O Paul McCartney que esteve no Beira-Rio em outubro do ano passado

O Paul McCartney que esteve no Beira-Rio em outubro do ano passado

Duas semanas após a vinda do The Who, Porto Alegre recebeu outra lenda do rock britânico. Paul McCartney carrega em si a aura de ser o mais importante dos dois sobreviventes do grupo mais que mais influenciou a música popular no século XX, os Beatles. Ao final desta matéria, colocamos a lista de canções que foram tocadas no show. É uma impressionante lista de 39 joias — 2 horas e meia! — e, quando a lemos, lembramos de uma montanha de outras que ficaram de fora. É que McCartney compôs tanto, principalmente entre os anos 60 e 80, que poderia montar vários shows de 39 canções. Foi algo efetivamente  grandioso, pois, assim como não economiza no tamanho dos shows, McCartney faz sempre questão de ser acompanhado por um super time de músicos.

O espetáculo, chamado One on One Tour, começou em abril de 2016 – em maio do ano passado, por exemplo, ele passou sobre as cabeças dos brasileiros para fazer dois shows na Argentina. Desta forma, McCartney e chegaram em plena forma para tocar em Porto Alegre. Afinal, de 5 de julho e 2 de outubro, a trupe fez várias apresentações nos EUA onde interpretou o que se espera deles: clássicos dos Beatles, canções da carreira solo de Paul e também as melhores do Wings. Além do óbvio, tivemos In Spite of All Danger, escrita em 1958, quando ele, John Lennon e George Harrison integravam o grupo The Quarrymen.

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Sir James Paul McCartney nasceu em Liverpool no dia 18 de junho de 1942. Portanto, é um senhor de 76 anos. Cantor, compositor, multi-instrumentista (principalmente baixista), produtor musical, produtor cinematográfico e ativista dos direitos dos animais, formou com John Lennon uma das mais importantes e bem sucedidas parcerias musicais de todos os tempos. Porém, na verdade, eles escreviam as canções individualmente e depois as mostravam um para o outro, o qual propunha ou não alterações. Após o processo, sempre assinavam juntos. É simples reconhecer a autoria original: nos Beatles, Paul era o cantor principal de suas músicas e John das dele. Este esquema nunca foi alterado. Então, por exemplo, como Lennon é a principal voz de Strawberry Fields Forever, a canção é dele, já Eleanor Rigby é de McCartney e assim por diante. Mas há uma exceção: A Day in the Life é uma parceria real.

Após a dissolução dos Beatles em 1970, Paul lançou-se numa carreira solo de sucesso. Fez dois discos solo, depois formou uma banda com sua primeira mulher, Linda McCartney, os Wings, e voltou à carreira solo. Também trabalhou com música clássica, eletrônica e trilhas sonoras.

Em 1979, o Livro Guinness dos Recordes firmou-o como o compositor musical de maior sucesso da história da música mundial de todos os tempos. McCartney teve 29 composições de sua autoria no primeiro lugar das paradas de sucesso dos EUA, vinte das quais junto com os Beatles e o restante em sua carreira solo ou com o Wings.

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Os Beatles tinham três compositores. A coincidência de John Lennon, Paul McCartney e George Harrison terem nascido quase ao mesmo tempo em Liverpool e se tornado amigos na adolescência é notável e, penso, irrepetível. É como se – guardadas as proporções para maior ou menor – Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento tivessem nascido na mesma cidade, se tornado amigos e trabalhassem juntos desde a juventude, produzindo e competindo dentro de um grupo. E, se acrescentarmos a isto a presença do produtor, arranjador e pianista George Martin desde as primeiras gravações, chegaremos à conclusão de que os caras tiveram muita sorte mesmo. Todo o  resultado está minuciosamente documentado – em som e imagens – podendo ser revivido nesta sexta-feira por este senhor de 76 anos.

Do trio de compositores dos Beatles, Paul era o mais acessível e melodioso; John, o contestador; e George Harrison, o mais “instrumentista” dos três. Em cada disco dos Beatles havia de cinco a seis canções de McCartney, o mesmo número para Lennon e uma ou duas de Harrison.

Ver o documentário Beatles Anthology, datado de meados dos anos 90, é ter contato com uma enorme e incontrolável explosão de juventude, alegria e criatividade. Afeta qualquer um. O imenso livro The Beatles (da Revista Rolling Stone) tem uma apaixonada introdução de Leonard Bernstein (1918-1990). Bernstein é uma figura única, pois além de ter sido um respeitadíssimo regente de orquestra, foi pianista e um consistente compositor de música erudita. Como se não bastasse, escreveu musicais para a Broadway, sendo de sua autoria talvez o melhor deles, West Side Story, que recebeu no Brasil a impecável tradução de Amor, Sublime Amor. O texto que ele escreve é o de um fã e demonstra algumas preferências curiosas. Diz que, em sua opinião, a melhor música do disco Revolver é She said, she said (Lennon). Elogia também Eleanor Rigby (McCartney), Norwergian wood (Lennon), Paperback writer (Lennon), She´s leaving home (McCartney), For no one (McCartney), In my life (Lennon) I Will Follow the Sun (McCartney), Helter skelter (McCartney), Strawberry fields forever (Lennon), The fool on the hill (McCartney), etc. São tantas que poderíamos voltar ao tema das 39 canções do qual já falamos.

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Aos 15 anos, em 1957, McCartney conheceu John Lennon ao assistir ao show de uma banda chamada Quarrymen em Woolton (subúrbio de Liverpool) da qual Lennon era guitarrista. Esta seria a banda que daria origem aos Beatles. A entrada de Paul para a turma se deu após Lennon vê-lo tocando a canção Twenty Flight Rock de Eddie Cochran. Um ano depois, McCartney convenceu Lennon a aceitar George Harrison na banda.

Os Quarrymen mudaram de nome várias vezes até se decidirem por The Beatles. Em 1960, a banda foi pela primeira vez tocar em Hamburgo. Tocavam diariamente por horas e horas em bares. Jim McCartney relutou bastante em deixar seu filho ainda adolescente viajar para a Hamburgo. Em 1961, os Beatles fizeram seus primeiros e célebres shows no Cavern Club.

Após Paul McCartney notar que outras bandas de Liverpool tocavam as mesmos covers que eles, ele e John se intensificaram a criação de canções próprias. 61 foi ainda o ano que eles conheceram Brian Epstein, o empresário que lhes conseguiu um contrato com a EMI Parlophone. Com a assinatura do contrato, Pete, o baterista, foi dispensado e em seu lugar entrou Ringo Starr. Estava formado o Fab Four.

Nos Beatles, McCartney era o que mais escrevia canções românticas. São de sua autoria Yesterday, And I Love Her, Michelle e Here There and Everywhere e muitas mais. A canção Yesterday é a mais regravada por outros artistas em todos os tempos. Embora Paul sempre fosse “acusado” de só escrever baladas, ele também escreveu várias canções com um estilo mais pesado como Back In The USSRHelter Skelter.

Depois que Brian Epstein morreu, em 1967, McCartney e Lennon disputaram asperamente a escolha de um novo empresário para a banda. A morte de Epstein foi o início do fim. Em 1969, McCartney tentou convencer os outros beatles de voltarem a fazer apresentações ao vivo — tinham deixados de fazê-las em 1965 — , intenção que foi negada pelo restante do grupo. Neste mesmo ano, por sua sugestão, os Beatles gravaram o documentário Let It Be pensando que isto os reaproximaria, o que não aconteceu. Em dia 10 de abril de 1970 Paul McCartney anunciou publicamente o fim dos Beatles em entrevista coletiva e lançou de seu primeiro álbum solo, McCartney, onde toca todos os instrumentos. Embora eles já não quisessem mais continuar juntos, a entrevista antecipada e de surpresa gerou mágoas a ponto de ser acusado de traidor por John, George e Ringo.

O lançamento de Let It Be quase um mês depois da declaração oficial do fim dos Beatles deixou Paul insatisfeito. A produção do álbum foi entregue a Phil Spector. Paul ficou irritado com o tratamento que Phil deu a suas canções, principalmente a The Long and Winding Road, vítima de um horrendo arranjo orquestral.

As feridas demoraram a cicatrizar. Lennon negava-se a falar sobre o disco McCartney.

Em 1971, Paul lançou o compacto Another Day, que alcançou enorme sucesso. Ainda no mesmo ano, lançou outro álbum, Ram, onde alfinetava John Lennon na canção Too Many People. John Lennon responderia no álbum Imagine com How Do You Sleep? “The only thing you could make was Yesterday”. O álbum Ram é geralmente considerado como um dos melhores de sua carreira solo, e a canção Uncle Albert/Admiral Halsey foi o maior sucesso comercial do álbum.

Após alguns encontros amistosos, na noite de 9 de dezembro de 1980, McCartney acordou com as notícias do assassinato de John Lennon.

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Depois do disco solo Ram, ainda em 1971, Paul voltaria para formar uma nova banda, os Wings. O primeiro trabalho veio em 1972, Wild Life, também excelente. Em Tomorrow no álbum Wild Life, Paul responde à ironia de Lennon em How do You Sleep? Após Red Rose Speedway, que trazia o mega sucesso My Love, Paul fez a trilha sonora de 007 — Viva e deixe morrer com Live and let die.

O álbum seguinte foi o álbum de maior sucesso da banda, Band on the Run (1974),eleito o disco do ano, apresentando Jet e a faixa-título. Depois houve ainda os excelentes Tug of WarPipes of Peace.  Estes e seus discos seguintes sempre trouxeram uma ou duas canções que se tornariam clássicos.

Em 1991, Paul lança seu primeiro álbum de música clássica, Liverpool Oratorio. Dividindo opiniões de críticos e público, o álbum foi bem recebido comercialmente, mas considerado irregular por parte dos críticos de música clássica. Mesmo assim, o álbum comprovava novamente sua alta qualidade como compositor.

Dentre outros lançamentos, em 1999,  lançou o álbum Run Devil Run, com releituras de clássicos do rock com participações de músicos como David Gilmour (ex-Pink Floyd), Ian Paice (Deep Purple) e Mick Green. É um trabalho sensacional que foi gravado em apenas um dia.

Em maio de 2003, Paul McCartney fez um show no Coliseu de Roma, se tornando o primeiro artista a se apresentar no famoso anfiteatro italiano, e pela primeira vez se apresentou em Moscou, tocando para 100 mil espectadores na Praça Vermelha. Em 2009, segundo a empresa de eventos Concerts West, McCartney tornou-se o recordista mundial em “rapidez de venda de ingressos para um show musical”, ao ter esgotados em apenas sete segundos todos os bilhetes postos à venda para um show em Las Vegas, Estados Unidos. Ele também cantou na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Londres 2012. Cobrou uma (1) libra esterlina de cachê.

Em janeiro de 2015, McCartney colaborou com Kanye West e Rihanna no single FourFiveSeconds. Eles lançaram um clipe para a música no mesmo mês e tocaram ao vivo no Grammy Awards de 2015 em fevereiro.

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Finalizando, listamos abaixo a setlist de canções que Paul McCartney cantou em Porto Alegre. O show do Beira-Rio não deve ser muito diferente.

1. A Hard Day’s Night (The Beatles)
2. Save Us (da carreira solo)
3. Can’t Buy Me Love (The Beatles)
4. Letting Go (Wings)
5. Drive My Car (The Beatles)
6. Let Me Roll It (Wings) (With ‘Foxy Lady’ Snippet)
7. I’ve Got a Feeling (The Beatles)
8. My Valentine (da carreira solo)
9. Nineteen Hundred and Eighty-Five (Wings)
10. Maybe I’m Amazed (da carreira solo)
11. I’ve Just Seen a Face (The Beatles)
12. In Spite of All the Danger (The Quarrymen)
13. You Won’t See Me (The Beatles)
14. Love Me Do (The Beatles)
15. And I Love Her (The Beatles)
16. Blackbird (The Beatles)
17. Here Today (da carreira solo)
18. Queenie Eye (da carreira solo)
19. New (da carreira solo)
20. Lady Madonna (The Beatles)
21. FourFiveSeconds (Rihanna and Kanye West and Paul McCartney cover)
22. Eleanor Rigby (The Beatles)
23. I Wanna Be Your Man (The Beatles)
24. Being for the Benefit of Mr. Kite! (The Beatles)
25. Something (The Beatles)
26. A Day in the Life (The Beatles) (With ‘Give Peace a Chance’ Snippet)
27. Ob-La-Di, Ob-La-Da (The Beatles)
28. Band on the Run (Wings)
29. Back in the U.S.S.R. (The Beatles)
30. Let It Be (The Beatles)
31. Live and Let Die (Wings)
32. Hey Jude (The Beatles)

bis:
33. Yesterday (The Beatles)
34. Day Tripper (The Beatles)
35. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise) (The Beatles)
36. Helter Skelter (The Beatles)
37. Golden Slumbers (The Beatles)
38. Carry That Weight (The Beatles)
39. The End (The Beatles)

Hoje, uma importantíssima data na história recente da música: Revolver completa 50 anos

Hoje, uma importantíssima data na história recente da música: Revolver completa 50 anos
A capa de Revolver
A capa de Revolver

É uma escolha que pode variar. Meus discos preferidos dos Beatles são Rubber Soul, O Álbum Branco e Abbey Road, mas Revolver é, sem dúvida, o mais importante do ponto de vista da história do rock. Eu tinha 9 anos e lembro que minha irmã tinha comprado Rubber Soul e que pegara Revolver emprestado de uma amiga. Ambos eram objeto de culto absoluto em minha casa, na Av. João Pessoa, em Porto Alegre. Ignoro como não furaram, de tanto que ouvimos.

Revolver é um divisor de águas na história dos Beatles e do rock. A partir dele, o grupo deixou de se apresentar em público porque as canções não poderiam ser reproduzidas no palco, uma aparente necessidade da época. Era um álbum criado em um estúdio muito bem equipado, com recursos que poderiam ser buscados onde estivessem e o grupo — para nossa sorte — passou a ser escravo da casa de Abbey Road onde gravava, tanto que só fez mais uma apresentação pública até sua dissolução. As gravações envolveram fitas tocadas de trás para diante — como no solo de guitarra de Tomorrow never knows, arrancado de Taxman — orquestra, quarteto de cordas, o extraordinário trompista Alan Civil, etc. Para Revolver, os Beatles alteraram totalmente a forma de compor e George Martin foi atrás. Eu disse atrás, não na frente. Muito da inovação sonora e de estilo das músicas do álbum deve-se ao engenheiro de som Geoff Emerick. Foi dele a ideia de aproximar os microfones aos instrumentos e amplificadores, em especial, à bateria de Ringo, o que produziu um som mais pesado e impactante. A EMI detestou a novidade. A direção da gravadora se reuniu com os músicos, querendo vetar o novo estilo, mais agressivo, porém Paul, falando em nome do grupo, deu um ultimato aos executivos: “De agora em diante, esse é o nosso som. Ou será assim ou simplesmente não será”.

O ecletismo tornou-se uma marca do rock. Vejam o que foi feito depois de Revolver e o que tínhamos antes. O LP lançado na Inglaterra em 5 de agosto de 1966, abriu muitas portas. As letras abandonam o garoto-encontra-garota e falam de impostos, de vidas desperdiçadas, do vazio diário, do sono, da tristeza dos finais das relações e de um certo e altamente lisérgico submarino amarelo. Os arranjos ganharam inédita complexidade, mostrando quem era George Martin, um irreverente erudito.

Como se não bastasse, o álbum mostra a cara de cada um. George ganhou espaço. Colocou três composições suas das quatorze do disco. É sua a obra-prima chamada I want to tell you, canção sobre a frustração de querer dizer algo e não conseguir. Taxman é uma crítica aos impostos cobrados e Love you too traz pela primeira vez as cítaras para o rock. Ele estava cada vez mais envolvido com a cultura indiana e Ravi Shankar. E todos estavam mergulhados nas drogas.

Lennon torna-se o irônico que foi até a morte. Em Tomorrow never knows, exige que sua voz soe como a do dalai lama cantando na montanha, seja lá isso o que for. É uma viagem drogadíssima de três minutos. George Martin que se virasse. Em Tomorrow há as fitas tocadas de trás para diante, oboés dando risadas, uma bateria violentíssima — Ringo parecia alucinado — e uma letra sensacional. E o que dizer das deliciosas Dr. Robert e She said she said? A primeira era uma alusão ao fornecedor de drogas do grupo, ali chamado de doutor Robert. E diz:

Ring my friend, I said you call Doctor Robert
Day or night he’ll be there any time at all, Doctor Robert
Doctor Robert, you’re a new and better man
He helps you to understand
He does everything he can, Doctor Robert

(…)

Well, well, well, you’re feeling fine
Well, well, well, he’ll make you… Doctor Robert

Ainda de John, há I´m only sleeping, que fala sobre como John amava dormir e odiava ter seu sono interrompido. O arranjo é bastante onírico com a voz de John sendo sutilmente distorcida por um gravador em velocidade pouca coisa mais alta que a correta.

Mas as canções de Paul talvez sejam o ponto alto de Revolver. Eleanor Rigby é um clássico sobre a solidão. O arranjo para cordas de Martin é uma pérola irrepetível. “Onde estão os outros Beatles nesta música?”  — perguntava a criança que eu era na época. “Onde ficaram as guitarras de John e George?” For no one é, em minha opinião, uma das melhores canções já compostas. De repente, surge a trompa de Alan Civil para dar ornamento fundamental a uma melodia lindíssima. Há também a canção favorita de McCartney, Here there and everywhere, e a inacreditável soul music by Paul de Got to get you into my life que nos faz perguntar novamente onde diabo estão os Beatles, pois o acompanhamento é quase só de metais.

Yellow Submarine, escrita por Paul e cantada por Ringo, tem em sua letra um tema infantil que depois seria aproveitado para dar título a um desenho animado. Traz sons de bolhas, barulho de água e outros sons gravados em estúdio. A letra sugere mais drogas, não? “Vamos vivendo uma bela vida / Achamos para tudo uma saída / Céu azul, mar verde e belo / Em nosso submarino amarelo”.

Revolver foi uma viagem sem volta na estética do grupo. Ouçam outros discos de 66 e a maioria parecerá vir de um passado remoto se comparados com este LP.

Mas por que Revolver? As sugestões eram as seguintes: Many years from now, Magic circles, Beatles on safari, Four sides of the eternal triangle, Pendulum e After Geography, uma brincadeira de Ringo com Aftermath, álbum dos Rolling Stones. Mas Revolver venceu porque se referia tanto à arma quanto ao movimento de revolução de um disco de vinil no prato giratório de um toca-discos.

Se você nunca ouviu Revolver, sua vida não mudará em nada, mas ele foi uma pedra fundamental para o rock para chegar à época de ouro setentista. Sem este degrau, tudo seria menor.

Relação de canções de Revolver.

Taxman (Harrison) 2:39
Eleanor Rigby (McCartney) 2:07
I’m Only Sleeping (Lennon) 3:01
Love You To (Harrison) 3:01
Here, There and Everywhere (McCartney)2:25
Yellow Submarine (McCartney)2:40
She Said She Said (Lennon) 2:37
Good Day Sunshine (McCartney)2:09
And Your Bird Can Sing (Lennon) 2:01
For No One  (McCartney) 2:01
Doctor Robert (Lennon) 2:15
I Want to Tell You (Harrison) 2:29
Got to Get You into My Life (McCartney)2:30
Tomorrow Never Knows (Lennon) 2:57

A contracapa de Revolver, dos Beatles
A contracapa de Revolver, dos Beatles

A Ospa trouxe o pterodáctilo para o paraíso

A Ospa trouxe o pterodáctilo para o paraíso
A Tempestade de Tchai chegando...
A Tempestade de Tchai chegando…

A noite era perigosa. Era necessário todo o cuidado. Concertos em igrejas deixam nossas bundas quadradas e as costas doendo. Sei por experiência própria que a Igreja do Colégio Anchieta tem cadeiras especialistas nestes quesitos. Acho que elas foram compradas do DOPS nos anos 80. O sofrimento foi amenizado pela presença amiga do Gustavo Melo Czekster, que pegava fogo — suando com um condenado — no banco atrás de mim. Ele tinha dois desconfortos; eu, inexplicavelmente, não sentia calor. Pingando, ele me disse que estas crônicas que escrevo sobre a Ospa são a continuação natural dos concertos e que ele as lia sempre. Como veem, um cara de bons hábitos. Mas, minha nossa, sei que nem todos gostam disso aqui!  Ele completou dizendo que apreciava as descrições do ambiente e eu pensei: como não fazer isso se aquele ventilador ali à esquerda mia como um gatinho faminto?

A última vez que tinha visto o Réquiem de Fauré fora na Saint-Martin-in-the-Fields em fevereiro de 2013. Saudades daquela viagem com a Bárbara. Mas não pensem que a versão ospiana da peça estava pior. Talvez estivesse até melhor que a versão londrina. O Coro Sinfônico da Ospa e o trabalho do pequeno efetivo orquestral utilizado garantiu uma bela viagem pelo peculiar universo de Fauré. Seu Réquiem não é nada desesperado e indica o caminho de um descanso eterno no paraíso. O Coro foi magnífico em toda a peça, mas especialmente na abertura do último movimento In Paradisum, quando anjos nos levam para lá pela mão. Não é um Réquiem para ser gritado e tal concepção da obra foi respeitada. O soprano Elisa Machado esteve um degrau acima de seu partner Daniel Germano. Elisa foi perfeita, demonstrando compreensão do estilo do Réquiem. Discreta, a orquestra esteve impecável.

No intervalo, a situação era a que segue: ainda embalados pelo Réquiem e em pé, tentando fazer nossas bundas retornarem a seus formatos originais. Tudo era alívio. Então, o paraíso foi invadido, mas não por trombadinhas fazendo um arrastão na praça de alimentação de um shopping, mas por algo muito mais primitivo e agressivo.

O maestro Manfredo Schmiedt, tão mansinho e compreensivo na primeira parte do concerto, começou a mexer os braços chamando os pterodáctilos para invadirem o paraíso. A tal Fantasia Sinfônica A Tempestade, Op. 18,de Tchaikovsky, era inédita em Porto Alegre. Deveria ter permanecido assim para sempre. Trata-se de bombásticos temas russos batendo firme nos personagens da última peça de Shakespeare. Pobre Próspero, pobre Miranda, coitado de Ferdinand, só o deformado Calibã pode ter gostado. Fiquei pensando que a tempestade que trouxera Alonso e Antônio para a ilha de Próspero talvez estivesse na música, mas não, nunca, a magia de Próspero e nem, jamais, nunca, haveria espaço para a gloriosa frase dita pelo pai de Miranda: Nós somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos; com nossa curta vida cercada pelo sono. Ou, em tradução mais completa e competente que a minha: Esses atores eram todos espíritos e dissiparam-se no ar, sim, no ar impalpável. Um dia, tal e qual a base ilusória desta visão, as altas torres envoltas em nuvens, os palácios, os templos solenes, e todo este imenso globo hão de sumir-se no ar como se deu com esse tênue espetáculo. Somos feitos da mesma substância dos sonhos e, entre um sono e outro, decorre a nossa curta existência. 

Onde estava o genial Próspero, Tchai?

No final do concerto, estava com desejo de música, claro. O Tchai tinha me matado. A noite acabou no Café Fon Fon, na festa de aniversário da Isolde. Bem tarde, com o bar quase vazio, acomodados naquele ambiente tranquilo, largado e risonho de fim de festa, a Elena foi sentar-se no lugar da Bethy Krieger para tocar — sim, no piano —  Beatles (Here, there and everywhere e Because) e, a meu pedido, de Bach, o BWV 639, Ich ruf zu dir, Herr Jesu Christ, que ela toca maravilhosamente e que deixo para vocês com a Lisitsa: