Do Caderno de Anna Magdalena Bach: Bist du bei mir

Paira alguma dúvida sobre quem seria o autor desta ária. O famoso Caderno de Anna Magdalena Bach são dois, um de 1722 e outro de 1725. Os dois são presentes que Bach, seus filhos e alunos deram à segunda esposa de Johann Sebastian. Ela era uma cantora e musicista bastante talentosa e a intenção era a de que ela o utilizasse em casa, para divertir a si e à família. Em ambos, cada um deles escreveu alguma música simples, delicada e curta. Apesar da vontade que todos têm de dar sua autoria ao marido, parece que a apaixonada e severamente definitiva Bist du bei mir, do Caderno de 1725, é obra de um jovem aluno de Bach, um certo Gottfried Heinrich Stölzel. A interpretação é de Klaus Mertens, barítono, e Ton Koopman, órgão.

Ou aqui.

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Outro dos muitos motivos pelo qual adoro Brahms

Dando continuidade a este post, mais um movimento lento de Brahms, o Andante do Quarteto para Piano, Nº 3, Op. 60, absurdamente lindo com Martha Argerich (piano), Dora Schwarzberg (violino), Lyda Chen (viola) e Mischa Maisky (violoncelo) em concerto realizado em 15 de junho de 2009 na cidade de Lugano, Suíça. Tratado como deve ser, como uma canção, é de ser ouvir de joelhos.

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Alguns vídeos raros de Shostakovich e um nem tanto de Bernstein

Shosta finalizando com uma rapidez que hoje não se usa mais seu Concerto Nº 1 para Piano e Orquestra, também conhecido como Concerto para Piano, Trompete e Cordas.

Ou aqui.

Tocando ao piano sua Sinfinia Nº 7, Leningrado, em filme russo aos pedaços.

Ou aqui.

Um filme de Shosta fumando e caminhando na rua. Ao fundo, a décima sinfonia, acho eu.

Ou aqui.

Shostakovich acompanhando o ensaio de um de seus quartetos de cordas em 1975, ano de sua morte.

Ou aqui.

E, abaixo, Leonard Bernstein mata a pau no último movimento da quinta sinfonia. Copio aqui em razão de — porra! — este vídeo ter sido visto quase 500.000 vezes no YouTube.

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John Cage: 4'33 em duas versões (para grande orquestra e piano solo)

Eu sei que vocês vão amar esta música. Eu prefiro a versão orquestral, mas o registro em piano é mais delicado, talvez. Bom domingo!

Ou aqui.

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Bebê e Christina Kirchner

Enquanto o jornalista Sergio Leo segue fazendo a alegria deste blog, ao desovar aos poucos o tesouro da homenagem que Hamilton de Holanda fez ao velho bruxo em Brasília — Hamilton, cuja lembrança de uma apresentação num bar em Parati não me sai da memória –, o Senado argentino aprova definitivamente a reforma do audiovisual, destinada a lutar contra os monopólios das comunicações. A reforma, que certamente interessa muito a Sergio — cuja opinião a respeito desconheço — , é apoiada pelos sindicatos de jornalistas, mas é apresentada pela oposição e pelos grandes grupos de mídia como uma tentativa do Executivo de controlar a imprensa. Algo perigosamente meio chavista, sacumé.

Para acabar com os monopólios, o projeto impediu uma mesma empresa de possuir um canal aberto e um canal a cabo na mesma região. Os grupos afetados terão um ano para se desfazer de um ou de outro canal.

Esta reforma também foi criticada pela Sociedade interamericana de imprensa (SIP), que reune os maiores grupos de mídia latino-americanos, mas ela recebeu, em contrapartida, o apoio do enviado especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a proteção e a promoção da liberdade de opinião e de expressão, o guatemalteco Frank La Rue.

A oposição considerou também que o novo organismo de regulação dos meios de comunicação, compostos por sete membros (dois nomeados pelo poder executivo, três pelo Congresso e dois pelas organizações profissionais), não será autônomo o suficiente em relação ao governo. Eu gostei. A ideia seria a democratização da imprensa, com o desmantelamento do PIG de lá (leia-se Clarín). A oposição e as empresas jornalísticas rebatem dizendo que a nova norma vai dar mais poder ao governo.

Como este blogueiro está em ritmo e preguiça de feriado, tanto assim que grande parte do que “escrevi” acima foi copiado daqui com alterações, faço meu foco sobre o convite que Sergio Leo me fez ontem:

E ó, fim do mês passo por POA a caminho de Passo Fundo. Planejei um vinho com um tal Milton Ribeiro, espero não me frustrar… (-;

Vinho com Sergio Leo? ¿Como no? Com vocês, Bebê:

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J. S. Bach: A Arte da Fuga, Contraponto nº 9

Com o Emerson String Quartet.

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Concerto de Brandenburgo Nº 3, de J. S. Bach

… com a esplêndida Orquestra Barroca de Freiburg. O primeiro movimento e o terceiro — quase não há o segundo — foram uma revelação para o menino que eu era lá pelos 13-14 anos. Julgara não ser possível haver maior perfeição. E há?

Se você não vê a imagem acima, clique aqui.

O adágio quase inexistente…

Os sem Firefox devem clicar aqui.

Eu não disse que era quase inexistente? São poucas notas que servem de introdução ao vertiginoso terceiro movimento.

Uhu!

Os cegos clicam aqui.

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Anton Bruckner: Sinfonia Nº 9 – 2º Mvto (Scherzo, em duas partes)

O velhinho Günter Wand (1912-2002), aos 76 anos, dá aqui uma amostra de sua genialidade no Scherzo que o personagem de Erland Josephson em Sarabande, de Ingmar Bergman, ouvia com a cabeça entre duas imensas caixas de som. Wand é uma figura queridíssima dos aficionados da música erudita. Suas notáveis interpretações e sábias entrevistas — inteiramente livres daquele Complexo de Deus que aflige a 77,5% dos médicos (já vivi com uma que contraiu a doença), 75,3% dos advogados e 50,1% dos regentes — são referências de boas leituras e de compreensão do outro.

Sugiro a quem tiver acesso a exemplares antigos da revista Gramophone: procurem a entrevista de Wand onde ele fala de seu trabalho de adaptação às sinfonias de Mozart, Beethoven, Brahms e Bruckner. Realmente, o velho não sofria do citado Complexo. Dá-lhe, Wand!

Ou aqui.

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A Provocação de Glenn Gould

Quem é intolerante a respeito de música não faz jus a seu aparelho auditivo. E quem não tem capacidade de reflexão e descoberta não deveria usar a palavra “arte”.

Este post é dedicado ao autor da afirmativa acima, Tiago Casagrande, e a Gilberto Agostinho.

Antigamente, a música — mesmo a mais grandiosa — era utilizada como pano de fundo para jantares e comemorações. Para nós é difícil conceber isto, mas a música de Vivaldi, por exemplo, era ouvida sob o provavelmente alegre som de comensais italianos alcoolizados… Excetuando-se os saraus privados, o único local onde podia-se ouvir música em silêncio era nas igrejas. O ritual de deslocar-se até uma sala de concertos a fim de ouvir e ver silenciosamente a performance de orquestras, cantores e recitalistas é relativamente recente – começou há uns 150 anos. Sob uma forma mais barulhenta, a música popular aderiu a este ritual no século XX, porém hoje seus concertos visam mais a celebração do artista do que a finalidades “expressivas” ou “interpretativas”. Alguns radicais, como o extraordinário pianista canadense Glenn Gould (1932-1982) – cujas interpretações de Bach são até hoje difíceis de superar – trilharam o caminho inverso chegando ao extremo de abandonar suas carreiras de concertistas por não acreditarem mais que o formato de concertos e shows fosse aceitável quando comparado às vantagens oferecidas pelos estúdios de gravação. Não obstante o abandono dos holofotes e dos aplausos — em seu caso sempre entusiásticos –, Gould seguiu pianista e continuou produzindo discos cada vez melhores; mesmo sem ter marcado um mísero concerto em seus 27(!) últimos anos de vida.

Glenn Gould acreditava que a tecnologia oferecida pelos estúdios o colocava mais próximo de seu ideal artístico, que colocava a técnica pianística em segundo plano. Apesar de ser um instrumentista absolutamente preciso e hábil, a impressão mais forte que temos ao ouvi-lo não é a do virtuosismo, mas a da expressividade. Com ele, pode-se ouvir a música. Gould pensava que existia somente uma interpretação perfeita de cada obra e que esta só poderia ser obtida em estúdio com auxílio da tecnologia.

A verdade é que as gravações revolucionaram inteiramente nossa abordagem à música. Em menos de um século, passamos do sarau ao CD, fomos do amadorismo afetuoso e comovedor de nossas residências (que bom se pudéssemos voltar no tempo, não?) ao sampler. Vejamos como:

1877: Thomas Edison constrói e dá nome ao primeiro fonógrafo, um aparelho que registra e reproduz sons, utilizando um cilindro de parafina.

1888: O disco envernizado substitui o cilindro de Edison.

1925: Aparece o primeiro toca-discos elétrico, que funcionava com discos de 78 rpm. Um movimento – cheio de chiados – de uma sonata de Beethoven poderia ocupar vários discos… Meu pai tinha o Op. 111 do compositor alemão em 8 discos ou 16 lados de discos 78 rpm!

1940: O acetato e o verniz começam a ser substituídos pela fita magnética.

1948: Surge o LP, que podia receber até 30 minutos de música (uma sinfonia de Mozart!) de cada lado. Todos os discos de 78 rotações deveriam ser jogados fora. (Este é outro assunto…)

1958: O som estereofônico torna obsoletas as gravações anteriores, feitas em mono. Chegou a vez de jogar fora tudo o que não era estéreo.

1965: A fita cassete ameaça o disco, mas não o vence.

1979: Aparecem as fitas digitais (DAT) com som semelhante ao do CD; isto é, muito mais claras do que tudo o que já havia surgido antes.

1983: Chega o CD, mais uma vez desvalorizando todas as outras gravações realizadas em outros meios.

Gould falava em quão recente era a supostamente eterna tradição das salas de concerto e ridicularizava vários de seus aspectos. Por que haveria de ser necessário alguém atravessar a cidade — talvez com chuva ou sem a vestimenta adequada –, para ir sentar-se, com hora marcada, em cadeiras normalmente piores do que as de nossas casas, a fim de ouvir o mesmo velho e conhecido repertório tocado com acompanhamento de sussurros e tosses? Segundo ele, a única coisa que mantinha viva a tradição dos concertos era a oligarquia do mundo dos negócios musicais, acrescida do que Glenn Gould chamava de “uma afetuosa, ainda que às vezes frustrante, característica humana: a relutância em aceitar as conseqüências de uma nova tecnologia.”

Eu, modestamente, adoro ir a concertos. Amo aquela celebração dedicada aos músicos e à música; mas concordo com Gould em muitas coisas. É complicado sair de casa para ver, muitas vezes, concertos constrangedoramente inferiores àquilo que temos em nossa discoteca. Outra coisa triste é o conservadorismo do repertório apresentado: principalmente no Brasil, considera-se que estejamos eternamente “educando o público para a música erudita”. Com este argumento, as orquestras obtém o aval para apresentarem somente o mainstream do repertório. (Há as exceções, mas são raras…) Enquanto isto, o LP e o CD abriram um leque de opções que mudaram nosso conhecimento musical. Obras extraordinárias puderam voltar a fazer parte de nossa cultura, grande parte da música de câmara (música escrita para pequenos grupos de instrumentistas) e da música antiga, inadequadas para as grandes salas, voltaram através dos discos.

Houve uma importante alteração na maneira de tocar a música e, por conseguinte, de ouvi-la e compreendê-la. Uma vez que, no estúdio, os músicos não tinham mais de preencher os grandes espaços das salas de concerto com som, todo o processo de fazer música passou a colocar mais ênfase na clareza e beleza do fraseado. Os microfones que fizessem o resto! Os antigos instrumentos – de som mais fraco – retornaram à vida e surgiram as gravações com interpretações históricas, utilizando instrumentos de época, que respeitam a dinâmica e a forma original das obras.

Peço agora que vocês, meus prezados 7 leitores, leiam principalmente a segunda observação abaixo. Ao final dela, vocês entenderão o motivo pelo qual este texto acaba (ou não acaba) tão bruscamente.

Observação:

— A maior parte dos argumentos aqui colocados livremente estão sistematizados no livro de Otto Friedrich Glenn Gould: A Life and Variations.

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A biblioteca perdida de Goran Bregovic

Goran Bregovic está excursionando pela Espanha para apresentar o novo CD, Alkohol, já comentado por mim. Hoje, El Pais publicou uma entrevista sua. Há nela alguns aspectos comoventes e outros que me interessaram muito. Para variar, quem me enviou o link foi Helen Osório. Faço um resumo abaixo:

Goran considera-se iugoslavo: Si tu país desaparece, descubres que no era algo político ni geográfico, sino emocional. No me siento represente de una nación o un Estado. Sólo represento ese territorio emocional que no tiene nada que ver con la política.

O que diz sobre os criminosos de guerra: Creo que conozco a casi todos los criminales de guerra. Conozco a Radovan Karadzic, que antes de la guerra era poeta. Algunos de mis profesores de la Facultad de Filosofía están en La Haya. Eran políticos pequeños que creyeron interpretar personajes históricos. Los seres humanos están condicionados. Si les dejas la oportunidad de convertirse en animales se convertirán en animales. La cultura no nos protege.

Sobre o poder da arte mudar as pessoas: A los artistas occidentales les gusta decir grandes cosas, como que la música puede cambiar el mundo. Vengo de un país comunista y sé dónde está el poder. Aunque trabajo con la misma temperatura que los artistas occidentales, sé que hay un largo camino hasta ser iluminado. Las luces pequeñas ayudan, pero en el fondo no cambian nada.

Sobre uma destas pequenas luzes, ele narra um acontecimento quando de seu primeiro concerto em Buenos Aires: Al llegar al hotel me dieron un sobre que me habían dejado de parte de Sábato. Contenía un libro, Sobre héroes y tumbas, y una carta en la que me pedía disculpas por no acudir al concierto. Me explicaba que mi música le había salvado en momentos de depresión. Lo curioso es que cuando hice el servicio militar en Nis, en la época comunista, robé de la biblioteca del cuartel un ejemplar de ese libro. Lo tuve en mi casa de Sarajevo durante años y lo perdí. Con la guerra perdí todo, también mi biblioteca. Puedes empezar dos veces tu vida, pero no puedes empezar dos veces una biblioteca. Todas las cosas grandes que me han pasado están guiadas por cosas pequeñas que se vuelven grandes, como el libro de Sábato.

Ele surpreende ao falar sobre algumas acusações de plágio: Me llaman compositor porque compongo lo que ya existe. Así ha sido siempre, desde Stravinski, Gershwin, Bono, Lennon… Se trata de un viejo método: tomas algo de tu tradición, robas y dejas atrás cosas para que otros con talento roben también. La cultura es eso, una transformación continua.

E este filho de pai sérvio e mãe croata, casado com uma muçulmana, finaliza: La guerra no es sólo matar gente, quemar casas, la guerra mata una infraestructura cultural, edificada por los hombres con gran dificultad durante mucho tiempo.

É uma boa entrevista. O que me emocionou foi a referência que ele fez a sua biblioteca perdida:

Com a guerra perdi tudo e também minha biblioteca. Podes começar tua vida duas vezes, mas não podes começar duas vezes uma biblioteca.

Eu nunca tinha pensado nisso. Uma biblioteca pessoal é algo que não se recomeça. Ou ela é inteira ou é um amontoado. Uma biblioteca sem as tantas bobagens lidas durante a adolescência, sem as anotações que não consigo deixar de fazer nos livros e sem as anotações dos amigos, deixaria de contar à sua maneira minha história e a de meu tempo. Eu não iria morrer sem esses 3000 ou mais paralelepípedos cheios de pó mal organizados às minhas costas. Mas perderia o meu mais importante meio de recordações, pois só consigo chegar ao Milton de 15 anos quando abro O Lobo da Estepe e constato o quanto amei e manuseei aquele exato livro que hoje leria com enfado. E quando abro Baía dos Tigres sei onde estava e o que pensava enquanto o lia e o mesmo ocorre com quase todos os outros. Sei lá por quê, minha vida tem largos períodos sem fotos e minha memória associa-se sempre aos livros. Não sei se esta é uma sensação comum às pessoas que leem permanentemente. Não sei mesmo. Aliás, antes do dia de hoje nem sabia que uma biblioteca não se recomeçava…

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Hugo Langone e Milton Ribeiro entrevistam Emma Kirkby

Não me invejem muito. Permaneço aquela criatura humilde de sempre. Leiam aqui. A publicação é da revista Pequena Morte.

Abaixo, o texto completo (tradução de Hugo Langone):

Desde a década de 1970, a soprano Emma Kirkby se destaca como um dos maiores expoentes da música erudita, principalmente no que diz respeito aos períodos renascentista e barroco. Com mais de cem gravações no currículo — dentre as quais se destacam as interpretações de Purcell, Buxtehude, Monteverdi, Dowland, Händel, Mozart e Haydn –, a inglesa foi incluída na lista da BBC Music Magazine que escolheu as vinte maiores sopranos de todos os tempos, e em novembro de 2000 recebeu as condecorações da Ordem do Império Britânico. Nesta entrevista, Emma nos conta um pouco sobre o seu processo de trabalho e sobre suas expectativas com relação à difusão da música antiga.

Entrevista concedida a Hugo Langone e Milton Ribeiro.

Emma, antes de mais nada, agradecemos pela sua disponibilidade. Você é considerada uma das maiores especialistas em música antiga. Como esse contato com a música primitiva modelou sua maneira de ver a música de hoje? Qual é o papel do pesquisador em música antiga, freqüentemente se encontrando entre o velho e seus ecos?

Bem, eu não sou nenhuma pesquisadora. Eu apenas tive a sorte de, com o passar dos anos, conhecer especialistas que disponibilizaram suas descobertas aos artistas que queriam interpretá-las. Hoje em dia as coisas estão mais acessíveis. A maioria das grandes bibliotecas disponibiliza seus acervos na internet, e, nas escolas e faculdades de música, os estudantes são incentivados a encontrar sozinhos um repertório que vá além do pequeno grupo de trabalhos que foram (mal ou bem) editados no século passado. Agora, então, nós podemos esperar que o ritmo cresça! Ainda assim, o musicólogo experiente continuará a ser importante, para acrescentar a essa atividade uma perspectiva histórica.

Como artista, você descobre o que for possível sobre uma obra, mas no final é necessário encontrar sua própria relação com ela. A música antiga lida com temas universais, e é preciso achar as suas imediações para partilhá-la com o público. Existem alguns terrenos em que me sinto à vontade (como nas canções inglesas de Dowland, Lawes e Purcell, por exemplo), mas apenas porque eu vivi neles por muitos anos; em outros, principalmente com relação aos compositores mais recentes — e que são mais novos para mim —, eu descubro tudo o que posso sobre o contexto da composição. Ao som do(s) instrumento(s) que me acompanha(m), encontro diversas informações, informações que esclarecem quase que por reflexo uma determinada resposta tonal. Nos textos em si, eu espero escutar a voz do tempo, mas também acredito que as primitivas leis da retórica ainda se aplicam de alguma forma.

A música pré-Bach tem um histórico de gravações muito menor do que os dos compositores românticos, por exemplo. De certo modo, os principais referenciais desta música estão se criando e se desenvolvendo agora, o que lhes garante certa “imortalidade”. Como um das principais expoentes na área, o que você teria a comentar?

A “imortalidade” conferida pelas gravações sempre foi uma faca de dois gumes! Mesmo com a edição, a gravação continua sendo apenas um retrato dos artistas naquele lugar, naquela semana. Além disso, principalmente no que diz respeito à voz, uma série de outros fatores podem estar envolvidos — e isso é carne e osso, em toda a sua fragilidade!

É bom saber que muita gente anda partilhando gravações, embora o cenário tenha ficado um pouco confuso. Pelo menos, é menos provável que as pessoas continuem procurando pelo Cálice Sagrado, pela Forma Perfeita de se apresentar uma obra, o que sempre foi uma loucura.

Hoje, qualquer um pode formar um respeitável acervo musical a partir de gravações encontradas na internet, e sobre elas o artista não obtém nenhum lucro. Isso inviabiliza aquele ideal de Gould de viver apenas de gravações? Ou o artista deve sempre dar concertos?

Na área em que atuo, a maioria das pessoas há muito tempo já desistiu de viver de direitos autorais. Eu não lamento muito porque a experiência de cantar ao vivo é inestimável e inimitável, resistindo a todas as tentativas de preservação, a não ser como o eco fraco de uma experiência transcendental. Isso acontece porque a música mora em um plano — ao mesmo tempo dentro e fora de nós — que não pode ser descrito com palavras, e onde nos sentimos em paz e à vontade. O caminho pode ser tortuoso, emocionante ou encantador. O que é vital, porém, é que isso é partilhado pelos ouvintes, ouvintes que, com a atenção dispensada, elevam o ambiente, saindo com um sentimento inexprimível em seus corações.

Você trabalhou com nomes importantes da música clássica, como a Academy of Ancient Music, a Freiburger Barockorchester, a London Baroque Orchestra, entre outros. Ao mesmo tempo, você parece se interessar pelos grupos mais novos. Por quê? Você acha que a música antiga finalmente se encontra onde deveria estar, ganhando espaço entre os novos músicos e os novos pesquisadores?

É claro que eu me interesso pelos grupos mais novos! Quem não se interessaria? Como você sugere, nos encontramos num momento muito propício para novas iniciativas. Eu tenho plena consciência de como tivemos sorte nas décadas de 1970 e 1980, quando as gravadoras e a BBC nos deram espaço. Além disso, sei também como éramos poucos, pelo menos se comparados ao abarrotado cenário atual. Porém, o vigor dos jovens ainda é, e sempre será, o grande atrativo para o público (e eles também ajudam a encorajar os patrocinadores!). E hoje também existem veículos que não existiam, principalmente a internet. Portanto, embora isso não seja de grande interesse para as massas, atualmente é muito mais fácil entrar em contato com aqueles que se interessam pelo repertório, onde quer que estejam.

Em 2007, eu [Milton] vi um recital seu em Buenos Aires. Foi uma experiência maravilhosa, tanto em termos auditivos quanto do repertório apresentado. Parece que os anos apenas lhe acrescentaram qualidades, mas minha pergunta é sobre a escolha do repertório. De onde surgem as “novidades”? Vêm apenas da pesquisa individual?

Durante todos esses anos, eu tive muita sorte de conhecer pessoas que são especialistas em musicologia e que disponibilizaram, com boa vontade, os resultados de suas pesquisas. O próprio Anthony Rooley transita entre esses dois mundos, reunindo uma atuação dinâmica e um faro esquisito para novos repertórios — que, aparentemente, são descobertos com rapidez nas ocasionais visitas que ele faz às bibliotecas! Como eu disse antes, hoje em dia as coisas estão mais acessíveis, mas ainda é necessário ter noção do que vale a pena ser ressuscitado!

Além disso, os velhos amigos são sempre os melhores! Purcell, Blow, Lawes, Dowland, Danyel, Coprario, Monteverdi… eu os conheço há décadas, e mesmo assim fico sempre emocionada ao revê-los.

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Shostakovich – Vida, Música, Tempo (de Lauro Machado Coelho)

Foi uma surpresa descobrir a existência deste calhamaço de 502 páginas, uma biografia do enorme compositor russo-soviético Dmitri Shostakovich (1906-1975). O que não foi absolutamente surpreendente é o fato da biografia ter sido escrita por Lauro Machado Coelho, autor de alentadas obras sobre ópera que têm preenchido o deserto de publicações do gênero com alguns bem-equipados oásis.

Este livro sobre Shostakovich é imprescidível a quem se interessa pelo autor. O volume de informações é inacreditável e fiquei de tal forma envolvido pelo livro que seria quase uma injustiça criticar o trabalho de Lauro, porém, em meio a tanta novidade, consegui vislumbrar o guichê de reclamações e pretendo fazer uso dele. O texto é muitas vezes descuidado. Tenho a impressão de que Lauro necessitava finalizá-lo no ano de 2006 – ano dos cem anos de nascimento de Shosta – e deixou passar alguns parágrafos que são quase anotações esparsas. Pressa, certamente. A editora poderia tê-lo alertado. Deve haver leitores profissionais na Prespectiva, não? Outro fato é que o autor claramente arrepende-se de ter sido tão anticomunista durante o texto e escreve um inteligente e equilibrado último capítulo – talvez o melhor do livro – chamado “O Caso Shostakovich”. É um curioso e necessário recuo. Afinal, Shostakovich utilizou o mais abstrato dos meios para dar o depoimento mais realista da história da música sobre sua contemporaneidade e há controvérsias por todo lado. Shostakovich não nos legou testemunhos confiáveis. Há momentos de descontrole e outros em que já vemos o LMC do último capítulo. Ou seja, carece de revisão.

Agora, só um louco ousaria criticar o que realmente importa: a detalhada cronologia, a notável descrição das obras, a palavra de um indiscutível conhecedor, as valiosas opiniões de um excelente ouvinte. Também elogio a diagramação do livro, que nos deixa duas boas colunas para que façamos anotações e possamos discutir com o autor e suas fontes… Coisa que adoro fazer.

Vocês sabiam que L&PM lançou em pocket a tradução de Lauro Machado Coelho dos poemas de Anna Akhmátova – Poesia: 1912-1964? Pois é, é bom lê-los.

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