Madame Bovary, de Gustave Flaubert

Madame Bovary, de Gustave Flaubert

Li Madame Bovary apenas uma vez e acho que não preciso de outra para colocar o livro nesta lista de indicações. Se o ser humano é uma coisa eternamente insatisfeita, aqui temos o microcosmo da infelicidade feminina e da desilusão romântica. Não vou contar em detalhes a história do livro, mas esta foi tão imitada e recontada que não guarda mais nenhuma novidade. É o romance que fundou o realismo em 1857 e, assim como a cabeça do Quixote estava cheia de romances de cavalaria, a de Emma Bovary estava lotada de romances sentimentais. Emma casa-se com o médico Charles Bovary, insípido e apaixonado por ela. O tédio insere-se de tal forma na relação que ela passa a detestar o marido. A progressão do tédio e sua transformação em desinteresse e depois ódio são contadas por um autor absolutamente impecável e no perfeito domínio de seus meios. Nada parece estar fora do lugar, nenhuma palavra. Dividido em três partes, como um concerto, demonstra como Emma permanece insatisfeita mesmo após o nascimento da filha e de seus apenas prometedores adultérios.

Na época em que foi publicado, Madame Bovary causou escândalo e foi julgado por obscenidade. Quando perguntaram a Flaubert quem era a protagonista que tinha sido descrita com tamanha perfeição e riqueza de detalhes, o autor respondeu ao tribunal com a célebre frase que diz tudo: “Madame Bovary c`est moi!”.

E era. Flaubert passou mais de uma década observando, apurando, polindo, reescrevendo e inaugurando o realismo na literatura. Flaubert foi absolvido no ridículo processo, mas não foi perdoado pelos puritanos, que não conseguiam admitir o tratamento cru dado ao tema do adultério e pelas críticas implícitas ao clero e à burguesia, ambos desprezados por Flaubert. Mas esqueçam o fundador do realismo, o processo e tudo o que cerca Bovary. O livro é antes de tudo um texto admirável, construído com arrebatador virtuosismo; um texto trabalhadíssimo onde não se notam sinais do suor do autor. Tudo flui, tudo ganha seu devido ritmo e todo detalhe jogado ali é significante e contribui para a narrativa. Talvez Madame Bovary seja a maior das aulas práticas de narração.

James Wood escreveu em Como funciona a ficção que “Tudo começa e tudo termina com Flaubert”. Discordo. A literatura moderna recebe notável impulso com Flaubert, mas já começara com Stendhal. E não termina no autor de Bovary, como diz a frase de efeito de Wood. Porém, para usar uma palavra que está na moda, Madame Bovary é um romance verdadeiramente incontornável.

100 Livros Essenciais da Literatura Mundial

100 Livros Essenciais da Literatura Mundial

Há algumas semanas, li a lista da extinta revista Bravo sobre os 100 livros essenciais da literatura mundial. A edição vendeu muito, disse o dono da banca de revistas meu vizinho. No final da revista, há uma página de Referências Bibliográficas de razoável tamanho, mas o editor esclarece que a maior influência veio dos trabalhos de Harold Bloom.

Vamos à lista? Depois farei alguns comentários a ela.

A lista é a seguinte (talvez haja erros de digitação, talvez não):

1. Ilíada, Homero
2. Odisseia, Homero
3. Hamlet, William Shakespeare
4. Dom Quixote, Miguel de Cervantes
5. A Divina Comédia, Dante Alighieri
6. Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust
7. Ulysses, James Joyce
8. Guerra e Paz, Leon Tolstói
9. Crime e Castigo, Dostoiévski
10. Ensaios, Michel de Montaigne
11. Édipo Rei, Sófocles
12. Otelo, William Shakespeare
13. Madame Bovary, Gustave Flaubert
14. Fausto, Goethe
15. O Processo, Franz Kafka
16. Doutor Fausto, Thomas Mann
17. As Flores do Mal, Charles Baldelaire
18. Som e a Fúria, William Faulkner
19. A Terra Desolada, T.S. Eliot
20. Teogonia, Hesíodo
21. As Metamorfoses, Ovídio
22. O Vermelho e o Negro, Stendhal
23. O Grande Gatsby, F. Scott Fitzgerald
24. Uma Estação No Inferno,Arthur Rimbaud
25. Os Miseráveis, Victor Hugo
26. O Estrangeiro, Albert Camus
27. Medéia, Eurípedes
28. A Eneida, Virgilio
29. Noite de Reis, William Shakespeare
30. Adeus às Armas, Ernest Hemingway
31. Coração das Trevas, Joseph Conrad
32. Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley
33. Mrs. Dalloway, Virgínia Woolf
34. Moby Dick, Herman Melville
35. Histórias Extraordinárias, Edgar Allan Poe
36. A Comédia Humana, Balzac
37. Grandes Esperanças, Charles Dickens
38. O Homem sem Qualidades, Robert Musil
39. As Viagens de Gulliver, Jonathan Swift
40. Finnegans Wake, James Joyce
41. Os Lusíadas, Luís de Camões
42. Os Três Mosqueteiros, Alexandre Dumas
43. Retrato de uma Senhora, Henry James
44. Decameron, Boccaccio
45. Esperando Godot, Samuel Beckett
46. 1984, George Orwell
47. Galileu Galilei, Bertold Brecht
48. Os Cantos de Maldoror, Lautréamont
49. A Tarde de um Fauno, Mallarmé
50. Lolita, Vladimir Nabokov
51. Tartufo, Molière
52. As Três Irmãs, Anton Tchekov
53. O Livro das Mil e uma Noites
54. Don Juan, Tirso de Molina
55. Mensagem, Fernando Pessoa
56. Paraíso Perdido, John Milton
57. Robinson Crusoé, Daniel Defoe
58. Os Moedeiros Falsos, André Gide
59. Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis
60. Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde
61. Seis Personagens em Busca de um Autor, Luigi Pirandello
62. Alice no País das Maravilhas, Lewis Caroll
63. A Náusea, Jean-Paul Sartre
64. A Consciência de Zeno, Italo Svevo
65. A Longa Jornada Adentro, Eugene O’Neill
66. A Condição Humana, André Malraux
67. Os Cantos, Ezra Pound
68. Canções da Inocência/ Canções do Exílio, William Blake
69. Um Bonde Chamado Desejo, Teneessee Williams
70. Ficções, Jorge Luis Borges
71. O Rinoceronte, Eugène Ionesco
72. A Morte de Virgilio, Herman Broch
73. As Folhas da Relva, Walt Whitman
74. Deserto dos Tártaros, Dino Buzzati
75. Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez
76. Viagem ao Fim da Noite, Louis-Ferdinand Céline
77. A Ilustre Casa de Ramires, Eça de Queirós
78. Jogo da Amarelinha, Julio Cortazar
79. As Vinhas da Ira, John Steinbeck
80. Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar
81. O Apanhador no Campo de Centeio, J.D. Salinger
82. Huckleberry Finn, Mark Twain
83. Contos de Hans Christian Andersen
84. O Leopardo, Tomaso di Lampedusa
85. Vida e Opiniões do Cavaleiro Tristram Shandy, Laurence Sterne
86. Passagem para a Índia, E.M. Forster
87. Orgulho e Preconceito, Jane Austen
88. Trópico de Câncer, Henry Miller
89. Pais e Filhos, Ivan Turgueniev
90. O Náufrago, Thomas Bernhard
91. A Epopéia de Gilgamesh
92. O Mahabharata
93. As Cidades Invisíveis, Italo Calvino
94. On the Road, Jack Kerouac
95. O Lobo da Estepe, Hermann Hesse
96. Complexo de Portnoy, Philip Roth
97. Reparação, Ian McEwan
98. Desonra, J.M. Coetzee
99. As Irmãs Makioka, Junichiro Tanizaki
100 Pedro Páramo, Juan Rulfo

A lista é ótima, mas há critérios bastante estranhos.

Se não me engano, só três semideuses têm mais de um livro na lista: Homero, Shakespeare e Joyce. OK, está justo.

No restante, é uma lista mais de autores do que de livros e muitas vezes são escolhidos os livros mais famosos do autor e dane-se a qualidade da obra. Se a revista faz um gol ao escolher Doutor Fausto como o melhor Thomas Mann, erra ao escolher Crime e Castigo dentro da obra de Dostoiévski – Os Irmãos Karamázovi e O Idiota são melhores; ao escolher Guerra e Paz de Tolstói – por que não Ana Karênina? -; na escolha de O Complexo de Portnoy, de Philip Roth; que tem cinco romances muito superiores, iniciando por O Avesso da Vida (Counterlife) e ainda ao eleger Retrato de Uma Senhora na obra luminosa de Henry James. Li por aí reclamações análogas sobre as escolhas de Brás Cubas e não de Dom Casmurro, de Cem Anos de Solidão ao invés de O Amor nos Tempos do Cólera e de As Cidades Invisíveis de Calvino, mas acho que é uma questão de gosto pessoal e não de mérito. Ah, e é absurda a presença do bom O Náufrago e não dos imensos e perfeitos Extinção, Árvores Abatidas e O Sobrinho de Wittgenstein na obra de Thomas Bernhard.

Saúdo a presença de grandes livros pouco citados como Tristram Shandy, obra-prima de Sterne muito querida deste que vos escreve, de Viagem ao Fim da Noite, de Céline, de A Consciência de Zeno, genial livro de Ítalo Svevo, de O Deserto dos Tártaros (Buzzati) e do incompreendido e brilhante Grandes Esperanças, de Charles Dickens, de longe seu melhor romance.

Porém é estranha a escolha de A Comédia Humana, de Balzac. Ora, a Comédia são 88 romances! Não vale! Estranho ainda mais a presença de autores menores como Kerouac e Malraux, além do romance que não é romance — ou do romance que só é romance em 100 de suas 1200 páginas: O Homem sem Qualidades, de Robert Musil.

Também acho que presença de McEwan e de Coetzee prescindem do julgamento do tempo, o que não é o caso de alguns ausentes, como Lazarillo de Tormes, de Chamisso com seu Peter Schlemihl, de George Eliot com Middlemarch, de Homo Faber de Max Frisch e de O Anão, de Pär Lagerkvist, só para citar os primeiros que me vêm à mente. E, se McEwan e Coetzee esttão presentes, por que não Roberto Bolaño?

E Oblómov??? Não poderia ficar de fora!

(O Bender escreve um comentário reclamando a ausência de Grande Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa. É claro que ele tem razão! Esqueci. Coisas da idade.)

Com satisfação pessoal, digo que este não-especialista não leu apenas Os Miseráveis, o livro de Blake e os de Lautréamond, Mallarmé, Ovídio e Hesíodo. Isto é, seis dos cem. Tá bom.

P.S.- Milton mentiroso! Não li Finnegans também!

Este post foi publicado em 13 de dezembro de 2007, mas quase nada mudou.

“Emma Bovary sou eu”: Madame Bovary e o processo contra Flaubert

No dia 7 de fevereiro de 1857, Gustave Flaubert foi absolvido da acusação contra seu livro Madame Bovary, considerado imoral pelas autoridades francesas. Dias antes, Flaubert proferira a célebre resposta à pergunta sobre quem seria Madame Bovary: “Emma Bovary c’est moi” (Emma Bovary sou eu). Acusado de ofensa à moral e à religião, o processo foi movido contra o autor e o editor Laurent Pichat, diretor da revista Revue de Paris, onde a história foi publicada pela primeira vez, em episódios e com cortes. Como costuma acontecer, quanto maior o escândalo, maior o interesse provocado nos leitores, que adquirem a obra, que já era notável, movidos pelo sabor do escândalo.

Gustave Flaubert (1821-1880)

A Sexta Corte Correcional do Tribunal do Sena absolveu Flaubert, mas certo puritanismo da época condenou o autor. Muitos críticos não perdoaram Flaubert pelo cru realismo dado ao tema do adultério, pela crítica ao clero e à burguesia. Muitos clássicos da literatura foram condenados pelos contemporâneos. Talvez os casos mais famosos sejam os de Ulysses de Joyce e de Lolita de Nabokov, por exemplo, que foram censurados por ofenderem a moral vigente. Seriam pornográficos.

O livro

O julgamento era um exagero, mas as acusações a Flaubert eram compreensíveis. Afinal, Madame Bovary escancarava certa realidade social do século XIX, demonstrando a insatisfação de uma mulher, sob diversos aspectos, com seu casamento. De quebra, ridicularizava os romances sentimentais. Emma odiava seu marido, o médico Charles, para o qual mal podia olhar. Via-se encarcerada. Sentia sua vida como vazia e sem graça. Como se não bastasse, tinha aspirações a um refinamento incompatível com o interior da França. Então, passa a manter casos amorosos com homens de “gostos mais refinados”, que tivessem o condão de alcançar suas expectativas.

Não contaremos o final da história, a qual é bastante simples. Mas o que interessa não é o final e sim todos os detalhes da trama. Flaubert era um perfeccionista que sugeria aos candidatos a escritores que observassem uma árvore até que ela não pudesse ser confundida com nenhuma outra para depois descrevê-la. Era o escritor da “palavra certa, precisa” (“le mot juste“) e levou cinco anos para terminar o livro, que não é muito extenso. Pensava que “Uma boa frase em prosa deve ser como um bom verso na poesia, imutável”. Madame Bovary é um livro extraordinário. “O romance perfeito”, segundo Henry James.

Madame Bovary foi praticamente a única obra do autor a alcançar o sucesso. Seu romance Salambô (1862) é entediante como a vida de Emma. A educação sentimental (1869) já é bem melhor. Somente quando já estava doente e com dificuldades financeiras é que outro livro, Três contos ou Três histórias (1877), voltou a mostrar a genialidade de Bovary. Sua reputação cresceu postumamente, reforçada pela publicação do romance inacabado Bouvard e Pécuchet (1881) e pelos notáveis volumes de sua correspondência, onde dá grandes lições de arte literária.

O romance, publicado em outubro de 1856, conta a história de Emma, uma mulher sonhadora pequeno-burguesa, criada no campo, que aprendeu a ver a vida através da literatura sentimental. Bonita e requintada para os padrões provincianos, casa-se com Charles, um médico viúvo do interior tão apaixonado pela esposa quanto chato. Ele não é como os heróis das suas leituras. Nem mesmo o nascimento da filha dá alegria ao indissolúvel casamento ao qual a protagonista se sente presa. Ela espera alguma ação do marido que consiga despertar nela o amor tão sonhado e esperado.

Isabelle Hupper como Madame Bovary (1991), filme de Claude Chabrol

Emma, cada vez mais angustiada e frustrada, busca no adultério uma forma de encontrar a liberdade e a felicidade. Evita um caso com o charmoso Léon por medo e vergonha. Vangloria-se de seu altruísmo e honestidade. Mas com Rodolphe é diferente e a fantasia romântica floresce. Ela se torna amável, mas a situação revela-se efêmera. Envolve-se em mais um caso de final melancólico. Não há arrependimento ou reviravolta no livro, nada de redenção, de final feliz. O romance foi considerado cruel por não apresentar saída.

Além disso, Emma não atrai simpatia, só que a arte de Flaubert faz com que os leitores acompanhem sua trajetória com imensa atenção. Na verdade, ela é ambiciosa e medíocre, incapaz de amar ou de sentir empatia por alguém. Entedia-se facilmente e é impulsiva. O que a faz fascinante talvez seja o choque entre suas aspirações e absoluta incapacidade de ser feliz. É fácil compará-la com outra personagem fascinante e trágica, Anna Kariênina, de Tolstói, porém Emma é muito mais voltada para si, despreocupada com o sofrimento dos outros, vendo o mundo através dos estereótipos românticos nos quais vê a única felicidade possível.

Era um tempo em que as mulheres deveriam ser dependentes do desejo masculino. Porém, em Madame Bovary, Flaubert mostra que o desejo e o prazer sexual têm dois sentidos. Deste modo, o romance era agressivo à moral burguesa do século XIX. Mal o livro começou a ser publicado, o secretário da Revue de Paris fez objeções sobre algumas cenas, que acabaram omitidas. Apesar disso, a censura francesa decidiu suspender a publicação da obra e processar o autor.

O julgamento

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Uma(s) lista(s) de melhores contos, na minha humilde opinião e na do El País

Uma(s) lista(s) de melhores contos, na minha humilde opinião e na do El País
Machado de Assis e Guimarães Rosa.
Machado de Assis e Guimarães Rosa.

O Brasil sempre privilegiou o conto, mas os europeus nunca deram grande importância ao gênero. O Caderno de Cultura Babelia do jornal espanhol El País publicou uma notícia que fala sucintamente da recente valorização do conto naquele país, pedindo para que autores espanhóis citem seus contos favoritos da literatura não espanhola. Curiosamente, nenhum conto foi citado duas vezes. Depois, coloco uma relação de contos favoritos deste blogueiro.

Relatos universales que no hay que perderse

Escritores, editores y libreros que han participado en este especial sobre el renacer y la nueva valoración del cuento en España comparten con los lectores títulos de sus cuentos favoritos en español y otras lenguas.

— El llano en llamas, de Juan Rulfo, y Bartleby, el escribiente, de Herman Melville (Berta Marsé).

— Carta a una señorita en París, de Julio Cortázar, y La dama del perrito, de Antón Chéjov (Cristina Cerrada).

— La Resucitada, de Emilia Pardo Bazán, y El bailarín del abogado Kraykowsky, de Witold Gombrowicz (Cristina Fernández Cubas).

— El Aleph, de Jorge Luis Borges, y Una casa con buhardilla, de Antón Chéjov (Eloy Tizón).

— El espejo y la máscara, de Jorge Luis Borges; Una luz en la ventana, de Truman Capote, y Donde su fuego nunca se apaga, de May Sinclair (Fernando Iwasaki).

— Bienvenido, Bob, de Juan Carlos Onetti; El álbum, de Medardo Fraile; En medio como los jueves, de Antonio J. Desmonts; Alguien que me lleve, de Slawomir Mrozek; Los gemelos, de Fleur Jaeggy; La colección de silencios del doctor Murke, de Heinrich Böll, y Guy de Maupassant, de Isaak Babel (Hipólito G. Navarro).

— Un tigre de Bengala, de Víctor García Antón, y La revolución, de Slawomir Mrozek (José Luis Pereira).

— No oyes ladrar los perros, de Juan Rulfo; El veraneo, de Carmen Laforet; La corista, de Antón Chéjov, y Rikki-tikki-tavi, de Rudyard Kipling (José María Merino).

— Continuidad de los parques, de Julio Cortázar, y El nadador, de John Cheever (Juan Casamayor).

— El Sur, de Jorge Luis Borges; Parientes pobres del diablo, de Cristina Fernández Cubas; Tres rosas amarillas, de Raymond Carver, y La dama del perrito, de Antón Chéjov (Juan Cerezo).

— El infierno tan temido, de Juan Carlos Onetti, y Los muertos, de James Joyce (Juan Gabriel Vásquez).

— Las lealtades (de Largo Noviembre de Madrid), de Juan Eduardo Zúñiga, y El nadador, de John Cheever (Miguel Ángel Muñoz).

— Continuidad de los parques, de Julio Cortázar, y William Wilson, de Edgar Allan Poe (Patricia Estebán Erlés).

— Ojos inquietos, de Medardo Fraile; Noche cálida y sin viento, de Julio Ramón Ribeyro, y Míster Jones, de Truman Capote (Pedro Ugarte).

Minha relação saiu um pouco grande, apesar de ter sido escrita improvisadamente. Mas se pensasse mais, talvez não mudasse demais. Vamos a ela.

Contos estrangeiros:

— A Viagem, de Luigi Pirandello;
— O Velho Cavaleiro Andante, de Isak Dinesen (Karen Blixen);
— Ponha-se no meu lugar, de Raymond Carver;
— A Fera na Selva, de Henry James;
— Bartleby, o Escrivão, de Herman Melville;
— A Enfermaria Nº 6, de Anton Tchékhov;
— Queridinha (ou O Coração de Okenka), de Anton Tchékhov;
— A Corista, de Anton Tchékhov;
— A Dama do Cachorrinho, de Anton Tchékhov;
— Olhos Mortos de Sono, de Anton Tchékhov;
— Os Sonhadores, de Isak Dinesen (Karen Blixen);
— A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói;
— Uma Alma Simples, de Gustave Flaubert;
— As Jóias, de Guy de Maupassant;
— Os Mortos, de James Joyce;
— O Licenciado Vidriera, de Miguel de Cervantes;
— O Artista da Fome, de Franz Kafka;
— A Colônia Penal, de Franz Kafka;
— A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe;
— Berenice, de Edgar Allan Poe;
— William Wilson, de Edgar Allan Poe;
— O Primeiro Amor, de Ivan Turguênev;
— Três Cachimbos, de Ilya Ehrenburg;
— A Loteria da Babilônia, de Jorge Luis Borges;
— A procura de Averróis, de Jorge Luis Borges;
— O jardins dos caminhos que se bifurcam, de Jorge Luis Borges;
— Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, de Jorge Luis Borges.

Contos brasileiros:

— Missa do Galo, de Machado de Assis;
— Uns Braços, de Machado de Assis;
— Noite de Almirante, de Machado de Assis;
— Um Homem Célebre, de Machado de Assis;
— A Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa;
— Meu tio, o Iauaretê, de Guimarães Rosa;
— A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa;
— O Duelo, de Guimarães Rosa;
— Guapear com Frangos, de Sérgio Faraco;
— O Voo da Garça-pequena, de Sergio Faraco;
— Corvos na Chuva, de Ernani Ssó;
— Contrabandista, de João Simões Lopes Neto;
— Baleia, de Graciliano Ramos (não é um conto, mas pode funcionar como tal);
— O homem que sabia javanês, de Lima Barreto;
— O Vitral, de Osman Lins;
— O Afogado, de Rubem Braga;
— Venha Ver o Pôr do Sol, de Lygia Fagundes Telles;
— Feliz Aniversário, de Clarice Lispector;
— Uma Galinha, de Clarice Lispector;
— O Japonês dos Olhos Redondos, de Zulmira Ribeiro Tavares.

Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): X – Madame Bovary, de Gustave Flaubert

Li Madame Bovary apenas uma vez e acho que não preciso de outra para colocar o livro em minha antologia. Se o ser humano é uma coisa eternamente insatisfeita, aqui temos o microcosmo da infelicidade feminina e da desilusão romântica. Não vou contar em detalhes a história do livro, mas esta foi tão imitada e recontada que não guarda mais nenhuma novidade. É o romance que fundou o realismo em 1857 e, assim como a cabeça do Quixote estava cheia de romances de cavalaria, a de Emma Bovary estava lotada de romances sentimentais. Emma casa-se com o médico Charles Bovary, insípido e apaixonado por ela. O tédio insere-se de tal forma na relação que ela passa a detestar o marido. A progressão do tédio e sua transformação em desinteresse e depois ódio são contadas por um autor absolutamente impecável e no perfeito domínio de seus meios. Nada parece estar fora do lugar, nenhuma palavra. Dividido em três partes, como um concerto, demonstra como Emma permanece insatisfeita mesmo após o nascimento da filha e de seus apenas prometedores adultérios.

Na época em que foi publicado, Madame Bovary causou escândalo e foi julgado por obscenidade. Quando perguntaram a Flaubert quem era a protagonista que tinha sido descrita com tamanha perfeição e riqueza de detalhes, o autor respondeu ao tribunal com a célebre frase que diz tudo: “Madame Bovary c`est moi!”.

E era. Flaubert passou mais de uma década observando, apurando, polindo, reescrevendo e inaugurando o realismo na literatura. Flaubert foi absolvido no ridículo processo, mas não foi perdoado pelos puritanos, que não conseguiam admitir o tratamento cru dado ao tema do adultério e pelas críticas implícitas ao clero e à burguesia, ambos desprezados por Flaubert. Mas esqueçam o fundador do realismo, o processo e tudo o que cerca Bovary. O livro é antes de tudo um texto admirável, construído com arrebatador virtuosismo; um texto trabalhadíssimo onde não se notam sinais do suor do autor. Tudo flui, tudo ganha seu devido ritmo e todo detalhe jogado ali é significante e contribui para a narrativa. Talvez Madame Bovary seja a maior das aulas práticas de narração.

James Wood escreveu em Como funciona a ficção que “Tudo começa e tudo termina com Flaubert”. Discordo. A literatura moderna recebe notável impulso com Flaubert, mas já começara com Stendhal. E não termina no autor de Bovary, como diz a frase de efeito de Wood. Porém, para usar uma palavra que está na moda, Madame Bovary é um romance verdadeiramente incontornável.

Lendo Anna Kariênina (ainda não é uma resenha, é só paixão)

Li rapidamente um terço do livro de 814 páginas. Incrível como minha lembrança do romance era distorcida. É ainda melhor do que eu lembrava. Tolstói não é aquele estilista perfeito — usa estranhas pontuações e repete palavras tal como o tradutor Rubens Figueiredo (excelente) referiu no prefácio. Por exemplo, nas páginas 241-242 há um parágrafo de quase uma página onde a palavra “camponeses” aparece 15 vezes. Sem problemas, o homem sabe contar uma história como ninguém. Tais repetições não revelam descaso com o texto. Tolstói era um escritor cuidadoso, revisava muitas vezes seus textos que depois eram passados a limpo à noite por sua mulher. Ele usa as repetições em seu hábil discurso livre indireto, inserindo-se nas idiossincrasias e vícios de linguagem dos personagens.

Outra coisa é que as descrições nunca são contadas sem o filtro e a emoção de um personagem. Não são descrições mortas, sem ação, Tolstói integra tudo, fica lindo. Vemos a propriedade de Liêvin enquanto o mesmo sofre e trabalha nela. Nada para, tudo narra.

Esta tremenda obra de arte muito bem planejada é cheia de pequenos detalhes significativos. Há dois personagens principais, Liêvin e Anna. Em torno deles gira toda a ação, com apenas dois ou três pontos de contato mais claros, Kitty, Oblónski e sua mulher Dolly. Duas perspectivas da mesmíssima Rússia. Um painel? Sim, mas um painel de câmara, sem e com maior grandiosidade do que em Guerra e Paz.

Tal como na primeira leitura, que fiz aos 17 anos, o bovarismo de Anna me parece mais antipático do que o da heroína de Flaubert, mas sua impulsiva irreflexão é um dos pontos altos do romance. Uma coisa de que não lembrava era da ironia de frases que se contradizem em grande parte do romance. Às vezes umas contra as outras, às vezes internamente.

(Paixão de outros: estou num banco para falar com uma gélida gerente de contas. Ela se levanta para ver se um cartão está na agência. Quando volta, interrompe arregalada o ato de sentar. Fica suspensa olhando para o livro de Tolstói e me diz lenta e saborosamente: Anna Kariênina… eu simplesmente amo esse livro! Senta-se e começa a falar comigo com se fôssemos velhos amigos).

Como funciona a ficção, de James Wood

Só existe uma receita: ter o maior cuidado na hora de cozinhar.
HENRY JAMES

Esta citação abre Como Funciona a Ficção (232 páginas, Cosac Naify, tradução de Denise Bottmann), de James Wood, e é uma frase muito humilde e realista da parte do autor, pois no final quem decidirá o que será usado na  ficção serão as decisões do autor e de seu editor aliadas à apreensão do leitor, que dirá afinal se funcionou. São coisas realmente muito complicadas de se colocar num manual, pois há toda uma realidade complexa e inapreensível: o ouvido, a música, a qualidade das analogias, o uso dos detalhes, a criação de personagens, os diálogos, o bom uso do discurso livre indireto, o foco, a capacidade de fugir do convencional, etc. Ou quem sabe poderíamos chamar todos este itens simplesmente de bom gosto?

Wood sai avisando logo de cara:

Neste livro, tento responder algumas das perguntas fundamentais sobre a arte de ficção. (…) espero que seja um livro que faz perguntas teóricas e dá respostas práticas – ou, em outras palavras, que faz as perguntas do crítico e dá as respostas do escritor.

Nem tanto, Mr. Wood. As respostas vêm por exemplos, é mostrado o que funciona e tais demonstrações certamente são irrepetíveis — pois qualquer ingrediente alterado tem o condão de mudar inteiramente o sabor e se não fosse alterado teríamos casos de plágio… Desta forma, acho que é demais dizer que dá respostas práticas. (Fico pensando nas oficinas literárias. Como se aprende a fazer ficção? Com algumas instruções sai alguma coisa, mas é possível “formar o ouvido” lendo poesia, como sugere Wood? Ou seria mais eficiente ouvir Bach ou observar os trabalhos gráficos de Goya? Como se forma a sensibilidade, cara-pálida? Ah, não me perguntem. Acho que os “professores” das oficinas apenas podem dar uma melhorada, verificar que o aluno está pronto ou mandá-lo guardar seu dinheiro).

Apesar de ser organizado por assunto, o livro funciona por acumulação, tendo citações reutilizadas. Conhecer a maioria dos livros citados é bom, mas não é fundamental para a compreensão do todo. A primeira parte, “Narrando” trata basicamente do artifício do “discurso ou estilo indireto livre”, onde características dos personagens grudam num texto escrito em 3ª pessoa e quem passa a falar não é mais o autor. Os exemplos vem de Joyce, principalmente dos contos de Dublinenses, onde o irlandês usa e abusa do recurso. É um bom capítulo. Depois, grande parte dos argumentos derivam principalmente de Flaubert, mas também de James, Woolf, Dickens, Dostoiévski, Tolstói, Bellow, Saramago, Philip Roth e Muriel Spark. Há observações excelentes sobre o flâneur, os personagens, os detalhes, a linguagem e o melhor, o último, sobre verdade, convenção e realismo.

Leio estes livros sobre ficção por puro prazer. É como se sentasse com um amigo muito culto e gentil para trocarmos ideias num café. Não tenho a expectativa de aprender. No máximo, a discussão auxilia a organizar os pensamentos, o que já é muito e faz certamente parte de um aprendizado. Organizar o que se sabe É aprender, certamente, e é bom falar sobre literatura e lembrar passagens de livros.  Mas que ninguém leia este gênero de livro ou frequente oficinas na expectativa de que os horizontes se abram. São momentos enriquecedores e agradáveis. Se serão fecundos é outra história.

Leia mais e melhor: Aprendendo como funciona a ficção

P.S. — Há toda uma discussão sobre se Wood é conservador ou não. Não me pareceu sê-lo. O que é correto dizer é que ele parte via de regra do ícone e que cultiva grande amor pelo realismo. As pessoas fazem confusão entre realismo e naturalismo… E, bem, para ser compreendido há que dar exemplos de conhecimento comum, correto? Além do mais, vários autores recentes e muito diferentes entre si são citados. Esqueçam.

O Horla, A Cabeleira, A Mão, O Colar, de Guy de Maupassant

A editora Artes e Ofícios acaba de lançar uma excelente coletânea de contos de Guy de Maupassant (1850-1893), autor injustamente esquecido por estas plagas. Autor de romances, peças de teatro e principalmente de cerca de 300 contos, Maupassant foi um imenso escritor. Começou como discípulo de Gustave Flaubert (1821-1880), de quem foi efetivamente um aprendiz. Flaubert teria ensinado o futuro escritor a observar. Fazia-o olhar, por exemplo, para uma determinada árvore até que esta se distinguisse das outras por alguma característica que a fizesse merecer ser descrita literariamente. Porém, se Flaubert ensinou e viveu mais do que Maupassant, o discípulo logo deixou de observar tanto as árvores e escreveu em quantidade muito maior que o mestre. E, se parte da obra de Maupassant é realista, de grande apuro psicológico e extraordinariamente bem escrita como o faria Flaubert, o autor tinha bastante desenvolvida outra faceta cuja maior influência era a do americano Edgar Allan Poe (1809-1849).

Os três contos iniciais desta coletânea — O Horla, A Cabeleira e A Mão — focam este labo B, não flaubertiano, do escritor francês. O Horla é uma bela narrativa sobre o tema do duplo e da loucura aos moldes do William Wilson de Poe. A Cabeleira é escrito num clima peculiar de necrofilia erótica. Este conto, lido na adolescência e relido trinta anos depois, cresce muito pelos significados que apenas ficam a nossa disposição com a idade, infelizmente. Já A Mão é uma daquelas histórias de terror ao estilo das que escreveria anos depois H. P. Lovecraft (1890-1937), mas sem utilizar a adjetivação pesada e exagerada do americano. Um flaubertiano é elegante até, e principalmente, no terror.

Sem trocadilhos, a grande joia deste livro é O Colar. Além de ter criado uma grande história sobre o comportamento e submissão social, Maupassant chega aqui a uma execução perfeita. Um clássico irretocável que as dezenas de tentativas de adaptação para o cinema e a televisão tornaram ainda maior. O drama de Mathilde Loisel, ao dedicar sua vida ao pagamento de uma dívida, possui uma carga de humanidade e emoção que o tornam um dos melhores já escritos, valendo até trocadinhos de mau gosto.