Anotações sobre uma bela noite com a Ospa

Anotações sobre uma bela noite com a Ospa
Foto: Augusto Maurer
Slagter e Roth num dos ensaios: combinando a melhor abordagem a Sibelius | Foto: Augusto Maurer (clique para ampliar)

Foi bonito o concerto da Ospa, ontem à noite, no Theatro São Pedro. É incrível a diferença que faz um maestro. Num dia tocam como crianças; no outro, entram em campo com novo técnico, fazem algumas trocas de jogadores e surge um time. O holandês Jacob Slagter parece ser um artista natural. Como disse alguém logo após o concerto, ele não é um sujeito que precisa lutar consigo para fazer arte. Ele faz. É claro que seus 28 anos como primeiro trompista do Concertgebouw de Amsterdam pesam muito. Afinal, por décadas ele foi chefiado por um gênio, pelo meu regente preferido dentre os vivos: o semideus Bernard Haitink. (OK, dentre os mortos, meu melhor amor vai para Ferenc Fricsay).

O programa era o seguinte:

Jean Sibelius: Andante Festivo
Jean Sibelius: Concerto para violino, op. 47, ré menor | Solista: Linus Roth
Antonín Dvorák: Sinfonia nº 9 em mi menor (Sinfonia do Novo Mundo)

Regente: Jacob Slagter (Holanda)
Solista: Linus Roth (Alemanha | violinista)

Na semana passada, tinha sido retirada do programa a Sinfonia Nº 4, de Carl Nielsen, chamada de Inextinguível. Foi uma pena, ainda mais se considerarmos a luminosa e rara presença de Slagter. O fato é que a orquestra perdeu um dia de ensaios e a decisão — apesar de eu não gostar muito da Novo Mundo — talvez tenha sido acertada. Ora, interpretar descuidadamente a Inextinguível seria deixar Nielsen fazer 5 x 0 na orquestra. Seria a segunda vez, na mesma semana, que alguém seria goleado por mortos.

Não conhecia o tal Andante Festivo. É uma composição de movimento único, originalmente escrita para quarteto de cordas em 1922. Em 1938, o compositor reescreveu a obra para orquestra de cordas. É música muito bela, suave e fluída. O único registro de Sibelius interpretando uma de suas próprias obras como regente é nesta peça. A gravação é de 1° de janeiro de 1939. Confiram abaixo.

https://youtu.be/wlqcUBbmJEc

Depois, tivemos o Concerto para violino, Op. 47, também de Sibelius. É uma obra prima e vocês podem pesquisar: toda relação de maiores obras para violino de todos os tempos incluem este concerto. Fazia muito tempo que ela não era ouvida nestes pagos abandonados pelas artes. Desde a gestão Karabtchevsky como titular da orquestra, para ser mais exato. O violinista alemão Linus Roth — jamais confundi-lo com o outro Roth –, veio com roupa e corpinho de bailarino espanhol. E, nossa, foi maravilhoso! Ele e seu violino Antonio Stradivari de 1703 mereceram cada aplauso recebido. Foi uma convincente exibição de musicalidade e técnica. A orquestra se perdeu algumas vezes, mas não chegou perto daquilo mostrado pela defesa do Inter no domingo passado. O resultado artístico foi absolutamente satisfatório.

Como hoje estou a fim de ouvir música no Youtube, fiquem com um baita registro do Concerto para Violino de Sibelius. A gravação escolhida é uma das de Jascha Heifetz. Boa parte da popularidade deste concerto se deve a ele. É irresistível.

O bis foi a esplêndida Balada, de Eugène Ysaÿe, o Rei do Violino.

Por falar em Sibelius como instrumentista… Sabem que ele era violinista e não conseguia tocar esta peça devido às exigências da mesma? (Bem, sabe-se que Schubert também não conseguia tocar suas Sonatas no piano). A estreia do único e brilhante Concerto de Sibelius veio com Richard Strauss, que dizia uma outra coisa curiosa sobre o finlandês: “Eu sei muito mais sobre música do que Sibelius, só que ele é muito mais compositor do que eu”. Eu sempre cito esta verdade dita por Strauss porque ela é aplicável a muitas outras áreas.

Após o intervalo, tivemos a entrada do Homem Eslavo de Marlboro. A nona sinfonia estreou em 1893, interpretada pela Filarmônica de Nova Iorque. O concerto fazia parte das comemorações do quarto centenário do Descobrimento da América. Por isso, recebeu o título Do Novo Mundo. Era para ser bem bonita com o negro “spiritual” Swing low sweet chariot, temas indígenas, etc. Mas daí veio a música folclórica europeia e matou índios e negros. Na Ferguson de Dvorák, a orquestra esteve muito bem, mas não adianta, a confusão de temas eslavos e norte-americanos soa-ME como se estivesse empurrando um hamburguer enjoativo do MacDonald`s com absinto.

Euphoria numa vitrine de Praga | Foto: Milton Ribeiro
Euphoria numa vitrine de Praga | Foto: Milton Ribeiro