Ospa, frio e bons sopros

Ospa, frio e bons sopros
José Milton: cheio de malemolência
José Milton Vieira: jazzy “malemolence” | Foto: Marcos Ever

Por motivo de compromissos pessoais, eu e Elena chegamos atrasados ao concerto, perdendo a primeira obra (Paul Dukas: Fanfarra para preceder La Péri) e o primeiro movimento da segunda (Jan Koetsier: Sinfonia para metais). Sentamos nas cadeiras do Teatro Dante Barone somente quando começou o Larghetto da Sinfonia de Koetsier. A sonoridade era algo mais que uma trombonada, era algo que me fez repensar sobre a irritação — puro preconceito — que possuo contra obras para metais e percussão. Formando um leque no palco do teatro de péssima acústica, o som era tão bom que eu até lembrei daquela versão da Arte da Fuga de Bach para metais, talvez com o Canadian Brass. Tinha esquecido dela… tão boa e compreensiva de Bach. Mas isso foi até chegar a Suíte de Granados, que me irritou por ser um arranjo algo tosco de suas Danças Espanholas. Enfim.

Pô, enfrentáramos o frio para ver só aquilo? Mas havia um intervalo e uma segunda parte para salvar a lavoura.

Uma curiosidade: durante a a obra de Koetsier, as faxineiras da Assembleia Legislativa subiam as escadas do teatro com seus baldes e vassouras com tanta naturalidade que pensei que estivesse na partitura. Era um contraponto interessante à música? Talvez uma forma de denunciar nossa atitude burguesa de fruição do belo em contraposição à vida sofrida do trabalhador. Estavam uniformizadas, de azul, era lindo de ver.

A fanfarra “feminista” de Joan Tower, Fanfarra para a mulher incomum, é bem curtinha como a Fanfarra para o homem comum de Copland, mas cumpridora. A coisa melhorava. Depois tivemos divertido tango Jealousy, de Jacob Gade. Até então as grandes estrelas no palco eram o trompetista Elieser Ribeiro — também, com um sobrenome desses! –, o igualmente trompetista Tiago Linck e o seguríssimo tubista Wilthon Matos, mas quando começou a melhor peça da noite (Motown Metal, de Michael Daugherty) todos viram a realidade. A noite era do trombonista José Milton (também, com um nome desses!) Vieira.

Eu tinha avisado no Facebook que o norte-americano Daugherty era um fenômeno e que valeria a noite. Não deu outra. O passado desse compositor é estranho e eclético. Ele foi músico de jazz e rock. Depois foi para a Europa estudar com Boulez e Ligeti (boas referências, não?). Sua obra mais famosa é a espetacular Metropolis Symphony, escrita em homenagem ao superman. É obra de um piadista que escreve música de primeira linha. Sua Motown Metal é uma belíssima homenagem à gravadora da soul music e da grande música negra americana dos anos 60 e 70, a Motown. O maranhense Miltinho estudou na Julliard School of Music e nos mostrou uma sequência de solos cheios de suingue na noite fria de Porto Alegre. E todo mundo saiu de lá feliz e em paz.

Programa:
Paul Dukas: Fanfarra para preceder La Péri
Jan Koetsier: Sinfonia para metais
Enrique Granados / Arr. Eric Crees: Suíte
— Intervalo —
Joan Tower: Fanfarra para a mulher incomum
Jacob Gade: Jealousy
Michael Daugherty: Motown Metal

Regente: Kristian Steenstrup

Ospa: noite de ventos

O concerto de ontem foi uma boa surpresa. Só obras para sopros e percussão. Sei que não dá para fazer isso sempre, mas abrir as janelas com a finalidade de arejar o repertório é uma coisa comum nas boas orquestras e a Ospa, com os músicos que tem, não deve dobrar-se a auto-indulgência, nem pensar que o público é tão amador que queira sempre mais do mesmo.

O concerto abriu com a simpática Fanfarra para preceder La Péri, de Paul Dukas. Obra para metais, serve como abertura do balé La Péri. Excelente interpretação do pelotão de metais da Ospa, disposto em linha na frente do público com o maestro na plateia. Um belo fuzilamento.

Stravinsky em momento pastoral (clique para ampliar)

Depois veio a música mais chatinha da noite, a Serenata para Sopros, de Richard Strauss, a qual demonstrou um mérito indiscutível: ser curta. A coisa ficou séria na Sinfonias (isso mesmo) para Sopros de Igor Stravinsky. Com uma única mulher no grupo e em toda a noite — a clarinetista Beatriz Gossweiler — o que se viu e ouviu foi música de primeira qualidade com um show particular de Leonardo Winter e Augusto Maurer, dançando nas tortuosas melodias do talentoso nanico russo amante da grana.

(Aqui, mais fotos eróticas de Igor Stravinsky).

Após o intervalo veio a música programática de David Gillingham, Waking Angels. Desconhecia totalmente esta bela composição de 1996 sobre a AIDS. Não é um tema leve e a música — assim como a composição de Stravinsky — não é nada trivial. A audição é realmente impactante, mas bonita de se ver. Enquanto Wilthon Matos botava e tirava gatos da tuba, o pessoal das madeiras alternavam intervenções de seus instrumentos com um coral. Isto é, eles cantaram e cantaram bem e com a seriedade requerida pelo tema. Apesar de tudo, não posso deixar de sorrir ao lembrar de Klaus Volkmann cantando com tanta seriedade, ele que parece ter o sorriso naturalmente estampado no rosto. (Impressão que tenho de longe, pois nunca falei com ele. Vai ver e é o maior dos mal humorados…).

Não me apaixonei pela Suíte cp200, de Edson Beltrami. Ela tem um final interessante, mas talvez rendesse melhor se não estivesse depois de Stravinsky e de Waking Angels. Destaque para a trompas e para o oboísta que não sei o nome (Javier Andres Balbinder?).

Além de bom músico, acho que o regente Dario Sotelo deu boas e necessárias explicações. Sabe falar em público, foi simpático, etc. Está caindo de madura a sugestão de imitar a Osesp. 30 minutos antes de cada concerto, um músico da orquestra dá uma pequena aula a respeito do que se vai ouvir. Quem não se interessar, chega só para o concerto; quem quer aprender e puder chegar mais cedo, aprende alguma coisa. A formação do público não deve ser apenas como ouvinte. Waking Angels cresceu muito após a sensível explicação do maestro. Pensem nisso. A Associação de Amigos da Ospa vai acabar acontecendo e espero que consigamos encaminhar coisinhas como essas. É o mínimo. A orquestra existe para o público e formá-lo é importante.