Da necessidade da educação

Da necessidade da educação

Lembro de um encontro casual que tive com o Frei Betto no Sul21 durante o governo Lula. Ele me disse que o pessoal agora tinha geladeira, mas que não estavam aprendendo nada e que acabariam sem. 

Por Marino Boeira

Como faço sempre com os motoristas do Uber, puxei assunto com o Daniel que me levava para o cinema na noite de sexta. Primeiro ele me contou sua história. Como muitos outros, ele trabalha o dia inteiro numa indústria e nos fins-de-semana dirige o seu Fiat para aumentar a renda. Me contou que da corrida de 43 reais que vou pagar, vai ficar com apenas 20 reais. Que o aplicativo cobra cada vez mais dos motoristas e dá menos retorno. O aconselho a se unir a outros motoristas e fazer reivindicações em conjunto. Quem sabe organizar um sindicato? Ele me ouve e vai concordando. Obviamente, no final, pergunto em quem votou em 2018. Ele diz que foi no Bolsonaro, mas que acha que não vai repetir o voto. Por que não votou então no PT ? Porque eles roubam muito, responde. Como você sabe isso? É o que diz a mídia, me responde. Explico pra ele que a mídia teve interesse em desconstruir os governos do PT alegando questões morais para justificar tudo que fazem agora para retirar os ganhos dos trabalhadores. O Uber é só um aspecto dessa exploração, digo. Então, me dou conta mais uma vez que o grande culpado pelo governo do Bolsonaro é o PT. Durante seus 14 anos no poder, tentando conciliar com empresários, banqueiros e a mídia, foi incapaz de criar um programa de educação política das pessoas como o Daniel, motorista de Uber e tantos outros. Os eleitores do Bolsonaro foram aquelas pessoas que o PT não soube ensinar quais eram seus direitos de cidadão. Aquela famosa resposta do então todo poderoso Zé Dirceu, àqueles que lhe cobravam que o PT criasse um sistema público de divulgação da sua filosofia de governo – já temos uma rede de televisão, a Globo – é o melhor retrato de como o partido esqueceu de falar com a população mais pobre. O resultado é essa imensa alienação política que gera os bolsonaros, os dórias, os leites, os melos, os lasiers e os heinzes.

Ônibus Serraria, de Marino Boeira

Ônibus Serraria, de Marino Boeira

O título completo do livro é Tudo pode acontecer no Ônibus Serraria e na Zona Sul (Libretos, 118 páginas, R$ 30), mas como o editor deu mais destaque na capa à linha de ônibus, fiquemos com o título resumido.

Marino Boeira costuma publicar deliciosos textos no Facebook. Sou seu leitor. Ultimamente, ele está escrevendo textos mais curtos. Uma pena. Conheço-o também de outras paragens, mas o que interessa é que este informado, culto e divertido senhor de 80 anos produziu um livro que se lê rapidamente, sem cansar. Li numa tarde de sábado e já usei a palavra “delicioso” acima. Ela é perfeita.

Por favor, não pensem no tiozão do churrasco inventando historinhas sem graça. Marino é um cara aposentando — foi professor universitário, publicitário e jornalista — que fica atrás do computador fazendo a gente rir de suas histórias e fazendo-nos pensar em como seria admirável preservarmos a inteligência e ser politizado, ateu, cético, informado e radical sendo octogenário. Além do mais, ele vê todos os filmes interessantes e lê as novidades literárias. E tem um programa de rádio onde o chamam de Mestre e de alguns outros títulos complicados que esqueci. Bem… Aqui já entramos no terreno da auto-ironia.

Sim, ele é um intelectual à antiga, uma daquelas enciclopédia ambulantes que eram mais fáceis de encontrar no passado.

Mas o que é o livro Ônibus Serraria? É uma despretensiosa e inteligente coletânea de crônicas divididas em duas partes: “As histórias que acontecem no Ônibus Serraria” e “As histórias que acontecem na Zona Sul” (de Porto Alegre). Gostei mais da segunda parte, cujas crônicas tratam de traições, sexo (ou da saudade do mesmo), fantasias loucas e filosóficas, causos e da pequena política da cidade. Também a morte está presente, mas o céu de Marino… Bem, leiam.

Achei especialmente boas as crônicas Dona Lucrécia e o Sexo, Direto do CéuCabíria ou Gesolmina e Ficantes & Significantes.

Recomendo.

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P.S. — Sou citado e até ilustrado no livro de Marino… Sou eu ali, com uma camiseta onde está escrito Bamboletras em russo, obra do Santiago.

A citação
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