Uma(s) lista(s) de melhores contos, na minha humilde opinião e na do El País

Uma(s) lista(s) de melhores contos, na minha humilde opinião e na do El País
Machado de Assis e Guimarães Rosa.
Machado de Assis e Guimarães Rosa.

O Brasil sempre privilegiou o conto, mas os europeus nunca deram grande importância ao gênero. O Caderno de Cultura Babelia do jornal espanhol El País publicou uma notícia que fala sucintamente da recente valorização do conto naquele país, pedindo para que autores espanhóis citem seus contos favoritos da literatura não espanhola. Curiosamente, nenhum conto foi citado duas vezes. Depois, coloco uma relação de contos favoritos deste blogueiro.

Relatos universales que no hay que perderse

Escritores, editores y libreros que han participado en este especial sobre el renacer y la nueva valoración del cuento en España comparten con los lectores títulos de sus cuentos favoritos en español y otras lenguas.

— El llano en llamas, de Juan Rulfo, y Bartleby, el escribiente, de Herman Melville (Berta Marsé).

— Carta a una señorita en París, de Julio Cortázar, y La dama del perrito, de Antón Chéjov (Cristina Cerrada).

— La Resucitada, de Emilia Pardo Bazán, y El bailarín del abogado Kraykowsky, de Witold Gombrowicz (Cristina Fernández Cubas).

— El Aleph, de Jorge Luis Borges, y Una casa con buhardilla, de Antón Chéjov (Eloy Tizón).

— El espejo y la máscara, de Jorge Luis Borges; Una luz en la ventana, de Truman Capote, y Donde su fuego nunca se apaga, de May Sinclair (Fernando Iwasaki).

— Bienvenido, Bob, de Juan Carlos Onetti; El álbum, de Medardo Fraile; En medio como los jueves, de Antonio J. Desmonts; Alguien que me lleve, de Slawomir Mrozek; Los gemelos, de Fleur Jaeggy; La colección de silencios del doctor Murke, de Heinrich Böll, y Guy de Maupassant, de Isaak Babel (Hipólito G. Navarro).

— Un tigre de Bengala, de Víctor García Antón, y La revolución, de Slawomir Mrozek (José Luis Pereira).

— No oyes ladrar los perros, de Juan Rulfo; El veraneo, de Carmen Laforet; La corista, de Antón Chéjov, y Rikki-tikki-tavi, de Rudyard Kipling (José María Merino).

— Continuidad de los parques, de Julio Cortázar, y El nadador, de John Cheever (Juan Casamayor).

— El Sur, de Jorge Luis Borges; Parientes pobres del diablo, de Cristina Fernández Cubas; Tres rosas amarillas, de Raymond Carver, y La dama del perrito, de Antón Chéjov (Juan Cerezo).

— El infierno tan temido, de Juan Carlos Onetti, y Los muertos, de James Joyce (Juan Gabriel Vásquez).

— Las lealtades (de Largo Noviembre de Madrid), de Juan Eduardo Zúñiga, y El nadador, de John Cheever (Miguel Ángel Muñoz).

— Continuidad de los parques, de Julio Cortázar, y William Wilson, de Edgar Allan Poe (Patricia Estebán Erlés).

— Ojos inquietos, de Medardo Fraile; Noche cálida y sin viento, de Julio Ramón Ribeyro, y Míster Jones, de Truman Capote (Pedro Ugarte).

Minha relação saiu um pouco grande, apesar de ter sido escrita improvisadamente. Mas se pensasse mais, talvez não mudasse demais. Vamos a ela.

Contos estrangeiros:

— A Viagem, de Luigi Pirandello;
— O Velho Cavaleiro Andante, de Isak Dinesen (Karen Blixen);
— Ponha-se no meu lugar, de Raymond Carver;
— A Fera na Selva, de Henry James;
— Bartleby, o Escrivão, de Herman Melville;
— A Enfermaria Nº 6, de Anton Tchékhov;
— Queridinha (ou O Coração de Okenka), de Anton Tchékhov;
— A Corista, de Anton Tchékhov;
— A Dama do Cachorrinho, de Anton Tchékhov;
— Olhos Mortos de Sono, de Anton Tchékhov;
— Os Sonhadores, de Isak Dinesen (Karen Blixen);
— A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói;
— Uma Alma Simples, de Gustave Flaubert;
— As Jóias, de Guy de Maupassant;
— Os Mortos, de James Joyce;
— O Licenciado Vidriera, de Miguel de Cervantes;
— O Artista da Fome, de Franz Kafka;
— A Colônia Penal, de Franz Kafka;
— A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe;
— Berenice, de Edgar Allan Poe;
— William Wilson, de Edgar Allan Poe;
— O Primeiro Amor, de Ivan Turguênev;
— Três Cachimbos, de Ilya Ehrenburg;
— A Loteria da Babilônia, de Jorge Luis Borges;
— A procura de Averróis, de Jorge Luis Borges;
— O jardins dos caminhos que se bifurcam, de Jorge Luis Borges;
— Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, de Jorge Luis Borges.

Contos brasileiros:

— Missa do Galo, de Machado de Assis;
— Uns Braços, de Machado de Assis;
— Noite de Almirante, de Machado de Assis;
— Um Homem Célebre, de Machado de Assis;
— A Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa;
— Meu tio, o Iauaretê, de Guimarães Rosa;
— A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa;
— O Duelo, de Guimarães Rosa;
— Guapear com Frangos, de Sérgio Faraco;
— O Voo da Garça-pequena, de Sergio Faraco;
— Corvos na Chuva, de Ernani Ssó;
— Contrabandista, de João Simões Lopes Neto;
— Baleia, de Graciliano Ramos (não é um conto, mas pode funcionar como tal);
— O homem que sabia javanês, de Lima Barreto;
— O Vitral, de Osman Lins;
— O Afogado, de Rubem Braga;
— Venha Ver o Pôr do Sol, de Lygia Fagundes Telles;
— Feliz Aniversário, de Clarice Lispector;
— Uma Galinha, de Clarice Lispector;
— O Japonês dos Olhos Redondos, de Zulmira Ribeiro Tavares.

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Os 100 anos do ícone literário A Metamorfose, de Franz Kafka

Franz Kafka, autor de A Metamorfose, que completa 100 anos em 2012

Publicado em 15 de abril de 2012 no Sul21

Em 2012, a clássica novela de Kafka, A Metamorfose, estará completando 100 anos. A marca que ela deixou na cultura ocidental é tão profunda quanto aquela deixada por 1984 de George Orwell e por pouquíssimos outros livros dos últimos séculos. E, com efeito, aqueles que leram a pequena obra de pouco mais de 30 mil palavras, dificilmente deixarão de lembrá-la e, dentre os apaixonados pela literatura ou pelo fantástico, não é raro encontrar quem saiba recitar de cor o início da novela, certamente uma das melhores e mais intrigantes aberturas da literatura de todos os tempos:

Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, quando levantou um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido em segmentos arqueados, sobre o qual a coberta, prestes a deslizar de vez, apenas se mantinha com dificuldade. Suas muitas pernas, lamentavelmente finas em comparação com o volume do resto de seu corpo, vibravam desamparadas ante seus olhos.

O que terá acontecido comigo?” ele pensou.

Tradução de Marcelo Backes para a L&PM

Apesar de ter sido publicada em 1915, A Metamorfose foi escrita em novembro de 1912. A quase centenária novela foi concluída em apenas 20 dias no dia 7 de dezembro de 1912, quando Kafka escreveu à sua eterna e repetida noiva Felice Bauer: “Minha pequena história está terminada”. Há outra nota muito significativa escrita por Kafka. Dois meses antes, ao finalizar O Veredicto, outra pequena novela, Kafka registrou em seu diário que havia descoberto “como tudo poderia ser dito”. A Metamorfose foi a primeira tentativa após a nota.

Felice Bauer: duas vezes noiva de Kafka, jamais casaram

Tudo é muito enigmático em se tratando de alguém tão tímido e com tão poucos amigos como Kafka, mas certamente a frase escrita tem o significado de uma iluminação e tudo o que o escritor criou a partir dali — uma notável série de romances e novelas onde podem ser listados O Foguista, Diante da Lei, A Colônia Penal, O Processo, Carta ao Pai, Um Médico Rural, O Artista da Fome, O Castelo e A Construção, dentre outros — são obras ou de primeira linha ou de conteúdo nada desprezível ou esquecível. O crítico Otto Maria Carpeaux, que emigrou para o Brasil com a ascensão do nazismo, lembra:

— Fui apresentado a Kafka em Praga. Estávamos num jantar. Disseram-me que se tratava de um gênio. Era muito magro, sabemos hoje que tinha 1,82 m e por volta de 65 quilos. Estava num canto, sozinho. Fui até ele de forma a integrá-lo na conversa geral. Quando me apresentei, entendi seu nome como Kauka, porque ele falava muito baixo. Ora, se era Kauka, não era aquele autor do qual recebera dois livros que ainda não lera. Tentei puxar conversa, mas ele não dava continuidade, respondendo apenas o mínimo. Achei que incomodava e me afastei.

Kafka com seu grande amigo Max Brod na praia

Carpeaux — um grande crítico literário, autor de uma alentada História da Literatura Ocidental em oito volumes — arrependeu-se pelo resto da vida por ter desistido tão rápido de um escritor que passou a incensar poucos anos depois. Ele ouvira errado, não era Kauka, era mesmo o Kafka dos livrinhos recebidos.  É compreensível que Carpeaux lamente a perda da oportunidade, mas não é lógico torturar-se — afinal, era o ano de 1921 e, embora a tal “iluminação” fosse de 1912 e o escritor tivesse vivido até 1924, Kafka nunca chegou a ser muito conhecido enquanto vivo. Era um escritor obscuro que publicava alguma coisa e engavetava outras. Quando morreu, pediu a um bom amigo que destruísse seus escritos não publicados. Para nossa sorte, Max Brod foi um amigo ainda melhor e o traiu, salvando para o mundo romances como O Processo e O Castelo.

Hoje, os volumes de crítica da obra de Kafka enchem estantes, mas os enigmas permanecem, mesmo em relação a A Metamorfose. Sabe-se que Kafka leu trechos da obra para Max Brod e outros de seus poucos amigos. Os biógrafos dizem que o grupo ria do grotesco das cenas. Kafka também. É possível ler Kafka em registro cômico, sem dúvida, mas é indiscutível que a leitura mais grandiosa é a que coloca o homem em desespero frente à existência. Há uma quase imperceptível camada de humor e outra de ironia, esta pouco mais espessa, perpassando seus textos, mas o efeito geral nunca pode ser descrito como alegre ou motivador. Na verdade, é um narrador imperturbável contando uma história sufocante, sem apelar para fórmulas de suspense ou terror. Gunther Andres, na página 19 de Kafka: pró e contra (os autos do processo), resume brilhantemente: “O espantoso, em Kafka, é que o espantoso não espanta ninguém”.

Franz Kafka com a irma Ottla, no Centro Histórico de Praga

O título A Metamorfose provavelmente se refere não somente à mudança física de Gregor Samsa – nome estruturalmente bem semelhante à Kafka, não? –, que se torna um inseto “certa manhã”, como a todas as outras mudanças decorrentes na família. Se antes da metamorfose toda a família dependia de seu trabalho como caixeiro-viajante e o apoiava e amava, com a transformação em inseto e consequente prisão no quarto, o pai é obrigado a voltar a trabalhar, a ingênua e pura irmã de 17 anos também, a mãe passa a costurar e a casa transforma-se numa hospedaria onde Gregor é mais do que dispensável, é indesejado. A transformação física de Samsa gera outra metamorfose e pode-se dizer que ele passa de parasitado a parasitário, de arrimo a peso morto e objeto de repulsa.

Kafka pedira "encarecidamente" que a figura de Gregor não fosse retratada por seu editor, a posteridade não lhe deu atenção

É estranho que Gregor acorde aquela manhã sem tentar analisar o que teria acontecido, como e por quê. A pergunta “O que terá acontecido comigo?” é isolada. Depois, ficamos sabendo de suas incomodações com a vida anterior e temos a impressão de que a atual tanto faz. Em alguns momentos da narrativa, ele parece estar vingando-se, em outros, concupiscente. O ostracismo no seio familiar, a pressão do trabalho, a necessidade de obedecer, a profunda insatisfação de estar sendo escravizado, tudo o que a novela sugere encontra repercussão na vida do autor. A história do homem tornado besouro é inteiramente realista. O problema familiar recebe uma importante observação do tradutor Marcelo Backes: “Kafka invoca seu pai, mãe e irmã quase sem o uso dos pronomes possessivos. É algo muito insistente. É raro que o narrador fale de SUA irmã, de SEU pai, de SUA mãe. Eles são, na maior parte das vezes, apenas pai, mãe e irmã, sem a afetividade do pronome possessivo e vivendo tão-só em sua condição genérica de pai, mãe e irmã”.

No clássico Conversações com Kafka (1920-1923), Gustav Janouch cita que Kafka afirmara que “A metamorfose não é uma confissão, ainda que – em certo sentido – seja uma indiscrição”. Indiscrição certamente menor do que a célebre Carta ao Pai, mas não tergiversemos.

Detalhe da adaptação para os quadrinhos de 'A metamorfose', de Franz Kafka, desenhada por Peter Kuper (Clique sobre a imagem para ampliar)

A forma como Kafka monta rapidamente os conflitos do livro também surpreende. O primeiro está no famoso primeiro parágrafo, depois há outros dois conflitos graves, construídos na mesma linguagem direta e sucinta, de exatidão quase cartorial: o momento em que Gregor é visto pela primeira vez por seus familiares — uma cena de notável realização artística de Kafka — e momento onde a irmã de Gregor, Grete Samsa, aconselha seus pais a livrarem-se do enorme inseto, pois já haviam tentado de tudo para conviver com ele. Há também a interpretadíssima agressão com a maçã, mas talvez o que deixe o leitor mais perturbado é o que subjaz desde a primeira até a última palavra: é o fato de que outro acontecimento extraordinário simplesmente não ocorre. Não há o momento de explicação para o acontecido ou do retorno ao estado normal. Na verdade, não há explicações, tudo fica aberto às interpretações, há uma aristotélica e perturbadora ausência do esquema clássico de exposição, conflito, clímax e conclusão.

Kafka pediu a seu editor que evitasse desenhar, mesmo de longe, a figura de Gregor, mas hoje temos versões de Gregor Samsa até em quadrinhos, além de filmes. Para alguns trata-se de uma barata, apesar de que os sinais indicam claramente para uma espécie de besouro. Invocamos novamente o tradutor Marcelo Backes: “Kafka o refere apenas como “rola-bosta” (besouro). Mas o que é objetivo pode ser tanto mais difuso, uma vez que Mistkäfer (rola-bosta) pode-se referir também e inclusive a uma pessoa suja e descuidada, ou tratar-se de um escaravelho qualquer, uma vez que é designação comum a insetos coleópteros, coprófagos e escarabeídeos, que em geral vivem de excrementos de mamíferos herbívoros”.

Kafka sempre dizia: “Tudo o que não é literatura me aborrece, e eu odeio até mesmo as conversações sobre literatura”. O que incluiria certamente este artigo. Ou seja, vale muito mais a pena ler a pequena e revolucionária novela.

 

Uma curiosa campanha para o incentivo à leitura, feita pela Johnson County Library em 2010

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