhas não são pássaros), que tem um Prelúdio conhecidíssimo dos ouvintes da Rádio da Universidade por ser cortina de um de seus programas. Depois, tivemos a Sinfonia nº 4, em Lá Maior, Op. 90, Italiana, de Felix Mendelssohn.

O destaque do programa foi evidentemente a excelente Sinfonia Italiana, uma daquelas peças que não tem nenhum movimento que não seja melodioso, fluido e agradável. Sob a compreensiva regência de Manfredo Schmiedt, todo o espírito de vivacidade e gentileza da sinfonia esteve presente no Palácio Piratini, mesmo que a acústica da sala tenha prejudicado a quem, como eu, estava encostado na janela externa da sala. Eu simplesmente não ouvia os contrabaixos e violoncelos. Com minhas parcas noções de acústica, diria que aquela porta aberta bem na frente dos baixos, na diagonal da orquestra, era o sumidouro daquilo que eu adoraria ouvir.

Destaque para as madeiras e metais, absolutamente impecáveis e eufônicos no terceiro movimento (Con moto moderato) e para o Saltarello final da Italiana, que me deu vontade de dançar pela sala. Mas tinha muita gente… E, alíás, estava muito quente lá dentro, parecia Manaus. Não sei que seria de nós se estivéssemos num março canicular, sem a camaradagem deste de 2013.

Ospa: o melhor concerto de 2012? Acho que sim

O maestro Pedro Calderón: volte sempre, viu?

Bom repertório, bom maestro, bom solista e uma orquestra inspirada fizeram ontem à noite um dos melhores concertos de 2012, talvez o melhor de todos. Foi o conserto do concerto, se me entendem. Chovia muito e a Assembleia Legislativa ficou com pouco mais da metade de suas dependências ocupadas, apesar do ingresso gratuito.

A primeira obra foi o famoso Concerto para Violino, Op. 64, de Felix Mendelssohn. É uma obra em três movimentos interligados que recebeu eficiente interpretação do solista nipo-germânico Koh Gabriel Kameda, sobre o qual tínhamos especial curiosidade. Afinal, o cara toca num Stradivarius de 1727. Kameda é um excelente violinista, as notas estão todas lá, mas acho que ele pecou na interpretação um pouco dura demais. Aquilo prejudica até o som privilegiado de seu violino. Meu entusiasmo por ele é limitado, mas tenho que dizer que o aplaudi muito. É que a memória do concerto de Mendelssohn ficou prejudicada pelo que veio depois e que foi muito, mas muito maior.

Ah, Kameda e a Ospa deram um bis com Oblivion de Astor Piazzolla. Engraçado, aqui Kameda perdeu a contenção, fazendo exatamente o que dele se esperava no Concerto. Enfim, coisas.

Tenho uma relação especial com a Sinfonia Nº 9 de Franz Schubert, apresentada após o intervalo. No dia 10 de dezembro de 1993, encontrei meu pai à noite num supermercado. Como sempre fazia com ele – e ele comigo – vim sorrateiramente por trás e fingi dar-lhe um encontrão. Depois, conversamos umas bobagens e nos despedimos. No dia seguinte, às 6h, ele estava estirado no banheiro de casa, morto, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Meio perdido, andei pela sala e resolvi abrir o CD Player para ver o que estava ali dentro. A última música que ele tinha ouvido fora a Sinfonia Nº 9, A Grande, de Schubert, com Claudio Abbado e a Chamber Orchestra of Europe. Nos dias posteriores, ouvi loucamente aquela música belíssima. Conheço-a em detalhes, claro. Qualquer psicólogo de farmácia dirá que eu tentei trazê-lo de volta através da Sinfonia, mas que ela não era tão grande assim. Mas, enfim, o concerto…

Ou o regente Pedro Calderón deu total liberdade ou foi muito bem compreendido pelos músicos. Isto era visível pela felicidade de todos. As cordas estiveram perfeitas numa obra longa em que elas trabalham o tempo inteiro.

O primeiro movimento inicia com um solo de trompa que foi executado na medida por Israel Oliveira. Todo o Andante – Allegro ma non Troppo recebeu a seriedade que merece, mas Calderón parecia ter a clara intenção de nos mostrar que seu Schubert era o dos lieder, o das canções. O segundo movimento (Andante con Moto)tem importante participação das madeiras e das flautas – destaques sempre e sempre para Viktória Tatour e Klaus Volkmann – e foi talvez o grande momento da noite. Há ali um tema puxado pelos segundos violinos que depois é “cantado” por toda a orquestra. Sim, ele foi “cantado” por todos os instrumentos como poucas vezes ouvi. Era pura felicidade dentro de uma melodia que nos remete novamente às canções schubertianas. Quem esteve lá ouviu. No Allegro Vivace que fecha a nona com algumas curtas referências a sua irmã de Beethoven, o entusiasmo de todos era tamanho que a batuta de Calderón acabou saltando de sua mão, voando sobre a cabeça dos spallas Omar Aguirre e Emerson Kretschmer, caindo atrás deles. Calderón seguiu o baile. Este Calderón – um argentino que deve ser octogenário — podia vir mais vezes, não? Ninguém vai se incomodar.

Foi maravilhoso. Gosto de observar a plateia na saída de shows, filmes e concertos. Ela saiu nas nuvens, vinda de um mundo absolutamente feliz. Estavam sem medo da chuva, também. Notei uma mulher que saiu à rua com total naturalidade e uma sombrinha na mão. Achei graça. Como prestar atenção a um mero guarda-chuva depois daquilo?

Programa

Felix Mendelssohn: Concerto para Violino, Op. 64
Bis: Astor Piazzolla: Oblivion
Franz Schubert: Sinfonia nº 9

Solista: Koh Gabriel Kameda
Regência: Pedro Calderón

Mistureca dominical: Schubert, Brendel, Vivaldi, Bartoli, Bach, Koopman

Hoje, só gente legal e simpática.

Primeiro, o Impromptu Nº 3 de Schubert, uma das peças mais famosas do homem para qual a vida valia a pena por causa do vinho, das mulheres e da música, nesta ordem. Alfred Brendel, imenso e querido pianista recém aposentado, é o intérprete.

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Aqui, Cecilia Bartoli, que, segundo ela, já nasceu cacarejando, dá um show junto com Il Giardino Armonico de Giovanni Antonini na ária Anch’il mar par che sommerga da ópera Bazajet (1735), de Antonio Vivaldi.

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Como eu disse, hoje é o dia de gente simpática, daquele tipo que dá entrevistas fantásticas para nossa diversão. E eu não poderia deixar de fechar o post senão com o esquisitão e brilhante Ton Koopman, de quem ouvi anteontem a melhor gravação da Sinfonia “A Reforma” de Mendelssohn que se possa imaginar — gravação pirata, roubada de um concerto dado no auditório da Rádio Estatal da Finlândia (Helsinque) e capturada pela Grande Rede. A música é célebre Ária na Corda Sol, segundo movimento da Suíte Nº 3 de J. S. Bach.

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E um bom domingo a todos!

P.S. — Quando Alfred Brendel encerrou sua carreira, eu não publiquei nenhuma notinha aqui no blog. Lamentável. Então, como um pedido de desculpas que ele nunca verá nem entenderia, publico duas de fotos que gosto muito. A primeira, com sua gata, Minnie.

Só Brendel me faria publicar uma foto de gato neste blog cachorreiro e hostil a tais bichanos. E a próxima foto é emocionante. É o pianista no túmulo de Schubert, ou seja, o compositor e seu maior intérprete.