Cheguei às 19h55 no Salão Negrinho do Pastoreio do Palácio Piratini e ele já estava lotado. Isto é, 35 minutos antes do concerto a sala já estava totalmente lotada. Assisti em pé a um concerto nada pretensioso, nada vulgar e bom, muito bom.
A primeira peça foi a que menos gostei: a Abertura da ópera L’italiana in Algeri, de Gioacchino Rossini. Uma peça bem humorada, simpática e não muito mais do que isso, mas que cumpriu seu papel de abertura para a curiosa obra de Ottorino Respighi, Gli uccelli (em italiano, As Aves, jamais Os Pássaros; afinal, galinhas não são pássaros), que tem um Prelúdio conhecidíssimo dos ouvintes da Rádio da Universidade por ser cortina de um de seus programas. Depois, tivemos a Sinfonia nº 4, em Lá Maior, Op. 90, Italiana, de Felix Mendelssohn.
O destaque do programa foi evidentemente a excelente Sinfonia Italiana, uma daquelas peças que não tem nenhum movimento que não seja melodioso, fluido e agradável. Sob a compreensiva regência de Manfredo Schmiedt, todo o espírito de vivacidade e gentileza da sinfonia esteve presente no Palácio Piratini, mesmo que a acústica da sala tenha prejudicado a quem, como eu, estava encostado na janela externa da sala. Eu simplesmente não ouvia os contrabaixos e violoncelos. Com minhas parcas noções de acústica, diria que aquela porta aberta bem na frente dos baixos, na diagonal da orquestra, era o sumidouro daquilo que eu adoraria ouvir.
Destaque para as madeiras e metais, absolutamente impecáveis e eufônicos no terceiro movimento (Con moto moderato) e para o Saltarello final da Italiana, que me deu vontade de dançar pela sala. Mas tinha muita gente… E, alíás, estava muito quente lá dentro, parecia Manaus. Não sei que seria de nós se estivéssemos num março canicular, sem a camaradagem deste de 2013.
Para mim foi surpreendente; afinal, o Teatro do Sesi estava quase cheio. Havia um jogo pela Libertadores — o divertido Caracas 2 x 1 Grêmio — e, como se não bastasse, tinha o show Thick as a Brick, do Jethro Tull, no Araújo Vianna. Mas o pessoal deslocou-se até o “interior” para chegar ao Sesi e ver o concerto inaugural de 2013. Era uma cortina lírica com aberturas, árias e cenas de Giuseppe Verdi e Richard Wagner. Em 2013, ambos completam 200 anos de nascimento e devem ser figurinhas fáceis antes do ano da Copa.
Não tenho muito a dizer sobre o concerto, não sou afeiçoado ao gênero, porém é absolutamente obrigatório citar o espetacular tenor Martin Muehle. Trata-se de um cantor que não apenas é excelente, mas que também está no auge. Mesmo na ‘Cena 3 do primeiro ato da ópera “Die Walküre”’ — uma longa cena que consiste em aproximadamente 15 minutos de clímax, algo que no início é parecido com o sexo tântrico mas que logo dá sono — , o cara deu um banho. Perto do final da cena, olhei para o lado esquerdo, uma pessoa dormia; olhei para o outro lado, duas. O Martin não merecia Wagner. Será que em Bayreuth é também assim?
Eu estava sentado na poltrona A13 / 9.
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Quando saí do Concerto e liguei o celular, o Dario Bestetti já estava em chamas, mandando torpedos de “Chávez Vive!”. Logo vi que algo muito legal estava rolando em Caracas. Liguei pra ele e soube que Cris era o Bolívar careca. Caraca, vi os gols agora! A definição é mais do que exata. Claro, não assisti o jogo e tenho convicção de que o Grêmio irá se classificar em primeiro lugar em seu grupo — o Flu está muito mal e o Grêmio poderia vender saldo gols e ainda assim permanecer em vantagem — , mas perder pontos é sempre legal. O porteiro do prédio do Sul21 não me recebeu com o olho tapado em referência ao pirata Barcos, prova de que o golpe deixou-o abalado. Não lhe disse nada. Nem precisava. Todo mundo sabe da derrota e da faixa.
O primeiro concerto da Ospa ocorreu em 23 de novembro de 1950. A regência foi de seu primeiro maestro e diretor artístico, Pablo Komlós, e a orquestra interpretou obras de Weber, Mendelssohn, Berlioz e Beethoven. O gran finale veio com a Sinfonia Nº 3, Eroica. Deve ter sido uma noite e tanto e eu, sinceramente, não quero que seja verdade o fato de que a primeira obra executada tenha sido de autoria de Weber. Acho que isso machucaria a maioria dos admiradores da orquestra. Em função deste temor, encerro aqui o processo de pesquisas para este texto.
Aos 62 anos, esta senhora permanece sem teto ou, melhor dizendo, é jogada de um local para outro, como se costuma fazer com as vilas e a cultura em nosso estado. No início de 2013, nossa Ospa mudará novamente de ponto, ops, desculpem, de local de ensaios. Parece que sairá do cais do porto onde os integrantes da orquestra tiravam belas fotos de barcos e lagartos para o CAFF (Centro Administrativo Fernando Ferrari). Este seria seu penúltimo lugar de moradia, pois o Teatro da Ospa deve ficar pronto em 2014.
(Nas línguas eslavas, Ospa significa varíola; ignoro se estas mudanças de local são devidas a algum gênero de quarentena).
O que é notável é como esta sexagenária, mesmo sem moradia fixa e ainda negociando seu quadro — onde tenta reorganizar a instituição e colocar seus membros nas posições corretas através de concursos específicos — está bonita, com bom desempenho e, pasmem, é muito cortejada. Por exemplo, há alguns meses um grupo de melômanos quixotescos procura criar uma Associação de Amigos da dita cuja e, olha, como é complicado marcar reuniões! Já somos 3.082 admiradores e ninguém obteve ainda tocar na senhora. Céus, é muita pudicícia para quem é tão boa no palco.
Parece que segunda-feira haverá finalmente uma reunião. Está marcada. Serão 3.082 admiradores se pavoneando para a senhora de 62 anos. Esperamos alguma abertura.
De resto, parabéns a esta grande orquestra, a seus músicos e até a sua diretoria, que um dia irá render-se ao encanto de seus fãs!
Eu achei o público pequeno. O Salão de Atos da Ufrgs estava com uma lotação de aproximadamente 70%. E, quando acabou o concerto, achei o público menos numeroso ainda. Pois o que ouvimos foi de tal forma grandioso e sublime que nos deixou menores. Ou maiores. Pois internamente me sentia como se tivesse crescido alguns centímetros. É um verdadeiro crime o fato de que tantos ensaios, com resultados tão bons, gerem apenas um concerto que, pior, não será repetido tão cedo. Mas deveria.
O único problema foi o de ter sentado ao lado de duas pessoas que não conseguiam calar a boca e que, curiosamente, guardam algum parentesco com uma importante figura da orquestra. Para completar, a menina grávida e sua mãe saíram estrepitosamente em meio ao último movimento. Encheram o nosso saco por mais de uma hora e, quando minha mulher pediu que parassem de falar, chamaram-na de “grossa”. Arrã.
A Sinfonia Nº 7 tem uma estrutura simétrica mais ou menos assim: um belíssimo e dançante Scherzo envolvido por duas ma-ra-vi-lho-sas “Músicas da Noite”, as quais são antecedidas e sucedidas por dois movimentos tipicamente mahlerianos, um sombrio e outro luminoso. Fazendo um esquema bem precário, é assim:
Sombras / Música da Noite 1 / Scherzo / Música da Noite 2 / Alegria
O maestro Ira Levin comprovou novamente sua extraordinária competência — ele já tinha regido a Ospa na Sinfonia Nº 1 de Mahler em julho do ano passado. Repito o que disse naquela oportunidade: ele DEVE ser convidado mais vezes.
Em casa, em CDs, costumo ouvir a sétima sinfonia retirando o primeiro e o último movimento. Fico apenas com as duas Nachtmusiken e com o Scherzo, que me é particularmente sedutor. Ontem, este esquema revelou-se em toda sua imbecilidade. A arquitetura da Sinfonia só faz sentido quando ouvida por inteiro. O caminho percorrido pela música só pode ser compreendido se sabemos seu início e seu seu final. Mais: os jogos timbrísticos entre os instrumentos e as melodias que são começadas aqui e desenvolvidas acolá, ou seja, toda a arte da composição e da orquestração de Mahler só podem ser sentidas e avaliadas ao vivo. Hoje, a Sétima é hoje outra sinfonia para mim.
Os destaques da orquestra foram muitos. O pessoal dos metais, o primeiro violinista Emerson Kretschmer, o primeiro violista Vladimir Romanov, todos os sopros e a percussão, as cordas, todos estiveram absurdamente bem numa obra que não é nada fácil.
Parabéns a todos os envolvidos. Na próxima terça-feira, haverá o retorno de Rach ao Salão de Atos, mas há muita coisa boa para trabalhar na memória. Agora mesmo estava ouvindo uma das gravações de Bernstein da Sétima. Sim, agora que a entendo melhor, é outra sinfonia.
Ontem, não teve concerto da Ospa. Porém, no último domingo, às 11h da manhã, minha mulher me acordou cheia de carinhos. Ela estava me enganando, porque não queria nada comigo: sua real intenção era a de me arrastar ao Salão de Atos da UFRGS. O programa não se parecia nem um pouco com aqueles dos Concertos para a Juventude do passado. Nada de programinhas simples, divertidos e dominicais para as famílias que estavam ou que iriam depois ao Parque da Redenção ali ao lado. Nada de programas pré-prandiais. O programa era totalmente adulto, destinado a… Bem, não sei a quem.
O que sei é que o horário e a discutível grife “Concerto para a Juventude” têm sido usados como escoadouro para que os vencedores dos Concursos Jovens Solistas possam enfim apresentar-se. Deste modo, o Concerto para a Juventude vê-se transformado em Concerto DA Juventude. Gostei mais da atuação sóbria do regente Thiago Santos do que de sua escolha da lastimável Abertura da Ópera Oberon, de Carl Maria von Weber para iniciar o concerto. Não chega a ser surpreendente que esta ópera tenha sido um rotundo fracasso. A Abertura já recomenda a fuga. É a música de um alemão que tenta ser italiano. Não dá certo.
Apesar da excelente performance do violista Gabriel Polycarpo — magérrimo e engraçado como só os pós-adolescentes conseguem ser, com um casaco grande demais para o cabide, tendo ficado cada vez mais torto durante a execução — , pô, convenhamos, o Concerto para Viola, Op. 1 de Carl Stamitz deve ser exigência de professor. Talvez seja muito bom para desenvolver a técnica do violista e o guri saiu-se bem demais, mas que musiquinha sem graça!
Já Thomas Konig Pires entrou nervoso, fazendo execícios para um pescoço certamente tenso. Coçou também as costas, impulso incontrolável em pessoas brilhantes e cheias de conteúdo (explico: tenho a mesma mania, coço as costas quando falo em público; então Thomas é um gênio). Então, ocorreu a mágica. Logo na primeira intervenção viu-se que o moço sabia o que tinha vindo fazer. O que eu antecipava como uma série de solos nervosos deu lugar a uma série de solos percussivos de alta qualidade. Eram as Tres Danzas Concertantes, do cubano Leo Brouwer, outra escolha meio estranha, mas vá lá.
A melhor obra da manhã foi Tributo a Portinari, de César Guerra-Peixe, certamente uma escolha de Thiago Santos, um bom jovem regente que tem a característica de saber receber os aplausos — fora do estrado, ao lado e ao nível dos músicos, demonstrando uma falsa vontade de ser como eles, como diria o Lebrecht. Mas é educado fazer isso!
É óbvio que a Ospa deve arranjar outro horário para seus Concertos da Juventude, mantendo os antigos Concertos para a Juventude com seus repertórios simples de trechos de obras do gênero João Carlos Martins, só que com que alguém mais barato, talvez um neobelardi inventado. Lembro da época em que a Ospa apresentava seus jovens solistas em concertos noturnos, muito mais adequados ao tipo de repertório normalmente escolhido. E lembro do tempo da Escola de Música da Ospa, onde estudou este ótimo Gabriel Polycarpo. Mistura de programa social e produção de material humano qualifica para as orquestras, a Escola está paralisada, prejudicando o aparecimento de novos gabriéis e deixando ociosos músicos que deveriam repassar sua experiência e conhecimento. Mas vou parar por aqui a fim de não me irritar, OK?
Em 17 de maio de 1890 estreava a Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni no Teatro Costanzi de Roma. Na mesma data nascia o Verismo musical italiano e, assim como na literatura, também na ópera a arte passava a imitar a vida, fugindo dos modelos históricos e míticos e mergulhando no cotidiano.
A violinista da OSPA, Elena Romanov, fez-me notar que, em 1892, apenas dois anos após a estréia na Itália, a Cavalleria já chegava ao Theatro São Pedro com a grande Companhia Lírica Italiana de Poltronieri e Bernardi. Achei interessante lembrar ao apreciadores da lírica que, no século XIX, era usual companhias profissionais de ópera italiana se deslocarem de navio para a América Latina iniciando seu circuito pelo Teatro da Paz de Belém, de 1869, descendo em direção ao Teatro de Santa Isabel de Recife, de 1850, Theatro São Pedro de Porto Alegre, de 1858 e Theatro Sete de Abril de Pelotas, de 1834. Depois seguiam para o Uruguai e Argentina. Em 1890, ainda não existiam o o Theatro Pedro II e o Municipal de São Paulo, o Teatro Amazonas, o Theatro Municipal do Rio e o Theatro José de Alencar de Fortaleza, entre outros.
Em 2012, durante este final de semana, no Theatro São Pedro, passados 120 anos, voltamos a ouvir a história de Turiddu Macca, um camponês siciliano que, ao retornar do serviço militar, encontra Lola, sua namorada, casada com Alfio, um rico caixeiro-viajante. Tomado pelo ciúme, ele seduz a jovem Santuzza e a usa para provocar a antiga namorada. Lola cai na armadilha e torna-se sua amante. Santuzza, ao descobrir a traição, denuncia os amantes para Alfio, que, para lavar sua honra, desafia Turiddu para um duelo que se conclui com a morte deste.
Foram 55 minutos de tensão e drama enriquecidos pela Ospa (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), coro e solistas.
O maestro Enrique Ricci transpirava segurança e carisma e, mesmo no espaço reduzido do pequeno teatro, o qual impedia movimentos de palco e limitava a atuação cênica, soube extrair interpretações emocionantes.
A orquestra e o coro estavam claramente seduzidos pelo maestro e havia congraçamento, integração, vontade. Quem estava na plateia sentia a música chegando como ondas, via-se as pessoas sendo transportadas pela obra. Eu mesmo, com a visão periférica, buscava meus vizinhos de platéia e via respirações, mãos e pernas que vibravam em sincronia com os acontecimentos do palco. A orquestra se transformou em praça e o coro sinfônico – com suas vozes treinadas pelo maestro Manfredo Schimiedt – foi o povo da Sicília, com sua religiosidade, alegria e drama.
A soprano Cláudia Riccitelli, foi uma apaixonada Santuzza, hipnotizando o público com uma expressividade sanguínea que a ajudou a superar as dificuldades do papel. A mezzo Luciane Bottona, destacou-se com uma mamma Lucia de ótima atuação cênica, voz segura, bem projetada e de lindo timbre. O barítono Sebastião Teixeira, apresentou um Alfio impecável com belos e sonoros graves. O tenor Richard Bauer, foi um bom Turiddu, destacando-se no dueto com Santuzza. A soprano Elisa Lopes encarnou satisfatoriamente a provocante Lola.
Momento memorável, casa lotada em todas as récitas, merecia mais e mais réplicas.
Bom repertório, bom maestro, bom solista e uma orquestra inspirada fizeram ontem à noite um dos melhores concertos de 2012, talvez o melhor de todos. Foi o conserto do concerto, se me entendem. Chovia muito e a Assembleia Legislativa ficou com pouco mais da metade de suas dependências ocupadas, apesar do ingresso gratuito.
A primeira obra foi o famoso Concerto para Violino, Op. 64, de Felix Mendelssohn. É uma obra em três movimentos interligados que recebeu eficiente interpretação do solista nipo-germânico Koh Gabriel Kameda, sobre o qual tínhamos especial curiosidade. Afinal, o cara toca num Stradivarius de 1727. Kameda é um excelente violinista, as notas estão todas lá, mas acho que ele pecou na interpretação um pouco dura demais. Aquilo prejudica até o som privilegiado de seu violino. Meu entusiasmo por ele é limitado, mas tenho que dizer que o aplaudi muito. É que a memória do concerto de Mendelssohn ficou prejudicada pelo que veio depois e que foi muito, mas muito maior.
Ah, Kameda e a Ospa deram um bis com Oblivion de Astor Piazzolla. Engraçado, aqui Kameda perdeu a contenção, fazendo exatamente o que dele se esperava no Concerto. Enfim, coisas.
Tenho uma relação especial com a Sinfonia Nº 9 de Franz Schubert, apresentada após o intervalo. No dia 10 de dezembro de 1993, encontrei meu pai à noite num supermercado. Como sempre fazia com ele – e ele comigo – vim sorrateiramente por trás e fingi dar-lhe um encontrão. Depois, conversamos umas bobagens e nos despedimos. No dia seguinte, às 6h, ele estava estirado no banheiro de casa, morto, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Meio perdido, andei pela sala e resolvi abrir o CD Player para ver o que estava ali dentro. A última música que ele tinha ouvido fora a Sinfonia Nº 9, A Grande, de Schubert, com Claudio Abbado e a Chamber Orchestra of Europe. Nos dias posteriores, ouvi loucamente aquela música belíssima. Conheço-a em detalhes, claro. Qualquer psicólogo de farmácia dirá que eu tentei trazê-lo de volta através da Sinfonia, mas que ela não era tão grande assim. Mas, enfim, o concerto…
Ou o regente Pedro Calderón deu total liberdade ou foi muito bem compreendido pelos músicos. Isto era visível pela felicidade de todos. As cordas estiveram perfeitas numa obra longa em que elas trabalham o tempo inteiro.
O primeiro movimento inicia com um solo de trompa que foi executado na medida por Israel Oliveira. Todo o Andante – Allegro ma non Troppo recebeu a seriedade que merece, mas Calderón parecia ter a clara intenção de nos mostrar que seu Schubert era o dos lieder, o das canções. O segundo movimento (Andante con Moto)tem importante participação das madeiras e das flautas – destaques sempre e sempre para Viktória Tatour e Klaus Volkmann – e foi talvez o grande momento da noite. Há ali um tema puxado pelos segundos violinos que depois é “cantado” por toda a orquestra. Sim, ele foi “cantado” por todos os instrumentos como poucas vezes ouvi. Era pura felicidade dentro de uma melodia que nos remete novamente às canções schubertianas. Quem esteve lá ouviu. No Allegro Vivace que fecha a nona com algumas curtas referências a sua irmã de Beethoven, o entusiasmo de todos era tamanho que a batuta de Calderón acabou saltando de sua mão, voando sobre a cabeça dos spallas Omar Aguirre e Emerson Kretschmer, caindo atrás deles. Calderón seguiu o baile. Este Calderón – um argentino que deve ser octogenário — podia vir mais vezes, não? Ninguém vai se incomodar.
Foi maravilhoso. Gosto de observar a plateia na saída de shows, filmes e concertos. Ela saiu nas nuvens, vinda de um mundo absolutamente feliz. Estavam sem medo da chuva, também. Notei uma mulher que saiu à rua com total naturalidade e uma sombrinha na mão. Achei graça. Como prestar atenção a um mero guarda-chuva depois daquilo?
Programa
Felix Mendelssohn: Concerto para Violino, Op. 64
Bis: Astor Piazzolla: Oblivion
Franz Schubert: Sinfonia nº 9
Solista: Koh Gabriel Kameda
Regência: Pedro Calderón
Ontem tivemos um concerto regido por João Carlos Martins na Ospa. No passado, Martins foi um grande pianista, um excelente intérprete de Bach, mas depois uma série de acidentes e circunstâncias fizeram com que ele perdesse o movimento das mãos. Hoje, aos 72 anos, Martins atua como uma espécie de André Rieu brasileiro, regendo música ligeira e batucando lamentavelmente um piano com os três dedos que ainda lhe atendem. Vê-lo tocando é triste tanto para os olhos como para os ouvidos, é algo que busca despertar nossos sentimentos de pena, que toca muitas pessoas facilmente suscetíveis a situações do tipo ele-está-lutando-contra-a-adversidade ou e-mesmo-assim-ele-é-feliz. Não é proibido e muita gente gosta, mas, na minha opinião, a vaidade de Martins é tão grande que mesmo a exposição de suas deficiências como pianista serve a seu ego sedento de espectadores. E ele encontrou um público que ouve seus discursos e o aplaude, feliz. Não é mais arte, não é mais música erudita, é a utilização de prestígio para tocar movimentos sinfônicos ou nem isso. Ontem por exemplo, ele apresentou um retalho do Bolero de Ravel, pois talvez lhe falte resistência física ou não sinta interesse do público numa audição integral.
Antes de perder os movimentos das mãos, Martins teve uma rumorosa passagem pela Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo. O prefeito era seu amigo Paulo Maluf. Atualmente, Martins é réu em um processo onde é acusado de corrupção. Segundo o revista Veja (há links na página):
Como empreiteiro dono da Paubrasil, o pianista recolheu quase 20 milhões de dólares em caixa dois para as campanhas de Maluf. As construtoras Paubrasil e Entersa, das quais Martins era sócio, cometiam fraudes contábeis para esconder do Fisco o quanto faturavam e a maneira como empregavam seus recursos. Desta forma, ficavam livres para financiar as campanhas do político. Em 1993, ano em que Paulo Maluf assumia a prefeitura de São Paulo pela segunda vez, a Receita Federal descobriu que a Paubrasil – empresa do pianista João Carlos Martins – havia recebido doações clandestinas para as campanhas eleitorais de Maluf nos anos 1990. A proprietária de um imóvel alugado pela Paubrasil denunciou que ali funcionava uma confecção que fazia uniformes para a empresa e também material de propaganda de Maluf. Em 2009, o caso de corrupção rendeu-lhe uma condenação a dois anos e nove meses de prisão – período substituído por pena restritiva de direitos – por crime contra a ordem tributária. O maestro entrou com recurso e aguarda julgamento.
A Ospa é uma orquestra pública, financiada pelos contribuintes através de impostos, e penso que devemos considerar dois aspectos. O primeiro é o artístico. A Ospa deve servir ao que der e vier? Ontem, a exigência artística era tão rala que a orquestra entrou despreocupada, sem a menor concentração, tocando mal obrinhas populares que tiraria normalmente de letra, talvez irritada com a indulgência para consigo e para com o público. Porém, observando as caras das pessoas que assistiam o concerto, via-se um indiscutível encantamento de gente que normalmente não comparece aos concertos. Isso é educar e formar público? Certamente NÃO. Uma experiência de décadas nos diz que aquelas pessoas não irão aos concertos “sérios” e transcendentes, onde serão tocadas obras completas do modo como foram compostas. O público de ontem era formado basicamente por pessoas de mais de 40 anos que estavam com pena do pobre pianista com dificuldades. Na última oportunidade em que esteve em Porto Alegre, Martins apresentou um curta metragem com sua história artística e médica. Houve lágrimas na plateia… Era um público de Hebe Camargo, não o da música. Como se comprova nos países onde a música é mais desenvolvida, não é com concessões que se atinge a música erudita, é com o acesso fácil a ela. Neste quesito, os casos da Venezuela e da Inglaterra — eu escolho pegar como exemplos países bem diferentes — são absolutamente exemplares.
O outro aspecto é o moral. OK, o caso de Martins ainda não foi inteiramente julgado. Coube recurso e este é um direito seu. Porém um governo do PT deveria pagar um cachê — certamente dos mais altos cachês deste ano — justamente para um apoiador de Paulo Maluf acusado de corrupção? Precisa mesmo? E o estado legalmente pode pagar alguém com as acusações que pairam sobre o ex-pianista? Para fazer aquilo não seria melhor resgatar da aposentadoria o maestro Tulio Belardi e seus concertos populares onde ele até cantava tangos para a mesma plateia extasiada?
Bem, deixo para meus sete leitores estas interrogações.
Publicado originalmente em 20 de maio de 2012 no Sul21
Eu venho de uma cidade que tem uma Orquestra Sinfônica.
Erico Verissimo
“O Governo tem os olhos voltados para a orquestra, a Secretaria da Cultura também tem os olhos voltados para a orquestra, mas a Fundação (FOSPA – Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), entidade que detém a gestão da orquestra, só tem olhos para o governo. Desta forma, sem gestão, a orquestra fica abandonada”. Tal imagem foi criada pelo presidente da AFFOSPA (Associação dos Funcionários da Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), Wilthon Matos — que mostrou vários e-mails com relatos de músicos da OSPA — , a partir de uma afirmação do pianista André Carrara, músico da orquestra e membro da diretoria da entidade. O trompista Israel Oliveira, também da diretoria, diz que a Fundação tem receio de reivindicar qualquer coisa e acaba por não representar os músicos frente ao governo e, pior, não consegue gerir a orquestra.
Vamos explicar as siglas e as funções de cada órgão. O governo e sua Secretaria da Cultura são conhecidos, a FOSPA é a Fundação que deve se responsabilizar pela gestão da orquestra, seja administrativa ou artisticamente, e a AFFOSPA é a associação dos músicos da orquestra. “Temos um problema gravíssimo de gestão, a Fundação ignora, não ouve os músicos”, completa o mineiro Carrara.
Na tarde da última quarta-feira, o Sul21 visitou a direção da Associação de Funcionários em sua sede, uma pequena sala no edifício da Gal. Malcon em Porto Alegre. A Associação relatou que a relação com a Fundação está cada vez mais “franca”, o que talvez seja uma figura de linguagem educada para a palavra correta: “tensa”. A Associação considera, por exemplo, que o governo do estado está dialogando e ouvindo as partes na discussão salarial e do quadro de funcionários da orquestra, porém, se é consenso que a é proposta atual de reajuste é boa, é porque a Fundação assim avaliou, sem ouvir a orquestra.
André Carrara diz que “nenhum governo, ou, pelo menos, este, faria uma alteração no conteúdo de um projeto de aumento sem dialogar ou comunicar ao autor do projeto. A Fundação teve conhecimento dos valores oferecidos e os aceitou sem pestanejar e sem nos consultar. Nosso problema, como disse, é de gestão, não é um problema com o governo estadual. O governo está sentado à mesa de negociações discutindo o quadro, onde nós tentaremos reorganizar a instituição e colocar o funcionários certos nos lugares certos através de concursos específicos. O governo tem investido no teatro e sido sensível às nossas necessidades.
Toda a vez que sentamos com o Secretário da Cultura, fomos ouvidos. Então, quando os colegas dizem que nós temos que fazer uma manifestação, o local correto não é fazer isso na frente da Casa Civil, mas frente da sede da Fundação. O atual governo é o mais favorável, o mais solícito, próximo e efetivo de todos, tanto que o teatro vai sair. Nós temos um problema interno”. Por exemplo, este foi o único governo que nos entregou uma proposta por escrito (ao lado).
Nenhum dos três representantes da Associação dos Funcionários é gaúcho. Eles ficam animados quando falam nos motivos que os fizeram virem para Porto Alegre. Curiosamente, o motivo parece ter sido o naipe de cordas da Ospa. “Quando eu cheguei aqui em 2004, fui logo assistir a um Concerto da Ospa onde ela tocava a Sinfonia Clássica de Prokofiev. Fiquei encantado, principalmente com as cordas da orquestra. A afinação, a qualidade sonora do naipe de violinos era incrível e olha que eu vim de orquestras muito boas”, conta Wilthon. “E, mesmo com o tratamento recebido, o nível artístico dos concertos ainda é muito bom. Não sabemos até quando será”.
As condições de trabalho – a fase do Palácio Piratini
A Ospa perdeu muito nos últimos anos. Os dois últimos concursos para músicos da orquestra foram no governo Rigotto, sendo que “a coisa degringolou de vez no governo de Yeda Crusius”, conforme Carrara. “Durante aqueles quatro anos, perdemos o Teatro da OSPA na Av. Independência, a Escola e vários funcionários na área administrativa”.
Logo que o ex-Teatro Leopoldina foi perdido, a Ospa passou a ensaiar no Palácio Piratini. Ali, grande parte do sentido, do espírito de grupo da orquestra, foi perdido. “Ficamos sem local para conversar, praticar e até largar nossos pertences. Vinha um caminhão com o nosso material – , instrumentos, cadeiras, estantes – eles deixavam tudo lá, nós usávamos a Sala de Imprensa”, contígua ao Salão Negrinho do Pastoreio e depois tudo era carregado de novo no caminhão. Ficamos sem salas e armários. Imagina, um ensaio de orquestra é uma bagunça. Os naipes muitas vezes tocam separadamente, repetindo os temas, a gente atrapalhava o funcionamento do Palácio, é claro, mas estávamos fora de nosso ambiente. Tínhamos horários e não adiantava chegar mais cedo porque mais cedo o Palácio estava fechado…”.
Israel Oliveira completa: “Eu toco trompa, ele toca tuba (Wilthon). Como podemos ensaiar em casa? Hoje, com a tecnologia, a gente consegue se ouvir usando fones sem fazer muito barulho, há aparelhos que permitem isso, mas a gente perde a noção de força, de tocar forte ou piano (fraco) e perde a noção do diálogo que temos que estabelecer com outros músicos. Isto é, é uma necessidade imperiosa termos um espaço nosso. Nós não podemos ensaiar sozinhos em casa. Temos músicos excelentes, mas houve um prejuízo total em termos de performance”.
A fase em que a OSPA ensaiava no Palácio Piratini possui acentuados traços de comédia. Os instrumentos e cadeiras da orquestra ficavam armazenados dentro de um caminhão, pois não tinha como deixar o material no Palácio. Era um caminhão de mudanças e os instrumentos eram carregados de um local para outro transportados por pessoal não especializado. Naquela época também vários músicos se demitiram por terem sido convidados por outras orquestras sem substituição.
O fechamento da Escola de Música da Ospa
Depois, foi a vez da Escola de Música da OSPA fechar. Com a saída de funcionários administrativos e com a extinção das funções gratificadas, a Escola teve de ser fechada. A escola atendia alunos carentes. Desta forma um benefício social à população foi abolido. Vários músicos da OSPA e inúmeros outros que hoje se dedicam à música popular, quando meninos, foram formados na Escola da Ospa ou análogas. Os músicos que incorporaram esta FG a seus salários permanecem recebendo mesmo sem escola. Hoje, a Escola da Ospa não funciona, mesmo tendo prédio e uma estrutura mínima. O governo atual ainda não deu uma posição a respeito da escola. O fato é que a Fundação fez o pedido através de ofícios e, como sabemos, a papelada que não faz barulho nem incomoda.
A mudança para o cais do porto
Então, no início de 2010, a governadora Yeda Crusius anunciou que precisava fazer uma reforma no Palácio e que a Ospa não poderia permanecer lá. Então, foi dada a “solução” do cais do porto e a orquestra foi se alojar no armazém A3. A vida no porto não está sendo nada divertida, mas os primeiros dias foram ainda menos. As paredes eram de gesso acartonado e as placas de absorção acústica, poucas. O pessoal da Fundação tentava convencer os músicos de que a nova sede era o melhor dos mundos. Como não era, a orquestra voltou a ser um problema para a Fundação.
Durante os ensaios, o som produzido pelos metais é tão alto e reverbera de tal forma que o pessoal das cordas passou a usar protetores auriculares. Também são utilizadas placas de acrílico com a finalidade de separar os metais dos outros instrumentos. Wilthon Matos explica: “É que numa sala inadequada e baixa, o som não sobe, provocando um verdadeiro estrondo. Então, o pessoal das cordas se protege como pode. As placas de acrílico causam prejuízos artísticos, pois o pessoal dos metais não consegue ouvir como seu som se projeta. O cara que está tocando o trompete passa a semana inteira com aquele acrílico na frente. Na hora do concerto, o som se projeta de forma diferente, de que valeu o ensaio?”. “O instrumentista perde a referência para que o que é forte ou piano”, completa o trompista Israel. “A música é um diálogo”, diz Carrara. “Como é que um colega vai ouvir o outro se usa protetor auricular?”.
Wilthon cita mais um item do rosário de problemas da orquestra. “Até nossas cadeiras estão quebrando. No concerto de domingo passado (no Colégio Militar de Porto Alegre), uma oboísta caiu. No concerto anterior foi a cadeira do spalla e do corne inglês. A Fundação, que deveria estar atenta a isto, só agora está tratando de nossas cadeiras”. Porém, apesar do local precaríssimo, em 2010, a governadora compareceu na inauguração da sala do A3… Segundo Matos, “todos os órgãos sofreram com os cortes do governo Yeda e encontraram soluções criativas, nós não. A Fundação não correu atrás de soluções”.
Revitalização do cais do porto
Não obstante, a lista de tragédias não para. Agora, com a revitalização do cais do porto, a OSPA será obrigada a se mudar novamente em agosto. Para onde? Ninguém sabe ainda onde será o novo puxadinho. Segundo a AFFOSPA, a indefinição foi novamente criadas pela inoperância e falta de previsão da Fundação que deveria gerir a orquestra. Ou seja, apesar da AFFOSPA dizer que o governo está na mesa discutindo, criando o quadro e agindo para garantir a Ospa por muito mais do que uma legislatura, há mais problemas logo à frente.
A Associação de Amigos foi extinta
Se a Fundação tem um diálogo insuficiente com os músicos, o mesmo acontece com o público da Ospa. Há algumas semanas um pequeno grupo de ouvintes e admiradores da orquestra, formado, em sua maioria, por descontentes com os repertórios dos concertos dos últimos anos, com o escasso e equivocado material dos programas e com os locais inusitados e nada confortáveis das recitais – há concertos de duas horas em bancos duros de igrejas de péssima acústica – começou a conversar através das redes sociais. Nestes contatos surgiu o tema da ausência de uma Associação de Amigos da Ospa. Ora, a imensa maioria das orquestras do mundo todo são apoiadas por Associações de Amigos, entidades sem fins lucrativos que visam dar apoio às orquestras. Seus associados pagam mensalmente um valor irrisório em troca de ingressos mais baratos, participação nas decisões no repertório e, muitas vezes, até adquirem instrumentos ou contratam músicos para se apresentarem em concertos.
No Facebook, foi criado um grupo virtual chamado Associação dos Amigos da OSPA que, em menos de uma semana, contava com mais de 2000 seguidores. O grupo, criado em 23 de abril – não tem um mês de existência – , segue crescendo e ora conta com mais de 2500 seguidores. A primeira ação do grupo foi a de buscar informações sobre a antiga Associação de Amigos mas, após interpelar o diretor artístico, o e-mail da Assessoria de Comunicação que consta no site da OSPA, a página do Facebook da orquestra e vários músicos e ouvintes que participaram da antiga associação, nada obteve de informações.
Uma das criadoras do grupo, diz que ainda não se sabe se a antiga Associação de Amigos era formal ou informal. Há alguns relatos de antigos carnês de contribuição, mas nenhum material foi encontrado e nem se conhece os motivos pelo quais foi fechada. Dentro do grupo, há o consenso de que a OSPA merece uma Associação do gênero, mas a Fundação não reage ou responde.
Ou seja, não há relação entre o público da Ospa e a Fundação que gere a orquestra. As ações da Associação de Amigos vêm ao encontro da opinião dos músicos.
O futuro
“O que nós cobramos é que a Fundação esteja no compasso do governo. O governo quer a Ospa, quer apoiar a Ospa. O secretário Assis Brasil afirmou que colocaria o cargo à disposição se não resolvesse a questão salarial, de quadro e de teatro da Ospa. E o papel da Fundação seria o de viabilizar as coisas mais facilmente. A Fundação não consegue nem resolver os problemas imediatos da orquestra. Falta arregaçar as mangas e trabalhar.
A Fundação tem como presidente o médico Ivo Nesralla e seu diretor artístico é o maestro Tiago Flores. O maestro Flores não respondeu a nossas tentativas de contato, apesar de ter, à princípio, por e-mail, manifestado o desejo de conversar com o Sul21. Atualmente, Tiago Flores tem um péssimo relacionamento com a orquestra. Em contatos com vários músicos, podemos afirmar que não obtivemos manifestações de apoio à atuação de Flores, principalmente porque ele não considera a opinião da orquestra ao contratar maestros e ao definir repertório, desconsiderando a opinião da Comissão Artística. Aliás, no primeiro ano de funcionamento da Comissão Artística, houve uma súbita melhora na qualidade da programação o que infelizmente não subsistiu no segundo ano e alguns colegas deixaram a comissão. Carrara foi, inclusive, eleito como membro da Comissão, mas a abandonou pela disponibilidade restrita como vice-presidente da AFFOSPA e também por discordar de alguns pontos administrativos.
“O problema não é o Assis Brasil, é seu funcionário. E nós, na última reunião, avisamos: ou o Tiago passa para o lado da orquestra ou a orquestra passará por cima dele. Afinal, é a nossa sobrevivência”, diz o presidente Wilthon.
Hoje, a orquestra tem três reivindicações principais: a construção do teatro, o quadro funcional da orquestra – principalmente na área administrativa porque, se não há nem cadeiras ou estantes adequadas, existe um problema administrativo com pessoas pouco qualificadas no exercício de determinadas funções –, e a questão salarial. “Desde 1995, nós estamos defasados em 76,5 % só em relação do IGP-M. Todas as orquestras públicas do resto do país enfrentam problemas, mas nossa defasagem salarial em relação a elas é de aproximadamente 70%. A orquestra não pede nenhum aumento, apenas a reposição do que foi perdido nestes 17 anos.
Como ontem era a data de aniversário de minha filha, não julguei CORRETO ir ao Concerto da Ospa. Achei melhor jantar em casa, essas coisas. Mas coloquei uma missão para meu dileto amigo Ricardo Branco: já que ele iria ao concerto, que escrevesse algumas linhas a respeito. Costumamos ir juntos aos concertos que ocorrem na Reitoria da UFRGS. (Ignoro o motivo que leva o Branco e sua esposa Jussara a não irem aos concertos da Ospa em outros cantos da cidade que não a UFRGS). Talvez, após esta introdução, ele venha aqui nos explicar sobre o estranho fato. Pois é bom ir aos concertos com eles! O Branco é meu amigo a obscenos 36 anos e nosso gosto musical é bem parecido. Então, antes de passar a palavra ao Ricardo Branco, deixo para vocês o programa do concerto de ontem e despeço-me:
Programa:
Mikhail Glinka: Abertura da ópera “Ruslan e Ludmila”
Camille Saint-Saëns: Concerto para Piano e Orquestra nº 2, Op. 22
Johannes Brahms: Sinfonia n° 1
Regente: Roberto Tibiriçá
Solista: Ney Fialkow
Ser chamado de Pai de algum movimento musical, como normalmente é referido Glinka, pode significar nada mais do que ser um antecessor dos grandes. Com efeito, a abertura da ópera Ruslan e Ludmila, não passava de um aquecimento para recuperar-nos da algidez que pairava lá fora. Atingida a tepidez indispensável, pudemos sorver o belíssimo chocolate quente do Concerto para piano Nº 2 Op. 22 de Saint-Saens. Já no solo inicial, em estilo de uma fantasia, entendemos a que o pianista Ney Fialkow viera. O tema melancólico estava bastante adequado à noite. Um concerto leve que demandava um piano enérgico. Por fim, um movimento bastante rápido onde a orquestra e osolista ganham volume e terminam numa série de arpégios. Sinceramente, não sei por que os pianistas preferem o Concerto Nº 2 de Rachmaninof a este. Talvez o motivo esteja ligado ao fato de eu não ser pianista e sim um ouvinte.
Totalmente aquecidos, chegou a hora de brandy, ou vinho. No caso um Borgonha de alta classe. Brahms, primeira Sinfonia. Carpeaux comentou que havia um crítico americano que sugeriu adicionar “em caso de Brahms” nas placas de saídas dos teatros. Talvez por isso, este país gerou tão tardiamente compositores dignos de nota.
Sempre vi Brahms como uma camada de gelo escondendo um vulcão. Nada mais apropriado para a noite. No primeiro movimento há mais tensão que nos dois seguintes. O segundo é bastante lírico e o terceiro é o típico Brahms de ritmos e texturas complexas. Alguns já a chamaram de décima de Beethoven, será por que o più sostenuto no quarto movimento lembra o andante da nona? Não importa, é musica das maiores.
Assim se passou a noite, o gelo lá fora e a OSPA aprumada, agraciando-nos com lavas sonoras. Um ótimo retorno do Uruguai.
A gente aqui é muito chique. Como o titular do espaço resolver ver a peça Deus da Carnificina — uma de suas preferências absolutas — terceirizamos a resenha do Concerto da Ospa de ontem à noite com alguém que conhece muito mais. Não se acostumem, eu voltarei! Sim, o texto a seguir é de Dimitri Cervo, convidado por nós para escrever acerca de um concerto que, pelo visto (ou lido), foi ótimo. Agradeço ao Dimitri por ter concordado tão pronta e simpaticamente com nossa proposta. Aproveito também para me desculpar pela ligação que o tirou da cama, fato que só fui descobrir após lê-lo. Ah, a Ospa apresentará o mesmo programa de ontem na segunda-feira que vem, só que no Teatro Solis, em Montevidéu. Eu não disse que estamos chiques hoje? Com vocês, Dimitri Cervo:
Chego às 20h15 para o concerto da OSPA de ontem à noite, fila no pórtico da Assembléia Legislativa, ingressos esgotados. Após certa apreensão, pelas 20h30 as cerca de 70 pessoas que ficaram de fora são gentilmente convidadas a se acomodar “onde for possível.” Todos entram satisfeitos, com o aquele espírito de imagina-perder-esse-concerto-tchê! Olho ao redor, Assembléia Legislativa lotada, público animado e diversificado, alguns até com mate em punho e ainda consigo sentar bem no meio da sala, enquanto que a maioria se acomoda nas escadas laterais.
O concerto começa, música sublime de Carlos Gomes pairando no ar, José Maria Florêncio consegue extrair o máximo dessa obra prima: Alvorada, de Carlos Gomes. Logo entra Yamandu Costa, violão na mão, jeito “amandueiro”, um pouco levado, de alpargatas e bombacha. Ele é o solista da Fantasia Popular, obra sua em parceria com Paulo Aragão, que teve sua gênese em 2008 e desde então tem sido apresentada no Brasil e no exterior. Os três movimentos fluem maravilhosamente. No final, Yamandu, muito aplaudido, volta para um bis, com a excelente Bachbaridade, uma síntese musical e fonética e do espírito irreverente desse grande artista. Muito ovacionado, coloca o violão acima de sua cabeça, ofertando-o a platéia, simbolizando um “me coloco a serviço desse instrumento e da música”. Grandiosidade e humildade em um mesmo ser.
Falando com Aragão, soube que o processo criativo dessa obra representa o amadurecimento de uma relação artística de mais de uma década. Yamandu lhe passou em gravação inúmeras ideias musicais, e aos poucos elas foram sendo anotadas e modeladas em conjunto por esses dois vizinhos em Botafogo, tomando a forma final nessa excelente obra em três movimentos, em que a expressividade e virtuosidade do violão brasileiro de Yamandu são tão bem balanceadas com os recursos orquestrais.
Na segunda parte José Maria Florêncio voltou a demonstrar porque é um dos maestros brasileiros mais conceituados no mundo. Sua singular e precisa concepção da Bachianas Brasileiras nº 4, de Heitor Villa-Lobos e da contagiante Suíte Sinfônica nº 2 – Pernambucana, de César Guerra-Peixe fecharam a noite em grande estilo.
Após o concerto, ainda tive a honra de partilhar do jantar com Yamandu, Paulo, Florêncio, Tiago Flores e Elisa Cunha. Depois, a grande e boa armadilha do Yamandu, “vamos em algum lugar para uma saideira”. Foi um privilegio trocar ideias com Yamandu, Florêncio e Aragão madrugada adentro, as riquezas que brotaram desse encontro jamais poderá ser reproduzida em palavras. Para resumir, a saideira só terminou na hora de Yamandu ter que ir para o aeroporto, para outro compromisso sinfônico, agora com a Sinfônica Brasileira. E eu que esperava poder dormir um pouco mais hoje, fui despertado com o Milton Ribeiro ao fone. Já que ele não pode ir ao concerto me pediu essa resenha. Fiz o que pude, mas para capturar algo do essencial que aconteceu em música no concerto, e no palavreio do pós-concerto, só um escritor escrevendo um livro, ou um compositor criando música.
O concerto de ontem foi uma boa surpresa. Só obras para sopros e percussão. Sei que não dá para fazer isso sempre, mas abrir as janelas com a finalidade de arejar o repertório é uma coisa comum nas boas orquestras e a Ospa, com os músicos que tem, não deve dobrar-se a auto-indulgência, nem pensar que o público é tão amador que queira sempre mais do mesmo.
O concerto abriu com a simpática Fanfarra para preceder La Péri, de Paul Dukas. Obra para metais, serve como abertura do balé La Péri. Excelente interpretação do pelotão de metais da Ospa, disposto em linha na frente do público com o maestro na plateia. Um belo fuzilamento.
Depois veio a música mais chatinha da noite, a Serenata para Sopros, de Richard Strauss, a qual demonstrou um mérito indiscutível: ser curta. A coisa ficou séria na Sinfonias (isso mesmo) para Sopros de Igor Stravinsky. Com uma única mulher no grupo e em toda a noite — a clarinetista Beatriz Gossweiler — o que se viu e ouviu foi música de primeira qualidade com um show particular de Leonardo Winter e Augusto Maurer, dançando nas tortuosas melodias do talentoso nanico russo amante da grana.
Após o intervalo veio a música programática de David Gillingham, Waking Angels. Desconhecia totalmente esta bela composição de 1996 sobre a AIDS. Não é um tema leve e a música — assim como a composição de Stravinsky — não é nada trivial. A audição é realmente impactante, mas bonita de se ver. Enquanto Wilthon Matos botava e tirava gatos da tuba, o pessoal das madeiras alternavam intervenções de seus instrumentos com um coral. Isto é, eles cantaram e cantaram bem e com a seriedade requerida pelo tema. Apesar de tudo, não posso deixar de sorrir ao lembrar de Klaus Volkmann cantando com tanta seriedade, ele que parece ter o sorriso naturalmente estampado no rosto. (Impressão que tenho de longe, pois nunca falei com ele. Vai ver e é o maior dos mal humorados…).
Não me apaixonei pela Suíte cp200, de Edson Beltrami. Ela tem um final interessante, mas talvez rendesse melhor se não estivesse depois de Stravinsky e de Waking Angels. Destaque para a trompas e para o oboísta que não sei o nome (Javier Andres Balbinder?).
Além de bom músico, acho que o regente Dario Sotelo deu boas e necessárias explicações. Sabe falar em público, foi simpático, etc. Está caindo de madura a sugestão de imitar a Osesp. 30 minutos antes de cada concerto, um músico da orquestra dá uma pequena aula a respeito do que se vai ouvir. Quem não se interessar, chega só para o concerto; quem quer aprender e puder chegar mais cedo, aprende alguma coisa. A formação do público não deve ser apenas como ouvinte. Waking Angels cresceu muito após a sensível explicação do maestro. Pensem nisso. A Associação de Amigos da Ospa vai acabar acontecendo e espero que consigamos encaminhar coisinhas como essas. É o mínimo. A orquestra existe para o público e formá-lo é importante.
Ontem o concerto da Ospa previa um Festival Mozart. O programa era o que segue, copiado site da Ospa:
W. A. Mozart: La Clemenza di Tito – Overture
W. A. Mozart: Concerto para Flauta nº 1, em Sol Maior
W. A. Mozart: Andante para Flauta e Orquestra, em Dó Maior
W. A. Mozart: Sinfonia nº 41, em Dó Maior
A acústica da Igreja da Ressurreição é uma coisa, o blog é uma coisa pessoal e Mozart é um coisa pessoal problemática. Há muitas obras de Mozart que estão no meu panteão, mas não sou um admirador incondicional de sua música assim como sou da de Bach, Beethoven, Brahms ou Mahler. Grosso modo, a qualidade da música de Mozart eleva-se juntamente com o número do Koechel. Explico: Ludwig Alois Friedrich Ritter von Köchel (1800-1877) foi um musicólogo, escritor, compositor, botânico e editor austríaco, mas imortalizou-se como musicólogo ao catalogar toda a obra de Mozart, originando os números de Koechel, pelas quais as obras de Mozart são conhecidas. Desta forma, a belíssima Sinfonia concertante de dois posts atrás é a Sinfonia Concertante para Violino e Viola, K. 364. Estranhamente, o programa da Ospa falhou ao não incluir “os Ks”, mas a gente informa pra vocês sem problemas.
Como o catálogo Koechel é cronológico, fica fácil de notar que a música da juventude de Mozart era gentil, perfeita, bonita e equilibrada. Depois, a vida, as dívidas e o contratos começaram a influenciar e sua música ganhou drama, sangue e agressividade. Melhorou muito. A abertura La Clemenza di Tito, K. 621 e a Sinfonia Nº 41, Júpiter. K. 551, são obras da maturidade do compositor. Já o Concerto para Flauta Nº 1 tem K. 313, e o Andante para Flauta e Orquestra, K. 315, são obras que se encaixam naquele mundo inodoro e perfeito do Mozart inicial. Como disse lá no início, o blog é uma coisa pessoal e eu não gosto destas obras para flauta. É muita limpeza e pouco drama.
A execução valeu pelo excelente solista Leonardo Winter que, como sempre, fez um trabalho notável, apesar do Andante arrastado demais do regente Ricardo Sciammarella, que, pelo ouvido, o desejava Adagio.
Já a qualidade musical, o pulso e a veemência da Júpiter e de La Clemenza di Tito trazem tanto interesse a um concerto que a gente consegue ignorar o fato da acústica da Igreja da Ressurreição ser tão ruim. A Júpiter é tão boa que até o minueto — terceiro movimento da forma sinfônica clássica — é legal. Por motivos certamente ligados à inadequação acústica da sala, Sciammarella fez uma virou a Ospa de cabeça para baixo, colocando, a partir da esquerda, os primeiros violinos (com os contrabaixos atrás), os violoncelos, as violas e os segundos violinos. Boa tentativa, mas a sala é incontrolavelmente demoníaca.
P.S. — Um fato desagradável que pode ser evitado: o programa indicava que haveria um intervalo antes da Júpiter. Por isso todos levantaram enquanto os alto-falantes mandavam a plateia sentar. Chato, né?
Se eu tivesse todo o tempo do mundo, escreveria 4 ou 5 laudas sobre o bom concerto de ontem, mas como não tenho, vamos ver o que dá para escrever.
O programa era excelente, todo dedicado ao barroco tardio:
J. S. Bach: Suíte Orquestral nº 3 em Ré Maior George Philipp Telemann: Concerto para Viola em Sol Maior Antonio Vivaldi: Salve Regina George Friederich Handel: Música Aquática (Suíte Nº 1)
Todas obras conhecidíssimas, daquelas que postamos a toda hora no PQP Bach. Sendo assim, sabíamos bem o que íamos ouvir e o que seria original, diferente ou estranho. A começar pela acústica da Igreja Nossa Senhora das Dores nas Costas, que é apenas aceitável, mas ainda assim muito melhor do que a da Igrejinha do Colégio Anchieta. Apesar disso, o violista Cosmas Grieneisen ficava algumas vezes inaudível em função da orquestra. O curioso é que o soprano Cíntia de los Santos sempre esteve audível na posição em que eu estava, no canto direito, atrás dos violoncelos e do Benevides. Também ouvi perfeita e distintamente o violino do excelente Emerson Kretschmer, mesmo quando tocado em uníssono, principalmente no Handel. É um mistério acústico, pois eles estavam no lugar e ao lado do Cosmas. Eu conseguia ouvir até aquele delicado tsk de quando o arco começa a se movimentar na corda do violino do Emerson…
Talvez em comparação com gravações ouvidas por décadas, o efetivo orquestral deu-me a impressão de estar perfeito no Bach e no Handel, mas superdimensionado para o Telemann e o Vivaldi. Já o Vivaldi saiu com um jeitão de que parecia que a Rainha seria salva pela SWAT, tal a veemência de alguns momentos.
Maravilhoso foi o público que lotou todos os espaços, com pessoas em pé e outras sentadas no chão. Não eram as caras dos 200 de sempre, eram outras. Começaram aplaudindo entre os movimentos e depois pararam. Fizeram só uma vez. Nunca vi tanta atenção e aprendizado mais rápido.
A Suíte de Bach foi extremamente bem tocada. O regente Luis Otávio Santos sabe muito bem o que faz — é violinista e regente especializado no barroco — e fundou a Orquestra de Câmara da Ospa, um subconjunto da orquestra maior que soou muito interessante. O que quero dizer é que o som não foi o mesmo que ouvimos, por exemplo, quando a Ospa tocou o ciclo de cantatas do Oratório de Natal, de Bach, lá no SESC faz uns anos — ontem ela emitia um som de orquestra barroca, com perfeitos trompetes manhosos e outra dicção de parte dos violinos. Daquela vez, no SESC, repito, era a Ospa reduzida; desta vez era uma orquestra de câmara. Ah, sim — o moço Luis Otávio deve conhecer bem seu ofício. (Quem foram os trompetistas? Podem me informar nos comentários?)
Vamos para o outro ponto alto? Sim, o Handel. A Música Aquática é espaçosa e barulhenta, tanto que foi estreada numa embarcação bem no meio do Tâmisa, durante um passeio da corte inglesa. Os trompistas e os oboés se impõem em grande parte da música. Só que ontem o time titular estava em campo e não tivemos fadiga nos metais. Israel Oliveira e Viktória Tatour músicos de primeira linha, assim como seus cúmplices (quem são?). A interpretação foi impecável, com grande destaque também para as cordas.
(Handel sempre lembra minha adolescência Nos anos 70, amava aquelas gravações do Karl Richter e da Orquestra Bach de Munique. Música Aquática, Música para Fogos de Artifício e carradas de Concerti Grossi. Saudades).
O Concerto para Viola de Telemann estava assim assim. Na verdade, eu não ouvia muito bem o Cosmas Grieneisen de onde estava. Esta é a razão de eu não ter gostado. Ensaiando onde ensaiam, o pessoal da Ospa está acostumado a não ouvir ou ouvir demais o colega, mas eu, que conheço bem o concerto, deixava de ouvir a viola toda vez que esta era acompanhada pelo restante das cordas. Foi um negócio meio desesperador, porque acho legal que um músico da orquestra vá lá e sole. E, quando isso acontece, não ouço direito… E, já disse, este Concerto tem uma instrumentação bem mais delicadinha nas minhas adoradas gravações com instrumentos originais. Acho que estou acostumado a ouvir este concerto com 1/3 de músicos, no máximo 8 ou 10.
O mesmo vale para o Vivaldi. Eu ouvia perfeitamente o soprano Cíntia de los Santos, porém a orquestra parecia um exército. Pode ser um engano de minha parte, mas me pareceu estar ouvindo coisas de uma época pré Academy of Saint-Martin-in-the-fields, que utilizava instrumentos modernos, mas com maior parcimônia.
De qualquer maneira, como é BOM, ÓTIMO, EXTRAORDINÁRIO ouvir música de câmara desta qualidade e muito bem tocada! Saí muito feliz de lá.
Brenno Blauth: 3 Movimentos para Quinteto de Sopros e Cordas (Estreia) João Guilherme Ripper: Concerto a Cinco (homenagem ao Quinteto Villa-Lobos pelos 50 anos) Dmitri Shostakovich: Sinfonia nº 5
Regente: Victor Hugo Toro Solista: Quinteto Villa-Lobos
— mas é muito claro quando o regente não agrada à orquestra por estilo pessoal ou incompetência. Creio que não preciso falar com nenhum músico para afirmar tal fato. As encantadoras obras de Brenno Blauth e João Guilherme Ripper foram levadas brilhantemente pelo Villa-Lobos e pela Ospa, apesar da confusão ocorrida no início do concerto, quando os violoncelos ou os contrabaixos simplesmente não entraram e tudo teve que ser recomeçado. Fato inédito: o maestro Toro olhou para a direita e viu apenas o pano vermelho. Estávamos com um ou dois segundos de música, então a coisa passou batido, principalmente se considerarmos que a obra de Blauth, que ficara anos perdida entre os papéis de sua mulher, era de excelente qualidade e compensou o contratempo. A música recomeçou, mas ficou aquele fiasquinho na conta.
A primeira parte do concerto, onde foram tocadas as obras de Blauth e Ripper, foi a melhor. Os extraordinários solistas do Quinteto Villa-Lobos arrebentaram, só não precisavam ter tocado com tanto descuido o bis com a Ária da Bachiana Brasileira Nº 5. O bis é um momento de alegria. O público o exige num elogio aos solistas e o solista retribui a homenagem reafirmando sua categoria. Não é um momento para crivar de erros uma peça conhecida, ainda mais num arranjo assim assim.
A conhecidíssima Quinta de Shostakovich foi interpretada mais na concepção heroica de Bernstein do que na contida de Mravinsky, mas a orquestra não parecia tão entusiasmada quanto Toro, que chegava a pular no pódio com sua batuta daquela forma que Fabiana Murer não fez com sua vara. As cordas da orquestra estiveram muito bem, assim como flautas e oboés — com destaque novamente para os impecáveis Artur Elias e Viktória Tatour — , mas os metais estiveram desfalcados e mals, muito mals. Apenas para usar uma expressão comum, diria que tinha gato (mais provavelmente uma gata) na tuba e filhotinhos pelos outros instrumentos.
Apesar da excelente primeira parte, ficou aquela impressão de que o concerto poderia ter sido muito melhor.
P.S. — Ah, esqueci: sentei lá em cima no Dante Barone. Num local onde a acústica era efetivamente péssima. Fiquei sonhando com a construção e desejando o bom andamento das licitações da Sala Sinfônica.
Não sei como é para vocês, caros amigos da OSPA, mas a mim, que sou um pouco inquieta, o que mais irrita em tudo o que debatemos neste grupo (fim da escola, nenhuma sensibilização de públicos, escassos concertos para a juventude, inexistentes palestras pré-concerto, etc.) é ver a enorme falta de flexibilidade e criatividade para se empreender qualquer ação que seja diversa aquela prevista no papel. Isto vai desde formalizar e ter este grupo reconhecido e integrado à orquestra até atuar pequenas idéias como publicar previamente no grupo a música dos concertos para preparar o público interessado para a audição e parabenizar os ospianos pelos aniversários. “Mas estas são bagatelas!”, vocês dirão.
Posso até desconhecer todos os mecanismos, necessidades técnicas e outros meandros do métier… Ok, sei bem que não sou perfeita e não sei tudo! Mas, pela vivência em associações e trabalhos de voluntariado sei que muitas coisas podem ser feitas com um pouco mais de boa vontade.
Me angustia o foco unidirecional e restritivo, voltado quase exclusivamente para a construção do teatro, que parece aniquilar a possibilidade de qualquer outra ação. Obviamente, ninguém quer a OSPA e seus integrantes trabalhando em condições adversas e em locais impróprios mas, tenho certeza, haverá espaço ocioso em outras estruturas do estado e do município (CCMQ, Gasômetro, etc) que poderiam ser usados para atividades. Eu, inclusive, acredito que a atual administração seja muito enxuta e não consiga dar conta de tudo mas então, porque não usar as ofertas voluntárias de ajuda? Centralização de poder e de fazer não está com nada!!!Imagino que palestras, concertos didáticos com grupos menores e até pequenos cursos poderiam ser ministrados deste modo. Pode até ser que eu esteja errada mas a sensação que tenho é que estamos desprezando as excelências da OSPA e perdendo grandes oportunidades. Sem formação de público e sensibilização quem vai frequentar o novo teatro???
O programa de ontem da Ospa oferecia duas obras bem diferentes, um aquecimento com o subwagneriano Franz Schmidt (o Intermezzo da ópera Notre Dame) e um portento de Gustav Mahler, a Sinfonia n°4.
O tal Intermezzo era bem curtinho. Brumas wagnerianas adentraram o palco da Reitoria. Porém, logo foram desfeitas pelas cordas tentando tocar em uníssono. Não funcionou nada bem, mas perdeu-se pouco: o Intermezzo é um daqueles longos clímaces (plural de clímax, por favor?) que parecem desaguar em algum local muito longínquo, bem longe do Bonfim e de suas famílias judias. Mas vamos ao que interessa.
A Ospa estava preparada era para Mahler. A quarta sinfonia é uma pequena e leve composição quando comparada com suas irmãs. É uma sinfonia distinta das outras do compositor, assim como o são a sarcástica 9ª na obra de Shostakovich ou a haydniana 8ª na de Beethoven. Os temas da 4ª fluem com facilidade e humor. Porém, a orquestra não tem vida fácil. A orquestração é via de regra rarefeita; a música é levada por sub-grupos solistas que se revezam em diferentes combinações. Não é apenas música de primeira qualidade, é uma coisa interessante de ser assistida ao vivo, pois as melodias que começam aqui são continuadas ali; depois, são feitas variações timbrísticas acolá e finalizadas algures. A plateia perce que está num jogo de tênis, virando a cabeça a cada momento. É que, nesta sinfonia, Mahler fugiu dos grandes efeitos de massa, escolhendo combinações de câmara e o contraponto como fator de equilíbrio da obra. Os músicos estavam todos muito concentrados, sem os habituais saracoteios daqueles que regem e motivam a si mesmos. E o resultado foi maravilhoso.
Há muito a destacar. Começo pelo spalla Emerson Kretschmer e pelo concertino Omar Aguirre. Foram perfeitos em seus muitos solos. As intervenções do trompista Alexandre Ostrovski e da oboísta Viktória Tatour foram absolutamente impecáveis — sempre são! — , assim como as dos clarinetistas Augusto Maurer e Diego de Souza e as dos flautistas Klaus Volkmann, Leonardo Winter e de mais um do qual também não sei o nome. Impressionante a forma como os violoncelos cantaram no terceiro movimento sob o domínio da precoce aposentada Inge Volkman, que fazia… Sua última apresentação com a Ospa? Ah, brincadeira, né?
(Intermezzo: Querida Inge. Parabéns. Mas não pare de trabalhar. Mantenha projetos e siga tocando cello. A aposentadoria pode ser uma coisa terrível e digo isso por vários exemplos familiares. Mantenha-se ativa, até porque é um crime deixar tanto talento de pijamas ou chinelinhas em casa. Nada de ficar vendo TV e acompanhando séries americanas. Isso emburrece, certo? Fim do intermezzo).
Porém, meus amigos, nada foi comparável à regência compreensiva do imenso Kiyotaka Teraoka e, principalmente à delicadeza, à presença e ao canto do soprano Sara Kobayashi. Céus, aquilo foi espantoso desde a entrada — uma aparição saída dentre os violinos. Além de ser uma moça belíssima, Sara tem excelente voz e sabia que estava cantando A Vida Celeste palavra por palavra. Foi um momento arrepiante e inesquecível. É muito difícil fazer o simples que o lied parece exigir e tenho certeza que todos os que estiveram lá levaram bem gravada em seus olhos a imagem e a voz de Sara Kobayashi cantando o final da 4ª. Foi o máximo.
Faltavam uns 5 minutos para eu chegar e já meu amigo Ricardo Branco me ligava perguntando se eu estava ou não atrasado. Não estava. Estava quase lá na Reitoria. Quando fiz a curva para entrar na Paulo Gama, cruzei um sinal amarelo e pensei que estava fazendo tudo aquilo para ver Rachmaninov pela terceira vez em 90 dias e que tal postura poderia ser qualificada sem dramas de masoquismo. Encontrei os amigos e anunciei que não jantaria após o concerto. O Branco e a Jussara reagiram:
— Mas o que interessa hoje é o jantar. Isso aqui…
Pois é. Rachmaninov tinha mãos grandes e vinte e oito dedos. Rach é seu apelido, mas ele não tem nada a ver com o Pai da Música; é um compositor de terceira linha que privilegiava um virtuosismo vazio. Andava de carro por Nova Iorque, de avião e elevador pelos céus dos EUA, mas tentava compor como se fosse Tchaikovsky ou Schumann. Costumava e, infelizmente, ainda costuma entupir nossos ouvidos de ciclamato, mas o concerto de ontem era estranho. No Concerto Nº 4 para pianista e orquestra — digo assim por tratar-se de um concerto para o pianista e não para o piano –, Rach estava meio perturbado pelo jazz e as novidades. Incrível, havia um mundo lá fora! Era simplesmente o ano de 1925 e seu colega de aristocracia Stravinsky já tinha composto o Pássaro de Fogo e a Sagração; Gershwin tinha lançado uma Rapsódia cujas cores batiam de longe a melíflua pecinha de Rach sobre Paganini e Bartók até já tinha escrito dois concertos para piano que nossa senhora. (Aliás, há tantos concertos monumentais para piano no século XX… Tantos Prokofiev, Ravel, Shosta, Bartók e a Ospa nos enfia três RachsKitsches goela a abaixo… É muita besteira).
Bem, mas Rach estava meio fora de si e fez um primeiro movimento simplesmente pavoroso, um monstro de três narizes — um a 120º do outro –, seis pernas, treze braços e enormes mãos. Era a comprovação de que mel estraga e azeda. No segundo movimento, há uma tentativa de aproximação com a realidade através do jazz. Ele acerta no ângulo com um ostinato simples e bonito que é logo desfeito pelo monstro das mãos grandes. O terceiro movimento é uma longa peroração ao público. Ele solicita aplausos e um bom pagamento através das contorções do pianista e do uso de habilidades demoníacas. Sim, o público aplaudiu muito, o que fez o excelente pianista georgiano Guigla Katsarava voltar algumas vezes ao palco até conceder um bis. Com ele e Chopin, começou a música. Intervalo.
A Abertura Festiva de Shosta é obra escrita em cima da perna. Não dá para levá-la à sério. Foi escrita em três dias de 1954 para saudar mais um aniversário da Revolução de 1917. OK, Shosta é muito bom e fez uma peça divertida e acessível — “música fuleira”, disse o Branco. Foram cinco minutinhos que serviram de introdução para
a Suíte Pássaro de Fogo de Stravinsky. Em 1910, Strava já era muito mais moderno do que Rach jamais pensou ser. Talvez Igor já gostasse de dinheiro, mas sempre fez música, mesmo quando queria apena$ afago$. A orquestra deu um banho. Leonardo Winter e Artur Elias tinham acordado especialmente canoros e ofereceram penas de fogo para uma plateia embevecida e desconfiada de que aquilo era música de verdade. O único problema é que, quando Ivan vê as treze virgens no castelo do monstro Kastchei, ou seja, quando aparece o monstro… Seu rosto e garras eram os de Rachmaninov. Claro, a gente lembrava da primeira parte do concerto!
(Intermezzo)
Kastchei, o monstro de Pássaro de Fogo, é um ogro verde de terríveis garras, uma personificação do mal, a cara do Rach. Sua alma não habita em seu corpo disforme, ela é cuidadosamente preservada do alcance de qualquer dano em um caixa toda decorada — pura bichice do Diaghilev. Enquanto a caixinha permanece intacta, Kastchei é imortal e mantém o seu poder para o mal, mantendo donzelas virgens em cativeiro e transformando os homens que desejam libertá-las em pedra. A redenção das moças só pode ser alcançada pelo acesso e destruição da caixinha e da alma do ogro. Adivinhem se o Pássaro de Fogo não vai dar uma mão para Ivan? Adivinhem! Adivinhem se o Ivan não vai ficar com uma das virgens?).
(Fim do Intermezzo)
E fim da resenha. O regente Kiyotaka Teraoka mereceu toda a alegria e o bater de pés com que a orquestra o brindou. E, ah, na semana que vem HABEMUS MUSICA. O refrigério virá por Mahler, Sinfonia Nº 4, e pelo mesmo maestro Teraoka. Estaremos operando em modo Rach Free.
P.S.– Saí para jantar com os amigos, claro. Pensei que merecia depois de meu terceiro concerto para piano e orquestra de Rach de 2012.
A Sinfonia Nº 4 de Brahms é estranha. Quando começa, temos a impressão de termos sido jogados direto na recapitulação de um tema. A coisa vem sem maiores apresentações, parece que entramos numa conversa ou numa reunião que já vai pela metade e em que as pessoas apresentam uma segunda pauta e desenvolvem-na em forma-sonata. É como se ele entrasse subitamente em meio a uma DR (Discussão de Relacionamento) entre Clara e Robert declarando tranquilamente: “OK, confesso, eu como a Clara e isto deve gerar tensões que deixam qualquer um louco”. Então descobrimos que a recapitulação era na verdade uma exposição. Coisa mais linda este movimento, fico louco de felicidade com ele. O nada otimista segundo movimento é seguido pela galinhagem do terceiro — o que é mais uma coisa estranha: um raro momento humorístico de alguém que se caracterizava pela densidade e seriedade. O último movimento abre uma janela para o barroco — outro fato inusual para uma sinfonia tão romântica — , baseando-se numa passacaglia.
Longe vão os dias em que temíamos a gataria dos sopros da Ospa. Com a graça do bom deus (que não existe), os últimos concursos da orquestra serviram para botar os gatos num saco a fim de matá-los, como manda o bom senso reinante nas colônias alemãs de nosso estado. Pois bem, a quarta de Brahms, assim como a abertura-fantasia Romeu e Julieta, de Tchaikovsky, executada na primeira parte do concerto, exigiam muito das madeiras e metais. A resposta deles foi estupenda, tarefa facilitada pelo excelente maestro lituano Robertas Servenikas. Como diz PQP Bach, há algo na água do Báltico que torna as pessoas daquele mar bons músicos.
Eu costumo não gostar de Tchai, mas há exceções como o Concerto para Violino, Romeu e Julieta e outras poucas peças. Romeu e Julieta me remete imediatamente a meu amado Shostakovich. As sombras que ameaçavam o pobre casal veronês são um prenúncio do que depois faria Dmitri. Certamente, ele estudou a fundo esta peça, pois ontem, no auditório da Assembleia Legislativa, havia certa fragrância de Shosta no ar. Bem… deixa eu tentar explicar melhor. Sendo mais lógico, há tal presença de Tchai em Shosta que, como explorei mais Shostas, sinto como se este tivesse influenciado aquele, se me entendem. Romeu e Julieta é das obras mais suadas de Tchai. Ele a escreveu em 1870, aos 30 anos, mas houve duas revisões bastante profundas, a última em 1880.
Olha, foi um tremendo concerto. Curto, coerente e todo bom. Só não gostei daqueles insistentes (e poucos) aplausos em meio aos movimentos de Brahms. O pessoal não se flagra mesmo.
Agora, não sei se reunirei forças para ir ao concerto da próxima terça-feira. A programação indica uma dose letal do pianismo meloso de Rachmaninov. Estou muito velho para nadar em algodão.